(texto sem revisão, citações indicadas por WP são de Wladimir Pomar)
Boa noite a todos.
Boa noite a todas.
Boa noite a quem está nos acompanhando aqui, nesta
sala zoom.
Boa noite a quem estiver nos assistindo on-line.
Cumprimento também a quem nos assistir em outro
momento.
Como já informei na primeira aula deste curso, meu
nome é Valter Pomar.
Sou professor de relações internacionais na
Universidade Federal do ABC.
E integro a equipe de professores voluntários da
Escola Latinoamericana de história e política.
Hoje vamos encerrar a primeira parte de mais um
curso da Elahp, o curso intitulado “O capitalismo e a luta pelo socialismo no
século XXI”.
Como foi explicado na primeira aula, o curso está
sendo oferecido em três módulos (ou cursos) independentes:
-um tratando do capitalismo, com 6 aulas;
-outro tratando do capitalismo latino-americano,
com 7 aulas;
-outro tratando do capitalismo e da luta pelo
socialismo no século XXI, também com 7 aulas.
Hoje vamos encerrar o primeiro módulo, que contou
com aulas de Mateus Santos, de Breno Altman, de Joana Salen, de Victor
Schincariol e deste que vos fala, a quem coube a aula de abertura e, agora, a
aula de encerramento.
O próximo módulo, ou curso, tratará do capitalismo
latino-americano e contará com a participação de Ramon Vicente Garcia Fernandez,
de Olivia Carolino, de Virginia Fontes, de Guilherme Magacho, de Laura Tavares,
de Fernanda Cardoso e de Breno Altman.
O terceiro módulo, ou curso, tratar do capitalismo
e da luta pelo socialismo no século XXI. Contaremos com a contribuição de Juliane
Furno, Breno Altman, Valéria Lopes Ribeiro, Arturo Guillen, Maria
Carlotto, Monica Bruckman e, novamente, deste que vos fala.
Esperamos contar com a presença de
todos e todas, nos próximos módulos.
Isto posto, inicio minha aula de hoje
sobre “a economia
política e a crítica da economia política”, repetindo o mesmo que eu falei na aula de abertura
do curso: “O capitalismo é produto de uma longa evolução histórica; portanto,
mais cedo ou mais tarde, sob formas que podemos imaginar ou que podem nos
surpreender, o capitalismo também será superado historicamente por outro modo
de produção e reprodução da vida social”.
O reconhecimento da natureza histórica
do capitalismo, portanto de sua especificidade como fenômeno, não é ponto
pacífico.
Tanto no senso comum, quanto no mainstream
acadêmico, prevalece de fato outra visão.
Digo que prevalece de fato,
porque mesmo em tempos de ofensiva terraplanista, não é tão simples sustentar a
eternidade dos fenômenos humanos.
Mas há maneiras de enfrentar esta
dificuldade.
Basta, por exemplo, que o “capital”
seja convertido em uma “coisa”, por exemplo num instrumento, para que supostamente
se encontrem sinais de capitalismo na era das cavernas e para que, por tabela,
se possa projetar o capitalismo por toda a eternidade, ou pelo menos enquanto
existir espécie humana.
Curiosamente, o reconhecimento que a
natureza em geral e a humanidade em particular possuem uma história, coincide com
a emergência do capitalismo, nas entranhas do feudalismo.
Portanto, da mesma forma como a
burguesia começou revolucionária e terminou reacionária, o pensamento burguês
começou afirmando e terminou negando a natureza histórica das formas de organização
social.
“Terminou” não é bem a palavra, pois o
pensamento burguês continua aí, firme e forte.
Um pensamento que assumiu, desde o fim
das revoluções burguesas, o seguinte lema: “até aqui houve história, a partir
de agora não há mais”.
Ou seja, para fazer uma blague que
inverte a famosa frase, é como se dissessem “antes de mim, o dilúvio”.
A chamada economia política clássica é marcada
por esta contradição.
Por um lado, os “economistas” sérios são
obrigados a reconhecer a historicidade em geral; por outro lado, são tensionados
a declarar a eternidade essencial do capitalismo.
Mas como isso se “resolve”, na prática?
Nas obras mais geniais e mais
representativas, se “resolve” geralmente combinando a descrição da evolução
histórica, com a formulação de categorias a-históricas, que posteriormente vão
ser apresentadas através de fórmulas matemáticas que aterrorizam muitos
estudantes.
Chamo a atenção para o fato de que esta
combinação entre descrição histórica as vezes bastante correta, com categorias
analíticas eternas (no sentido de válidas para todos os períodos históricos), ajuda
a economia política burguesa a perpetuar sua hegemonia, inclusive em amplos
setores da esquerda.
Nada mais comum do que nos depararmos
com economistas de esquerda, capazes de se indignar contra os crimes do
capitalismo e do imperialismo, mas que ato contínuo nos lembram da necessidade
de respeitarmos as “leis da economia”, que eles tratam como se fossem as “leis
da economia em geral”, embora muitas vezes não sejam nem mesmo as leis que
regem a economia capitalista.
Portanto, para os que fazem a crítica
da economia política burguesa, não basta a afirmação genérica de que o capitalismo
é um fenômeno histórico, que teve um início e que algum dia terá fim.
É preciso compreender de que forma isso
ocorreu e de que forma tende a ocorrer.
Nas palavras de um russo que resenhou o
tomo I de O capital, trata-se de elucidar “as leis particulares que
regem o surgimento, a existência, o desenvolvimento e a morte de um organismo
social determinado e sua substituição por outro, superior ao primeiro”.
Parte disso (o surgimento e certo
período da existência) pode, ao menos em tese, ser resolvido de maneira
relativamente simples.
Afinal, embora o estudo do passado não
seja nada trivial – como se viu nas aulas do Mateus e do Breno--, ainda assim
estamos diante de um fenômeno que já se concluiu e que pode ser dissecado.
Mas o debate sobre o que está ocorrendo
e sobre o que ainda vai (ou pode) ocorrer, é obviamente mais complexo.
Cito a este respeito uma resenha, que
enviaremos para os alunos do curso, sobre as diferentes interpretações
existentes – entre marxistas – acerca da crise de 2008. Refiro-me ao texto LA
CRISIS ECONÓMICA MUNDIAL Y LA ACUMULACIÓN DE CAPITAL, LAS FINANZAS Y LA
DISTRIBUCIÓN DEL INGRESO. DEBATES EN LA ECONOMÍA MARXISTA, de Juan Pablo Mateo
Tomé, da Universidad Pontificia Comillas (Madrid, España).
*
Como o que chamamos de “presente” é
sempre o ponto de encontro entre o passado e o futuro, vamos nos concentrar
neste último, ou seja, no futuro.
Para começo de conversa, sobre o futuro
não há como provar quase nada de maneira “definitiva” (nos limites em que algo vivo
possa se considerar “definitivo”), por motivos que são explorados no debate da
chamada história contrafactual.
Vou dar um exemplo acerca deste tema da
“prova”: grande parte das polêmicas existentes na esquerda se concentram em
torno de escolhas que foram feitas, em determinadas situações históricas.
Tomar ou não o poder? Fazer ou não uma
determinada aliança? Defender ou não uma determinada proposta? Por exemplo,
apresentar ou não a Carta aos Brasileiros.
Vejamos este exemplo: há quem diga que Lula
não teria vencido as eleições de 2002 sem a tal Carta. Há os que dizem que Lula
teria sido eleito sem a tal Carta (minha opinião é esta, aliás).
Os primeiros em geral argumentam que
apresentamos a Carta e vencemos; logo...
Do ponto de vista política pode ser um
argumento forte, embora perigoso por legitimar a lógica adotada pela história
dos vencedores. Mas para além disso, trata-se de um argumento precário do ponto
de vista lógico, pois nem sempre uma coincidência é também uma relação de
causa-e-efeito.
Mas os que dizem que teríamos vencido
mesmo sem a Carta, têm ainda mais dificuldade para comprovar sua opinião; entre
outros motivos, porque não há como voltar atrás no tempo e fazer o teste.
O que resta, então, aos defensores
desta posição, de que Lula teria vencido mesmo sem a Carta, é construir no plano
do pensamento, no plano da abstração mental, um encadeamento virtual de
causa-e-efeito que resulte na vitória eleitoral, mesmo que a Carta não
existisse.
Mas neste caso estamos diante de uma
hipótese que nunca será provada.
Agora imaginemos outra situação: houve
um debate, no Comitê Central do POSDR, sobre tomar ou não poder em outubro de
1917.
Entre os que falaram contra tomar o
poder, apareceu o argumento da correlação de forças. Ambos os lados na polêmica
não podiam “provar” nada no momento do debate. Mas uma decisão foi tomada, a
favor da tomada do poder, e uma prova foi feita: o poder foi conquistado e
estabilizado.
Imaginemos, entretanto, que Lênin
tivesse sido derrotado naquele debate, que o POSDR tivesse decidido não tomar o
poder. E imaginemos que, por decorrência, desde1917 até este ano de 2020, nunca
tivesse existido uma URSS.
Como provar que Lênin tinha razão em
1917? Como provar que havia correlação de forças para tomar o poder? Nós
sabemos que havia, pois esta foi a opção feita e testada; mas se a opção
tivesse sido outra, não saberíamos e nunca poderíamos provar que se tratou
efetivamente de uma “oportunidade perdida”.
Os exemplos que dei dizem respeito ao
passado. Mas do ponto de vista lógico, o problema posto está presente, também,
quando debatemos as implicações futuras de decisões presentes, quando debatemos
o que pode vir a acontecer.
Em primeiro lugar, por conta de variáveis
não conhecidas. Imaginemos, por exemplo, que estejamos todos convencidos, sem
sombra de dúvida, que o capitalismo é não apenas histórico, mas também que um
dia será substituído por outro modo de produção, tal e qual Marx entendia.
Agora imaginemos que semana que vem descobrimos que um cometa se aproxima da
terra e, passado um ano, este planeta Terra e todos nós simplesmente não existimos
mais.
Pergunto: enquanto esperamos a Terra
virar pó, o que pensamos sobre a teoria de Marx, na qual acreditávamos até
ontem? Esta teoria estava errada, no sentido de que uma de suas previsões, a
principal talvez, não vai se materializar? Ou, como toda teoria, ela seria
válida apenas em determinadas condições de temperatura e pressão, excluindo algumas
variáveis, a começar obviamente por aquelas que não estão ao alcance do
conhecimento contemporâneo?
Por óbvio, a resposta científica é esta
segunda, mas ela tem implicações políticas que não são triviais.
Em segundo lugar, quando debatemos
sobre o futuro, é preciso lembrar das características do fenômeno analisado. Estamos
falando de um fenômeno social extremamente complexo – a sociedade humana, na
sua etapa atual capitalista.
Qualquer previsão sobre o futuro desta
sociedade enfrenta dificuldades muito mais complexas do que o estudo de uma matilha,
de uma colmeia, de um formigueiro; ou do fluxo das marés e a evolução dos
planetas.
Estas dificuldades encontradas no
estudo da sociedade humana não são intransponíveis, mas são extremamente reais.
Parte destas dificuldades diz respeito a
potencial assincronia entre condições objetivas e subjetivas; diz respeito, no
que diz respeito ao tema que estamos tratando nesta aula, a potencial não
simultaneidade das crises capitalistas e da existência de forças político-sociais
capazes de dar uma determinada solução, socialista, para estas crises.
Em terceiro lugar, quanto debatemos sobre
o futuro, é preciso lembrar que a capacidade de previsão supõe regularidades – do
tipo, se acontecer isto, vai dar naquilo.
Por exemplo: é possível “prever” que um
ser humano vai morrer, embora não saibamos quando; e esta previsão se baseia não
apenas na observação dos antepassados e dos contemporâneos, mas também no estudo
do comportamento de certos componentes do organismo humano, que tendem a perder
progressivamente sua capacidade de funcionar.
Mas este raciocínio não pode ser meramente
extrapolado para o plano social. Isto por pelo menos dois motivos.
Motivo 1: porque o fato de sociedades
pré-capitalistas terem morrido, não implica necessariamente que o capitalismo
também vá morrer; é um indício, digamos assim, mas não é uma prova. E não é uma
prova exatamente porque afirmamos a historicidade singular dos fenômenos!
Motivo 2: embora existam – no capitalismo
– certos “componentes” que tendem a uma perda da capacidade de seguir funcionando,
também há “componentes” que funcionam em sentido contrário.
Pior ainda: o que não mata, engorda. Há
variáveis que resultam, simultaneamente, em crise & expansão do capitalismo.
Por exemplo: as guerras, o desemprego.
Em sendo assim, não bastam generalidades,
é inescapável uma análise concreta da situação concreta.
Este foi o desafio enfrentado por Karl
Marx e por Friedrich Engels.
E a conclusão a que eles chegaram
aponta, como já foi dito, para o desenvolvimento e morte do capitalismo e para o
advento do comunismo.
Nesta dupla previsão reside outra diferença
essencial da economia política burguesa (clássica ou vulgar) e a crítica marxista
da economia política.
Uma descreve, a outra descreve & condena.
Noutras palavras, Marx não apenas
reconheceu o caráter histórico em geral da sociedade humana, e o caráter histórico
do capitalismo, como também localizou as contradições que levam a seu
desenvolvimento, morte e superação.
Entre os marxistas, esta última parte
da frase que acabo de dizer não é unanimidade.
Pelo contrário, há quem acredite que
Marx não pensava isto; há quem reconheça que pensava, mas diz que não teria
provado; há quem reconheça que “provou”, mas acrescente que as mudanças
ocorridas no capitalismo mudaram a situação e que, portanto, a conclusão e a
prova já não valem mais; e há quem diga que Marx tinha posições contraditórias
a respeito; como também há quem lembre que a “prova” desta questão é
essencialmente prática, não teórica.
Notem que esta controvérsia envolve pelo
menos três dimensões:
-a primeira delas é filológica, ou
seja, o estudo algumas vezes erudito, outras vezes escolástico, acerca do que
Marx disse ou não disse;
-a segunda delas é histórico-econômica,
ou seja, o estudo das leis do desenvolvimento capitalista;
-a terceira delas é política, ou seja, como
o desenvolvimento da luta de classes forja (ou neutraliza) as forças capazes de
efetivamente superar o modo de produção capitalista.
Quem tiver interesse em ler mais a
respeito da primeira dimensão esta controvérsia, deve mergulhar na bibliografia
que vamos enviar a vocês, durante a semana.
Chamamos a atenção, em especial, para três
clássicos, todos poloneses: Rosa Luxemburgo, Henryk Grossmann e Roman Rosdolski.
Rosa Luxemburgo escreveu A acumulação
do capital.
Grossmann escreveu La ley de
acumulación y derrumbe del sistema capitalista. Uma teoria de las crisis.
Rosdolsky escreveu Genesis e surgimento
de O Capital de Karl Marx, com base no estudo dos Grundrisse.
E para quem quiser ler uma obra mais recente,
sugiro De leyes y límites del capitalismo en la larga duración,
de Rodrigo Gómez (2018).
Obviamente, as obras indicadas
anteriormente não se limitam a filologia; simultaneamente também abordam a análise
do capitalismo.
E sobre esta análise do capitalismo,
que é a segunda dimensão da controvérsia citada anteriormente, cabe destacar outro
aspecto importante da obra de Marx, em certo sentido o seu aspecto mais importante:
seu método.
No método reside mais uma diferença importante
entre a economia política burguesa (clássica, vulgar, suas variantes) e a crítica
marxista da economia política.
Para entender qual é esta diferença, é
preciso antes de mais nada lembrar que para Marx não se tratava apenas de interpretar
o mundo, mas de transformar o mundo.
Mas atenção: no plano da luta política,
estes dois verbos (interpretar e transformar) podem expressar duas ações diferentes,
de pessoas diferentes, em momentos diferentes. Ou aspectos diferentes e
antagônicos, da ação de uma mesma pessoa (ou setores de classe).
Noutros termos, é possível que haja uma
desconexão entre interpretação e transformação.
Por exemplo: a esmagadora maioria das
pessoas que se engajam numa revolução eram, até a véspera, e provavelmente continuarão
a ser, durante certo tempo, adeptos de visões conservadoras de mundo.
Portanto, é provável que sejam revolucionárias
na prática, embora ainda sejam conservadoras na teoria. “Na
prática, chegaram ao ponto de não mais suportar viver como até então, ao mesmo
tempo que os dominantes não mais conseguiam dominar como até então”. (WP)
Isto no plano da luta política. E no
plano da teoria?
No plano da teoria, também pode haver uma
desconexão deste tipo, entre a dimensão da interpretação e a dimensão da
transformação?
Claro que pode. Aliás, há inúmeros exemplos
de teorias que são um amontoado desconexo de partes que se desmoralizam
mutuamente.
Por exemplo: a interpretação segundo a
qual a origem dos problemas da URSS estaria no atraso relativo da economia
capitalista russa, antes da revolução; acompanhada da ideia de que a solução
para os problemas da URSS estaria em uma revolução política. Ou bem a interpretação
está incorreta; ou bem a transformação proposta está incorreta. Ambas não podem
estar certas ao mesmo tempo.
O fato é que teorias com este tipo de
desconexão, ou não explicam adequadamente, ou não servem adequadamente como guia
para a ação da classe trabalhadora, em sua luta por superar o capitalismo.
Pois bem: o método tem
relação direta com a capacidade de elaborar uma explicação-que-sirva-de-guia-para-a-ação.
Se Marx não tivesse “realizado
uma revolução filosófica” e elaborado o que ele chamou de “método dialético materialista”, se Marx não tivesse adotado “o
método dialético materialista”, O Capital não conseguiria
explicar o capitalismo, nem serviria como guia para a ação.
Por qual motivo?
Porque se fazia necessário um método de
análise do capitalismo que localizasse sua essência dinâmica, que não apenas
fotografasse a aparência do fenômeno, mas que – digamos -- filmasse a essência
do fenômeno, que registrasse a contradição em processo, as tendências e contra tendências,
a metamorfose.
Um método, portanto, capaz de localizar
e descrever as contradições e suas soluções, estas também contraditórias.
Como sabemos, tanto Marx quanto Engels
denominavam seu método de “dialético materialista”; e Marx fará referência explícita a Hegel,
em particular a uma obra denominada Ciência da Lógica.
O próprio Marx dirá o seguinte sobre
seu método: a “intelección positiva de lo existente incluye también, al próprio
tempo, la inteligência de su negación, de su necessária ruina; porque concibe
toda forma desarrollada em el fluir de su movimento, y por tanto sin perder de
vista su lado perecedero”.
O método adotado por Marx sofreu vários
questionamentos, entre os quais o questionamento sobre se Marx era mesmo um
economista; um questionamento típico de um jeito-de-pensar adepto de uma hiperespecialização
que nunca será capaz de compreender a natureza da economia política, muito menos
compreender a natureza da crítica marxista à economia política.
Com base neste método, como já
apontamos antes, Marx descobrirá e descreverá "tendencias que operan y se
imponen con férrea necesidad”; apresentando o comunismo como “forma superior de
vida a la que tiende irresistiblemente la sociedad actual por su propio
desarrollo económico”.
Neste ponto chegamos a terceira
dimensão, a mais complexa, da controvérsia a que me referi antes.
Pois se as leis do desenvolvimento
capitalista apontam no sentido de sua crise e sua superação pelo comunismo, resta
saber se este mesmo desenvolvimento forjará no tempo certo as
forças políticas e sociais capazes de efetivamente materializar aquela superação.
Na aula de abertura deste curso, eu já
apontei que é preciso que se construa, na sociedade capitalista, mas contra
o capitalismo, uma contramola com a disposição e a energia necessárias para
reorganizar a vida social.
E mesmo que esta contramola triunfe
politicamente, o capitalismo só poderá ser superado no curso de uma revolução
social de longa duração, no curso daquilo que se convencionou chamar de
transição socialista, onde continuarão existindo, por um longo tempo, relações
capitalistas de produção.
Sendo evidente que só estaremos diante
de uma transição socialista, se estas relações capitalistas sobreviventes forem
submetidas a um crescente controle social, que inicialmente e por bom tempo
será feito através do Estado, sob comando socialista.
O que é algo similar, mas com sentido
diferente, ao que ocorreu, desde o século 18, com as relações não capitalistas
de produção, que foram submetidas a crescente controle social por parte dos
capitalistas, também utilizando para isto o Estado, neste caso sob comando dos
capitalistas.
Daí decorre que a essência da luta
contra o capitalismo, a essência da luta pelo socialismo, está na luta
política, está na luta da classe trabalhadora pelo poder, com o objetivo de
usar este poder para controlar os meios de produção, para alterar as relações
sociais.
Portanto, se é verdade que a superação
do capitalismo é um longo processo revolucionário, o ponto de partida desta
revolução social, o fio condutor desse processo de transformação estrutural, é
uma revolução política.
Mas, como já dissemos antes, essa
dimensão política, subjetiva, não está desvinculada das condições objetivas.
Primeiro, porque as chances de êxito e
as características da revolução socialista estão diretamente relacionadas às características
do desenvolvimento capitalista, em âmbito nacional e mundial.
Segundo, porque os caminhos da
transição socialista dependem, em alguma medida, do nível de desenvolvimento
capitalista prévio.
Lembrando que, quando falamos de “desenvolvimento
capitalista”, estamos falando da resultante da luta de classes, em um dado
momento histórico.
Marx morreu em 1883. Engels em 1895.
Desde então a luta pelo socialismo avançou e retrocedeu várias vezes. E a tradição
intelectual inaugurada por eles, o chamado marxismo, foi dado como morto e ressuscitou
outras tantas vezes.
Mas, observando de conjunto os últimos
120 anos, o fato mais relevante é a expansão e consolidação do capitalismo como
modo de produção hegemônico.
E o fato mais curioso é que o
capitalismo de hoje exibe, mais do que o capitalismo prevalecente na época da
Guerra Fria (1945-1991), diversas das tendências descobertas por Marx e Engels.
E o fato mais terrível é, embora estejamos
em meio a uma profunda crise sistêmica, a situação do “exército do proletariado”
não está das melhores.
A rigor, isto não constitui uma surpresa,
pois as crises implicam uma mudança súbita e profunda nas condições objetivas; motivo
pelo qual os destacamentos fundamentais do proletariado, mesmo que estivessem otimamente
organizados no dia anterior ao início da crise, estavam no fundamental organizados
para travar uma batalha num terreno político e cultural que não existe mais.
Por isso, aliás, é que as crises são em
maior número do que as revoluções; e também por isso as revoluções são em maior
número do que as revoluções vitoriosas. Ou, dito de maneira menos simpática, é
por isso que as derrotas são maiores do que as vitórias, mesmo que as condições
objetivas sejam favoráveis.
Isto posto, qual a principal batalha em
curso no terreno cultural, ao menos no âmbito que nos interessa diretamente aqui,
o da crítica à economia política burguesa?
Evidente que há múltiplos debates, por
exemplo a análise:
-da articulação entre a economia
mundial e as economias nacionais;
-da relação entre os diversos setores
da economia capitalista;
-“da
relação entre o desenvolvimento C&T das forças produtivas (trabalho morto)
e o crescente desemprego do trabalho vivo” (WP)
-do imperialismo e do capital financeiro
na dinâmica capitalista;
-da relação entre economia, Estado e política,
no sentido amplo da palavra (incluindo todas as dimensões da vida social e
cultural);
-da geopolítica mundial, sendo
inescapável debater o papel jogado pela República Popular da China (e, por meio
dela, as tentativas de construção do socialismo ocorridas no século XX).
Entretanto, a principal batalha em
curso diz respeito a como entender a crise e que alternativas defender frente a
ela.
A clivagem fundamental está entre os
que consideram estar em curso uma crise sistêmica do capitalismo; e os que, mesmo
reconhecendo que há uma crise profunda, apontam o dedo mais para as fortalezas
do que para as debilidades do capitalismo.
Por decorrência da primeira clivagem,
abre-se outra, entre os que advogam, como alternativa fundamental, o
socialismo; e os que advogam que nossa alternativa fundamental deveria ser um
outro tipo de capitalismo.
Do ponto de vista da economia política
burguesa, em suas variadas escolas, a defesa do socialismo como alternativa é “ideológica”,
no sentido de não ter nenhuma motivação científica.
Esta é, também, a interpretação de uma
parte do movimento socialista que, acompanhando a opinião majoritária na socialdemocracia
alemã há cem anos, considera que o socialismo é uma questão fundamentalmente
ética, política, ideológica.
Por isso, como dissemos no início, uma
parte da esquerda se encontra sob domínio ideológico da economia política
burguesa.
Por óbvio, este domínio só pode ser
abalado através do debate; mas grande parte deste debate, hoje, é vencido por
WO pelos economistas burgueses, especialmente por aqueles da tradição
keynesiana.
Aliás, preparando esta aula, li a obra VALOR,
ACUMULACION Y CRISIS. Ensayos de economia politica, do paquistanês ANWAR
SHAIKH (1990).
Nela, o autor relata “una investigacion
de las teorias que estan presentes, implicita o explicitamente, em el analisis
politico de la izquierda en los Estados Unidos (y, por extension, de la
izquierda en otros paises). Inevitablemente el proyecto dio origen al estudio
de la economia politica subyacente en los planteamientos de las varias
corrientes influyentes de la izquierda en los Estados Unidos, desde las del
Partido Comunista y del Partido Socialista de los Trabajadores hasta la de la
escuela del Monthly Review y la de los Democratic Socialists of America.
Los resultados son sorprendentes y revelan una influencia profunda de las
teorias keynesiana y kaleckiana”.
Segundo entendi, esta “descoberta” data
dos anos 1980. Não tenho a menor dúvida acerca de qual seria o resultado de uma
pesquisa semelhante, realizada hoje, por exemplo no Brasil.
O desafio posto para os que pretendem
dar continuidade a tradição aberta pela crítica marxista à economia política burguesa
é demonstrar que a crise é uma manifestação das contradições mais profundas do
capitalismo; e que a solução sistêmica para esta crise é o controle social dos
meios de produção e de poder, permitindo o planejamento da produção e a
distribuição, no sentido de atender as necessidades do conjunto da sociedade.
Esta é a única saída? Claro que não.
Neste caso, dado o adiantado da hora, vou me amparar na opinião daquele velho
russo que disse: “Não existem situações que não apresentem em absoluto alguma saída”.
Ou, noutra versão, não existe situação sem saída para a burguesia.
A questão é que as outras saídas possíveis
terão um custo social imenso, que será pago pelas classes trabalhadoras de todo
mundo; e na melhor das hipóteses nos colocarão, daqui há algum tempo, de volta
ao ponto de partida.
Concluo por aqui a minha exposição, abrindo
para perguntas e convidando para a próxima aula, com o professor Ramon.