terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cultura é direito

O texto abaixo foi escrito, provavelmente em 2006, para colaborar com o caderno de resoluções da 1ª Conferência da Cultura de São Leopoldo.

De 2001 a 2004, fui secretário municipal de Cultura, Esportes e Turismo na cidade de Campinas (SP). Administrei uma dotação que evoluiu, ao longo da gestão, de 17 milhões até 35 milhões, cerca de 3% do orçamento municipal.

Chegamos a ter mais de 500 trabalhadores vinculados à Secretaria, responsáveis por uma programação desenvolvida em 50 equipamentos (de museus, teatros e praças de esporte, até um aquário e um observatório municipal). Um pingo de água, numa cidade de um milhão de habitantes e profundamente desigual.

Nos contatos que mantive com outras secretarias de Cultura, percebi que a experiência de Campinas tinha um diferencial importante: a cultura foi sempre, para nós, parte integrante e fundamental do projeto estratégico do governo.

Logo, tínhamos prioridade na liberação dos recursos, apoio administrativo e peso político. Vale dizer que todas as secretarias municipais, não apenas a Cultura, desenvolveram ações culturais.

O importante, entretanto, é que a ação do governo foi enxergada por nós como parte de uma disputa cultural, vetor de uma disputa profunda sobre a visão de mundo dos habitantes de nossa cidade, integrante de uma batalha por hegemonia.

Quais eram nossas teses básicas? Primeiro: cultura é um direito. Isto significa que o acesso à cultura não pode ser definido por parâmetros de mercado. Segundo: cultura é longo prazo. Isto significa que devemos construir uma política permanente, o que supõe previsibilidade orçamentária e valores crescentes. Terceiro: cultura é estratégico, tanto do ponto de vista das classes sociais quanto das nações. Noutras palavras, cultura deve ser encarada como uma “política de Estado”. Quarto: cultura é conjuntura. Neste momento, em que a direita fomenta um ambiente de intolerância e medo, cabe à esquerda fomentar uma cultura de solidariedade, fraternidade e alegria.

Os setores conservadores e parcelas da “indústria cultural” de nossa cidade reagiram mal a isto. Os primeiros, porque cultura é poder. Os segundos, porque cultura é dinheiro. Implantar uma política pública de cultura é redistribuir poder e riqueza. Como resultado, a cultura foi objeto de batalhas políticas e ideológicas muito agudas. Vale dizer que nem sempre conseguimos colocar, do mesmo lado, o governo, os partidos, os movimentos e os trabalhadores da cultura. Assunto que ultrapassaria o espaço que me deram para este texto. 

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Assim foi temperado o aço

A seguir, a apresentação escrita em abril de 2003 para uma edição brasileira do livro Assim foi temperado o aço, de Nikolai Ostrovski  (editora Expressão Popular, São Paulo).


Em março de 1917, o que era para ser uma grande manifestação em homenagem ao Dia Internacional da Mulher converte-se numa greve geral que, após alguns dias, provocou a renúncia do Czar Nicolau e o fim da monarquia na Rússia.
Poucos meses depois, em novembro de 1917, o governo provisório republicano é derrubado. No seu lugar, instala-se o Conselho de Comissários do Povo, organismo eleito pelo Soviete de Deputados Operários, Soldados e Camponeses.
O principal dirigente do novo governo chama-se Vladimir Ilich Ulianov, conhecido como Lênin, principal dirigente da facção “bolchevique” do Partido Operário Social-Democrata Russo.
De 1917 até 1921, o novo governo luta por sua sobrevivência, ameaçada pelos exércitos alemães, pelos exércitos “brancos” (financiados pelos latifundiários e capitalistas) e pela desorganização da economia, após anos de conflito militar.
Neste período, prevalece o chamado “comunismo de guerra”, cuja expressão mais simples é a requisição forçada da produção dos camponeses, para alimentar as cidades e o Exército Vermelho.
Como resultado, o campesinato, que constituía a imensa maioria da população russa, reduz a produção e coloca-se paulatinamente contra o governo soviético. Para manter a aliança operário-camponesa e garantir o funcionamento da economia, o Partido Comunista Russo (denominação assumida, em 1918, pelos bolcheviques) adota a NEP (Nova Política Econômica).
Segundo esta Nova Política Econômica, os camponeses passam a ter o direito de vender o excedente de sua produção, devendo apenas pagar impostos ao governo. Acabam as requisições forçadas. Os camponeses voltam a abastecer as cidades.
De 1921 até 1927, os comunistas russos debatem os caminhos para a construção do socialismo naquele país. Contra as expectativas alimentadas pela liderança bolchevique quando da tomada do poder, em nenhum outro país a revolução havia vencido. O isolamento internacional era agravado pelas características da sociedade russa, economicamente atrasada e tida como um país em que poderia ser mais fácil começar a revolução, mas onde seria muito mais difícil construir o socialismo.
Entre as várias polêmicas daquele período, uma das mais importantes dizia respeito a como ampliar a industrialização do país, cuja economia era majoritariamente composta pela pequena produção familiar camponesa.
Grosso modo, dois caminhos foram propostos. O primeiro deles prevê um longo período de estímulo à pequena produção camponesa, cujo crescimento econômico geraria as bases para uma ampliação da indústria. O segundo deles prevê reduzir o número de pequenas propriedades camponesas (que seriam reunidas em cooperativas ou fazendas coletivas), gerando assim o mercado (tanto de mão-de-obra, quanto de consumo) necessário para uma industrialização rápida.
No final dos anos 20, o Partido Comunista Russo opta pelo caminho da coletivização e industrialização forçadas. O campesinato é forçado a adotar formas coletivas de produção. Os operários são convocados a um brutal esforço produtivo. A contrapartida política e ideológica esse processo é o que se convencionou chamar, posteriormente, de estalinismo.
Dez anos depois, entretanto, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas transforma-se numa potência industrial, que se demonstrará capaz de derrotar a máquina nazista, na Segunda Guerra Mundial.
A opção pela coletivização e pela industrialização rápida foi uma nova revolução. A principal transformação foi que milhões de pessoas deixaram de ser pequenos proprietários e transformaram-se em operários (industriais ou agrícolas).
A nova classe operária, surgida deste processo, não tinha a experiência política prévia, adquirida ao longo de muitos anos, pelo proletariado que protagonizou a revolução de 1917. Os novos operários, bem como a maioria dos novos integrantes do Partido Comunista, eram recém-saídos das fileiras do campesinato. Sua principal escola havia sido a guerra, seu principal traço psicológico era a crença de que a vontade política era capaz de superar qualquer desafio.
Nesse contexto social, o Partido Comunista também sofre grandes mudanças. Em 1917, quando a revolução começa, os bolcheviques eram menos de 15 mil. Em 1921, são mais de trezentos mil. No final dos anos 1920, o PC russo e as organizações de massa que ele dirige reúnem milhões de pessoas.
Em decorrência, o trabalho de educação política ganha uma nova dimensão. As escolas, o cinema, a rádio, as artes gráficas, a literatura são colocadas a serviço da formação destes milhões de “homens novos” do socialismo soviético. Trata-se de incutir, em dezenas de milhões de pessoas, os valores da nova ordem. A fusão entre as “artes” e as necessidades educacionais e políticas do regime soviético dá origem, assim, ao chamado “realismo socialista”.
O livro que o leitor tem nas mãos é uma das expressões mais conhecidas deste processo. A começar pelo título --Assim foi temperado o aço-- trata-se de literatura a serviço de uma causa política. As dificuldades e tensões extremas que marcam a vida de Pavel, protagonista principal do livro, simbolizam a história da classe operária russa –especialmente no período que vai da revolução de 1917 até o final dos anos 1920-- e firmam a idéia de que os comunistas são portadores de uma “vontade inquebrantável”.
Assim foi temperado o aço teve milhões de leitores, dentro e fora da URSS. Serviu para educar, nos valores de uma determinada concepção de comunismo, toda uma geração de militantes, após a Segunda Guerra Mundial.
Ler este livro, tantos anos depois dos acontecimentos que ele descreve e uma década depois do desabamento do mundo que ele ajudou a forjar, é uma aventura emocionante.
Interpretar politicamente e de forma crítica a abordagem que ele apresenta, é uma obrigação para os que acreditam que a vontade política –embora não decida tudo e, aliás, decida menos do que pensam os protagonistas envolvidos em grandes movimentos revolucionários—continua sendo um fator decisivo na luta pelo poder e na construção do socialismo.




domingo, 23 de outubro de 2011

Elementos para um balanço

O texto abaixo foi divulgado em julho de 2003, pela Articulação de Esquerda Campinas. Na época, o PT governava a cidade de Campinas (SP), tendo como prefeita Izalene Tiene. Izalene havia sido eleita em outubro de 2000 como vice-prefeita de Antonio da Costa Santos, assassinado em 10 de setembro de 2001. 




Elementos para um balanço

O Partido dos Trabalhadores governa Campinas desde 1º de janeiro de 2001. Daquele dia até hoje, nossa administração vem passando por duras provas.
Assumimos a direção de uma cidade marcada por enormes desigualdades sociais, com uma imensa dívida contraída pelos governos que nos antecederam, com uma estrutura administrativa totalmente defasada em relação às necessidades de uma das vinte maiores cidades brasileiras, com uma oposição de direita agressiva e uma elite econômica que não mostra disposição para fazer concessões.
Com maior ou menor sucesso, temos enfrentado estas provas e conseguido executar aspectos importantes de nosso programa, em benefício dos setores populares.
Destacamos a ampliação significativa dos serviços públicos, em particular nas áreas de saúde e educação; a retomada dos investimentos; a ampliação do quadro de funcionários públicos, principalmente nos setores que atuam junto à população; a implementação de uma política de "justiça tributária", combatendo a sonegação e ampliando a arrecadação; as políticas de participação e controle popular sobre o orçamento público, entre outras.
Do ponto de vista dos interesses e das necessidades das camadas populares, o saldo é claramente positivo, suplantando erros cometidos.
Por isso mesmo, nosso governo enfrenta uma feroz oposição do setor mais reacionário da burguesia
campineira. Quem não pagava seus impostos; quem se beneficiava do endividamento; quem lucrava com a desordem administrativa; quem era favorecido pelas ações (e inações) dos governos que nos antecederam; todos estes setores fazem oposição permanente ao governo democrático e popular.
O objetivo desta oposição é vencer as eleições de 2004, retomar o controle do governo e da Câmara Municipal e, assim, acumular forças para as eleições presidenciais de 2006.
A oposição de direita conta, a seu favor, com o apoio do governo do estado; com os recursos de parcela expressiva dos grandes capitalistas que atuam na cidade; e com a inestimável ajuda de alguns meios de comunicação de massa.
A oposição de direita conta, também, com o que parece ser uma "tradição" do eleitorado de Campinas, que há muitos anos vem impedindo diferentes prefeitos de “fazer” o sucessor.
A oposição de direita conta, finalmente, que a ação do governo federal seja compensada pela atuação do governo estadual e neutralizada pelos efeitos da política econômica.
Se, diante das chantagens do grande capital e das enormes dificuldades do cenário internacional, o governo Lula prosseguir na trilha do continuísmo econômico, isto sufocará o orçamento municipal e, muito provavelmente, se traduzirá negativamente para a candidatura do PT, nas urnas de 2004.
Pesando na balança os avanços e os desgastes acumulados pelo nosso governo; considerando, ainda, as demais variáveis em jogo, a direita da cidade está confiante de que ganhará as eleições de 2004. Setores da militância de esquerda, por sua vez, começam a dar sinais de derrotismo, sentimento que é reforçado pelo momento particularmente ruim em que vivemos, em decorrência dos acontecimentos envolvendo a greve dos servidores.
O cenário é difícil? Sim. O momento é particularmente difícil? Sim. Tais dificuldades são irreversíveis? Não.
Em primeiro lugar, não podemos subestimar os efeitos positivos decorrentes da ação do governo federal. Realizada a necessária alteração em seu rumo, ele será capaz de alavancar a ação dos governos municipais, isto num cenário em que as campanhas eleitorais terão um forte componente nacional.
Em segundo lugar, não devemos subestimar as dificuldades existentes na direita da cidade, que inclui a rejeição significativa que afeta o candidato individualmente mais forte
dos reacionários.
Em terceiro lugar, não podemos subestimar os avanços do governo municipal, nem nossa capacidade de --se soubermos definir prioridades e tivermos mais audácia política-- virar o jogo eleitoral em Campinas. Em nossa opinião, cabe a cada militante, aos dirigentes dos movimentos sociais, ao governo e principalmente à direção do Partido, diagnosticar a situação, tomar posição e agir para reverter o quadro atual. Estamos convencidos de que, se isso for feito, venceremos as eleições de 2004.

Identificando os problemas centrais

Nossa vitória, nas eleições de 2000, possui várias causas: o desgaste do governo Chico Amaral; a rejeição à candidatura de Carlos Sampaio (PSDB); o clima nacional favorável às candidaturas petistas; a unidade partidária; a tática adotada, de afirmar a esquerda no primeiro turno (em que fizemos aliança com o PSTU) e de ampliar no segundo turno (quando recebemos o apoio do PCdoB, do PPS e de outros segmentos); e as características do candidato a prefeito.
A composição do governo contemplou o conjunto das forças que participaram da vitória, privilegiando especialmente aquelas que apoiaram Antonio da Costa Santos no primeiro e no segundo turno das prévias partidárias.
Na Câmara Municipal adotou-se a tática – aprovada pelo diretório
municipal, por ampla maioria — de compor com o PSDB, que indicou o vereador Romeu Santini para a presidência da Casa.
Em meados de 2001, teve início o processo de eleição das novas direções partidárias, ocasião em que, das seis chapas inscritas, quatro faziam críticas à política adotada pelo governo municipal. Apesar das críticas, contudo, todas as chapas apontavam como positivo o saldo geral da ação do governo.Tudo indicava, portanto, que o governo entraria em 2002 podendo realizar investimentos; entraria no terceiro ano consolidando realizações; e entraria em 2004 em condições de disputar e vencer as eleições. Esta perspectiva sofreu duas grandes alterações, uma de natureza política, outra de natureza administrativa.
A alteração política foi causada pelo assassinato do prefeito Antonio da Costa Santos. Para entender a profundidade desta alteração é preciso lembrar  da decadência do quercismo; da divisão no tucanato, após a morte de Magalhães Teixeira; e do equilíbrio de forças no interior do PT, sinais de que Campinas era uma cidade a busca de um programa hegemônico e de uma liderança política.
Ao vencer as prévias do PT e, em seguida, as eleições municipais, Toninho se capacitou a ocupar este papel: o de principal líder político da cidade, personificando um programa de reconstrução de Campinas, capaz de hegemonizar um leque de forças sociais que ia desde as camadas populares até setores da burguesia.
Seu assassinato jogou toda a cidade, a começar pelo governo e pelo PT, de volta à situação anterior: uma crise de hegemonia e uma crise de liderança. A alteração administrativa, por sua vez, foi causada pela situação financeira da prefeitura, em meados de 2003.
Desde a campanha eleitoral de 2000, todos sabíamos que a reconstrução da cidade exigiria fortes investimentos públicos, o que dependeria: de uma mudança no cenário macroeconômico; de uma ampliação dos investimentos privados na cidade; do crescimento da arrecadação municipal; do enfrentamento da dívida pública municipal; da cobrança da dívida ativa e da revisão do Mapa Genérico de Valores.
O ano de 2001 foi de aperto financeiro. Já o ano de 2002 foi de relativa folga, contexto no qual cometemos erros que, combinados, nos trouxeram para a situação atual:
a) prevaleceu no governo a idéia de que a vitória de Lula alteraria rapidamente o quadro macroeconômico, o que não se verificou;
b) ampliamos de maneira significativa os investimentos e serviços públicos, de uma forma tal que geramos custeios futuros que dependiam de um crescimento exponencial das receitas;
c) temos tido dificuldades em controlar totalmente o custeio e o funcionamento inercial da administração, motivo pelo qual parte dos gastos públicos correspondeu a decisões “da máquina”, não decisões do governo, o que ajuda a entender o atraso na execução das obras do OP;
d) só no final de 2002, com as alterações realizadas na Secretaria de Recursos Humanos, conseguimos ter uma visão completa da folha de pagamentos;
e) não avançamos no enfrentamento da Lei de Responsabilidade Fiscal, que exigiria uma mobilização conjunta do governo com as demais administrações do campo democrático e popular;
f)apesar dos esforços de cobrança já realizados, só em 2003 deflagramos uma campanha mais efetiva de cobrança da dívida ativa, o que exigirá dar publicidade à relação dos grandes devedores;
g)não alteramos o Mapa Genérico de Valores, o que significa que –mantidos o atual contexto legal e macroeconômico - estamos chegando no limite de nossa capacidade de ampliar a arrecadação.
Noutras palavras, ampliamos os investimentos e serviços públicos, sem que tivessem sido adotadas as medidas administrativas e políticas necessárias para tornar sustentáveis no médio prazo os gastos correspondentes.
O resultado é que chegamos ao terceiro ano de governo, quando geralmente se dá uma expansão dos investimentos, tendo que adotar medidas de contingenciamento.
Ambas as alterações –a política e a administrativa - geraram um brutal anticlímax na cidade e no Partido dos Trabalhadores. Como resultado, todos os problemas são maximizados, enquanto todas as vitórias são minimizadas.

Ações necessárias

Desde o assassinato do Toninho, a oposição de direita adotou como tática central questionar a legitimidade de nosso governo e apostar na divisão do Partido dos Trabalhadores.
Fazendo isso, agem certo. Pois quando está unificado, o PT torna-se capaz de unificar o campo democrático-popular e, a partir daí, vencer as eleições, como fizemos nas municipais de 2000 e nas presidenciais de 2002; ou, pelo menos, somos capazes de dividir ao meio o eleitorado, como fizemos no segundo turno para o governo estadual, também em 2002.
Já quando está dividido, o PT facilita a fragmentação do campo democrático e popular, perdendo potência política e apoio eleitoral. Numa eleição difícil como a que se anuncia para 2004, é inevitável que a divisão do Partido dos Trabalhadores resulte na vitória da direita.
Por isso, unificar o PT é a tarefa número um de todos que desejam impedir que a direita volte a governar Campinas.
Não se trata, é óbvio, de superar divergências que têm –em alguns casos--  a idade do Partido. Trata-se, isso sim, de definir um acordo mínimo em relação à:

a) nossa política frente à crise de liderança e hegemonia existentes na cidade;
b) o plano de ação do governo municipal, especialmente nos próximos 12 meses;
c) nossa tática para 2004 (o que inclui a linha de campanha, o programa eleitoral, a política de alianças, a composição da chapa proporcional e a escolha dos candidatos majoritários).
A crise de hegemonia, existente em nossa cidade, não foi causada pela ausência de lideranças políticas. Suas causas são mais profundas e têm relação com os rumos do modelo econômico existente no Brasil e seu rebatimento em nossa cidade, uma das 20 maiores do país.
O que derrubou as lideranças antigas e dificulta o surgimento de novas lideranças políticas na cidade, é a profundidade da crise, com suas decorrências de difícil solução: a queda na atividade econômica, a ampliação da desigualdade social, o enfraquecimento do governo, a aliança entre o crime organizado e setores do status quo.
Hoje, a direita da cidade não possui nenhuma liderança capaz de formular e personificar um programa que unifique os interesses das grandes empresas multinacionais, do forte sistema financeiro, da rede de capitalistas com interesses imobiliários, da média burguesia que atua nas áreas de indústria, comércio, serviços e atividades primárias, bem como dos assalariados de alta renda.
Na ausência disto, existem lideranças com ambições pessoais e com projetos particularistas, muitas vezes corruptos. Se isso não mudar, as elites de Campinas terão novamente que votar contra o candidato das esquerdas, não a favor do candidato dos seus sonhos.
No campo da esquerda, a ascensão da liderança de Toninho foi possível, em boa medida, porque além de representar o PT e a trajetória de nosso partido nas últimas décadas, ele personificava um determinado programa de ação para a cidade: sua reconstrução econômica e social, por meio de uma aliança entre os setores populares e segmentos do empresariado. Naturalmente, nada garante que esta política daria certo, até porque o sucesso dessa empreitada dependeria de uma mudança na política econômica nacional. Mas isto fazia parte das expectativas da população em 2000, levando Toninho a ser visto como o homem certo, no lugar certo e na hora certa.
Campinas e o PT dispõem, entre seus quadros, de outras lideranças capazes de personificar – por conta de sua trajetória pessoal, profissional e política — um programa de esquerda capaz de hegemonizar amplos segmentos da cidade. Entretanto, defendemos que compete ao Partido dos Trabalhadores construir, junto com o campo democrático e popular da cidade, um bloco político e social capaz de expressar coletivamente o programa que vocalize os interesses dos trabalhadores assalariados, do funcionalismo público estadual e municipal, de segmentos da média e pequena burguesia, dos pequenos proprietários rurais, dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda.
Para além das lideranças individuais, teremos que produzir uma liderança coletiva, capaz de firmar, no imaginário da cidade, que só um governo de esquerda, só um governo das forças democráticas e populares, só um governo hegemonizado pelo Partido dos Trabalhadores, será capaz de seguir construindo uma cidade humanizada, fraterna, democrática, solidária, igualitária, onde possamos viver sem medo.
Nosso grande desafio, nos próximos 12 meses, é prosseguir neste caminho, em condições financeiras e administrativas que devem ser mais difíceis do que em 2002.
Naturalmente, ainda é cedo para fazer prognósticos definitivos sobre o que ocorrerá no próximo período, em termos de política macroeconômica, bem como em termos de investimento do governo federal na cidade de Campinas. Entendemos, contudo, que é preciso reorganizar a ação de governo, tendo em perspectiva um cenário de restrições econômicas. Isso se traduz, a nosso ver, no seguinte:
a) envolver o governo e a população numa campanha pela ampliação da arrecadação municipal, pela ampliação dos repasses estaduais e municipais, pela renegociação da dívida pública junto ao governo federal;
b) envolver o governo e a população numa campanha de cobrança da dívida ativa, inclusive com a divulgação dos grandes devedores;
c) definir prioridades para os próximos 12 meses, realizando os contingenciamentos e os remanejamentos que forem necessários;
d) estabelecer, como prioridades, a execução das marcas de governo - em especial as decisões do OP 2001/2002 e 2002/2003 - e a geração de um excedente que torne possível uma reposição salarial para os trabalhadores;
e) definir o orçamento 2004 com base nestas mesmas prioridades, com destaque para a reposição do salário dos servidores;
f) trabalhar, junto ao Conselho do Orçamento Participativo, para que sejam aprovadas ações possíveis de concluir ainda em 2004;
g) implementar o Plano de Cargos, Carreiras e Salários (PCCS) que, como parte de uma necessária política de gestão de pessoal.
Para enfrentar os próximos 12 meses será necessário, além das medidas acima citadas, realizar uma campanha de emulação junto aos petistas, ao conjunto dos cargos de confiança, ao conjunto do funcionalismo e da população.
A reversão do negativismo, que é estimulado diariamente por parte da mídia local, exigirá do governo freqüentes ações de impacto.

A tática eleitoral

Se conseguirmos solucionar adequadamente os problemas de liderança/hegemonia e os problemas administrativos, não será difícil equacionar nossa tática para 2004.
Nossa tática, nas eleições do próximo ano, deve partir de uma premissa óbvia para um partido que está no governo: queremos outro mandato, para dar continuidade ao que vem dando certo, corrigir os rumos do que está funcionando mal e iniciar o que ainda não foi possível começar.
Nesse sentido, nossa tática supõe a firme defesa do governo democrático e popular, tanto do período inicial, com Antonio da Costa Santos, quanto do período atual, com Izalene Tiene.
Isso não quer dizer concordância acrítica com todos os atos do governo. Da Prefeita à militância de base, todos temos consciência de que há problemas graves a superar. Mas entendemos, igualmente, que o debate sobre os rumos da administração municipal deve ser feito levando em conta que somos governo.
Dentre os graves problemas, que apontávamos já em meados de 2001, queremos destacar um que diz respeito ao Partido: temos um partido fraco, o que torna muito difícil ter um governo forte.
O segundo problema diz respeito à estratégia. Falta, ao partido e ao governo, um plano geral de atuação, que estabeleça os objetivos a alcançar, as alianças a realizar, as táticas a executar. E, inclusive, que precise qual o papel de cada instrumento --partido, movimentos, governo-- neste plano geral.
O terceiro problema diz respeito à gestão política do governo e ao controle da execução  orçamentária, que supõem a existência e o adequado funcionamento do Conselho Político e de um núcleo dirigente, o que até agora não conseguimos.
O quarto problema diz respeito ao financiamento de nossas políticas, que supõe enfrentar o endividamento, a cobrança da dívida ativa e a revisão do Mapa Genérico de Valores.
O quinto problema diz respeito ao Orçamento Participativo, que possui enormes qualidades, mas também possui limites que ficaram evidentes ao longo desses anos. Queremos enfrentar estes limites, fazendo no OP a discussão do conjunto do orçamento municipal, aí incluídos o gasto com pessoal, o custeio da máquina, o investimento, o serviço da dívida, a Lei de Responsabilidade Fiscal e --principalmente-- as receitas.
O sexto problema diz respeito à comunicação, cuja solução implica numa política que inclui o combate ao monopólio existente na cidade e investimentos substantivos no setor.
Cada um destes grandes problemas foi apontado por nós, já em meados de 2001. Não se tratam, portanto, de problemas do governo Toninho ou do governo Izalene, de problemas desta ou daquela maioria partidária. Tratam-se de problemas do governo do PT e como tal devem ser analisados e enfrentados.
Até porque, ao contrário da lenda, o governo de Campinas não é "da", nem hegemonizado "pela" esquerda do PT. O governo de Campinas foi conquistado num processo eleitoral de dois turnos. Disputamos o primeiro turno em aliança com o PSTU. Disputamos o segundo turno em aliança com o PCdoB, com o PPS e com outros segmentos partidários.
Desde o início, compusemos um governo democrático e popular, integrado por vários partidos e dirigido pelo PT. É verdade que Toninho apoiava, nas polêmicas internas ao Partido, as posições da esquerda do PT, o mesmo ocorrendo com Izalene. Mas o secretariado do governo de Campinas sempre foi, desde 2001, extremamente plural.

A greve dos servidores municipais

O inadequado enfrentamento dos problemas citados anteriormente, somados às alterações administrativas e política que citamos no início deste texto, está na raiz da situação que vivemos com a greve dos servidores municipais.
Depois de dois anos de ampliação contínua de serviços e de recuperação das condições de trabalho dos funcionários, o governo democrático e popular não conseguiu viabilizar a recomposição do salário dos servidores.
Parte desta situação é devida à situação econômica nacional, cujo anúncio de um quadro recessivo vem produzindo queda na arrecadação de ICMS e redução nos repasses estaduais e federais. Parte é derivada da estrutura tributária, que inclui critérios incorretos na distribuição desses repasses.
Mas é imperioso reconhecer que outra parte é devida à falta de gestão e informação adequadas, em 2001 e 2002, nas áreas de finanças, planejamento, gestão de pessoal e administração.
O crescimento da oferta de serviços gerou um custeio superior ao que fomos e somos capazes de sustentar, salvo se alterarmos o atual nível de receitas. A ampliação da oferta de serviços depende, agora, de mudanças na política econômica nacional, de revisão no serviço da dívida, de maior sucesso na cobrança da dívida ativa e de uma revisão no Mapa Genérico de Valores, base para a cobrança do IPTU.
Como essas medidas só geram retorno a  médio prazo, no curto prazo fomos colocados diante de um dilema de Sofia: ou cortar serviços; ou cortar investimentos; ou não oferecer reajuste, nem mesmo reposição.
Frente a esta situação, a direção sindical convocou uma greve que, na verdade, vinha sendo organizada desde 2001. Iniciada antes mesmo de ter sido aprovada pela assembléia, a paralisação durou quase dois meses, apesar de ter sido minoritária na categoria.
Cabe ao Partido realizar um balanço global desta greve, tanto do ponto de vista estratégico (uma vez que revelou existir, entre nós, diferentes concepões sobre a relação entre partido, sindicato e governo), quanto do ponto de vista tático.
Entre as decorrências políticas imediatas da greve, citamos:
Em primeiro lugar, houve uma redução geral na quantidade e qualidade de serviços oferecidos, pela administração, para a população.
Em segundo lugar, houve um atraso  - que pode chegar a 60 dias - na execução das ações de governo, especialmente das que envolvem decisões das secretarias localizadas no Paço, com forte impacto sobre a receita, licitações, alvarás e obras do OP.
Em terceiro lugar, há uma piora nas relações entre o governo e os trabalhadores do serviço público. Mesmo a imensa maioria, que não aderiu a greve, considera que houve falha da parte do governo.
Em quarto lugar, forneceu-se munição à farta para a direita da cidade, que faz uso freqüente das contradições entre os partidos e movimentos sociais do campo democrático e popular.
Da mesma forma que unificar o PT, também é fundamental recuperar o prestígio do partido e do governo junto aos trabalhadores do serviço público.
No âmbito do Partido, isso passa por um trabalho de politização da categoria e pelo apoio a uma chapa de oposição na eleição da nova direção do Sindicato.
No âmbito do governo, passa pela implementação de uma política geral de gestão de pessoal, pela continuidade da melhoria nas condições de trabalho, implantar o PCCS, pela viabilização de um excedente de receita que torne possível garantir, já em 2003, e também na LOA de 2004, recursos para a reposição.
É importante reconhecer, ainda, que o governo estava certo ao avaliar que a situação das receitas impedia aceitar a proposta de reajuste apresentada pelo sindicato.
No curso do debate, apresentaremos nossa opinião sobre outras questões que fazem parte da conjuntura municipal, tal como a movimentação de outros setores político-sociais, a atitude do governo estadual e a metodologia de escolha da chapa de candidatos do PT.






sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Projeto editorial e escola de quadros

Este texto foi elaborado em 2009, para discussão junto a uma editora latino-americana. Da versão abaixo, foi retirado o nome da editora.

1.Nosso projeto editorial está à serviço da construção de uma escola de pensamento latino-americana dedicada à luta revolucionária pelo socialismo.

2.A construção desta escola de pensamento exige um processo coletivo de debate, que envolverá o balanço crítico da teoria e da prática acumulada, mas também a produção de nova teoria.

3. Tanto no balanço crítico, quanto na produção da nova teoria, destacam-se três grandes temas: a análise do capitalismo, o balanço das tentativas de construção do socialismo e a estratégia da esquerda.

4. Nosso projeto editorial deve combinar duas dimensões: a produção de literatura e a formação de leitores.

5.A formação de leitores (equivalente a formação de platéias, no teatro e no cinema; ou a educação visual, nas artes plásticas) implica em:

a) coleções com diferentes níveis de complexidade

b) realização de lançamentos, debates, seminários, que reúnam os autores com os leitores, bem como cursos de formação política para o principal público alvo da editora: a militância dos partidos do Foro de São Paulo

6.Os lançamentos, debates, seminários e cursos serão organizados por uma divisão específica da Editora: a Escola.

7.A programação anual da Escola incluirá:

a) lançamentos-debate dos livros da Editora;

b) seminários sobre temas de interesse da esquerda latinoamericana;

c) três cursos anuais de formação política;

d) um curso permanente de formação política à distância, através da internet;

8. A programação de lançamentos e de seminários tem como objetivo de médio prazo cobrir o conjunto das capitais latino-americanas e caribenhas;

9. Os cursos de formação política terão as seguintes características:

a) três cursos ao ano, sendo um oferecido num país da América Central, um oferecido num país Andino-amazônico e um oferecido num país do Cone Sul;

b) cada curso terá um mês de duração, incluído neste tempo a viagem dos alunos de seu país de origem até o local do curso;

c) os alunos dos cursos serão militantes dos partidos do Foro de São Paulo de toda a América Latina;

d) o currículo do curso incluirá uma semana de análise da conjuntura mundial, continental e regional, uma semana de história da luta pelo socialismo, no mundo e na América Latina, uma semana de fundamentos da teoria socialista, uma semana de debate sobre as diferentes estratégias da esquerda latino-americana e caribenha, além de intercâmbio de experiências nacionais, culturais e temáticas;

e) os cursos serão pagos pelos partidos;

f) os professores serão, de preferência, autores de livros da Editora;

g) será utilizada, preferencialmente, bibliografia da Editora, especialmente as coleções: livros didáticos e esquerda debate;

10. Além dos cursos oferecidos a cada três meses, a Escola pode oferecer cursos especiais exclusivamente para militantes de um determinado país ou de um determinado partido vinculado ao Foro de São Paulo;

11.A médio prazo, a Escola deve ter personalidade jurídica própria, com o objetivo de oferecer cursos pagos e receber financiamentos de entidades vinculadas ao trabalho de educação de quadros.

12. O curso permanente de formação política à distância, através da internet terá a seguinte estrutura:

a) a Escola oferece, uma vez a cada seis meses, uma lista de 6 títulos (que podem ou não ser da Editora, mas obrigatoriamente vinculados aos temas abordados pelos lançamentos da Editora) para os quais será oferecida a possibilidade de fazer uma leitura dirigida pelos autores;

b) os militantes interessados devem se inscrever e passam a fazer parte de uma lista de discussões na internet;

c) após a leitura de cada título, os leitores devem escrever uma resenha da obra e apresentar um questionário de dúvidas e de polêmicas;

d) o moderador da lista organizará as questões e as debaterá com os autores, cujos comentários serão difundidos (junto com as resenhas, dúvidas, polêmicas e síntese do moderador), através da lista de discussões;

13.A coleção livros didáticos terá as seguintes características:

a) 40 páginas

b) capa e desenho especial (com fotografias, quadros, tabelas etc.)

c) textos escritos para dar suporte a atividades de formação política ou para estudo autodidata

d) serão lançados 10 livros desta coleção durante o ano de 2010

e) títulos que serão lançados em 2010:

capitalismo & imperialismo;
socialismo & comunismo;
estratégia & tática;
classes & luta de classes;
reforma & revolução;
governo & poder;
partido eleitoral & partido revolucionário;
marxismo & latino-america;
juventude & cultura;
mulheres & homem novo.

14. A coleção esquerda debate terá as seguintes características:

a) 120-150 páginas

d) textos de um ou vários autores, sobre temas de conjuntura que tenham relevância estratégica;

c) serão lançados 5 livros desta coleção durante o ano de 2010

e) títulos que serão lançados em 2010:

- governo Obama e o imperialismo norte-americano
- Honduras e a vocação golpista da direita latino-americana
- bases gringas na Colômbia e a política de Defesa dos governos progressistas e de esquerda
- a crise internacional, os diferentes projetos de integração e as diferentes propostas para a “nova ordem” internacional
- as diferentes estratégias da esquerda latino-americana e a luta pelo socialismo

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Roteiro para curso sobre história da luta pelo socialismo no Brasil

O roteiro abaixo foi adotado em cursos realizados no Paraná, Espírito Santo e Rio Grande do Norte, durante o ano de 2010. Com adaptações, pode ser utilizado em novos cursos. 

Sexta, 19h: CONJUNTURA

-abertura preliminar, lembrando que a apresentação dos cursistas e da programação detalhada do curso será feita sábado pela manhã
-roteiro da exposição de conjuntura

Após a onda de vitórias eleitorais das forças de esquerda e progressistas (1998, Chavez até 2009, Funes), se criou uma nova correlação de forças na América Latina.

Entretanto, como não conseguimos vencer no Peru, Colômbia e México, esta correlação de forças se estabilizou num patamar que não é suficiente para nossos objetivos.

Por outro lado, a direita latino-americana superou a confusão provocada pelo efeito-dominó de derrotas e está desenvolvendo, desde 2008 pelo menos, uma contra-ofensiva visando recuperar espaços perdidos.

Esta contra-ofensiva recebeu o paradoxal reforço:
a) da crise internacional, que cria dificuldades econômicas para a maioria dos governos progressistas, em particular para Venezuela, Bolívia, Equador e Cuba;
b) da vitória de Obama, cuja imagem positiva (construída midiaticamente e devido ao efeito “bode-Bush na sala”) permitiu aos EUA recuperar parte de sua margem de manobra.

Podemos resumir assim os principais movimentos feitos pela direita:
a) reforçar as “cabeças de ponte” (Colômbia, Peru, México);
b) atacar “elos fracos” da cadeia progressista (Panamá, Honduras. Paraguai, Guatemala);
c) fortalecer alternativas eleitorais de direita nos “elos fortes” da cadeira progressista, criando uma “nova direita” que mistura doses de Sarkozy e Berlusconi (figuras “empresariais” de sucesso, tipo Pinera no Chile, o presidente eleito no Panamá, o filho de Bordaberry no Uruguai etc.);
d) isolar Venezuela
e) neutralizar Brasil.

A grande dificuldade política da direita latino-americana está em como tratar o governo brasileiro. Para isolar Chavez, eles projetaram uma imagem positiva de Lula e do Brasil. Com isso, eles têm dificuldade de lidar com o apoio que nossa política externa tem prestado a Venezuela e Cuba, a atitude no caso de Honduras, os acordos feitos com Evo e Lugo, as boas relações com o governo do Irã, a abertura da embaixada na Coréia, a decisão de comprar armas na França etc.

Aos preços de hoje, podemos dizer o seguinte: prevalece na política do Departamento de Estado dos EUA a convicção de que não podem aparecer como opositores a Lula, mas que o melhor para eles seria que o PSDB ganhasse as eleições no Brasil. Sem isto, eles não terão a liberdade necessária para operar no seu pateo trasero.

Esta liberdade de ação é fundamental para o governo dos EUA por dois motivos: a crise não terminou e o que vem por aí (curto e médio prazo) é um período de profunda instabilidade.

Nessas condições, devemos trabalhar com as seguintes diretrizes:
a) não perder nenhum governo para a direita; b) acelerar o processo de integração regional; c) aprofundar o processo de mudanças.

Embora possa parecer, estas três diretrizes não necessariamente se harmonizam. Por exemplo: no Chile, derrotar a direita implica em votar em Eduardo Frei. Isto não é garantia de “aprofundar as mudanças”.

Outro exemplo: no afã de aprofundar as mudanças, Zelaya adotou uma tática para a qual não dispunha de correlação de forças. O resultado foi, até o momento, “perder um governo para a direita” (ainda que no médio prazo o saldo principal do processo esteja sendo a criação de uma base popular para o que não existia, uma esquerda hondurenha de massas).

Assim, é preciso ver como articular, em cada caso concreto, as três diretrizes.

Noutras palavras: ter, como os Estados Unidos e a direita latino-americana, uma estratégia geral e táticas particulares para cada país.

No caso brasileiro, a vitória de Dilma Roussef atende a dois objetivos: “não perder nenhum governo para a direita” e “acelerar o processo de integração”.

Mas como fica o terceiro objetivo: “aprofundar o processo de mudanças”?

Para responder isto, é preciso perceber que em 2010 haverá dois confrontos, articulados mas distintos:
a) o confronto entre neoliberalismo + desenvolvimentismo privado (ou seja, capitaneado pelas grandes empresas) versus desenvolvimentismo orientado pelo Estado em associação com setores privados;
b) o confronto entre desenvolvimentismo conservador e o desenvolvimentismo democrático-popular.

A vitória de Dilma será a vitória do desenvolvimentismo orientado pelo Estado, em associação com setores privados.
A vitória de Serra seria a vitória do desenvolvimentismo conservador, privado e associado ao neoliberalismo.
A vitória de Serra (se for ele mesmo o candidato da oposição de direita) seria uma derrota clara do desenvolvimentismo democrático e popular.
Já a vitória de Dilma manterá aberta a disputa entre desenvolvimentismo conservador (ou seja, aquele que não toca nas estruturas de propriedade e poder) versus o desenvolvimentismo democrático popular (aquele que se faz mediante reformas estruturais que alterem a propriedade e o poder).

Nas eleições de 2010 não existe a menor chance de solucionar integralmente a disputa, em favor das reformas estruturais. Mas existe a possibilidade de resolver o desenlace em favor da direita.

Assim, a tática da esquerda nas eleições de 2010 tem que levar em conta estas implicações ou objetivos: a) por um lado, ver como impedir a direita de vencer; b) por outro lado, ver como acumular forças em favor das reformas estruturais.

O primeiro objetivo exige levar Dilma para o segundo turno e vencer as eleições no segundo turno.

O segundo objetivo implica reconstruir a unidade dos partidos e movimentos que integram o campo democrático-popular (o que inclui uma plataforma comum e certos acordos político-organizativos, mas que só vai se “resolver” –como ocorreu no final dos anos 1970— quando o movimento de massa estabelecer um rumo hegemônico).

Um dos principais obstáculos à reconstituição do campo democrático-popular é a diferença de análise acerca do governo Lula.

Resumidamente:
a) um setor majoritário da esquerda comete, frente ao governo Lula, o erro que o PCB adotou frente aos governos JK e Jango, a saber, uma postura de adesismo estratégico;
b) um setor minoritário da esquerda comete, frente ao governo Lula, o erro que o PCB adotou frente ao segundo governo Vargas, a saber, uma postura de oposição esquerdista.

O campo democrático-popular não deve cair no adesismo estratégico, nem no esquerdismo.

No terreno da tática eleitoral, isto se traduz em dois movimentos: a) independente do que cada um faça no primeiro turno, é preciso votar contra a direita no segundo turno; b) é preciso disputar o programa de governo do mandato Dilma, incidindo a favor do desenvolvimentismo democrático-popular.

No terreno estratégico, é preciso enfrentar um problema ainda mal-resolvido: o caminho estratégico para a revolução socialista, que neste momento está obtendo “maior sucesso” na América Latina não é o da insurreição (que não venceu em lugar nenhum), nem o da guerra popular prolongada (tampouco vitoriosa), nem o da guerra de guerrilhas (vitoriosa em Cuba e Nicarágua), muito menos o “movimentismo” (que não é caminho para o poder), mas sim o caminho “chileno” (praticado explicitamente na Venezuela, Bolívia e Equador): a disputa e o exercício de governos eleitos como parte fundamental da luta pelo poder.

Entretanto, uma parte da esquerda revolucionária não tirou as devidas conseqüências disto e não consegue implementar uma estratégia de acúmulo de forças e de disputa pelo poder nos marcos deste caminho estratégico. Na prática, discute as questões, analisa a realidade e opera a partir de uma matriz de interpretação da realidade baseada em outros paradigmas estratégicos. Ao fazer as perguntas erradas, obtém respostas erradas.

Este curso, apesar de bastante sintético (dois dias), vai tentar exatamente apresentar as perguntas certas.

Sábado, manhã: HISTÓRIA DA LUTA PELO SOCIALISMO NO MUNDO

-apresentação dos participantes
-apresentação da programação do curso
-distribuição de 6 linhas do tempo (3 são para rascunho, as outras três para serem preenchidas ao término de cada aula)
-pedir que os alunos (em 10 minutos) coloquem na linha do tempo os principais marcos da história da luta pelo socialismo no mundo
-pedir que as pessoas digam ou escrevam na lousa ou colem cartela quais são, na sua opinião, os três principais marcos da história da luta pelo socialismo no mundo
-comentar o que os alunos indicarem e com base no que eles colocarem, desenvolver os seguintes pontos (buscando sempre apoio nas resoluções da AE):

1) os diferentes significados da palavra socialismo e o significado com o qual nós da AE trabalhamos (socialismo como transição etc.)

2) as relações entre capitalismo e socialismo

3) o socialismo como movimento social da classe trabalhadora por outra sociedade

4) o socialismo como visão de mundo (ideologia) e como teoria

5) o socialismo como tentativas de transição do capitalismo ao comunismo (experiências do século XX)

6) os principais marcos da luta pelo socialismo (por exemplo: eu falaria da luta pela redução da jornada de trabalho & pelo direito a voto, do lançamento do Manifesto Comunista e da revolução russa)

7) o socialismo no século XXI (a derrota da primeira grande tentativa, feita no século XX e os desafios no século XXI, diferenciando isto do “socialismo do século XXI do Chávez)

-ao final, pedir que eles preencham novamente a linha do tempo, mas apenas para seu próprio consumo e registro

Sábado, tarde: HISTÓRIA DA LUTA PELO SOCIALISMO NO BRASIL

-pedir que os alunos (em 10 minutos) coloquem na linha do tempo os principais marcos da história da luta pelo socialismo no Brasil

-pedir que as pessoas digam ou escrevam na lousa ou colem cartela dizendo quais são, na sua opinião, os três principais marcos da história da luta pelo socialismo no Brasil

-comentar o que os alunos indicarem e com base no que eles colocarem, desenvolver os seguintes pontos (buscando sempre apoio nas resoluções da AE):

1) os principais marcos da história do Brasil (1500, 1810-1822, 1850, 1888-1889, 1930, 1980...), mostrando os grandes períodos (colônia, parte do sistema colonial e da acumulação primitiva de capital, natureza particular da formação social brasileira, império, o processo “negociado” de superação do escravismo, o processo de industrialização, as características fundamentais: desigualdade, conservadorismo política, inserção subordinada);

2) lembrar que a história é resultante da luta, que nesta luta predominou o setor dominante, falar:

a) dos principais movimentos de resistência & luta dos setores dominados (indígenas, negros escravos, setores pobres urbanos, camponeses, proletariado urbano, setores médios);
b) destacando a seguir as diferentes correntes político-ideológicas presentes no século XX (anarquistas, comunistas, tenentes, trabalhistas, socialistas, cristãos de esquerda, nacionalistas radicais, liberal-democratas, desenvolvimentistas);
c) destacando dentro disto as diferentes estratégias seguidas (revolução pelo alto, diferentes variantes de luta armada, participação eleitoral, mobilização social);
3) mostrar que o desenvolvimentismo foi a gramática hegemônica da política brasileira no século XX, sendo o neoliberalismo uma exceção que em certa medida retomou traços do agrarismo pré-revolução de 30. Mostrar os diferentes tipos de desenvolvimentismo;
-ao final, pedir que o pessoal leia o texto “Observações sobre a revolução burguesa” (se for possível ler em sala, melhor)

Sábado, noite: HISTÓRIA DO PT
-pedir que os alunos (em 10 minutos) coloquem na linha do tempo os principais marcos da história do PT
-pedir que as pessoas digam ou escrevam na lousa ou colem cartela dizendo quais são, na sua opinião, os três principais marcos da história do PT
-comentar o que os alunos indicarem e com base no que eles colocarem, desenvolver os seguintes pontos (buscando sempre apoio nas resoluções da AE):

O Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980. Quatro grandes setores confluíram na sua criação:
a) sindicalistas do chamado “novo sindicalismo”, especialmente os metalúrgicos, bancários e petroleiros;
b) militantes de organizações de esquerda atuantes na oposição contra a ditadura (alguns entraram em caráter individual no PT, outros entraram por decisão de suas respectivas organizações);
c) lideranças populares formadas pelas pastorais e comunidades da Igreja Católica, especialmente do setor progressista;
d) parlamentares e lideranças atuantes no Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB (durante muitos anos, o único partido de oposição legalizado no país).

Também em 1980, foi reorganizado Partido Socialista Brasileiro (PSB, liderado por Miguel Arraes) e foi criado o Partido Democrático Trabalhista (PDT, liderado por Leonel Brizola).

Seguiram atuando na clandestinidade, até 1986, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB, liderado por João Amazonas) e o Partido Comunista Brasileiro (PCB, cuja principal liderança era Roberto Freire).

Outra organização existente na época era o Movimento Revolucionário 8 de Outubro, que não se legalizou como partido e atuava no interior do PMDB; só em 2008 o MR-8 decidiu sair do PMDB e criar um partido, cujo nome é Pátria Livre.

Foi em 1989, no segundo turno da campanha presidencial, que o PT adquiriu a condição que mantém até hoje: a de principal partido da esquerda brasileira. Condição que foi mantida ao longo dos anos 1990 e ratificada durante os dois mandatos do governo Lula.

A trajetória do PT pode ser dividida nos seguintes períodos:
a) 1980-1989, a luta contra a ditadura militar e contra a “transição conservadora para a democracia”;
b) 1990-2002, na oposição aos governos neoliberais;
c) 2003-2009, governando o Brasil.

No período 1980-1989, o PT experimentou três grandes modificações: a) como já dissemos, tornou-se principal partido da esquerda brasileira; b) de partido-frente, no interior do qual atuavam diversos “partidos clandestinos”, tornou-se um partido com tendências internas; c) de partido centrado na luta social, tornou-se alternativa eleitoral de governo.

O PT sempre admitiu, no seu interior, a existência de tendências internas. Vale dizer que desde o início e até hoje, a maioria destas tendências atua diretamente nos movimentos sociais, sem que haja qualquer tipo de constrangimento ou impedimento, uma vez que a “autonomia dos movimentos sociais” (reconhecida pelo Partido) se traduz, no mais das vezes, na recusa a centralizar unitariamente a ação da militância petista nestes movimentos sociais (pois, em alguns casos, obrigar os militantes petistas --que são maioria nos movimentos-- a ter uma posição única equivaleria a eliminar na prática a possibilidade de autonomia).

Como nos anos 1980 algumas das tendências eram, de fato, “partidos dentro do partido”, houve necessidade de uma regulamentação, que foi feita pelo 5º Encontro Nacional do Partido (realizado em 1987).

A regulamentação de tendências aprovada no 5º Encontro e reafirmada pelo 1º Congresso do PT (1991), disciplinou o que seria uma tendência interna (no fundamental, seriam correntes de opinião que reconheciam o “caráter estratégico” do PT); definia a necessidade de registro e reconhecimento pela direção (na prática, sempre bastou comunicar à direção nacional do PT); definia os parâmetros de sua atuação (exigindo, por exemplo, que se abstivessem de ter sedes próprias e de aparecer publicamente enquanto tendências), proibia finanças internas concorrentes com as do PT e definia que relações internacionais eram privativas do Partido enquanto tal.

Posteriormente, garantiu-se a proporcionalidade na composição das instâncias partidárias, ou seja, toda tendência que atingisse o mínimo de votos necessário teria as respectivas cadeiras no Diretório e na Comissão Executiva Nacional do PT.

Do ponto de vista formal, a regulamentação das tendências solucionou a
questão e é nos seus marcos que o PT funciona até hoje. Entretanto, outras dificuldades surgiram, decorrentes: a) do surgimento de outros centros de poder interno, concorrentes com as direções partidárias (bancadas parlamentares, governos e governantes); b) da desigualdade existente, no interior do Partido, no tocante ao acesso à recursos financeiros e materiais.

Outra dificuldade foi o surgimento do auto-denominado “Campo majoritário” (1995-2005), agrupamento de várias tendências que constituía cerca de 70% do Diretório Nacional do PT. Por ter maioria absoluta praticamente garantida, este “Campo” começou a adotar posições sem consulta, debate e votação prévia na direção. Este comportamento –que chamávamos de “maioria presumida”— foi uma das razões da crise de 2005.

O XIII Encontro Nacional e o 3º Congresso do PT, no balanço da crise de 2005, reconheceram na ausência de democracia, concentração de poder e na falta de funcionamento regular das instâncias partidárias, especialmente em nível nacional, uma das causas da crise.

No período 1990-2002, o PT experimentou os efeitos combinados:
a) da crise do chamado socialismo real e
b) da ofensiva neoliberal no Brasil.

De 1990 até 1995, houve uma dura luta interna, acerca do que fazer nesta nova situação. Foi só a partir de 1995 que se estabeleceu uma orientação majoritária e hegemônica no Partido, que podemos sintetizar em torno do seguinte: “alianças da esquerda com o centro, em torno de um programa alternativo ao neoliberalismo, visando conquistar o governo federal”.

A eleição de Lula em 2002 evidencia os aspectos positivos daquela orientação estratégica; ao mesmo tempo, as dificuldades enfrentadas pelo PT e pelo governo Lula entre 2003-2005 demonstram os aspectos negativos daquela orientação estratégica.

No período 2003-2009, o PT enfrenta uma situação absolutamente nova para a esquerda brasileira: compor, na condição de principal partido, o governo federal.

É importante lembrar que o governo Lula não é um governo petista; o governo Lula é um governo de coalizão, composto por partidos de esquerda, de centro e até de direita (caso do PP, partido criado por iniciativa do setor ideologicamente mais conservador do antigo partido da ditadura, o PDS).

O governo Lula possui duas fases: a primeira vai de 2003 até 2005 e a segunda vem de 2006 até hoje. Na primeira fase, a política hegemônica no governo é de conciliação com a herança neoliberal. Na segunda fase, a política hegemônica no governo é desenvolvimentista.

Curiosamente, na primeira fase o PT tinha mais ministros do que hoje, mas a política implementada pelo governo era mais distante das resoluções aprovadas pelo XII Encontro do PT (2001); já na segunda fase, o PT reduziu seu número de ministros, mas a política implementada tornou-se mais próxima do programa do PT.

Quais as principais reflexões “político-organizativas” que podemos fazer ao longo desta trajetória?

A primeira delas: o PT é um partido-lago, não um partido-fonte. Noutras palavras, o PT não é produto de um programa ao redor do qual se nucleiam as pessoas; o PT é produto do movimento de um setor de vanguarda da classe trabalhadora, que arrasta atrás de si diferentes setores sociais, políticos e ideológicos. Portanto, influências diferentes que desaguam no “lago” que é o próprio Partido.

Esta característica (partido-lago) ajuda o Partido a manter os seus vínculos com a classe trabalhadora. Mas, ao mesmo tempo, torna o PT extremamente suscetível as mudanças de humor da própria classe. Quanto esta radicaliza, o Partido vai atrás; quanto esta recua, o Partido também recua. Num certo sentido, isto explica por qual motivo o PT é um “partido de retaguarda”, não um “partido de vanguarda”.

Sem dispor de uma doutrina teórica oficial, o “petismo” é basicamente uma corrente política em torno de alguns pontos de referência (socialismo, democracia, classe trabalhadora, mobilização), combinados e interpretados de diferentes formas ao longo dos trinta anos de vida do Partido.

Assim é que, quando ocorre a crise do socialismo real, enfatiza-se o caráter democrático do Partido. E, quando a direita ataca o PT e o governo Lula, em 2005, recorda-se a natureza de classe do Partido, contra as elites que o golpeiam.

A segunda questão é que, fortemente influenciado pela sua própria atuação prática, o Partido sofreu nos anos 1990 e até hoje uma forte guinada “institucional”. Para exemplificar: de 1980 até 2010, em 30 anos de vida, o PT terá participado de 16 eleições nacionais.

Com uma eleição a cada dois anos (ou seja, um ano intermediário para pagar as contas da anterior e preparar a próxima), há uma deformação na vida partidária: “programa” tende a se transformar em “plataforma eleitoral”; estratégia passa a ser pensar as eleições que vão ocorrer daqui há 4 anos; tática passa a ser como ganhar as próximas eleições; política de alianças se confunde com coligação eleitoral; militância se transforma em “cabos eleitorais”; poder se converte em governo; e a maior parte das finanças partidárias são conseguidas e são gastas em função de campanhas eleitorais.

Da mesma forma que partidos que atuaram em condições de clandestinidade e de luta armada sofrem deformações por conta disto, o PT também vem sofrendo fortes deformações organizativas por conta desta rotina eleitoral. Há um viés “governamental” no horizonte intelectual, programático e estratégico do Partido; uma transferência de poder, das instâncias partidárias, para os governos e bancadas parlamentares; e uma mudança nas relações internas, se introduzindo diferenças hierárquicas oriundas do Estado; e uma tendência a polarizar as relações entre os militantes que estão “nos movimentos”, “no parlamento”, “no governo” e “no Partido”, que de centro diretor estratégico da atuação de todos os militantes, corre o risco de se converter numa agência reguladora voltada a normatizar nossa participação nos processos eleitorais.

Este tipo de deformação foi experimentada nas cidades e nos estados em que fomos governo; e o enfraquecimento experimentado pelo Partido foi fatal, contribuindo tanto para nossa derrota eleitoral, quanto para dificultar nosso retorno ao governo nas eleições seguintes.

A terceira questão é: se não adotarmos fortes medidas corretivas, podemos deixar de ser um partido militante socialista; e nos convertermos num partido eleitoral trabalhista. Noutras palavras: um partido que organiza a concorrência eleitoral nos marcos do capitalismo, não a disputa pelo poder tendo como objetivo o socialismo.

Com maior ou menor acidez e clareza, o conjunto da direção do PT percebe estes problemas e medidas têm sido discutidas ou adotadas, para enfrentar os seguintes problemas:
a) o financiamento da atuação partidária: a maior parte da receita partidária é proveniente, hoje, da contribuição de empresas privadas. Não se trata apenas das campanhas eleitorais. A atividade cotidiana do Partido depende, em grande medida, da contribuição de empresas privadas. Os recursos provenientes do Fundo Partidário estatal e das contribuições militantes não dão conta de financiar os gastos correntes do PT. No médio prazo, isto é evidentemente insustentável: um partido de trabalhadores sustentado por contribuições de grandes empresas;
b) o financiamento das campanhas eleitorais: até hoje, o PT não conseguiu viabilizar o financiamento público das campanhas eleitorais, o que a nosso ver reduziria o custo geral dos processos eleitorais, assim como reduziria os níveis de corrupção e de oligarquização do legislativo brasileiro. Da mesma forma, não conseguimos introduzir o voto em lista. Por conta disto, mesmo no interior do PT as campanhas eleitorais se tornaram empreendimentos extremamente custosos, ao mesmo tempo que vão consolidando “carreiras políticas” e mandatos dedicados prioritariamente à sua própria reeleição;
c) a redução da democracia interna, resultado da influência (nas disputas internas) do poder econômico, do acesso aos meios de comunicação, da manipulação de máquinas externas (governos, mandatos parlamentares, organizações sindicais etc.), tudo isto incidindo sobre uma massa de filiados recentes, que não tiveram acesso nem à experiência de luta de décadas anteriores, tampouco tendo acesso à formação política (pois desde os anos 1990 até hoje, caiu expressivamente o número de atividades de formação) ou a uma comunicação interna regular (pois o Partido não possui uma imprensa regular);
d) com a ampliação do número de filiados (ainda pequeno, em relação a população geral do país: 1,3 milhão em 200 milhões) e o enfraquecimento da vida orgânica (núcleos de base, “setoriais” e diretórios com funcionamento deficiente), a solução encontrada desde o 1º Congresso do Partido foi a introdução da eleição direta das direções partidárias. O PT realizou eleições diretas em 2001, 2005, 2007 e as realizará novamente nos dias 22 de novembro e 6 de dezembro de 2009. O processo de eleições diretas demonstrou algumas qualidades, mas também grandes defeitos. O debate interno prévio à eleição é reduzido, a maioria dos votantes não é militante ativo, estabelece-se uma distância enorme entre bases (que votam) e direções (que são votados e dirigem), entre outras distorções;
e) a ausência de formação política por parte da maioria dos filiados, a qual devemos agregar as deficiências na política de formação, bem como o déficit teórico do próprio Partido frente a questões programáticas e estratégicas;
f) a transformação de várias tendências internas em grupos de pressão, vinculados a interesses eleitorais de uma ou outra liderança interna, ou simplesmente ao controle de cotas de poder nas direções;
g) o surgimento de centros paralelos de poder, que concorrem (e muitas vezes suplantam) as instâncias partidárias. Tais centros paralelos de poder (os governos, as bancadas parlamentares, os dirigentes de alguns movimentos sociais, lideranças públicas com forte base eleitoral) dificultam tremendamente os processos decisórios internos;
h) as relações entre Partido e movimentos sociais, bem como as relações entre partido e governo.

Os problemas “político-organizativos” acima citados são, como diz o nome, antes de mais nada políticos. Não se resolvem no terreno administrativo, nem serão solucionados através de declaração de interesses. Tampouco decorrem apenas de “opções” feitas por este ou aquele setor que dirige o Partido.

Embora as opções, as intenções e os problemas gerenciais possam ter sua influência, os problemas político-organizativos que afetam o PT só podem ser compreendidos como parte e decorrência do processo de luta política-social em que estamos envolvidos, na sociedade brasileira concreta.

Neste sentido, é importante não fetichizar o debate organizativo. Como dizia um velho dirigente, a organização tem que estar a serviço da política. E, portanto, é na política (no sentido mais amplo da palavra) que se deve buscar a saída para estes problemas.

Uma das novidades políticas surgidas de nossa experiência de governo é, exatamente, o surgimento do “lulismo”, que podemos definir como a identificação direta de setores importantes da classe trabalhadora com o presidente Lula. As relações entre “lulismo” e “petismo” remetem para um tema enfrentado por outras experiências da esquerda: a entrada em cena de camadas populares, com um tipo diferente de experiência política, e as influências que isto têm sobre a democracia interna do Partido.
                                                                                                                        
Domingo, manhã: HISTÓRIA DO GOVERNO LULA

- pedir que os alunos (em 10 minutos) coloquem na linha do tempo os principais marcos da história do governo Lula
-pedir que as pessoas digam ou escrevam na lousa ou colem cartela dizendo quais são, na sua opinião, os três principais marcos da história do governo Lula-comentar o que os alunos indicarem e com base no que eles colocarem, desenvolver os seguintes pontos (buscando sempre apoio nas resoluções da AE):

(CADA PROFESSOR DEVE ADAPTAR A SEU GOSTO O ROTEIRO ELABORADO PELO WLADIMIR, QUE ESTÁ DISPONÍVEL EM PPT, atachado)

Domingo, tarde: DESAFIOS & AVALIAÇÃO

-pedir que os alunos façam um cochicho (definir quantas pessoas por grupo de cochicho) e digam quais são os principais desafios organizativos, táticos e estrátégicos do PT para 2010 e os próximos anos. Os alunos devem indicar 1 desafio organizativo, 1 tático e 1 estratégico;

-ouvir o retorno dos cochichos e debater o tema com os alunos, enfatizando os pontos que estão no plano de trabalho da AE para 2010 e que foram enfatizados em nossa disputa no PED, a saber: 1) vencer as eleições de 2010, criando as condições políticas para um governo superior; 2) implementar no terceiro mandato medidas democrático-populares que nos aproximem do nosso projeto socialista; 3) ampliar o protagonismo da esquerda e do PT, o que implica na reforma política interna, que transforme filiados-eleitores em militantes socialistas.

-ao término, cabe ao grupo local fazer a avaliação. Sugerimos uma avaliação individual por escrito (que ficará com os organizadores, para leitura e sistematização posterior), sobre os seguintes pontos:
-temário adequado?
-abordagem dos temas adequada?
-avaliação dos professores
-avaliação da turma
-avaliação dos horários
-avaliação do local
-avaliação da infra-estrutura
-idéias para prosseguimento
-outros comentários

Depois que todos tiverem escrito e entregue sua avaliação (10 minutos), uma rodada de falas livres e o agradecimento final dos organizadores.