14 de outubro de 2015
(sem revisão)
1.Um ano nos separa do segundo turno da eleição presidencial de 2014. Quem se propuser a organizar uma agenda dos acontecimentos, entre o segundo turno de 2014 e hoje, perceberá que não houve um momento de calmaria. Isso contribui para direcionar nosso olhar para a conjuntura. Contribui também para o “taticismo” que predomina em grandes setores da esquerda brasileira. Mas para explicar a velocidade com que se sucedem os fatos conjunturais é preciso entender algumas variáveis de médio prazo, “estruturais” por assim dizer. O que por sua vez sugere ser mais prudente, ao discutir e definir a tática, adotar uma perspectiva estratégica.
3.Dentre as variáveis de médio prazo que ajudam a compreender as conjunturas deste último ano, há duas fundamentais, fortemente vinculadas:
a) a alteração no cenário internacional;
b) a mudança na atitude do grande capital.
Como decorrência, ficou menor a margem de conciliação entre as forças sociais e políticas.
3.Tomando como marco o ano de 1989, os traços principais do cenário internacional são:
a) defensiva estratégica da classe trabalhadora,
b) hegemonia do capitalismo,
c) crise do capitalismo,
d) declínio da potência hegemônica,
e) ascensão de outros polos de poder (vide os BRICS),
f) disputa entre duas vias de desenvolvimento capitalista,
g) formação de blocos regionais.
No âmbito internacional, a tendência predominante é de instabilidade, crises e conflitos.
4.Também tomando como marco 1989, os traços principais do cenário regional são:
a) hegemonia do neoliberalismo,
b) disputa entre dois modelos de desenvolvimento nacional e regional,
c) vitórias eleitorais e forte protagonismo dos governos progressistas até 2006,
d) desde então, crescente contraofensiva das forças conservadoras.
5.A contraofensiva das forças conservadoras apoia-se nos esforços que o governo Obama faz para interromper o declínio e recuperar a hegemonia dos EUA. Apoia-se, também, nas forças próprias e no aprendizado das forças conservadoras em cada país. Mas seu principal ponto de apoio está nos limites exibidos pelos governos progressistas.
6.Os governos progressistas da América Latina e Caribe são muito diversos entre si. Entretanto, todos eles enfrentam:
a) a herança (colonial, desenvolvimentista conservadora, neoliberal),
b) a oposição da maior parte das classes dominantes locais,
c) a oposição do bloco internacional liderado pelos EUA.
7.Ademais, todos os governos progressistas da região são progressistas porque, em maior ou menor medida, com maior ou menor radicalidade, querem superar a hegemonia neoliberal.
8.Entretanto, gostando ou não disto, admitindo ou não isto, todos atuam nos marcos desta hegemonia (ou seja, nos marcos da hegemonia do capital financeiro e transnacional, em especial dos EUA). Além disto (e por isto), todos os governos progressistas da região buscaram aproveitar-se da “janela de oportunidades” comerciais e de investimentos externos aberta, especialmente, entre 2000 e 2005.
9.De maneira muito simplificada, esta “janela” estava apoiada nas necessidades e interesses econômicos dos Estados Unidos e da China. Necessidades que geraram uma forte demanda por commodities, fornecidas entre outros pelo Brasil. Pois bem: desde a crise de 2007-2008, tanto a China quanto os Estados Unidos estão alterando os termos de sua relação. Entre os muitos efeitos disto, há dois que impactam pesadamente o conjunto dos denominados “países em desenvolvimento”, inclusive os latino-americanos e caribenhos: o fim do que alguns chamam de super-ciclo de commodities e a redução (ao ponto da inversão) no fluxo de capitais vindo das "metrópoles".
10.Evidentemente, quem aproveitou aquela “janela de oportunidades” para fazer mudanças estruturais (tanto na economia quanto na política) está mais preparado para enfrentar a conjuntura aberta a partir de 2008. Quem, pelo contrário, não fez reformas estruturais neste período e – pior ainda—achou que a janela se prolongaria por ainda muito tempo, agora enfrenta maiores dificuldades.
11.Que tipo de mudanças estruturais deveriam ter sido tentadas? Sobre isto há várias respostas, que correspondem aos diferentes interesses de classe e aos diferentes programas políticos existentes na sociedade brasileira. Mas existe um critério objetivo para definir qual deveria ser o “programa mínimo” das reformas estruturais: o que está no centro do conflito entre as classes (dentro de cada país) e entre os Estados (no âmbito internacional).
12.Tomando este critério, as mudanças estruturais que deveriam ter sido tentadas, no caso brasileiro, a partir de 2003, são as seguintes:
a) desenvolvimento de uma indústria forte e tecnologicamente avançada, com os desdobramentos que isto tem no âmbito da ciência e da engenharia nacionais (sem o que não se altera o “lugar” do Brasil na divisão internacional do trabalho);
b) constituição de um setor financeiro poderoso e público (sem o que não haverá recursos para o desenvolvimento e continuaremos submetidos à ditadura do capital financeiro);
c) reforma agrária e universalização das políticas sociais (sem o que não há condições materiais para combinar crescimento econômico com elevação do bem-estar social);
d) integração regional (possibilitando cadeias produtivas, economia de escala, recursos e retaguarda estratégica);
e) ampliação da auto-organização da classe trabalhadora e ampliação das liberdades democráticas do conjunto do povo, com destaque para quebra do oligopólio da comunicação, reforma política e do Estado, outra política de segurança pública e de Defesa, outra política de educação e cultura (sem tais medidas, a classe dominante terá os meios para sabotar e reverter o processo de mudanças).
13.Como sabemos, no caso brasileiro, tais mudanças estruturais não foram tentadas. Melhoramos a vida do povo, sem fazer nenhuma destas reformas estruturais. Se olharmos outros países da América Latina e Caribe, veremos situações diferentes, que ajudam a compreender porque a mesma situação internacional provoca respostas políticas distintas, ainda que dentro de uma dinâmica similar.
14.Uma questão é: por qual motivo no caso brasileiro aqueleas mudanças estruturais não foram nem ao menos tentadas? Isso obviamente remete para as opções ideológicas, programáticas, estratégicas e táticas feitas pela maior parte da esquerda brasileira ao longo dos anos 1990, opções que vem sendo testadas a partir de 2003.
15.No período dos Fernandos, a ofensiva neoliberal fez o país regredir, provocando como efeito colateral uma alteração nas concepções da esquerda brasileira, que fez o PT (força hegemônica na esquerda dos anos 1990) assumir posições estratégicas similares àquelas do PC e do PTB antes do golpe militar de 1964. A saber: uma aliança estratégica com setores da classe dominante, uma opção preferencial por mudanças via conciliação, bem como certa fé tocante nas instituições.
16.A maior parte da esquerda brasileira acreditou, aderiu e contribuiu com a referida estratégia que podemos denominar como de conciliação. Maximizou seus efeitos positivos e minimizou seus defeitos. Mesmo aqueles que percebiam os riscos, não tomaram as medidas corretivas necessárias.
17.Os riscos eram de três tipos. Primeiro, a progressiva perda de apoio na classe trabalhadora, nos setores populares em geral, nos chamados setores médios e na juventude, que de conjunto constituíram a base de apoio para o crescimento da esquerda ao longo dos anos 1990. Segundo, o risco da melhoria das condições de vida do povo provocarem -- lembrai-vos da taxa de lucro!!!-- uma mudança na posição daqueles setores do empresariado capitalista que pareciam engajados na política de conciliação. Terceiro, uma mudança no ambiente internacional, que estreitasse a margem de manobra de uma politica “ganha-ganha”, que pretendia melhorar a vida dos pobres sem reduzir o lucro dos ricos.
18.Quando veio a crise de 2007-2008, o governo brasileiro reagiu bem: mais mercado interno, mais integração regional, mais Estado. Naquela ocasião, a Petrobrás foi fundamental. Mas, novamente, as mudanças estruturais não foram feitas. De forma geral, quando temos força e estamos bem, prevalece a ideia de que se tentar melhor, estraga. Na véspera das eleições de 2010, o debate na direção do Partido dos Trabalhadores demonstrou que parte importante não tinha consciência de que a marolinha converter-se-ia num tsunami, o que além das dificuldades gerais causadas para a economia brasileira, contribuiria para acelerar a mudança na posição do empresariado brasileiro.
19.Sem mudanças estruturais, esgotou-se rapidamente a capacidade do Estado investir. E frustrou-se também a tentativa de forçar o oligopólio financeiro privado a investir na produção. Frente a isto, o que fez o governo no período 2011-2014? Manobrou como pode o dia-a-dia do caixa, manteve uma política ortodoxa de juros e cambial, depositou imensas expectativas no papel dinamizador da Petrobrás e apostou nas desonerações contra a "greve de investimentos" do setor privado, na expectativa de que o empresariado privado respondesse com manutenção de empregos, ampliação na produção e redução nos preços. Como sabemos, manteve-se o desemprego sob controle, mas fora isto o grande capital beneficiado pelas desonerações preferiu apostar nas possibilidades abertas pela taxa de juros.
20.No período 2011-2014, o grande empresariado como um todo, inclusive os setores que haviam apoiado a política de conciliação, reclamavam uma mudança fundamental na “política econômica”: que o governo detivesse e revertesse a política de ampliação do salário direto e indireto da classe trabalhadora. Como o governo não fez isto, o resultado foi o deslocamento de setores cada vez mais amplos do grande capital em favor da oposição. Este deslocamento já havia sido antecipado pelos setores médios. E, o mais grave, foi acompanhado também do deslocamento de camadas populares, inclusive na classe trabalhadora. O que explica o fato da eleição de 2014 ter sido não apenas vencida por Dilma, mas também quase perdida.
21.A disputa presidencial de 2014 não apenas foi duríssima, como teve continuidade após as eleições. Alguns setores da esquerda reclamam disto, num tom indignado que apenas demonstra as ilusões que há entre nós, tais como acreditar que a direita brasileira respeita as instituições, quando a vida e a história demonstra que sua (deles) visão é outra: para eles tudo, para os inimigos nem mesmo a lei.
22.A disputa eleitoral de 2014 não se interrompeu desde o segundo turno, não apenas porque a direita sentiu gosto de sangue, mas também porque há um problema de fundo não resolvido. E o problema de fundo não resolvido é o seguinte: a atual situação (política, econômica e social) não agrada a nenhuma das classes fundamentais da sociedade brasileira. Estamos numa situação de impasse estratégico, não apenas tático, não apenas político, não apenas institucional.
23.É por isto que para os setores encabeçados pelo PT não é suficiente manter o governo, conquistado legitimamente nas eleições de 2014. É preciso achar caminhos para colocar o governo à serviço daquelas mudanças estruturais que deveriam ter sido feitas quando éramos mais fortes.
24.É por isto, também, que para os setores encabeçados pelo PSDB não é suficiente assumir o governo (agora ou em 2018). É preciso, do ponto de vista deles, utilizar o governo para fazer uma contrarreforma conservadora, que não apenas desfaça o que de progressista fizemos desde 2003, não apenas desmonte o que há de positivo na Constituição de 1988, mas que também inviabilize (pelo maior espaço de tempo possível) a esquerda brasileira. Por isto a sanha contra Lula, o PT, a CUT, o MST, a esquerda em geral, colocada toda sob a etiqueta de “comunismo bolivariano do Foro de SP”.
25.É por isto, igualmente, que tanto a “terceira via” da Rede, quanto a “esquerda da esquerda” tentada pelo PSOL, gostando ou não disto, vem sendo obrigadas a se posicionar nos marcos da polarização entre governo e oposição, entre PT e PSDB, pois esta polarização é a expressão atual do conflito entre dois projetos de longo prazo existentes na sociedade brasileira desde os anos 1920, pelo menos.
26.As chamadas forças conservadoras tem unidade estratégica, mas diferenças táticas. No terreno da estratégia, o grande capital, a oposição de direita e o oligopólio da mídia tem como objetivos:
a) realinhar o país aos Estados Unidos;
b) ampliar as taxas de exploração da classe trabalhadora;
c) fazer com que a esquerda deixe de ser alternativa de governo e de poder.
27.No terreno da tática, contudo, há divisões importantes. Vimos isto antes e durante a campanha eleitoral de 2014. E confirmamos isto desde então: há diferenças importantes entre Moro, Aécio, Serra, Alckmin, Temer, Renan, Cunha, bem como entre as organizações coxinhas, as diferentes frações do capital e do oligopólio da mídia. As diferenças dizem respeito a como, de que forma, através de que meios, inviabilizar Lula, o PT e o governo Dilma. Na direita, no grande capital e no oligopólio midiático existem diferentes opiniões acerca de como fazê-lo. Algumas opiniões decorrem de finas análises estratégicas, outras de interesses estritamente pessoais.
28.Em condições normais, estas divisões seriam de grande valia para a esquerda. Mas como a esquerda está profundamente dividida e sem uma política consistente, o que prevalece é o fato de sermos um alvo fixo. Como naqueles desenhos animados, a barragem está rompendo e cada vez que tampamos um furo, outros furos aparecem.
29.Grosso modo, são duas as alternativas postas para as diferentes frações da oposição, do grande capital e do “PIG”. A primeira delas é manter o governo Dilma sob chantagem permanente, para que apliquemos a política derrotada nas eleições de 2014, desgastando-nos ao ponto de perdermos a eleição de 2018. Fazem parte desta primeira alternativa a decisão do TCU sobre as "pedaladas fiscais", o processo que tramita no TSE, as manobras de Eduardo Cunha e a Operação LavaJato. A segunda alternativa é, aproveitando-se da debilidade causada pelas ações citadas anteriormente, afastar Dilma na primeira oportunidade, o que abriria três variantes: um governo tampão de Temer, novas eleições ou parlamentarismo.
30.Frente a isto, há também grosso modo três posições na esquerda brasileira. A primeira delas é fazer oposição ao governo Dilma (como isto poderia levar a uma aliança objetiva com a direita, os oposicionistas “de esquerda” dividem-se entre os que apoiam um impeachment "em que se vayam todos", os que são contrários ao impeachment e os que acham que o impeachment é apenas uma chantagem emocional da direita contra o PT e do PT contra a “esquerda da esquerda”). A segunda posição é defender o governo Dilma contra o impeachment, mesmo que a custa de acordos com setores da centro-direita (tanto da base quanto da oposição) e deixando em segundo ou terceiro plano o tema incômodo da política econômica. A terceira posição consiste em defender o governo através da mudança na política econômica.
31.As três posições existentes na esquerda são todas elas “incômodas”, contraditórias. Melhor seria, claro, estar apoiando as ações do governo Dilma em favor das reformas democráticas e populares. Mas as opções feitas pela presidenta Dilma depois do segundo turno (opções apoiadas no silêncio passivo e/ou na cumplicidade ativa da maioria do Diretório Nacional e do 5º Congresso do PT) tiraram de cena qualquer opção perfeita.
32.Por exemplo: quem propõe que defender o governo (e nosso projeto de médio-longo prazo) supõe dar “cavalo de pau” na política econômica sabe que está frente ao desafio de mudar de estratégia, no pior momento tático.
33.Isto não constitui apenas uma dificuldade objetiva (mudar quando se está mais fraco), mas também uma dificuldade subjetiva. Pois uma parcela importante da esquerda brasileira simplesmente não consegue pensar em termos de outra estratégia. Outra parcela importante não consegue imaginar como fazer para transitar da atual para outra estratégia.
34.Uma tarefa importante, portanto, é construir na teoria e na prática esta transição de estratégia. Portanto, não se trata apenas de ter uma tática que nos permita derrotar a direita na batalha do dia. Trata-se de ter uma tática que nos permita, além de derrotar a direita na batalha do dia, acumular no sentido de outro desfecho estratégico. Pois, mantida a atual estratégia, o desfecho será a derrota do chamado campo popular, agora ou mais adiante, por ação externa ou por suicídio em doses homeopáticas.
35.Construir na teoria a transição de estratégia supõe, entre outras coisas, entender e explicar como aquilo deu nisso. Ou seja, mostrar como se encadeiam a estratégia adotada pelo PT em 1995, a Carta aos Brasileiros, a política de Pallocci, a crise de 2005, a inflexão de 2006, os ziguezagues de Dilma, a politica de alianças... Vale dizer que parte importante dos que tentam responder a esta questão, inclusive aqueles que são críticos da “direitização” do PT e dos governos Lula-Dilma, adotam ao explicar como aquilo deu nisso parâmetros “teóricos” similares aos daqueles que são criticados! Por exemplo: do mesmo jeito que os setores moderados hipertrofiaram o papel da ação institucional, vários setores críticos hipertrofiam o papel isolado da luta social. Não admira, portanto, que tantos saiam do PT criticando “nossas” alianças à direita, para acabar aliando-se à direita contra o Partido. Nem admira que críticos do “lulismo” se convertam, como por passe de mágica, em defensores de pactos nacionais para sair da crise. Grande parte compartilha uma visão comum, que precisa ser submetida à crítica se quisermos sair desta situação para outra melhor, vivos e bem de saúde.
36.Construir na prática uma transição de estratégia implica em orientar nossas ações táticas pelo objetivo estratégico de recuperar nosso apoio junto à classe trabalhadora, criando as condições sociais indispensáveis para derrotar o grande capital, a oposição de direita e o oligopólio da mídia, em favor de um desenvolvimentismo democrático-popular e articulado com o socialismo.
37.É também por isto que dizemos: a melhor maneira de defender as liberdades democráticas, a legalidade e o governo Dilma, é mudar a política econômica de ajuste fiscal recessivo e neoliberal. Qualquer outra maneira pode conduzir a vitórias, mas serão de Pirro.
38.É também por isto que alertamos: não é possível derrotar o golpismo, confiando no bom comportamento de uma parcela dos golpistas. A única saída consistente (seja no sentido de permitir uma vitória tática, seja no sentido de engatar em outra orientação estratégica) está em mudar a política econômica, reatar laços com nossa base social e mobilizar esta base social contra o golpismo.
39.Quando falamos em reatar laços com nossa base social, não falamos das dezenas de milhares que vão às marchas, manifestações e congressos. Falamos das dezenas de milhões que nos apoiaram nas eleições de 1989, 1994, 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014, mas que agora estão decepcionados e em muitos casos em franca oposição a nós.
40.A dificuldade de compreender as causas estratégicas da crise política, somada a dificuldade de aceitar que nosso desafio principal reside em recuperar o apoio daquelas dezenas de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, ajuda a entender a gangorra emocional dos últimos meses. Quantas vezes ouvimos pessoas passando, em questão de dias, da convicção de que “o pior já passou” para a certeza de que “agora lascou”? Foi assim quando das manifestações da direita em agosto: a menor afluência de coxinhas, resultante de algum tipo de armistício implícito ou explícito com setores do PIG e do capital, foi comemorada como o suposto fim da crise. Foi assim, também, depois da reforma ministerial e, agora, novamente, depois das liminares de ministros do TSE contra as manobras de Eduardo Cunha. Sempre parece que o pior já passou, mas como as causas de fundo da crise política são estruturais, parte da esquerda fica como já disse alguém: oscialando entre um fim horroroso e um "horror sem fim".
41.Ajuda nesta gangorra emocional, também, a visão equivocada acerca da existência de uma “conspiração unificada” da direita contra nós. Quando na verdade, como já dissemos antes, há várias táticas do lado de lá, mas nossa divisão e a política errada fazem com que a divisão entre nossos inimigos se converta num ponto de força para eles. Cada vez que achamos que neutralizamos o ataque vindo de um lado, aparece de outro lado outro ataque. Deste ponto de vista, não devemos nos iludir: a presença de Cunha incomoda muita gente, inclusive setores da direita que não querem passar recibo de estarem mancomunados com um pilantra.
42.O que seria uma mudança imediata e radical na política econômica? Reduzir a taxa de juros, alongar o pagamento da dívida pública, estabelecer controle de câmbio, lançar mão das reservas internacionais, tomar medidas tributárias progressivas com destaque para o imposto sobre grandes fortunas, cumprir o orçamento, retomar o papel da Petrobrás e do Minha Casa Minha Vida. Numa palavra, parar o ajuste e colocar o Estado à serviço do crescimento com e através da distribuição de renda. Como se vê, algo mais do que afastar Levy (e Barbosa), algo muito diferente de substituir Levy por Meireles. Lembrando que uma mudança imediata na política econômica vai acentuar o conflito com setores da direita, portanto só é sustentável mudar a política econômica se também mudarmos a política-política, inclusive para enfrentar as eleições de 2016, que (é bom lembrar) serão precedidas pelas Olimpíadas.
43.Para concluir, qual o impacto que esta crise terá sobre o futuro da esquerda brasileira? Em muitos setores, tanto da direita quanto da esquerda, há uma firme convicção de que teria se encerrado o ciclo do PT. Para a direita, isto seria uma ótima notícia. Para a esquerda não, pois se fosse verdade que o ciclo petista encerrou-se, isto implicaria em que durante uma ou duas décadas deixaremos de ser alternativa de governo e de poder. O que significa dizer que o futuro do PT não é apenas um problema tático, mas também um problema estratégico; não é um problema dos petistas, mas também do conjunto da esquerda brasileira.
44.Parte importante da esquerda brasileira, mesmo aquela que tem críticas à conduta atual ou passada do PT, reconhece ser necessário defender o PT e Lula, manter o governo Dilma e impedir a direita de vencer as eleições de 2018. É possível conseguir um ou alguns destes objetivos, isoladamente. Mas só é possível conseguir todos se o governo mudar sua política econômica e se o PT modificar sua estratégia. Por isto a “luta interna” do PT não é um problema “interno” do PT, que interessaria apenas aos petistas.
45.Quais as chances do PT mudar sua estratégia? Muito pequenas, pois em favor da manutenção da atual estratégia convergem, dentro e fora do PT: 1) os que desejam manter a estratégia de conciliação; 2) os que desejam mudar a estratégia, mas não sabem como e por isto nada fazem; 3) os que não acreditam mais ser possível mudar a estratégia do PT; 4) os que consideram que o PT é o inimigo estratégico; 5) sem falar na ação da direita, que empurra parte da esquerda para o estaticismo.
46.Apesar das chances serem pequenas, lutar pela mudança na estratégia do PT é a chave para fazer mudanças estruturais no Brasil (reformistas e/ou revolucionárias, progressistas e/ou democrático-populares, capitalistas e/ou socialistas).
47.Isto porque a história do Brasil é de modernização conservadora, de pacto entre as elites. Neste contexto, a esquerda oscilou entre o isolamento e a cooptação. A grande novidade do ciclo PT foi escapar desta dupla maldição, construindo uma esquerda de massas e transformadora. A grande tragédia do último período foi ver parcela crescente do petismo capturada pelo “modo normal” de funcionamento da política brasileira: o pacto conservador.
48.Se o PT não conseguir libertar-se desta situação, isto pesará de maneira brutal sobre as futuras gerações da classe trabalhadora brasileira, tornando muito mais difícil a luta por transformar o Brasil em favor dos explorados.
49.A estratégia de conciliação possui raízes profundas. Combatê-la exige expor estas raízes, mostrar como “aquilo deu nisso”, demonstrar os limites do taticismo, construir caminhos para derrotar a direita e defender nosso acúmulo. É uma tarefa de médio prazo, na qual podemos fazer tudo certo e ainda assim ser derrotados, uma vez que nossos inimigos de classe beneficiam-se dos erros cometidos do nosso lado.
50.Alguns setores da esquerda acreditam que combater a estratégia da conciliação exige derrotar o PT, ou seja, que o PT é o inimigo estratégico. Algumas organizações de esquerda acreditam que adotar esta diretriz os sintoniza com amplos setores da classe trabalhadora, que estão irritados conosco. O que estas organizações de esquerda não percebem é que parte importante dos amplos setores da classe trabalhadora desgostosos com o PT, estão sendo hegemonizados por setores da direita; e será esta direita, e não a esquerda da esquerda, quem colherá os frutos de uma eventual derrota do PT. Derrota que, repetimos, poderá ocorrer independente de nossos melhores esforços, devido à confluência entre acertos do lado de lá e erros do lado de cá.
51.Seja como for, o objetivo do petismo é reconquistar o apoio destes setores da classe trabalhadora (com destaque para os jovens trabalhadores e jovens filhos de trabalhadores) que nos abandonaram, o que depende em grande medida do PT mudar de estratégia e do governo mudar de política econômica. Portanto, embora estes setores da esquerda tratem o PT como inimigo e muitas vezes se convertam objetivamente em inimigos do PT, o foco do PT deve ser sempre recuperar o apoio da classe trabalhadora.
52.Dissemos antes que são pequenas as chances de alterar a estratégia do PT e de mudar a política econômica do governo Dilma. Além disso, é preciso considerar que só teremos êxito nestas tarefas se, além de muito empenho e política correta, elas forem factíveis. Argumento que surge frequentemente, esgrimido especialmente por quem está “cansado”: vocês têm razão, mas.... não vai dar certo.
53.Evidentemente, trata-se de uma “aposta”. Apostas semelhantes foram feitas, ao longo da história, por forças políticas e sociais que enfrentaram situações muito mais difíceis. Algumas vezes tiveram êxito, outras não. Pode ser que ao fim e ao cabo sejamos derrotados e na prática não consigamos mudar a estratégia do Partido, nem a política econômica do governo. Entretanto, mesmo neste caso, a questão é: além de vencer, existe alternativa melhor do que lutar e tentar? Dito de outra forma, desistir de tentar contribuirá para construir uma alternativa melhor para a classe trabalhadora?
54.É recomendável um exame das experiências do PCO, do PSTU, da Consulta Popular e do PSOL, bem como uma análise das trajetórias dos que saíram individualmente do PT nos últimos anos. Uma análise destes casos não responde o que fazer agora, mas serve para alertar acerca de muitas ilusões e descaminhos. Para este debate, também é importante levar em conta as experiências do Partido Comunista e do Partido Trabalhista, bem como o conjunto da experiência da esquerda brasileira anterior ao PT. Novamente, tal análise não responde o que devemos fazer agora, mas ajuda a colocar o problema em perspectiva histórica. É importante, finalmente, estudar algumas experiências da esquerda em outros países. Destaco o caso do Partido Comunista Italiano e da Refundação Comunista.
55.Finalmente, mas não menos importante, devemos considerar o que está em curso no país. Se for verdade a premissa de que estamos diante de impasses estratégicos, não apenas de impasses táticos, isto significa que estamos diante do fim de um ciclo na história do país, o que abre pelo menos uma bifurcação: ou um ciclo de transformações populares ou um período mais ou menos longo de reação. A predominância de um ou de outro caminho depende em parte do que vai predominar, se a coesão ou a dispersão da esquerda politica e social. E se isto for verdade, fica clara a importância de não desistir da disputa de rumos do governo Dilma, do conjunto da esquerda e do PT, bem como a importância de construir a Frente Brasil Popular.
56.Um último comentário: é preciso acompanhar com atenção a atitude da Central Única dos Trabalhadores, cujo congresso nacional teve início no dia 13 de outubro. Na abertura do Congresso, a presidenta Dilma fez um discurso, cuja análise está disponível no endereço http://valterpomar.blogspot.com.br/2015/10/dilma-rousseff-discurso-importante.html