A entrevista está aqui: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,psdb-nao-soube-atuar-na-oposicao-afirma-giannotti-imp-,1559858
A entrevista deixa evidente qual o pano de fundo das reflexões de um dos principais intelectuais "tucanóides" (o termo é dele).
Giannotti diz com todas as letras: "Aécio não vai ganhar a eleição".
Prevê que Aécio e o PSDB vão apoiar Marina.
Afinal, "para fazer o antipetismo" é preciso "apoiar a Marina".
Segundo Giannotti, o "antipetismo está bem instalado na política brasileira hoje. É uma tremenda força".
Antes que perguntassem, Giannotti cuida de acrescentar: "e não venham dizer que é esquerda contra direita".
Aliás, Giannotti não considera correto comparar Marina com Collor e Jânio.
Mas reconhece que "dá para lembrar deles na medida em que vem alguém religiosamente para salvar a pátria e depois tem uma enorme complicação na montagem do governo. (...) Quando o avião cai, ela se acha predestinada a salvar a pátria e começa com esse discurso. A partir do desastre, ela lembra Jânio e Collor ao dizer que veio para salvar a pátria".
Para Giannotti, o fato de Marina ser evangélica "colabora para que ela venha na onda da salvação da pátria e do Estado".
Por quê?
"Quando há uma crise de Estado, os conflitos religiosos aparecem. Quando não há uma estrutura do poder central organizando a sociedade, Deus aparece como o centralizador. Isso está evidente no Oriente Médio. O avanço evangélico é um sintoma da crise de Estado".
O caso é este: Giannotti acredita que estamos diante de "um problema muito sério", uma "crise de Estado".
E explica: "Uma crise de Estado acontece quando você decide em cima e a decisão não chega embaixo. E o Estado, dessa forma, não funciona. Já temos uma crise de decisão. Ela continua se Dilma ou Marina vencerem".
Na minha opinião, o pensamento de Giannotti é equivalente aos discursos de ultradireita que falam que o país está numa situação de caos, que só pode ser superada com um golpe.
Claro que a grife é Higienópolis.
Mas o molde é Carandiru.
A UDN apoiou Jânio para derrotar o populismo trabalhista. A direita anos 80 apoiou Collor para derrotar Lula. Agora, Giannotti defende que o PSDB apoie Marina para tentar derrotar Dilma. Sempre a pretexto da "salvação da Pátria e do Estado".
Detalhe: Giannotti afirma que a crise do Estado "continua" se Marina vencer. O que nos leva a especular que outras medidas extraordinárias ele consideraria necessárias, além da "Santa Aliança" para tentar derrotar o PT nas eleições presidenciais de 2014.
Falar de crise do Estado seria um exagero de um intelectual tucanóide?
Sim e não.
O país não está um caos. Mas o oligopólio da mídia difunde esta interpretação todo santo dia. E há setores importantes, no grande capital e nos setores médios, que acreditam nisto e agem em conformidade.
Além disso, existem problemas reais, entre os quais um que Giannotti resume assim: "você decide em cima e a decisão não chega embaixo. E o Estado, dessa forma, não funciona".
Quem decide o quê? Qual decisão não chega? Não funciona para quem? Isto Giannotti não detalha, mas acredito que vale lembrar o que foi dito da Constituição de 1988.
O PT não votou a favor daquela Constituição, para deixar claro que considerava insuficiente o conjunto da obra. Já o então presidente Sarney dizia que a Constituição de 1988 ia deixar o país ingovernável.
Vieram os governos Collor e FHC, que trabalharam para desmantelar os aspectos progressistas da Constituição, enquanto o PT assumia sua defesa contra as reformas regressivas dos tucanos.
Em 2002, o PT vence as eleições e boa parte dos esforços de Lula e Dilma podem ser resumidos assim: implementar o que estava previsto na Carta.
Um exemplo, entre muitos: a integração latino-americana, que está lá na Constituição de 1988.
Acontece que, lembremos do então presidente Sarney, a Constituição de 1988 deixaria o país ingovernável. Se Sarney adotasse o vocabulário de Giannotti, ele teria dito que a aplicação da Constituição de 1988 colocaria o país diante de uma crise do Estado.
E por quê?
Entre outros motivos porque os capitalistas brasileiros realmente existentes não toleram conviver por muito tempo, especialmente em momentos de crise internacional, com doses crescentes, mesmo que reduzidas, de democratização, bem estar-social e soberania nacional.
Reitero: não se trata de uma intolerância do capitalismo, em tese. Mas sim dos capitalistas, que enxergam radicalismo bolchevique no que não passa de medidas moderadamente reformistas.
A intolerância dos capitalistas não se traduz, apenas, na histeria do oligopólio da mídia. Ela aparece, também, sob a forma de conflitos crescentes entre o executivo, o legislativo, o judiciário, a burocracia de Estado, as forças de segurança etc.
Não é por acaso que o PT defenda com cada vez maior ênfase uma reforma política progressista, enquanto outros setores defendam reformas conservadoras temperadas pela judicialização crescente da política.
Tampouco é por acaso que temas como a desmilitarização das polícias militares, a criminalização dos movimentos sociais e a ampliação da participação popular ganhem espaço na pauta política.
Isto posto, voltemos a Giannotti.
Ele considera que o PSDB "não conseguiu se articular como oposição", porque "não teve discurso. Na medida em que o PT foi para o centro, ele roubou o discurso do PSDB".
Esta ideia de que o problema do PSDB é o discurso (ou a falta de) é compartilhada por alguns setores do PT, que acreditam nisto ou simplesmente querem desqualificar a oposição de direita.
Mas a verdade é outra: o PSDB tem discurso, tem programa, tem uma análise acerca do país. Análise que corresponde, em maior ou menos medida, às aspirações de um setor do grande capital e de seus funcionários.
O PT não "roubou" o discurso do PSDB, que tampouco estava no "centro". O que acontece foi algo mais simples: no governo FHC, os efeitos decorrentes da aplicação de seu programa de direita fizeram o PSDB perder, paulatinamente, parte de seus apoiadores nos setores populares, nos setores médios e inclusive no grande capital.
Mas mesmo fora da presidência da República o PSDB manteve um poderoso apoio econômico, político e eleitoral. Insuficiente, contudo, para vencer a eleição presidencial de 2006 e de 2010.
Para vencer, o PSDB precisaria atrair 1/3 do eleitorado que flutua entre PT e PSDB. O sonho do PSDB era fazer isto em 2014, recebendo o apoio de Campos (ou de Marina) no segundo turno.
Mas aconteceu o que sabemos: o discurso tucano ser "melhor interpretado", ou seja, ter mais chances de vitória quando vocalizado por alguém que não é tucano de origem. E agora o PSDB se vê, que tristeza, na condição de terceirizado, dependendo de interposta figura.
Que Marina. originária da esquerda, se proponha a este papel, não deveria nos surpreender. Serra também já foi um homem de esquerda. Hoje, no máximo ele está à esquerda de Alckmin.