O texto abaixo será publicado na edição de setembro do jornal Página 13. A editora do jornal autorizou sua divulgação antecipada neste espaço.
Eleições 2018
Quando “nada” diz tudo
Finalmente chegamos aos últimos
episódios da segunda temporada do “Golpe”
Valter Pomar*
Quando tudo que
estamos vivendo virar roteiro de uma netflix qualquer, dará uma boa minissérie
com pelo menos três temporadas.
A depender
do roteirista, a primeira temporada poderia começar no segundo turno de 2014,
quando a cúpula do PSDB recebe a notícia de que Dilma Rousseff foi reeleita. E
terminaria na condução coercitiva, indicando o que ocorreria na segunda
temporada.
Esta, por
sua vez, começaria na posse do “golpista que estava acampado na vice” – com
direito a flashbacks do processo de “impeachment” -- e terminaria no anúncio
do vencedor das eleições de 2018. O roteiro da terceira temporada, claro,
dependeria de quem e como vencerá.
Claro que
muito antes disto tudo virar roteiro, temos a vida real, onde protagonistas
verdadeiros lutam entre si para definir o desfecho da história.
A batalha da impugnação
A
candidatura Lula foi inscrita no dia 15 de agosto de 2018, numa atividade que
contou com a presença de milhares de pessoas. Em seguida vieram: a decisão da
ONU; novas pesquisas eleitorais; e ótimas atividades de campanha no nordeste. O
respaldo político confirmado por estes lances atrapalhou os planos & os
prazos do departamento jurídico do golpe.
A Procuradora
Geral da República (PGR) impugnou a candidatura já no dia 15; mas uma decisão,
salvo novo atropelo, ficou para os dias 30 ou 31 de agosto. Se a decisão for
confirmar a impugnação, a defesa poderá fazer embargos. Uma decisão definitiva
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sairia no dia 3 de setembro. No caso de
impugnação, esta decisão concederia ao PT dez dias para substituir a
candidatura. Ou seja, 13 de setembro.
O PT pode e deve,
também, recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Seja questionando a decisão
do TSE com base na exceção prevista na Lei da Ficha Limpa, seja argumentando
direito político líquido e certo respaldado pela ONU.
O STF pode
receber ou não o recurso do PT; recebendo, pode conceder ou não liminar. Se o
STF receber e conceder liminar, Lula poderá seguir candidato, com todos os
outros direitos (inclusive de ser substituído e/ou de ter seus votos computados
futuramente). Se o STF receber e não conceder liminar, isto significaria que o
PT poderia manter a candidatura Lula, mas sem os direitos regulares e correndo
o risco de ter a chapa e os votos anulados. Se o STF não receber o recurso,
isto significaria que estariam formalmente encerrados os canais jurídicos da
controvérsia.
O
departamento jurídico do golpe fará de tudo para impugnar a candidatura antes
de 17 de setembro. Esta é a data limite para que qualquer coligação substitua
suas candidaturas. Impugnar depois geraria maiores controvérsias políticas e
jurídicas, por exemplo, a de não reconhecer a vitória e não diplomar um
presidente eleito por 50% mais 1 dos votos em primeiro turno.
Seja como
for, a força exibida por Lula nas pesquisas e nas ruas constrange os golpistas
e nos permite ganhar tempo. E para nós, ganhar tempo é fundamental.
(Aliás, os
defensores do Plano B e similares devem ganhar um imã de geladeira onde esteja
escrito: APRESSADO COME CRU.)
Para que a
batalha da impugnação não encerre no dia 13 de setembro com uma vitória dos
golpistas, precisamos aumentar ainda mais o tom e a pressão, manter a
mobilização de rua, empreender novas ações, criar mais fatos políticos.
Campanha versus fraude
Alguns
setores da esquerda brasileira defendem travar a batalha da impugnação sem
colocar sobre a mesa a “arma”, ou melhor, a palavra de ordem “eleição sem Lula
é fraude”.
É óbvio que
tais setores reconhecem que impugnar Lula seria um ato fraudulento da
(in)justiça, com o objetivo de forjar artificialmente o resultado das eleições.
Mas aqueles setores acham que adotar aquela palavra-de-ordem poderia ampliar o
abstencionismo, o voto nulo e branco, prejudicando as candidaturas de esquerda
e beneficiando as candidaturas alinhadas com o golpe. Alertam, além disso, que
adotar a palavra-de-ordem “eleição sem Lula é fraude” poderia afetar não apenas
a eleição presidencial, mas também o desempenho da esquerda nas eleições para
governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas.
Os
defensores da palavra-de-ordem eleição sem Lula é fraude respondem que uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Consideram que a eleição que os
golpistas trabalham para fraudar por antecipação é a presidencial. Afirmam que
é necessário chamar as coisas pelo seu nome: democracia é democracia, golpe é
golpe, fraude é fraude. Lembram que há várias maneiras de lidar com um governo
golpista. A única maneira inaceitável é aquela que esconde, disfarça, mascara
sua natureza. Entendem que há várias maneiras de lidar com uma fraude
eleitoral, desde o boicote total até a participação. A única maneira
inaceitável seria aquela que dê a aparência de que estaríamos diante de um
processo normal, com a mesma legalidade e legitimidade de eleições anteriores. Propõem,
finalmente, que os críticos da palavra-de-ordem “eleição sem Lula é fraude”
considerem duas questões adicionais.
A primeira
delas é: os golpistas precisam pagar muito caro, caso ocorra a impugnação. E
chamar as coisas pelo nome aumenta o preço a pagar. Não é por outro motivo que
eles preferem falar de impeachment e
nós preferimos falar de golpe. Já está provado que a indignação com a injustiça
é um dos motivos pelos quais cresce o apoio popular ao Lula. Deixar claro que
estamos diante de uma fraude amplia a indignação. Pelo contrário, evitar falar
de fraude arrefece a indignação.
A segunda
delas é: caso impugnem Lula, ao decidir o que fazer, a esquerda teria que
considerar todos os riscos envolvidos no processo eleitoral. Substituir Lula
por outra candidatura poderia resultar numa vitória eleitoral da esquerda e
forças progressistas, à condição de que consigamos transferir, para esta outra
candidatura, a maior parte da atual intenção de voto lulista. Isto não seria
fácil de fazer. Até porque, neste cenário, os golpistas que tiverem impugnado a
candidatura Lula não parariam por aí. Caso efetivem a impugnação de Lula e
mesmo assim não se livrem da ameaça de uma derrota, os golpistas apelarão para
outras artimanhas.
A fraude,
como o golpe, não é um ato, é um processo. Só estaremos preparados para novas
fraudes, se tivermos clareza acerca do que estamos enfrentando. E se nossa
postura for participar da eleição, e caso ao final sejamos derrotados, neste
cenário a esquerda teria sido triplamente derrotada: impugnaram Lula,
derrotaram seu substituto e elegeram um presidente que não poderíamos chamar de
fraudulento e ilegítimo. Afinal ao participar, em alguma medida teríamos
legitimado o processo. Legitimar o resultado de uma fraude antecipada é um
risco que deve ser levado em devida conta.
Em resumo,
podemos até decidir participar, mas esta decisão precisa levar em conta todos
os riscos envolvidos. A decisão sobre o que fazer, caso a impugnação ocorra, é
uma questão tática, não uma questão de princípio. Há prós e contras. Mas é
preciso colocar sobre a mesa todas as alternativas. Não apenas aquela que
defende participar, qualquer que seja o cenário.
Esperamos
que a discussão acima resumida não seja necessária. Até porque, se nós enfrentamos
problemas, o lado de lá também tem os seus.
Dilemas tucanos
Em primeiro
lugar, se Lula participa das eleições, ele provavelmente ganha de qualquer
adversário. Mas se a candidatura Lula for impugnada, isto não necessariamente
contribui para colocar o PSDB no segundo turno.
Alckmin tem
disto que o horário eleitoral gratuito pode levar o PSDB ao segundo turno. Mas,
mesmo que consiga ir ao segundo turno, o candidato tucano pode ser derrotado,
se do outro lado estiver alguém que se saia melhor na tripla polarização que
está caracterizando esta campanha (sobre este tema, ver box).
O segundo
dilema tucano é Bolsonaro. Supondo que alguma candidatura da “turma de Lula”
estará no segundo turno, então Alckmin precisa não apenas crescer, mas também
crescer tirando votos de Bolsonaro. Mas como fazer isso, num cenário de
polarização? Se Alckmin tentar ele próprio assumir um discurso fascista, pode
reforçar Bolsonaro. E se combate o fascismo, pode fortalecer outras
candidaturas, que não a sua.
O terceiro
dilema tucano: embora Alckmin seja o preferido da cúpula do golpe, é possível
que surjam propostas de apostar em outras candidaturas (por exemplo, naquelas
que pareçam ser da turma de Lula, como Marina e Ciro), ou mesmo propostas de
buscar novos nomes (o que exigiria a renúncia de algum dos candidatos postos,
como Meirelles, por exemplo).
O quarto e
último dilema é o que fazer, caso tudo dê errado e pela quinta vez consecutiva
Lula vença, diretamente ou por interposta pessoa, as eleições presidenciais.
Ou, num cenário alternativo, que o número de votos brancos, nulos e abstenções
seja superior ao 50% mais 1.
Considerando
o conjunto dos dilemas tucanos, compreende-se o bordão “Lula ou nada”, adotado
por setores do eleitorado. Alguns enxergam aí apenas uma opção eleitoral. Mas
existe algo mais profundo: Lula é a única alternativa que tem começo, meio e
fim. Todos os cenários sem Lula envolvem tantas incertezas, que seu desfecho
mais provável é o aprofundamento da crise. Ou seja: ou é Lula, ou nada poderá
ser como antes.
Valter Pomar é
militante do PT e professor de relações internacionais da UFABC (SP).
Box
A tripla polarização
As eleições deste ano já são as mais polarizadas desde 1989. Há três polarizações: uma em torno do golpe, outra em torno do programa e outra acerca do sistema político.
De um lado os golpistas, de outro quem luta contra o golpe. De um lado os neoliberais, de outro os que defendem os interesses populares. De um lado os candidatos do “sistema”, de outro os que são ou parecem ser anti-sistêmicos.
Lula lidera as pesquisas, entre outros motivos, porque polariza muito bem, aos olhos da massa, nos três vetores. Lula é uma dupla vítima — do golpe e do “sistema” — e, ao mesmo tempo, seu nome é lido por parte do povo como um programa! Nos três vetores, Lula desempenha melhor que Ciro e Boulos, que imaginavam crescer num vácuo que até agora não existiu.
Bolsonaro está em segundo lugar nas pesquisas eleitorais porque polariza fortemente (e por isto perde mais do que ganha, eleitoralmente falando) nos quesitos golpista e neoliberal, e por outro lado se beneficia (ganha muito mais do que perde) ao ser visto por parte do povo como alguém antissistema.
Na resultante destes três vetores, Bolsonaro desempenha melhor que Alckmin, Meirelles, Álvaro, Marina e outras candidaturas da centro-direita, que perdem muitíssimo por serem golpistas e neoliberais, mas também perdem demais porque fedem a politica tradicional.
Esta situação causa desespero nas candidaturas de centro-direita, pois a combinação de vetores torna muito mais difícil tirar Lula e Bolsonaro da liderança das pesquisas.
A ação do governo e do parlamento golpista destacam espontaneamente o sentido programático da candidatura Lula. E cada passo que dão no sentido de impugnar Lula, o consolida como candidato anti-golpe e anti-sistema. E, pesadelo dos pesadelos, recupera a imagem pública do PT.
Por outro lado, dependendo de como a centro-direita tentar detonar Bolsonaro, há o risco da parcela “antissistema” de seus eleitores migrar para Lula.
Moral da história: para gente como Alckmin, o problema é triplo. Precisam tirar Lula, precisam tirar Bolsonaro e precisam crescer no eleitorado.
Já para o
PT, o problema é simples: trata-se de continuar polarizando. E de polarizar
cada vez mais. Nosso programa é relativamente claro sobre isso: revogação das
medidas golpistas, programa de emergência para gerar empregos e viabilizar
direitos, Assembleia Constituinte. Mas não basta programa no papel. É preciso
um programa que o povão entenda. Lula as pessoas entendem.
Por isso sua ausência física precisa ser compensada por uma campanha Lula de extrema polarização: contra o golpe, contra o programa neoliberal do golpe e contra o apodrecimento do “sistema”. Para o povão, este é um triplex que faz sentido!