terça-feira, 30 de novembro de 2021

Lula gosta mesmo do chuchu?

Lula deu uma ótima entrevista para a Rádio Gaúcha.

A íntegra da entrevista está aqui: https://www.youtube.com/watch?v=d7-BMs_f36Y

Recomendo particularmente dois trechos.

Um trecho em que Lula defende Edegar Pretto, candidato do PT ao governo do Rio Grande do Sul.

E outro trecho em que Lula critica os dois pesos e medidas da grande mídia, tão loquaz sobre as prisões na Nicarágua em 2021, mas majoritariamente cúmplice da prisão de Lula no Brasil de 2018.

Mas há um terceiro trecho da entrevista que está causando especial polêmica: é aquele no qual Lula é perguntado sobre Alckmin.

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Segue a transcrição (feita por Marcos Jakoby) do referido trecho:

ENTREVISTADORA [Rosane de Oliveira] - A gente ouviu durante muito tempo acusações mútuas suas, do senhor, contra o PSDB e Geraldo Alkmin e agora Geraldo Alckmin é cotado para ser seu vice. Como é que se faz essa construção? Ele é mesmo um nome que o senhor queira ter como seu companheiro de chapa?

LULA – Rosane, deixa eu lhe dizer uma coisa: eu já tenho 23 vices e 8 ministros da fazenda. E eu nem sou candidato ainda. Quando eu fui presidente da República eu tive uma extraordinária relação com o Alckmin, eu tive uma extraordinária relação com o Serra, eu tive uma extraordinária relação com Yeda Crusius, eu tive uma extraordinária relação com o Rigotto, porque eu não fazia diferença na minha relação com os entes federados. Eu não queria saber de que partido era a pessoa. Então com o Alkmin eu tive uma extraordinária relação, o Alckmin foi um governador responsável aqui em São Paulo, ele está numa definição de partido político, nós estamos num processor de conversar, vamos ver se na hora de definir se sou candidato ou não se é possível a gente construir uma aliança política.  Primeiro é preciso saber qual o partido que o Alckmin vai entrar. Ele ainda não definiu. Mas é o seguinte: eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições e quero construir uma chapa para mudar outra vez a história do país.

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No trecho acima, bem fiel ao seu estilo Malba Tahan, Lula começou fazendo uma afirmação que estabelece uma régua com a qual deve ser medido o restante do que ele diz.

A afirmação é: “tenho 23 vices e 8 ministros da fazenda” e “nem sou candidato ainda”.

Se esta afirmação é 100% verdadeira, então também é 100% verdadeiro o que ele diz dos tucanos citados na entrevista.

Mas se aquela afirmação (“nem sou candidato ainda”) não é 100% verdadeira, então o mesmo vale para o que Lula diz de Serra, Yeda, Rigotto e Alckmin.

Qualquer que seja a resposta escolhida, é verdade que Lula tratou de maneira republicana os “entes federados”, independente do partido ao qual cada governador era filiado. Vale lembrar que a recíproca não foi sempre verdadeira.

Vista sob o prisma Malba Tahan, uma das melhores frases é “Alckmin foi um governador responsável aqui em São Paulo”. 

Realmente Alckmin foi “responsável”. Muito responsável, por exemplo, por implementar políticas que prejudicaram parcelas importantes do povo paulista e por defender políticas nacionais que iam e vão na contramão do defendido pelo PT, ontem, hoje e amanhã.

Sem falar de Paulo Preto, da ação da PM, do PCC, da Opus Dei e de outras questões que alguns podem achar menores.

Seja como for, o que me parece o filé deste trecho da entrevista de Lula está no ponto em que ele diz que Alckmin “está numa definição de partido político, nós estamos num processor de conversar, vamos ver se na hora de definir se sou candidato ou não, se é possível a gente construir uma aliança política.  Primeiro é preciso saber qual o partido que o Alkmin vai entrar. Ele ainda não definiu. Mas é o seguinte: eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições e quero construir uma chapa para mudar outra vez a história do país”.

Notem que neste filé reaparece o estilo Malba Tahan: “na hora de definir se sou candidato ou não” vamos ver “se é possível a gente construir uma aliança política”.

Lembrando: se a afirmação inicial for 100% verdadeira, o resto também é. Se for parcialmente verdadeira, o resto é parcialmente verdadeiro. E assim por diante.

Talvez por saber algo que eu não saiba, ou talvez por não conhecer Malba Tahan, ou por qualquer outro motivo, os defensores da aliança com Alckmin exultaram com o referido trecho da entrevista de Lula. Acontece que neste trecho só tem uma afirmação inequívoca: “primeiro é preciso saber em qual partido Alckmin vai entrar”. 

Lula encerra afirmando duas ideias: “eu quero construir uma chapa para ganhar as eleições e quero construir uma chapa para mudar outra vez a história do país”.

Não sei a opinião de Lula, mas conheço alguns petistas importantes que acreditam que uma chapa com Alckmin ajudaria a ganhar as eleições. Esta crença é baseada em argumentos de tipo político-eleitoral e, na minha opinião, desconsideram inteiramente os riscos e efeitos colaterais de uma hipotética aliança deste tipo. Sem falar que parecem esquecer que o desempenho de Alckmin em 2018 foi abaixo de Ciro.

Lembremos contudo que Lula usa dois verbos: ganhar e mudar.

Deve existir quem acredite que uma chapa com Alckmin seria capaz de “mudar outra vez a história do país”, tanto quanto existiram aqueles que acreditaram que uma chapa com Temer seria capaz de aprofundar as mudanças. 

Mas qual seria o programa desta aliança? Que concessões seriam feitas por cada uma das partes? Quais as garantias recíprocas? Como lidar com os riscos decorrentes de ter um golpista neoliberal na vice?

Os petistas que defendem o picolé de chuchu (ou qualquer outro vice do mesmo naipe) deveriam nos explicar o que pensam a respeito. 

Por fim: eu realmente não sei o que Lula pensa a respeito, nem o que fará na hora da verdade. Mas por isso mesmo acho importante que ele saiba o que cada um dos petistas, apoiadores e eleitores pensa a respeito. Motivo pelo qual seria muito importante que todos se posicionassem (inclusive aqueles que diziam ser tudo fake news).

Infelizmente, como me escreveu um companheiro, tem muita gente contando com “a hipótese de que esse negócio não vai evoluir. Mas aos poucos pode ir se estabelecendo. No início dos encontros de Lula com figurões golpistas da direita da Brasília, vi muita gente querendo não acreditar no que estava vendo e na possibilidade dos mesmos tipos de aliança se repetirem, e por isso achando que era uma tática genial de Lula para causar confusão no lado de lá”.

Genial não é, mas de fato o estilo Malba Tahan gera confusão do lado de lá - o que é bom-, mas também gera muita confusão do lado de cá, onde já há confusão de sobra (basta repassar o noticiário dos últimos dias, sem falar nas confusões causadas ou favorecidas por decisões igualmente “geniais” tomadas no passado, como é o caso da aliança com Temer).

O que mais me preocupa, entretanto, é que esta discussão sobre um vice neoliberal vai na contramão do que precisamos, para ganhar e para governar. Aliança com os tucanos – não importa a cepa - não cria empregos, nem mata a fome, não contribui para garantir bem estar, liberdades, soberania e desenvolvimento.

Nem é boa companhia para enfrentar a extrema direita.




A confissão do senador Rogério

O senador Rogério Carvalho fez hoje, 30 de novembro de 2021, um pequeno discurso explicando seu voto em favor do orçamento secreto.

O discurso pode ser visto aqui:

https://www.instagram.com/p/CW5yOJvlm0x/

Nele, Rogério reafirmou ser contra a “discricionaridade” (nome bonito para algo escandaloso).

Ele lembra ter apresentado “um voto em separado, no plenário do senado, que extinguia a RP9”.

Mas na hora de colocar uma barreira no escândalo, Rogério decidiu vestir a toga de Alexandre Moraes: “se repetirem 2018 irão para a cadeia”.

Na verdade, nem isso: Rogério reconhece que no passado foi derrotado e promete que no futuro vai reapresentar a questão.

Mas e se formos novamente derrotados?

Neste caso, certamente ele vai reapresentar de novo.

A pergunta que não quer calar é: se 34 senadores tivessem votado NÃO e o orçamento secreto tivesse sofrido uma derrota, isto abalaria a República? Destroçaria a harmonia dos poderes?? Acabaria com a autonomia do Senado???

É o que sugere Rogério, para quem “”nós... nós... nós... nós.... (sic) temos uma questão institucional que precisa ser observada”.

E no que consiste esta “questão institucional”?

Segundo entendi do que Rogério disse, uma maioria de 34 senadores não tem o mesmo poder, a mesma autoridade, a mesma legitimidade que uma decisão aprovada por “unanimidade” numa “votação simbólica”.

Não sei de onde o senador tirou este argumento mas, como dizia Brecht, quando encontrares uma ideia, pergunta a esta ideia: “a quem vossa senhoria serve?”

No caso, este argumento serve a manutenção do casamento entre Bolsonaro e o “centrão”.

Aliás, é assaz curioso: Rogério critica a “ingerência” de “um outro poder” (o judiciário) sobre “o poder legislativo”, mas esquece da compra de votos praticada pelo poder executivo, usando e abusando do tal orçamento secreto.

Ou seja: Rogério diz estar defendendo a autonomia da instituição, mas na prática seu voto contribuiu para a submissão do Congresso ao executivo, mais exatamente ao governo Bolsonaro.

Em nome de defender a “autonomia” do Congresso nacional para fazer o orçamento, Rogério contribuiu para que exista um orçamento paralelo, a serviço já foi dito de quem.

Ademais, há o mérito da questão: Rogério votou a favor de seguir ocultando - do povo -  aquilo que fazem os eleitos pelo povo.

Rogério no final de seu discurso argumenta que “remendos, alterações, sem a extinção, não vai ter solução definitiva para o problema”.

É um caso em que o “ótimo é inimigo do bom”.

Impossibilitado de ter o ótimo, Rogério colocou sua digital (que é bom lembrar, pertence ao PT, não a ele) numa posição que impede que “todo gasto seja explícito e posicionado numa regra constitucional”, “que possa ter uma destinação especifica”.

Rogério votou contra a “transparência na aplicação do recurso público” e em favor de uma situação que favorece a continuidade do casamento entre Bolsonaro e a direita parlamentar.

O mais impressionante no discurso de Rogério, entretanto, é a informação de que ele se centraliza não pelas decisões do PT, mas sim pelas decisões da Mesa do Senado.

São suas as palavras: “Se a forma como este orçamento foi definido e como vai se dar a execução está na lei e eu fui derrotado, como membro da mesa do senado federal, que subscrevi todas as ações junto com os demais membros ao STF, caberia a mim ter a coerência na defesa da institucionalidade.”

Ou seja: supostamente em defesa da “institucionalidade” ele vota a favor de algo que, no mérito, ele discorda.

Na militância acontece com frequência que, derrotados, nos submetamos à posição aprovada pela maioria.

Mas há uma diferença que deveria ser óbvia: uma coisa é aceitar o “centralismo democrático” de organizações que representam os trabalhadores; outra coisa é aceitar o “centralismo” da mesa diretora de uma instituição composta, em sua imensa maioria, por diferentes setores da direita.

A informação dada pelo senador Rogério não é, portanto, uma explicação.

É uma confissão de quais os critérios que ele utiliza.

E nenhum deles é aceitável.

Cabe a bancada do PT no Senado ou ao Diretório Nacional do PT, convocado para o dia 16 de dezembro de 2021, punir o senador.

Ou, pelo menos, conceder-lhe o troféu "cretinismo parlamentar 2021".

Orçamento secreto: obrigado senador Rogério Carvalho!

 Ontem o Congresso Nacional decidiu manter secreto o "Orçamento Secreto".

Na Câmara dos Deputados, a votação foi 268 sim, 31 não. 

No Senado, a votação foi 34 sim, 32 não.

No Senado, a bancada do PT decidiu votar não.

Na Câmara, a bancada do PT decidiu pela obstrução.

Acontece que havia na bancada do PT um setor decidido a votar "sim".

Como a decisão foi pela obstrução, não há como ter certeza quem teria votado "sim" e quem teria votado "não".

Resultado: não apenas o orçamento continua secreto, mas também seguem "secretos" os motivos de alguns parlamentares do meu partido, o PT.

Mas eis que surge a luz e a salvação: o senador Rogério Carvalho.

Contrariando a posição da bancada do PT no Senado, o senador votou a favor do orçamento secreto.

Detalhe: se ele tivesse votado "não", a coisa teria terminado empatada: 33 a 33; caberia talvez ao presidente da Casa desempatar.

O voto do senador Rogério Carvalho provavelmente salvou o presidente do Senado, mister Pacheco, desta situação, nada agradável para um - dizem - pré-candidato à presidência da República.

Seja como for, agradeço ao senador Rogério Carvalho, que nos permite agora perguntar: por quê?

Que motivos levam parlamentares do PT a votar (ou a querer votar) a favor do orçamento secreto?

Ou estes motivos também são secretos?

Com a palavra, o senador Rogério.







domingo, 28 de novembro de 2021

Dezembro de 2021: a situação e nossas tarefas

1.O ano de 2021 está chegando ao final. O saldo deste ano, dos três anos de mandato de Bolsonaro, bem como dos cinco anos transcorridos desde o golpe de 2016 é globalmente negativo para o povo brasileiro.

2.Neste período perdemos soberania, direitos e liberdades. Retroagimos no desenvolvimento. Acumulamos redução nos empregos, nos salários, nas aposentadorias, nas políticas sociais. Estatais foram privatizadas, grandes empresas fecharam suas filiais no país, muitas médias e pequenas empresas faliram. Avançou a desnacionalização, a financeirização e a primarização. Escalaram os ataques contra indígenas, pequenos camponeses e quilombolas, assim como contra os direitos humanos e ambientais. Aumentou a violência contra as mulheres, cresceu o racismo, a perseguição aos LGTB+, o ataque aos direitos das pessoas com deficiência, a intolerância religiosa, o fundamentalismo e o negacionismo, a agressão contra a saúde pública. Alguns números ilustram a tragédia: mais de 600 mil mortos na pandemia, mais de 15 milhões de desempregados, mais de 20 milhões de pessoas passando fome.

3.Quem são os responsáveis por estes crimes contra o povo brasileiro? A classe dominante e seus representantes políticos. Os que votaram no impeachment, os que apoiaram a condenação, prisão e interdição eleitoral de Lula, os que apoiaram Temer, os que não fizeram o que podiam e deviam para barrar Bolsonaro, os que compuseram e ainda compõem a base de apoio do governo neofacista e neoliberal, os grandes meios de comunicação e as igrejas que seguem alimentando o apoio popular à pauta da direita, a grande maioria dos integrantes das forças de segurança e do sistema judiciário que protegem ativa ou passivamente o genocida, seu governo, suas políticas e os interesses da classe dominante.

4.Ao longo dos últimos cinco anos, houve muita luta, muita resistência, muito combate de ideias em defesa dos valores mais caros à humanidade. Mas até agora não fomos capazes de interromper a marcha reacionária, não conseguimos derrubar o governo Bolsonaro, nem tivemos êxito em obrigar o Congresso a dar o início ao processo de impeachment. Esta história poderia ter sido diferente, se também tivesse sido diferente o comportamento de muitas forças políticas e sociais da esquerda brasileira; uma atitude mais firme, por parte das direções, certamente teria contribuído para colocar em movimento e em luta setores mais amplos da classe trabalhadora. Mas não foi esta a atitude de setores importantes da esquerda, que primeiro recusaram, depois aceitaram a contragosto, depois participaram protocolarmente das lutas pelo Fora Bolsonaro. Estes setores não perceberam e seguem não percebendo que um ambiente de baixa mobilização social favorece aqueles que desejam impedir a vitória da esquerda na eleição presidencial de 2022, além de tornar mais difícil a governabilidade de uma futura administração popular.

5.A principal organização de massa do povo brasileiro – os sindicatos e as centrais – demorou para aderir aos atos de rua convocados a partir de 29 de maio e de fato não conseguiu engajar suas bases organizadas na luta pelo Fora Bolsonaro. A esmagadora maioria dos trabalhadores e trabalhadoras das maiores categorias dos setores privado e público e parte das direções sindicais não compareceu aos atos de rua. E sem engajamento do movimento sindical – seja nas lutas pelos direitos e reinvindicações imediatas, seja nas lutas políticas gerais – não haverá mudança consistente na correlação de forças.

6.De uma parte do sindicalismo – os pelegos e os neopelegos – não se deve esperar uma atitude coerente em defesa dos interesses da classe. Também por isso, foi e continua sendo um erro que o setor combativo do sindicalismo – a começar pela CUT – se submeta aos limites do chamado “fórum das centrais”, como aconteceu nos casos em que neoliberais foram convidados a falar nos atos de 1º de maio, ou no apoio a desoneração das folhas de pagamento e ainda na prioridade dada para a negociação com setores da direita no Congresso nacional.

7.Sabemos que há dificuldades de mobilização não apenas no movimento sindical, mas em todos os movimentos sociais, dificuldades que tem relação com o estado de ânimo das massas trabalhadoras. Sabemos que alterar este estado de ânimo não depende unicamente das direções. Sabemos, igualmente, que falta muito para tornar possível a realização de grandes paralisações e mesmo de uma greve geral exitosa. Mas reconhecer as dificuldades objetivas não significa desconhecer que parte das dificuldades reside na linha política conciliadora e cupulista que contamina até mesmo parte do sindicalismo combativo.

8.De nosso lado, continuaremos fazendo o que está ao nosso alcance: participando e estimulando as lutas da classe trabalhadora e dos pequenos proprietários urbanos e rurais por seus direitos e reivindicações; participando e estimulando as mobilizações pelo Fora Bolsonaro; estimulando e lançando pré-candidaturas de esquerda para o Senado, Câmara, governos estaduais e assembleias legislativas; defendendo e implementando uma pré-campanha eleitoral que seja ao mesmo tempo de debate programático e de mobilização popular de base; defendendo publicamente um programa emergencial e de reformas estruturais, que enfrente o neofascismo, o neoliberalismo e o imperialismo; contribuindo para que a esquerda brasileira, em particular o PT, esteja disposta e organizada para enfrentar e vencer os “tempos de guerra” que estamos e seguiremos vivendo, qualquer que seja o resultado das eleições 2022.

9.Nesse espírito, devemos combater as ilusões de quem acha que já vencemos as próximas eleições presidenciais e, também por isso, desde já busca fazer as chamadas alianças da governabilidade. Faltam onze meses para as eleições presidenciais de 2022. Bolsonaro não está derrotado e não deve ser subestimado. E Bolsonaro não é a única alternativa à disposição da classe dominante, que no fundo deseja manter um bolsonarismo sem Bolsonaro. Por tudo isso, devemos nos preparar para uma campanha eleitoral com muita violência e manipulação, onde podem ocorrer reviravoltas e surpresas de todo tipo. E devemos ter consciência de nossas fragilidades, entre as quais citamos três: a força exibida por Lula nas pesquisas presidenciais não encontra correspondência nas eleições parlamentares e nas eleições para governos estaduais; a liderança de Lula nas pesquisas também não possui uma correspondente retaguarda popular sólida e organizada; e nossa força nas pesquisas tampouco encontra correspondência numa ofensiva político-cultural da esquerda em favor de outro programa para o país.

10.Para vencer o bolsonarismo, é preciso vencer a guerra cultural. E para isso não basta falar de Lula, nem da herança dos governos petistas. Para vencer a guerra cultural movida pela direita contra nós, é preciso apresentar um programa emergencial e estrutural de transformações para o país, que dê materialidade às nossas propostas de soberania nacional, liberdades democráticas, bem estar social, desenvolvimento de novo tipo e socialismo. Para vencer a guerra cultural deles contra nós, é preciso travar uma guerra cultural nossa contra eles.

11.Exatamente porque o programa é central – seja para vencer as eleições, seja para fazer um governo exitoso – seguiremos enfrentando todas as propostas e iniciativas que visam nos domesticar. Algumas dessas propostas chegam a ser bizarras, como aquela que propõe entregar a vice de Lula a um golpista (aos petistas que defendem ou acham razoável este tipo de proposta, pedimos que reflitam sobre as palavras ditas pelo então presidente nacional do PSDB Geraldo Alckmin em dezembro de 2017: “depois de ter quebrado o Brasil, Lula diz que quer voltar ao poder. Ou seja, quer voltar à cena do crime.”). Outras são mais sofisticadas, como a defesa de uma federação com partidos de centro. Presente numas e noutras, está a pressão para que abandonemos nossos compromissos programáticos, especialmente em temas como acabar com a ditadura do capital financeiro, acabar com a hegemonia do agronegócio, eliminar a tutela das forças armadas, desmilitarizar a política de segurança, reestruturar o sistema judiciário, democratizar a comunicação e defender os governos progressistas e de esquerda da América Latina e Caribe.

12.O PT é a favor do instituto da federação partidária. O PT considera que uma federação partidária pode ser útil para a esquerda brasileira. Mas para ser útil, é preciso que seja baseada num programa e em regras claras de funcionamento. Isso exige um processo, que demandará tempo. Sem este processo, sem unidade programática, o resultado será que teremos todos os defeitos de uma coligação e nenhuma das qualidades de uma federação.

13.Também por isto não estamos de acordo com a proposta feita pelo Partido Socialista Brasileiro, de uma federação entre o PT, o PCdoB e o PSB. O PSB é um partido onde convivem apoiadores e opositores do golpe de 2016, onde coabitam setores de esquerda com outros setores que apoiam Artur Lira e as propostas de Bolsonaro. Uma federação com o PSB obrigaria o PT inteiro, em cada estado e município do país, a compartilhar com o PSB - inclusive com os setores de direita deste partido - candidaturas majoritárias e chapas parlamentares, recursos do fundo público, decisões de bancada e uma direção unificada da federação. Conviver com tamanhas diferenças dentro de uma federação regulada por lei será tarefa impossível.

14.Vale lembrar, também, que a regulamentação ainda está sendo elaborada e os prazos são muito curtos, tornando impossível submeter esta decisão a quem pode decidir algo desta magnitude: o conjunto dos filiados e filiadas ao PT, em um processo congressual. Lembramos, finalmente, que a última vez que o PSB apoiou o PT no primeiro turno de uma eleição presidencial foi em 1994. Se nos buscam agora, é também porque acreditam que Lula pode vencer as eleições. Mas o que acontecerá caso percamos as eleições presidenciais? Alguém tem dúvida que – tal e qual ocorre hoje – um setor do PSB vai buscar aproximação com o governo da direita, caso esta seja vencedora?

15.Somos a favor de uma federação com bases programáticas. Em nome disto, o PT poderia até mesmo absorver eventuais prejuízos na composição de suas bancadas – prejuízos que os defensores da federação com o PSB dizem que não vão ocorrer, crença que entra em contradição com alguns dos fatos e motivos pelos quais o PT foi e segue sendo contra coligações para eleições proporcionais. Por tudo isso, somos contrários a uma federação sem bases programáticas, uma federação feita às pressas, sem levar em conta todos os problemas indicados anteriormente, entre os quais a imposição de termos candidaturas majoritárias comuns entre os partidos federados nas eleições de 2022 e 2024, em todo o país. 

16.Somos a favor da unidade da esquerda. Defendemos isso porque só um programa de esquerda é capaz de solucionar os grandes problemas nacionais em benefício da maioria do povo. Este é um dos motivos pelos quais erram aqueles que defendem o dogma segundo o qual, para derrotar a direita, a esquerda deve deslocar-se para o centro. Para derrotar a direita, a esquerda pode e deve fazer alianças, mas sem deixar de ser de esquerda.

17.A direita no caso brasileiro, seja na versão extrema, seja na versão gourmet, é neoliberal. Derrotar as direitas exige derrotar o neoliberalismo, o que só a esquerda pode fazer. Para isso a esquerda precisa conquistar a maioria do povo. Essa é nossa preocupação central. A obsessão por conquistar o “centro” estimula a ilusão de que, na atual conjuntura brasileira, exista este ponto intermediário entre a esquerda e a direita. Na realidade, tal ponto não existe. A polarização política é a expressão de que há dois caminhos para o país: ou o neoliberalismo autoritário ou a alternativa democrática, popular e socialista.

18.Os próximos onze meses vão passar rápido. E a instabilidade política pode gerar reviravoltas de todo tipo. A entrada em cena da candidatura Moro (com apoio de militares que não faz muito tempo eram elogiados por setores da esquerda), a vitória nas prévias tucanas do governador Dória (outro que foi defendido publicamente como um “democrata” por gente que gosta de se iludir) e a decisão do PSD de lançar Pacheco à presidência (frustrando os que imaginavam o senador e seu partido numa coligação com a esquerda) mostram que o cenário político não está congelado, sendo um erro acreditar que “jogar parado” é o caminho da vitória.

19.A movimentação de que precisamos não pode depender de uma única pessoa. Nesse sentido, o conjunto do Partido, a começar pela sua direção nacional, precisamos adotar outro padrão de funcionamento.

20.O projeto Nova Primavera e os encontros setoriais do PT são um bom exemplo das potencialidades, mas também das debilidades e contradições da organização partidária. Por um lado, é preciso comemorar o fato de que nosso partido possui dezenas de milhares de militantes, dispostos a investir tempo na formação e na organização de base, desejosos de discutir e implementar políticas setoriais dos mais diversos tipos. Em comparação com os demais partidos existentes no Brasil, mesmo com os de esquerda, o PT segue com uma vitalidade de massa sem igual.

21.O problema é que nossas qualidades, maiores nas bases, são insuficientes para enfrentar os desafios da conjuntura e do período histórico. Embora setores da direção partidária apreciem fazer comemorações ufanistas, a realidade é que o PT é um partido de 2,5 milhão de filiados, a imensa maioria dos quais não participa regularmente de nenhuma instância, não recebe informação partidária de maneira constante, não participa de nenhum processo formativo, não contribui financeiramente e nem mesmo comparece para votar nos processos internos, processos estes que seguem marcados por distorções dos mais variados tipos, distorções que atravessaram os recentes encontros setoriais, como é o caso do credenciamento em massa e à revelia de filiados, seguido do não comparecimento nos debates e nem mesmo na votação de número expressivo dos que supostamente se credenciaram voluntariamente. É preciso reconhecer estes e outros problemas, salvo se o Partido quiser se enganar acerca de sua real capacidade organizativa.

22.Se nas bases do petismo há uma imensa vitalidade e disposição, nas direções enfrentamos dificuldades muito maiores. Entre estas dificuldades, destaca-se um padrão de funcionamento baseado na convivência entre, de um lado, instâncias oficiais que pouco se reúnem e quando o fazem, muitas vezes se transformam em “parlamentos” com quase nenhuma capacidade executiva; e, de outro lado, instâncias mais ou menos informais em torno de certos governantes, parlamentares, candidaturas e lideranças. Estes métodos organizativos, errados por princípio, não estão à altura das dificuldades políticas e organizativas que já estamos vivendo e que vão se agravar.

23.Aos problemas citados, agregamos mais um, cujo símbolo máximo é a não publicação – até a presente data – das resoluções do 7º Congresso nacional do PT, realizado no final de 2019. Tornou-se comum que a executiva nacional ou o diretório nacional reúnam-se sem aprovar resoluções políticas, transferindo para comissões a tarefa de elaborar e redigir, comissões que muitas vezes não se reúnem e tudo fica por isso mesmo (como se viu no caso da resolução sobre as forças armadas). Isto se vincula a tendência cada vez mais recorrente de setores do partido transferirem para a pessoa do Lula decisões que são e precisam ser coletivas. Quem terceiriza seu papel de direção talvez não perceba o hiato cada vez maior que se abre entre a força eleitoral que temos e a força social que será necessária para garantir a vitória, a posse e o governo. Do ponto de vista estratégico, é uma grande debilidade o fato de a liderança de Lula nas pesquisas não decorrer principalmente de nossa capacidade política e organizativa; bem como não ter correspondência no desempenho de nossas possíveis candidaturas para as eleições de governos estaduais, Congresso e legislativos; assim como não ter equivalência em um movimento cultural de massas democrático, popular e socialista.

24.Caso tenhamos êxito na disputa eleitoral presidencial, o sucesso de nosso futuro governo exigirá uma visão crítica e autocrítica do que foi o período entre 2003 e 2016. O contraste entre os retrocessos de agora e os avanços de antes não deve nos fazer esquecer dos erros cometidos, especialmente os erros de análise. As esperanças de que “se fossemos moderados, eles também seriam”, não se confirmaram. O imperialismo, o capital financeiro, o agronegócio, o grande capital nacional, as forças de direita, as “instituições” não se comoveram com as concessões, não retribuíram à disposição de conciliação do lado de cá. Henrique Meirelles e Antonio Pallocci, Michel Temer e Joaquim Levy, generais supostamente “profissionais” e ministros do STF que “matariam no peito”, o incentivo à autonomia do MP e da PF, nada disto mudou um fato básico: a classe dominante não tem compromisso com a soberania, o desenvolvimento, as liberdades democráticas e o bem estar do povo brasileiro. E por isso, assim que pode, foi para o golpe e para a demonização do PT e da esquerda.

25.A crise sistêmica torna ainda mais agudo este descompromisso da classe dominante com a vida do povo. O caso da pandemia da Covid 19 é uma demonstração disto. Em escala global, enquanto faltam vacinas para os países pobres, sobram vacinas (e negacionistas) nos países ricos. Em escala nacional, o governo federal e seus aliados contribuíram para as mais de 600 mil mortes por Covid. A tragédia não foi maior graças a resiliência do Sistema Único de Saúde, que entretanto segue vítima de uma campanha brutal de privatização. A nossa resposta deve ser aprofundar a natureza pública e estatal do SUS, na contramão das OS, das parcerias, do financiamento e isenções tributárias para o setor privado. Mas para isso o PT precisa assumir suas responsabilidades, a começar pelos locais onde governa e na orientação do voto de suas bancadas.

26.Ainda no tocante ao Partido, defendemos que as direções democraticamente eleitas funcionem e, quando necessário, nomeiem núcleos dirigentes menores em tamanho, ainda que possam e devam ser mais amplos em termos de sua composição. Outra iniciativa neste espírito que consideramos urgente é a criação de uma coordenação nacional composta pelos setores de esquerda (partidária e social), que inicie já a formação de comitês de base em favor de um Brasil livre: livre de Bolsonaro, livre da extrema direita, livre do neoliberalismo, livre do imperialismo. As tarefas de 2022 exigirão combinar capacidade dirigente com ampla mobilização de base, exigirão fazer funcionar os núcleos, os setoriais, a formação de massa, a contribuição militante, as direções em todos os níveis.

27.Os próximos onzes meses não devem ser entendidos como de campanha eleitoral, mas sim de intensa combinação entre luta eleitoral, luta político-social e luta ideológica. Neste sentido, além das mobilizações dos setores da classe trabalhadora por seus direitos e reivindicações, é preciso seguir convocando, participando e apoiando a agenda de lutas contra Bolsonaro e suas políticas. Neste sentido, destacamos: o 4 de dezembro, o aniversário do PT em 10 de fevereiro, o 8 de março, o abril vermelho, o 1º de maio.

28.É preciso, também, seguir acompanhando e contribuindo na luta da esquerda latino-americana e caribenha, estadounidense e europeia, africana e asiática. O cenário mundial segue extremamente tenso, tendo como pano de fundo a crise capitalista e a disputa entre EUA e China. No nosso continente, o governo Biden segue a receita imperialista tradicional, em aliança com as classes dominantes locais. E a extrema direita aposta na polarização, mesmo onde a esquerda opta pela moderação. O PT não vai se dobrar as pressões que desejam “domesticar” sua política internacional. O Brasil pode ser e será um país diferente, se tivermos um povo e um governo que se entendam e ajam como o que também somos: latinomericanos.

29.É preciso, por último mas não menos importante, continuar trabalhando para reconstruir nossa presença organizada junto a classe trabalhadora, nas empresas, nas escolas, nos espaços de cultura e lazer, nas moradias.

30.No caso da tendência petista Articulação de Esquerda, além das tarefas políticas expostas anteriormente e daquelas definidas nas resoluções de nosso recente congresso nacional – entre as quais lançar candidaturas majoritárias e proporcionais onde for possível – destacamos a realização de nosso próximo congresso nacional, nos dias 27, 28 e 29 de maio.

31.Concluímos o ano de 2021 com a certeza de que travamos o bom combate, tanto dentro quanto fora do PT. O próximo ano exigirá ainda mais de nossa militância, para que possamos comemorar o bicentenário da Independência elegendo Lula e dando novos passos em favor de um Brasil desenvolvido, democrático, soberano e socialista.

Boas festas a todos e todas, grandes lutas para a classe trabalhadora, no Brasil e em todo o mundo.

Brasília, 28 de novembro de 2021

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Federação ou coligação?

 A comissão executiva nacional do PT debateu, nesta segunda-feira 22 de novembro, o tema “federação”.

A proposta, segundo foi dito na CEN, veio do PSB.

Há posições diferentes dentro da executiva e também dentro do Partido.

Há os entusiastas.

Mas o entusiasmo não é pelos mesmos motivos.

Alguns sonham com uma federação que seria o embrião de uma frente de esquerda.

Outros sonham com uma federação seria a materialização da frente ampla.

E há os que se posicionam contra fazer uma federação neste momento.

Entre os contrários, há defensores da frente de esquerda e defensores da frente ampla.

Nenhum dos contrários é contra por razões de princípio.

Mas há quem lembre que...

... as regras estão para ser definidas...

... federação não é coligação, é contrato para quatro anos...

... pressupõe programa, política e direção comuns...

... os prazos são apertados...

... e uma decisão deste tipo não pode ser tomada no afogadilho, sem amplo debate nacional.

... as posições do PSB não são homogêneas, nem entre eles, nem conosco, muito antes pelo contrário...

...estado a estado, cidade a cidade, as coisas se complicam muito mais...

...e do ponto de vista prático, pensando em 2022, o resultado da federação tende a ser o mesmo de uma coligação. Os que entendem dessas contas, dizem que podemos esquecer daquele objetivo de ampliar significativamente a bancada do PT na Câmara dos Deputados.

No debate, pelo menos até agora, os defensores da federação estão devendo uma resposta à altura, seja as ponderações pragmáticas, seja as ponderações programáticas e estratégicas.


ps.neste domingo 28 de novembro a direção nacional da AE vai debater o assunto e adotar uma resolução. A preços de hoje, caminhamos para tomar uma posição contrária a proposta do PSB. Pois é bom lembrar que é disto que se trata: não um debate abstrato, em tese.

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Roteiro intervenção sobre conjuntura na plenária estadual da AE SP

Vamos dar início agora ao terceiro e último ponto da nossa plenária.

Para quem tiver entrado agora, lembro que até agora nos concentramos nas eleições parlamentares de 2022 em São Paulo.

Agora vamos tratar do quadro geral.

Quero começar lembrando que neste domingo 21/11 estão ocorrendo eleições na Venezuela: governadores de 23 estados, 335 prefeitos, 253 parlamentares estaduais e 2471 parlamentares municipais. 

Estão concorrendo 70.244 candidaturas de 37 partidos. A oposição está participando, depois do fracasso da operação Guaidó, aquele presidente autoproclamado.

É bom lembrar que foi um fracasso relativo, pois graças a esta operação Guaidó virou “dono” dos ativos venezuelanos no exterior e ele e os seus ganharam dinheiro com isso; de outro lado, o povo venezuelano foi submetido a mais sofrimentos.

O PSUV, o governo venezuelano e uma parte importante do povo decidiram não ceder as chantagens e esta resiliência obrigou a oposição a ceder e a participar do processo eleitoral. Vamos ver como as coisas correm [resultados indicam mais de 40% de comparecimento e vitória do chavismo].

A respeito da Venezuela, recomendo que todos ouçam o relato da companheira Tania Mandarino ao poadcasti da última sexta-feira 19/11. Tania está neste momento na Venezuela, como observadora eleitoral.

Também neste domingo 21/11 estão ocorrendo eleições no Chile.

Serão eleitos parlamantares de diferentes níveis e o presidente da República.

Como voces sabem, no Chile houve uma onda de imensas manifestações populares. A contragosto, a direita e o centro concordaram em convocar uma Assembleia Nacional Constituinte – é bom lembrar que no Chile continua vigorando a Constituição da ditadura Pinochet, que terminou nos anos 1990.

Mas a direita e o centro, apesar de terem concordado com a convocação da Constituinte, adotaram uma serie de salvaguardas que visavam limitar a possibilidade da Constituinte fazer mudanças. Uma parte da esquerda chilena concordou com estas salvaguardas, outra parte da esquerda chilena se opôs a isto. E foi esta parte que se opôs às salvaguardas a melhor votada nas eleições para a Constituinte. No momento a Constituinte está desenvolvendo seus trabalhos.

É nesse contexto que as eleições estão ocorrendo. E o que fez a esquerda chilena? A maior parte da esquerda chilena optou por deslocar-se ao centro. Uma das expressões disto foi a escolha de uma candidatura presidencial da esquerda moderada: Gabriel Boric. A lógica nós conhecemos qual é: ir ao centro para derrotar a direita. 

E o que fez a direita? Lançou várias candidaturas, sendo que a mais votada foi a de José Antonio Kast, do Partido Republicano, que é pinochetista raiz, extrema direita.

Dei os exemplos da Venezuela e do Chile para ilustrar dois fatos: 

1/a situação internacional, tanto mundial quanto regional, está muito agitada. Desde os Estados Unidos e China, até o mais pequeno país do nosso continente, há um ambiente de instabilidade e de polarização: econômica, social, política, cultural e em alguns casos militar;

2/a polêmica que existe aqui no Brasil existe em todas as partes: um pedaço da esquerda defende radicalizar e um pedaço da esquerda defende moderar.

No caso brasileiro, o desdobramento mais recente disso pode ser visto em dois fatos ocorridos dia 20 de novembro:

1/as manifestações do 20/11 foram importantes, mas foram menores do que as anteriores manifestações pelo Fora Bolsoanaro. Não estiveram presentes nas ruas parcelas importantes da militância; e seguem sem comparecer parcelas importantes da classe trabalhadora. Quaisquer que sejam os motivos, se o ano terminasse hoje, o clima seria de certo anticlímax: o cavernícola contribuiu na morte de mais 600 mil pessoas, contribuiu para fazer mais de 15 milhões estarem desempregados, contribuiu para que mais de 20 milhões passem fome, acabou com o Bolsa Família, está privatizando, destruindo, poluindo e agredindo, mas segue ocupando a cadeira do presidente da República;

2/de outro lado, também no dia 20/11 prosseguiu a polêmica sobre se Alckmin seria ou não um bom vice para Lula. Quando essa polêmica começou, havia gente que dizia ser tudo fake news, que nada disto seria verdade etc e tal. Acho que hoje está provado que não é fake news: importantes quadros da esquerda estão envolvidos, em maior ou menor medida, nesta operação.

Aliás, quero aqui fazer um registro: acho que Fernando Haddad é um grande amigo do PSOL e do Boulos. Pois sua recusa em ser candidato a prefeito de SP capital abriu espaço para Boulos ir ao segundo turno. E agora seu apoio a uma aliança com Alckmin está estimulando uma parte do eleitorado da esquerda a migrar para a candidatura Boulos governador. Pois vamos lembrar: as pessoas dizem que votariam em Lula mesmo que Freddy Krueger fosse o vice. Mas quem disse que isso vai acontecer nos estados?

Esta polêmica sobre a candidatura a vice revela várias coisas importantes sobre a conjuntura.

1/Revela primeiro, que a campanha eleitoral já está em curso. E uma campanha eleitoral sem mobilização popular forte abre espaço para as negociatas de cúpula, para as concessões programáticas, para alianças impublicáveis. E no limite abre espaço para uma vitória da direita. Novamente insistimos: vamos colher nas urnas o que plantarmos nas ruas. Se as ruas estiverem mornas, picolé de chuchu não é a pior coisa que pode acontecer. Não vamos subestimar Bolsonaro, nem Moro, nem ninguém.

2/Revela, em segundo lugar, que a chamada terceira via está em dificuldades. Vide o que aconteceu na prévia do PSDB. A terceira via ainda não demonstrou musculatura suficiente. A polarização Bolsonaro x Lula segue dominando as pesquisas. A terceira via apoiou o tríplice golpe. Seus patrões lucraram bastante com isto. Agora estes patrões estão preocupados em preservar e aprofundar as conquistas obtidas desde o impeachment. E o que ameaça estas conquistas? A crescente possibilidade de uma vitória de Lula que conduza a uma guinada programática. Como superar esta ameaça? Há três possibilidades: eleger alguém da “terceira via”, o que até agora está difícil; apoiar Bolsonaro, que sempre é uma possibilidade, até porque já fizeram isto em 2018 e seguem fazendo no Congresso; e a terceira possibilidade é tentar domesticar a esquerda. A terceira via, os setores que chamamos de terceira via, expressam este dilema e estão divididos entre as três possibilidades. É por isso que alguns setores aplaudem a possibilidade de Alckmin virar vice de Lula. Não tem nada que ver com derrotar Bolsonaro, tem que ver com domesticar a esquerda. Como alguém já disse, é uma espécie de Carta aos Brasileiros 2022.

3/A polêmica sobre a candidatura a vice revela, em terceiro lugar, que tem uma parte da esquerda que aceita ser domesticada. A rigor isto não é novidade: vimos isso desde 1995, vimos isso desde 2002, vimos isso mesmo depois do golpe de 2016. Tem um pedaço da esquerda que sempre prefere fazer um péssimo acordo a arriscar uma boa briga. Mas quando analisamos o caso Alckmin há dois aspectos interessantes que merecem destaque.

O primeiro é o sadomasoquismo. Entregar a vice para um tucano golpista é uma demonstração de absoluta e total falta de limites. Mais brutal que isso só chamar de novo Temer para ser vice. Por qual motivo eles cogitam isso? A explicação é  simples: porque esta parte da esquerda acha que o golpe foi culpa da Dilma, que supostamente não teria sabido tratar, conversar, negociar. Conhecemos este modo de pensar, que coloca a culpa não no agressor, mas na vítima. Quem pensa assim, acredita que com o Lula tudo será diferente, pois ele saberia fazer a coisa certa, saberia tratar nossos adversários com jeitinho. Certamente Lula tem muitas qualidades, mas entre elas NÃO se inclui ser infalível, nem se inclui prever do que é capaz a classe dominante brasileira. Se ele tivesse estas qualidades citadas anteriormente, a história dos últimos anos teria sido muito diferente do que foi. Sendo assim, se porventura Lula viesse a aceitar ter um vice como Alckmin – algo que para ser direto, nós acreditamos que ele não fará - disputaremos contra esta posição no encontro nacional do PT que vai aprovar a chapa. Não vamos começar a apresentar nomes alternativos agora, até porque achamos que não é hora de ficar discutindo vice, mas se for preciso faremos isso. No DN que deliberou a respeito não apoiamos a aliança com o PL, apesar de no final das contas José Alencar ter sido muito melhor que Palocci e Temer; não apoiamos Temer; sendo assim, porque apoiaríamos Alckmin, um tucano com vínculos com a Opus Dei? 

O segundo aspecto interessante no assunto Alckmin é o que ele revela acerca do tema programa. Vamos imaginar por hipótese que Alckmin aceitasse ser vice (o que também achamos que não fará). A pergunta é: a que preço? Um preço, óbvio, seria apoiarmos Márcio França para o governo de SP. Aliás, só sendo generoso como o Haddad para acreditar que Alckmin toparia ser vice presidente e toparia apoiar o próprio Haddad para governador, supostamente aumentando as chances do PT conquistar os dois principais orçamentos governamentais da União. Outro preço que Alckmin cobraria seria o programa. E o impressionante é que este “detalhe” some das preocupações e argumentações de quem defende que o picolé de chuchu seria uma boa. Alguém deve se  perguntar: por qual motivo? Por qual motivo o candidato que lidera todas as pesquisas precisaria fazer uma aliança com parte dos seus inimigos – pois os tucanos são inimigos, não adversários – uma aliança que teria um grande preço programático? Por qual motivo? A explicação tá na cara de todo mundo, como o rei nu da fábula. 

A verdade é que os mesmos que estimulam o clima do “JÁ GANHOU”, no fundo sabem que a eleição será MUITO difícil e que podemos perder. Por isso, com medo disso, se dispõem a fazer uma operação que para muita gente soa inacreditável. Pois bem: estamos de acordo com a premissa, ou seja, nós também achamos que a eleição NÃO está ganha, nós também achamos que há o risco do cavernícola vencer. MAS disto tiramos a conclusão oposta: os que acham aceitável uma aliança com Alkcmin querem ir ao “centro” (ou melhor, eles querem ir para a direita); nós queremos ir para a esquerda.

E aqui é preciso desenhar a explicação. Tem um pedaço da esquerda que além de ser de “classe média”, também pensa com a cabeça de classe média. Por isso sua preocupação fundamental é conquistar o voto dos setores médios. Setores nos quais o desemprego, a fome, a pandemia etc. batem de maneira diferente da forma como batem no povão. Para estes setores médios, a preocupação fundamental são as chamadas liberdades democráticas.  

O problema é que os setores médios são importantes, mas nosso problema fundamental é a força do bolsonarismo nas camadas populares. Venceremos se conseguirmos disputar estes setores, contra Bolsonaro e contra o abstencionismo político. Dezenas de milhões não foram votar em 2018 nem em 2022. Outro tanto votou branco e nulo. E dezenas de milhões votaram na direita. 

Para conquistar ou reconquistar estas pessoas, não basta Lula como candidato, não basta falar das realizações de quando fomos governo federal. Para conquistar ou reconquistar estas pessoas, precisaremos de propostas muito claras e precisaremos amassar muito barro. Soluções como Alckmin vice conspiram contra as duas coisas: tucanizam nossas propostas, brocham nossa militância e REDUZEM  a tensão que vamos precisar imprimir à campanha, se quisermos derrotar a extrema direita.

Enfim, se o ano terminasse hoje e se a única possibilidade de acumular forças fosse estritamente eleitoral, estaríamos em uma situação estrategicamente ruim, apesar das pesquisas estarem tão boas.

Mas o ano não termina hoje e muita água vai passar por debaixo da ponte.

Lembro em primeiro lugar: dia 4 de dezembro teremos uma nova possibilidade de colocar o povo na rua.

Lembro em segundo lugar: a situação social é muito ruim e vai ter luta. Entre outras, vamos lembrar que em 2022 teremos campanhas salariais importantes, que podem cumprir um papel importante na polarização necessária para vencermos.

Lembro, em terceiro lugar, que embora não tenhamos conseguido nosso objetivo – o impeachment de Bolsonaro – o fato de termos lutado por isso contribuiu para a situação hoje estar melhor do que estaria se tivéssemos aceitado a política QUIETISTA que foi majoraria no DN do PT até o início de 2021. Pois vamos lembrar: demorou muito para o grupo majoritário no DN do PT aceitar o Fora Bolsonaro e demorou muito para eles aceitarem que deveríamos voltar às ruas.

Também por isso, nós não vamos abaixar a guarda, nós não vamos ficar quietos, nós não vamos dar cheque em branco para ninguém decidir sobre o futuro do Brasil e do povo brasileiro, nós não vamos aceitar a tese de que é pelo centro, que é conciliando que teremos melhores chances.

Um comentário mais: tem momentos na história, seja do Brasil, seja do mundo, em que moderação não gera moderação. Nós vivemos um destes momentos. Independente do que venha a ocorrer nos próximos dias, semanas e meses, continuamos vivendo “tempos de guerra”. Lembrar disso não é suficiente para vencer. Mas não será possível vencer sem lembrar disso.


quarta-feira, 17 de novembro de 2021

A "transmutação" de Alckmin

O resultado das recentes eleições na Argentina e a movimentação golpista da oposição na Bolívia, sem falar no crescimento da extrema-direita pinochetista no Chile e na força do trumpismo nos EUA, confirmam que há momentos da luta de classe em que moderação não gera moderação.

Há situações em que por razões objetivas e subjetivas, os conflitos escalam mesmo que um dos lados esteja disposto a dar dois passos atrás. O caso clássico é o do acordo de Munique entre Daladier, Chamberlaim, Hitler e Mussolini. Os dirigentes da França e da Inglaterra - para  lembrar das palavras proféticas de Churchil - “entre a desonra e a guerra, escolheram a desonra e terão a guerra”.

Mas não é preciso ir até a Europa de 1938 para buscar exemplos de moderação contraproducente. Os últimos vinte anos estão cheios de exemplos, entre os quais a nomeação de Joaquim Levy para ministro da Fazenda. O objetivo era deter a movimentação golpista, acelerada desde o final do segundo turno de 2014. Mas a nomeação de Levy teve o efeito oposto: dividiu a esquerda, causou efeito negativos no povo, mandou para a direita um sinal de fraqueza e acentuou a escalada golpista.

Hoje muito gente percebe isso. Mas não era assim naquela época: é bom lembrar que no ano de 2015, cerca de 55% do congresso nacional do PT reunido em Salvador (Bahia) votou contra uma resolução que exigia uma mudança imediata na política econômica. Entre os que votaram contra, havia de tudo: os que concordavam com a política de Levy, os que achavam que havia tempo para corrigir o rumo, os que minimizavam o problema e até os que temiam contrariar a presidenta (argumento bizarro, mas que serviu de "desculpa" para muita gente boa não cumprir um dever básico).

O tempo passou, veio o golpe e hoje muitos padrinhos e cúmplices ativos ou passivos daquela política econômica tiram o seu da reta e criam teorias surreais sobre o golpe de 2016, como se ele tivesse sido um ex abrupto que supostamente poderia ter sido evitado caso a presidenta fosse mais afeita a fazer “DR” com a classe dominante e seus representantes no parlamento.

Quem pensa assim está, como é óbvio, entusiasmado com a receita “lula com chuchu”. Acham que fazer uma aliança assim – ou simplesmente considerar a hipótese, já que a aliança mesmo são outros quinhentos - seria a garantia de vitória eleitoral e o passaporte da governabilidade, não se importando com o “detalhe” de que isto pressuporia um acordo programático entre o PT e a tucanagem (esteja ela dentro ou fora do PSDB).

Acordo parecido foi costurado por Palocci e implementado entre 2003 e 2005. Até hoje há quem considere que aquele teria sido um “preço a pagar”, assim como hoje há quem acredite que uma aliança com a direita gourmet seria o preço a pagar para sairmos do pesadelo bolsonarista.

Infelizmente, tudo isto é wishful thinking, baseado em várias premissas falsas, algumas das quais foram abordadas em um artigo de Jorge Branco, publicado no Brasil de Fato no dia 15 de novembro. O artigo em questão intitula-se “Nixon goes to China” e pode ser lido aqui: https://www.brasildefators.com.br/2021/11/15/nixon-goes-to-china

No artigo se diz que estaria em curso um “relevante deslocamento de setores do grande capital internacionalizado, em busca de uma alternativa política progressista, a fim de travar a caminhada do bolsonarismo”. Jorge Branco ressalva que “o cavalo de pau da grande burguesia internacionalizada tende a não ser acompanhada pela ‘massa de empresários’ ideologicamente aderente ao bolsonarismo”. Mas considera que o movimento existe e estaria por detrás da “transmutação de Alckmin de neoliberal à social-liberal”.

Qual a diferença entre um “neoliberal” e um “social-liberal”? Quais seriam os sinais de que Alckmin antes era um e agora é outro? Alckmin seria um representante do “grande capital internacionalizado” que supostamente estaria em busca de uma “alternativa política progressista”? Bolsonaro e Guedes seriam representantes da “massa de empresários”? Dória e Leite seriam expressões de que setor?

Não sei que respostas Jorge Branco dá para estas e outras questões correlatas. Talvez a resposta esteja em algum outro artigo que eu ainda não tive a oportunidade de ler. Entretanto, sou de opinião que ele está se iludindo. Explico.

O grande capital apoiou o tríplice golpe e lucrou bastante com isto. Sua preocupação atual não é “travar a caminhada do bolsonarismo”. A maior preocupação do grande capital é preservar as conquistas obtidas desde o impeachment. E o que ameaça estas conquistas? A crescente possibilidade de uma vitória de Lula que conduza a uma guinada programática. Como superar esta ameaça? Há três possibilidades: reeleger Bolsonaro, eleger uma “terceira via” e domesticar a esquerda.

Não importa quem ou quantos a apoiem, esta terceira possibilidade não é, portanto, um cavalo de pau programático. Melhor dizendo: não seria um cavalo de pau programático para o grande capital. Para a esquerda, seria!

Isto posto, algumas dúvidas: caso continue até o fim a polarização eleitoral entre Lula e Bolsonaro, o grande capital vai preferir apostar em domesticar a esquerda? Uma esquerda domesticada teria mais chances eleitorais? Caso ganhe, uma esquerda domesticada teria mais governabilidade?

Os que respondem “sim” para as três dúvidas acima raciocinam como se a situação nacional e mundial de 2022-2023 possa vir a ser parecida com a de 2002-2003. 

Já os que respondem que não” reconhecem que o cenário de 2022-2023 será muito diferente daquele que existiu há 20 anos, motivo pelo qual o espaço para “caminhos de centro”, acordos e conciliações é hoje ainda menor do que era naquela época. Aliás, mesmo naquela época o “grande capital internacionalizado” e a “massa de empresários” nunca foram com a nossa cara: preferiam os tucanos, que começaram a implementar o neoliberalismo quando Bolsonaro era apenas mais um “viúvo” da ditadura.

É, digamos, "compreensível" que - por medo de um segundo mandato do cavernícola - haja gente de esquerda disposta a cometer uma "desonra" (concessões inaceitáveis ao inimigo neoliberal). É bem menos "compreensível" a tranquilidade com que alguns consideram a hipótese sadomasoquista de um neoTemer na vice. O que não é compreensível é achar que nesse caso a "transmutação" em social-liberal seria de Alckmin.

 

 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Alckmin, Freddy Krueger e os bodes na sala

Navegando, deparei com duas postagens.

A primeira - feita por um militante que conheço desde os anos 1980 - pergunta o seguinte:



A pergunta acima é um exemplo da tese segundo a qual é "hora de esquecer os erros do passado e começar a planejar os erros do futuro".

Afinal, nenhum eleitor deixou de votar em Dilma por conta de Temer o vice.

O que não significa que não tenha sido um erro indicar um golpista para a função.

Acontece que há pessoas que acham que o golpe foi culpa da Dilma e que com Lula na presidência não passaria o mesmo.

Um exemplo disto está aqui: http://valterpomar.blogspot.com/2021/07/governador-wellington-e-o-que-falta.html

Talvez por pensar assim, achem genial fazer campanha por outro vice golpista.

Aliás, é bizarro que petistas não percebam que os (improcedentes e indevidos) elogios ao tucano Alckmin tucano-de-cilício serão lembrados por ele, na campanha de 2022, especialmente se ele estiver disputando contra nós. 

Pano rápido.

A segunda postagem - feita por um colega de trabalho que não simpatiza com Alckmin, nem na vice, nem fora dela - defende votar em Lula mesmo que o vice seja Freddy Krueger (ver foto abaixo).


A comparação fala por si.

E considerando os bodes que estão colocando na sala, vai ser fácil escolher uma alternativa melhor.



segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Lula e os 35 camelos de Malba Tahan

Em coletiva concedida no Parlamento Europeu, Lula foi questionado sobre o picolé de chuchu. Depois, sua assessoria publicou o seguinte “fio”:




Assim que terminei de ler os quatro pontos acima, me lembrei das charadas do livro O homem que calculava.

Para quem não lembra do Malba Tahan: 

https://www.malbatahan.com.br/portfolio/o-homem-que-calculava-2/

Um exemplo de charada: 

https://armazemdetexto.blogspot.com/2020/01/conto-o-problema-dos-35-camelos-malba.html

Nada mais parecido com Malba Tahan do que falar que “já tenho 22 vices” e “nem decidi se sou candidato”.

Destas frases eu concluo, por minha conta e risco, que a) não se deve tomar ao pé da letra nada do que está escrito a seguir, sem falar que b) tudo pode ter duplo sentido.

Por exemplo: “a escolha de um vice deve ser levada muito a sério”, o que não é propriamente o caso das especulações e cálculos de laboratórios dos "gênios" que resolveram fazer publicidade gratuita em favor do picolé de chuchu, alguém com quem se tem inúmeras divergências, seja por seu programa neoliberal variante Opus Dei, seja pela participação direta e indireta de Alckmin e de seu partido no golpe contra Dilma, assim como na condenação, prisão e interdição de Lula, para não falar da eleição do cavernícola.

Mas como tem gente que leva tudo muito a sério, aqui vão algumas opiniões:

1/a lei permite oficializar candidatura até 5 de agosto de 2022;

2/o vice tem que ser aprovado pelo Partido (e pela coligação);

3/quem ganha discutindo vice agora? Basicamente quem tem seu nome lembrado;

4/Alckmin tem as qualidades do Temer, com a desvantagem de que ninguém poderá dizer que não sabia disso;

5/Lula pode ter “profundo respeito” por quem ele quiser, mas a realidade sempre fala mais alto, como demonstra o caso do Palocci;

6/é preciso lembrar sempre que “nas divergências todo mundo joga bruto porque quer ganhar”;

7/quem acredita que “política é como futebol” precisa tomar dois cuidados: parar de tratar inimigo como se fosse apenas "adversário" e parar de tratar os apoiadores como se fossem “torcida”.

Quanto ao restante, os 35 camelos explicam.


quarta-feira, 10 de novembro de 2021

Marighella seria um "contra-exemplo"?

SEM REVISÃO


O professor Luis Felipe Miguel publicou há alguns dias na sua conta do facebook um comentário sobre Marighella (ver abaixo, na íntegra) que merece ser lido.

LFM diz ter “admiração por Marighella - o homem, evidentemente, não o filme”.

O que LFM admira em Marighella é “sua coragem, por sua integridade pessoal, por seu espírito de sacrifício e sua dedicação à causa em que acreditava”.

Mas LFM também afirma que “sua estratégia de enfrentamento à ditadura nunca foi mais do que um enorme e trágico equívoco. Entre todos que optaram pela luta armada, Marighella foi talvez o que expressou com maior nitidez uma visão totalmente marcada pelo voluntarismo e por um vanguardismo militarista”.

 Em seguida LFM detona o “Minimanual do guerrilheiro urbano” e termina afirmando que “para transformar o mundo, nos anos 1960 tanto quanto hoje, é preciso, ao contrário, ver a realidade sem alimentar ilusões. Para isto, Marighella é, na verdade, um contra-exemplo”.

 Penso diferente. Não acho que Marighella seja um “exemplo”, mas tampouco concordo que ele seja um “contra-exemplo”.

 Não acho que seja “exemplo”, em primeiro lugar porque não acredito em “modelos”, em segundo lugar porque as condições históricas são diferentes, em terceiro lugar porque Marighella não pode ser medido por seus últimos 5 anos de vida e, finalmente, porque sua linha política e organizativa não teve êxito.

 Mas não concordo que Marighella seja um “contra-exemplo”. Não apenas pelas razões indicadas por LFM, quando explica porque admira a pessoa de Marighella, mas também por dois outros motivos.

 O primeiro motivo é: Marighella fez parte da direção do Partido Comunista por muitos anos, creio que desde 1945 até 1967. Nesse período, defendeu as diferentes linhas adotadas pelo PC, inclusive a moderadíssima linha da Declaração de Março de 1958, que está na base das ilusões que desarmaram o PC frente ao golpe de 1964. Depois do golpe, o PC se dividiu entre os que radicalizaram na linha derrotada e os que propunham mudar de linha. Marighella esteve neste segundo grupo. Ele pode ter errado na estratégia adotada, mas devemos valorizar a postura: frente a uma derrota estratégica, é preciso mudar de estratégia. Esta postura ajudaria a esquerda brasileira a enfrentar os problemas atuais.

 (Antes que alguém pergunte: a mudança de estratégia que defendo, no caso do PT, é retomar a linha do 5º Encontro Nacional de 1987, nos termos que começaram a ser estabelecidos pelas resoluções do 6º Congresso Nacional de 2017.)

 O segundo motivo é: a esquerda brasileira foi derrotada em 1964 e derrotada com pouquíssimo combate. A resistência que se seguiu – parte dela através da luta armada – foi travada em péssimas condições. Houve muitos erros e muitas ilusões. Entretanto, apesar da derrota, a luta armada foi moralmente legítima e deu sua dose de contribuição (mesmo que pequena) para a futura derrota da ditadura. Além disso, num país em que a elite estimula a passividade e o conformismo, qualquer forma de resistência é melhor do que o quietismo. É também por isso que a figura de Marighella gera tanta simpatia e respeito, não apenas pessoal, mas político.

 Nestes tempos de pragmatismo eleitoral, faz bem lembrar que não se acumula forças jogando parado, não se acumula forças apenas em partidas fáceis, não se acumula forças apenas nas vitórias. Lembrar, também, que para quem está do lado certo, as derrotas não são definitivas.

 LFM faz críticas procedentes ao voluntarismo, ao vanguardismo e ao militarismo. Mas não se pode reduzir toda e qualquer estratégia de luta armada ao vanguardismo militarista. E, apesar de todos os erros, me parece forçar a barra dizer que foi tudo “um enorme e trágico equívoco”. Não custa lembrar que durante os anos 1960 e 1970 dezenas de milhares de pessoas, em dezenas de países, especialmente nas Américas, África e Ásia, adotaram alguma modalidade de luta armada. Isto é mais que um “equívoco”.

 Aqui vale a pena salientar o seguinte: eu iniciei minha militância no PCdoB, mais exatamente num setor do PCdoB que fazia uma crítica à estratégia adotada na Guerrilha do Araguaia. Ou seja: não estou entre os defensores da estratégia adotada naquela época, mas há diferentes maneiras de fazer a crítica das diferentes opções feitas então.

 Isto posto, talvez minha principal diferença com LFM esteja aqui: “para transformar o mundo (...)é preciso (...) ver a realidade sem alimentar ilusões”.

 Certamente, para interpretar o mundo é preciso fazer uma análise realista da situação tal qual ela é. Formular política com base em ilusões – do tipo acreditar que o imperialismo, a burguesia e a direita têm algum compromisso com a democracia – é a receita certa para a derrota.

 Mas nosso realismo na análise não busca apenas constatar como “as coisas são”, busca também caminhos para mudar as coisas. Ou seja, nossa análise busca localizar as contradições existentes na realidade e as possibilidades de mudanças abertas por estas contradições. E aí está o nó: analisando de maneira “realista”, as nossas possibilidades de êxito são tanto maiores quanto menores forem as mudanças que pretendemos fazer.

 Por isso os que desejam fazer mudanças profundas, os que são revolucionários, precisam de uma “vontade” que seja “otimista” (para citar o sardo). Mas de onde os revolucionários extraem o seu otimismo, se a razão precisa ser “pessimista” (ou seja, realista, entender as coisas como elas são)?

 Os religiosos resolvem este problema do jeito conhecido. Mas e os materialistas, os adeptos do "socialismo científico"? Como manter a coerência entre o “pessimismo da razão” e o “otimismo da vontade”, sem ter que apelar para uma variável externa (como um Deus) ou para o acaso?  

 Do ponto de vista teórico, a solução está na dialética das contradições. Mas resolver o problema do ponto de vista teórico não o torna mais fácil de resolver do ponto de vista político: afinal, a vida vem confirmando que as chances de derrotar e superar o capitalismo são historicamente pequenas, as revoluções vitoriosas são fenômenos raros, a inércia histórica favorece a classe dominante.

 É por isto que – do ponto de vista político – não devemos menosprezar o papel da “ilusão” na história. Não considero realista transformar profundamente o mundo sem alguma dose de “ilusão”. Sem sacrifícios que parecem impossíveis de suportar, sem sonhos generosos que parecem utópicos, sem metas aparentemente inalcançáveis, sem objetivos aparentemente impossíveis, as grandes mudanças não aconteceriam. Aliás, as revoluções também servem para “esticar os limites” do possível; depois que passa o auge de uma revolução, muita coisa retrocede, mas o saldo geral é um progresso histórico, transformando em realidade uma das possibilidades contidas na realidade.

 Sem base real, os sonhos não se convertem em realidade. Sem um pouco de sonho, a realidade não se transformará radicalmente. Neste sentido, “para transformar o mundo é preciso ver a realidade tal como ela é, mas também é preciso “alimentar (um pouco de) ilusões”. Menos, é claro, as ilusões nos inimigos. Em favor destes, nenhuma ilusão é possível nem é perdoável.

 Por último, mas não menos importante: o filme de Wagner Moura tem mil defeitos. Mas também tem qualidades. Entre as quais ter provocado a fúria do lado de lá. E estar provocando rebuliços do lado de cá. O que já está de ótimo tamanho.

  

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https://www.facebook.com/luisfelipemiguel.unb

Tenho admiração por Marighella - o homem, evidentemente, não o filme.

Por sua coragem, por sua integridade pessoal, por seu espírito de sacrifício e sua dedicação à causa em que acreditava.

Mas é necessário ter clareza, também, de que sua estratégia de enfrentamento à ditadura nunca foi mais do que um enorme e trágico equívoco.

Entre todos que optaram pela luta armada, Marighella foi talvez o que expressou com maior nitidez uma visão totalmente marcada pelo voluntarismo e por um vanguardismo militarista.

A divisa que resume sua estratégia é reveladora: "transformar a situação política em situação militar".

A leitura de seu "Minimanual do guerrilheiro urbano" chega a ser embaraçosa. Parece que somos jogados num mundo de fantasia.

Marighella descreve com minúcias os talentos e competências que o guerrilheiro deve necessariamente ter. É o retrato de um herói da Marvel - ou, talvez, de um 007 comunista.

Vai de "nunca deixar pistas ou traços" a ser "resistente à fadiga, fome, chuva e calor". De "conquistar a arte de ter paciência ilimitada" a ser perito em "sobrevivência na selva, escalar montanhas, remar, nadar, mergulhar, pescar, caçar pássaros, e animais grandes e pequenos". De "manter-se calmo e tranquilo nas piores condições e circunstâncias" a saber "dirigir, pilotar um avião, manejar um pequeno bote, entender mecânica, rádio, telefone, eletricidade, e ter algum conhecimento das técnicas eletrônicas".

E também "ter conhecimentos de informação topográfica, poder localizar a posição através de instrumentos ou outros recursos disponíveis, calcular distâncias, fazer mapas e planos, desenhar escalas, calcular tempos, trabalhar com escalonamentos, compasso, etc."

E mais "um conhecimento de química e da combinação de cores, a confecção de selos, o domínio da arte da caligrafia e de copiar letras".

Sem esquecer de que precisa "ser doutor ou entender de medicina, enfermaria, farmacologia, drogas, cirurgia elementar, e primeiros socorros de emergência".

Embora, claro, "a questão básica na preparação técnica do guerrilheiro urbano é o manejo de armas, tais como a metralhadora, o revólver automático, FAL, vários tipos de escopetas, carabinas, morteiros, bazucas etc." Incluindo "conhecimento de vários tipos de munições e explosivos". E vai por aí afora.

Um mundo de faz-de-conta. Mas, para transformar o mundo, nos anos 1960 tanto quanto hoje, é preciso, ao contrário, ver a realidade sem alimentar ilusões.

Para isto, Marighella é, na verdade, um contra-exemplo.