O deputado estadual João Paulo Rillo decidiu sair do PT.
Sua carta de despedida, intitulada "Um novo caminho" (ver abaixo) arrola alguns argumentos para tentar explicar e justificar sua atitude.
Nenhum desses argumentos é novo.
..."fechou-se um ciclo histórico"...
..."inúteis disputas internas"...
..."nossa posição de mudança radical nos rumos do partido, por ora, foi derrotada"...
O que há de original na carta de Rillo é a explicitação da natureza fundamentalmente parlamentar de sua decisão.
Segundo ele, "tornou-se impossível fazer de mandatos parlamentares trincheiras de resistência política, de formulação programática, espaços de invenção e ousadia, como já foram um dia. O pragmatismo e a conciliação contaminaram nossa bancada, impedindo qualquer ação mais ousada de enfrentamento à direita paulista" (...) "não se trata de apontar culpados nesse esgarçamento e esgotamento político na bancada. Mas há limites de paciência histórica e convivência. O processo de retaliação e veto continuado ao qual fui submetido acelerou meu ceticismo".
Ou seja: segundo a carta de Rillo, o centro do problema estaria... na bancada de deputados estaduais do PT em São Paulo.
Pode ser tudo verdade.
Mas sair do PT por este motivo -- e no exato momento em que o Partido dos Trabalhadores está sendo vítima de uma operação de cerco e aniquilamento -- é fazer do parlamento (estadual!!!) o centro do mundo.
Uma atitude que os antigos chamavam de cretinismo parlamentar.
Comportamento que contamina gente de direita e gente de esquerda, radicais e moderados.
E que motiva este tipo de troca de partido exatamente na véspera de processos eleitorais.
É verdade que a linha política e os métodos predominantes no PT, especialmente no estado de São Paulo, precisam ser alterados de alto a baixo, sob pena de sofrermos novas e mais profundas derrotas.
Mas também é verdade que a batalha em defesa do PT tem um significado histórico que deve ser posto em primeiro lugar.
Por isto, é preciso ter "paciência histórica". Até mesmo com quem perdeu a sua, mesmo que por motivos historicamente menores e pouco nobres.
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UM NOVO CAMINHO
Aos 16 anos, apaixonei-me profundamente. A militância política e o Partido dos Trabalhadores mudaram minha vida para sempre.
Adolescente, tinha sonhado em ser jogador de futebol, astronauta e até cantor de banda de rock, nada além das expectativas da classe média baixa paulista do interior de São Paulo. Embora não fosse filho de trabalhador da indústria – meu pai era funcionário da antiga TELESP –, estudei nove anos no SESI 410, construí grandes amizades, conheci a mãe do meu filho e fui presidente do Centro Cívico. Lá experimentei as maravilhas e as contradições de uma escola bem estruturada e exclusiva, onde misturavam-se classes e, obviamente, predominavam os hábitos, desejos e a cultura dos mais abastados.
Foi na escola pública, no primeiro colegial, que encontrei meus iguais, de origem semelhante e de sonhos parecidos. Identifiquei-me muito mais com a escola pública pobre e guerreira, diferente do disputado e muito bem estruturado SESI 410. No Antônio de Barros Serra, fui atraído para a organização coletiva e para a militância política de esquerda. Foi nessa escola que experimentei meu primeiro gesto de solidariedade de classe, organizando com outros colegas nossa primeira paralisação estudantil em apoio à greve dos serventes e merendeiras por melhores condições de salário e trabalho.
Daí, fomos convidados para participar da reorganização do movimento estudantil em Rio Preto em 1993, alguns meses depois das gigantescas passeatas dos caras pintadas pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo. Na primeira assembleia geral no tradicional Instituto Monsenhor Gonçalves, fui acompanhado de meia dúzia de amigos, eu vestia uma camiseta da Legião Urbana, o Fabrício, uma do Pink Floyd e o Luizão, a do Raul Seixas – até aquele momento, essas camisetas eram a expressão máxima da nossa rebeldia.
O êxito da nossa paralisação me levou a compor a pró-UMES, uma comissão de nove estudantes que organizaria a eleição da primeira diretoria da UMES. As demais diretorias foram eleitas em congressos estudantis, mas a primeira foi eleição direta. Com o lema “Organize sua rebeldia”, quase 16 mil estudantes votaram em uma chapa unificada e nascia ali uma entidade estudantil forte e representativa, que, de certa forma, interferiu na vida pública da cidade. Fui eleito diretor de Cultura na primeira diretoria e, no ano seguinte, presidente no primeiro congresso da UMES, em uma disputa acirradíssima contra a juventude do PMDB.
Os partidos de esquerda e de centro-esquerda da época – PT, PCdoB, PCB, PV, PDT e, pasmem, parte do PSDB – estavam no suporte dessa organização. Mas a predominância era a militância petista. As pessoas mais cativantes, preparadas e encantadoras eram do PT. O partido dava organicidade e coesão política ao movimento. A entidade era autônoma, com suas diversidades ideológicas e dinâmica própria, mas era no partido onde buscávamos orientação e rumo para a nossa luta estudantil.
Foi uma época de muita efervescência e formação política. Fui facilmente “cooptado” por essa que é, até hoje, uma grande a arrebatadora paixão: a militância petista. O PT se reunia toda semana, avaliava a conjuntura e organizava as tarefas da audaciosa construção de um projeto de transformação do país. Existia um sentimento de pertencimento, de permitir a cada um ser protagonista da própria história, de se sentir importante na busca de uma utopia possível.
O partido, desde então, passou a ser minha casa e minha família de caminhada. Os companheiros eram críticos e duros entre si nas discussões e divergências políticas, mas eram doces, ternos e solidários nas relações humanas. O PT acolhia todos aqueles que, por algum motivo, sentiam-se excluídos de uma sociedade mercadológica e opressora.
A juventude do PT de Rio Preto se tornou muito forte e organizada. Em dois anos de militância, passamos a ser o maior núcleo do PT. Com apenas 18 anos, disputei uma eleição interna e, por uma diferença de apenas 9 votos, assumi, junto com meus jovens companheiros, a presidência e a direção do partido.
Depois de 22 anos de muita luta e construção, chegamos à Presidência da República e mudamos para melhor a vida de milhões de brasileiras e brasileiros. Iniciamos uma mudança estrutural nesse país, interrompida brusca e traiçoeiramente por uma elite financeira perversa e odiosa. Se é verdade que a perseguição ao Lula e ao PT é muito mais pelos acertos do que pelos erros, também é verdade que nossos erros e contradições facilitaram em muito o plano golpista. Mas só o tempo poderá esclarecer com precisão quais foram os nossos erros e desvios de percurso. Não cabe aqui, fazer esse balanço. A história o fará muito melhor de que qualquer um de nós.
Nem nos piores pesadelos seria imaginável um retrocesso tão grande, tão cruel com os mais pobres e exterminador de esperanças como esse golpe de estado continuado. Um golpe diferente, sempre comandado por interesses internacionais, mas engendrado dentro de instituições moderadoras da nossa democracia. Dessa vez, sem tanques e cavalaria, eles vieram de toga, galopando no pasto do grande latifúndio da mídia familiar. Levaram milhões às ruas, compraram o sempre disponível parlamento e patrocinaram a sucumbência da política em favor da nova tirania financista do século XXI. O sistema financeiro capturou a democracia e o estado brasileiro e levará até as últimas consequências a drástica redução do estado social e a entrega das riquezas naturais e estruturantes do nosso povo.
Os partidos de centro e direita, como PSB, PV, PMDB, PSDB, PPS e cia., capitularam na massacrante narrativa de “combate” à corrupção. Iludiram-se com a indignação seletiva da burguesia. Pensaram que passariam ilesos e triunfariam sobre o corpo estendido de Lula e do PT. Nem uma coisa nem outra aconteceu.
O PT mantém-se vivo e no jogo e Lula lidera todas as pesquisas de opinião. A resistência ainda não chegou às massas, mas as ruas continuam inquietas e ruidosas a cada avanço contra os direitos sociais.
Neste partido, que foi minha casa durante 25 anos, aprendi a ter lado na vida. Mas fechou-se um ciclo histórico, não posso permitir que meu otimismo na ação política se perca em inúteis disputas internas. Nossa posição de mudança radical nos rumos do partido, por ora, foi derrotada.
Há tempos cumpro a tarefa da representação parlamentar e minhas diferenças política com a maioria da bancada, hoje, são abissais. A bancada de deputados estadual se tornou uma instância máxima de deliberações à revelia das direções partidárias, subverteu a lógica e, hoje, é ela quem orienta o partido e não o contrário. Na minha visão, tornou-se impossível fazer de mandatos parlamentares trincheiras de resistência política, de formulação programática, espaços de invenção e ousadia, como já foram um dia. O pragmatismo e a conciliação contaminaram nossa bancada, impedindo qualquer ação mais ousada de enfrentamento à direita paulista.
Não se trata de apontar culpados nesse esgarçamento e esgotamento político na bancada. Mas há limites de paciência histórica e convivência. O processo de retaliação e veto continuado ao qual fui submetido acelerou meu ceticismo. O PT de São Paulo fez uma opção por um comportamento dócil com seus adversários, duro com os divergentes internos e demasiadamente burocratizado e distante da sua militância. Essa constatação é cristalina, especialmente no interior do Estado, de onde venho. Porém, os intensos e bons momentos vividos dentro do PT se sobrepõem a qualquer indisposição colateral advinda de disputas políticas.
Encerro por aqui as críticas dentro do PT. Saúdo aos que ainda encontram energia para resistir nessa expectativa. Em especial as companheiras e companheiros do coletivo Plenária Democrática e Socialista, com quem convivi fraternalmente no último período.
Perco o direito de discutir os rumos do partido, as mudanças e reformulações que acreditei que poderiam e deveriam ser feitas. Hoje, resta-me apenas o dever da gratidão e do reconhecimento a este que é, sem dúvida, ainda, o principal instrumento da classe trabalhadora deste país. Aprendi também que as mulheres e homens de esquerda, por mais que discordem, sempre estarão do mesmo lado.
Hoje, sinto necessidade de sentir o cheiro da esperança e da utopia que os botons, os quadros, os cartazes, os panfletos, as colas de polvilho, as nossas festas e a nossa militância exalavam. Desejo servir novamente a um novo projeto a ser construído “tijolo por tijolo num desenho mágico”. Despeço-me da condição de incendiário interno nos últimos anos para depositar essa energia na construção de unidade entres nós, mulheres e homens de esquerda, plantar e regar novos sonhos e utopias.
Resisti em tomar o caminho incontornável, em parte, pelo obstáculo severo reproduzido na seara de siglas sem qualquer conteúdo ideológico. Em outra parte, pelo lado esquerdo do peito que sempre teve Lula e o PT guardados, misturados a meu sangue e oxigênio.
Foi com esperança que acompanhei o PSOL rotacionar ao ponto de posicionar-se clara e oficialmente a favor da participação de Lula nas eleições e contra o processo judicial seletivo ao qual o ex-presidente tem sido submetido. Uma sinalização inquestionável de um partido cujo amadurecimento político admite a importância da liderança de Lula, ainda que mantenha críticas ao partido que, em parte, fariam bem inclusive ao próprio PT.
Um PSOL que, desta forma, solidário a Lula na trajetória nefasta imposta por uma Justiça cega e solerte, observa o recrudescimento da violência vitimando sua própria liderança.
Um PSOL cujo aprofundamento ideológico o lança com altivez e ousadia a um novo processo de construção, optando por um brilhante líder de 35 anos, acompanhado de uma líder indígena ao cargo máximo de direção dessa Nação. Guilherme Boulos e Sonia Guajajara nos representarão em uma das eleições mais tensas e intensas da história desse país.
Se tudo é muito simples, singelo e pequeno comparado a outras estruturas partidárias, existe por trás uma sofisticada utopia, uma grandeza de propósito e uma vontade verdadeira de forjar novas experiências de linguagem e organização.
Sinto-me bem e leve ao fazer a maior e mais intensa travessia da minha vida.
Saio do PT, mas sigo na luta contra a perseguição do partido, do presidente Lula e comprometido com a construção do primeiro ensaio de uma frente democrática e popular, um movimento, uma candidatura que é a aliança honesta da construção partidária com a construção de reconhecidos movimentos sociais. Esse é um mérito histórico que o PSOL, corajosamente, crava em sua trajetória.
Desejo sorte e vida longa ao maior e mais popular partido de esquerda da América Latina.
Minha casa agora é outra, mas continuo morando na mesma rua e a esquina da História será sempre o nosso ponto de encontro.
Até breve, companheiros!
A nossa luta continua!
João Paulo Rillo