Escrito provavelmente no ano 2000, o texto abaixo critica uma Lei que segue ativa: a da chamada Responsabilidade Fiscal.
Segundo a imprensa, o governo federal calcula que o Brasil necessitará de US$ 100 bilhões para "fechar as contas" em 2001 e 2002. No ano em curso, a projeção é que o déficit em transações correntes do Brasil com o exterior chegue a mais de US$ 26 bilhões. Recursos necessários, é bom que se diga, para pagar os juros e amortizações da dívida externa, as importações, as remessas de lucros e dividendos, as viagens ao exterior etc.
Para conseguir estes recursos, o governo pretende manter os juros altos, aumentar as exportações, prosseguir nas privatizações, atrair "investimentos" estrangeiros e eventualmente recorrer a novos empréstimos. O Fundo Monetário Internacional, numa linguagem mais direta, traduziu esta política assim: este e os próximos governos devem abrir mão de "projetos de investimento público de vulto”, para reduzir a dívida líquida do setor público a "patamares aceitáveis" em 2010. Ou seja: dez anos de arrocho.
Um dos instrumentos necessários para viabilizar este arrocho é a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal. Digo "chamada" porque a LRF ajuda a consolidar a dívida anterior, mesmo que ela tenha sido (como é o caso da capital paulistana) produto de ilegalidades e irresponsabilidades flagrantes.
A Lei não penaliza, não impede nem coibe a principal causa de aumento da dívida pública, que é a política de juros patrocinada pelo governo federal. Ao contrário: os "prejuízos" do Banco Central são automaticamente cobertos pelo Tesouro Nacional; e ações como o socorro aos bancos privados estão livres de qualquer restrição orçamentária.
A Lei transfere para os municípios e estados a conta da "irresponsabilidade" federal. Afinal, os prefeitos e governadores não são os principais responsáveis pelo crescimento do endividamento público, R$ 60 bilhões para mais de R$ 500 bilhões, ao longo dos últimos sete anos.
A "responsabilidade" apregoada pelos defensores da Lei resume-se ao seguinte: os prefeitos e governadores devem priorizar, custe o que custar, o pagamento das dívidas financeiras. A "responsabilidade" de que falam tem, portanto, um claríssimo sentido de classe: trata-se de garantir os direitos dos credores, dos "senhores da dívida". Por óbvio, a nossa "responsabilidade" deve ser outra: com o pagamento das "dívidas sociais", com o desenvolvimento econômico, com as necessidades da esmagadora maioria da população.
Infelizmente, muitos prefeitos e governadores da oposição ainda elogiam a Lei. Outros reconhecem que seu conteúdo é globalmente negativo, mas afirmam existir um lado da Lei que é "positivo": "coibir irresponsabilidades e abusos administrativos, com as devidas penalizações."
Para atingir estes objetivos, a Lei seria desnecessária. Sem entrar no mérito, lembramos que já existem a Lei Camata (limita gastos com pessoal), a resolução nº 78 do Senado (controla o endividamento público) e a Lei Eleitoral (proibe contratar e aumentar salários antes das eleições), entre outras.
A Lei não foi feita para "coibir irresponsabilidades e abusos administrativos", mas sim para penalizar quem não paga as dívidas financeiras. Trata-se de uma cobertura legal para o desatendimento das necessidades sociais.
Sem falar que a Lei tem dispositivos impossíveis de serem cumpridos pela maior parte das administrações do país, como é o caso dos relatórios períodicos, dispositivos aliás que o próprio governo federal já vem descumprindo. Como descumpre, aliás, outros dispositivos, como aquele que estabelece condições para o contingenciamento de verbas orçamentárias.
Por isso, é um contrasenso propor "usar a Lei de Responsabilidade Fiscal contra os irresponsáveis", pelo simples motivo de que a "irresponsabilidade" ali punida é a nossa.
Como lembra o deputado federal Sérgio Miranda (PCdoB-MG), a Lei "impede, na prática, a ampliação de despesas com pessoal e gastos correntes com serviços públicos, que só podem ser majoradas mediante aumento de tributação ou crescimento econômico (...) situações insólitas podem acontecer, como a prisão, entre um e quatro anos, de um prefeito ou governador que não admita demitir professores, médicos ou policiais ou mesmo resolva implementar programas sociais sem a devida autorização de despesa e o correspondente aumento da carga tributária. Mas, para casos de desvios de dinheiro ou negligência administrativa a lei não prevê punições. (...) Mesmo com dinheiro em caixa, os governantes não dispõem de autonomia para fazer frente a seus compromissos legitimados pelas urnas. Os artigos 16, 17 e 24 são taxativos: novos programas sociais não podem ser financiados a partir da melhoria da arrecadação ou do crescimento econômico. Quaisquer novas despesas estão condicionadas à criação ou aumento de tributos (...) Atreladas ao cumprimento das metas fiscais, as despesas sociais serão automaticamente contidas, além da proibição da aplicação de recursos das privatizações para Fundos de combate à miséria, erradicação de analfabetismo, epidemias". (in: Boletim do Plebiscito da Dívida).
Onde nós somos governo, a Lei será um grande obstáculo. E onde nós somos oposição, será um grande pretexto para os governos conservadores justificarem a falta de ações sociais. Aos que duvidam disso, sugerimos o conselho do Linha Direta: "é fundamental o conhecimento técnico da Lei".
Nas suas linhas e entrelinhas, estão algumas das causas da gente que morre, dos remédios e leitos que faltam, da inexistência de vagas nas escolas e creches, do déficit habitacional e de outros males que afligem a maioria do povo. Por isso, o PT e seus governos têm a obrigação de mobilizar-se contra a Lei.
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