No dia 22 de
fevereiro de 2018, o Partido dos Trabalhadores realizou -- na Casa de Portugal,
centro de São Paulo – uma grande plenária para comemorar seu 38º aniversário.
Não sei se a frase foi planejada ou saiu na emoção, mas achei perfeita.
Eleger Lula e Lula governar passaram a ser, para esta parcela da esquerda, uma espécie de “meta-síntese”.
Como se pode deduzir do que disse o próprio Lula, no memorável depoimento que deu ao inquisidor-mor(o), ele se converteu numa espécie de “Posto Ipiranga” da esquerda brasileira.
Revogação das medidas golpistas? Tem que eleger Lula.
Assembleia Constituinte? Tem que eleger Lula.
Soberania, democracia e bem-estar? Tem que eleger Lula.
Vale dizer que na história da esquerda, tanto no Brasil quanto em outros países, não é a primeira vez que acontece este tipo de “fusão” entre um projeto e uma pessoa.
Esta recorrência demonstra que não se trata de um acaso, nem de uma “distorção”, mas sim de um traço inerente a luta política, em determinadas circunstâncias históricas.
Por outro lado, vários problemas decorrem desta identificação entre um projeto e uma pessoa. Por exemplo: ninguém dura para sempre e ninguém é infalível.
Por estes e outros motivos, é comum que a fusão entre um projeto e uma pessoa converta-se, muito facilmente, em confusão e dependência coletiva frente ao que esta pessoa defende (ou deveria defender) em cada momento e, também, em disputa acerca de quem são os verdadeiros defensores e/ou herdeiros do projeto.
No caso do Brasil de 2018, entretanto, há um problema mais imediato a ser considerado nesta relação entre pessoa e projeto: quem defende a necessidade de eleger Lula e de Lula voltar a governar, sabe que para isso se faz necessário impor várias derrotas aos golpistas.
Como não está nada fácil impor estas derrotas, alguns setores da esquerda já estão buscando vias alternativas, entre as quais apoiar outra candidatura (por exemplo: Boulos, Manuela, Ciro) ou lançar outro nome do próprio PT (operação que é abertamente estimulada por certos meios de comunicação).
Os que defendem estas vias alternativas, muitas vezes tomam o cuidado de exaltar o projeto Lula, ao mesmo tempo em que começam a construir seu respectivo plano “B”.
A saber: os golpistas estão enfrentando dificuldades.
A situação internacional e a economia nacional não prometem um cenário de estabilidade.
Mesmo os que falam de sinais de recuperação econômica, tanto no país quanto fora, reconhecem que isto pode ser um fenômeno passageiro, com baixo impacto, sujeito a interferências de uma nova crise internacional e/ou da instabilidade política interna.
Portanto, estes sinais de recuperação muito dificilmente vão impactar as expectativas das pessoas, pelo menos ao ponto de neutralizar as críticas dos que fazem oposição ao golpismo.
Às dificuldades econômicas, devemos somar as dificuldades no parlamento. Depois da blitzkrieg inicial, a base do governo foi incapaz de aprovar a reforma da Previdência.
Por outro lado, os golpistas estão divididos em diferentes candidaturas (às quais acaba de somar-se, ao que tudo indica, a do próprio presidente ilegítimo).
Nenhuma delas conseguiu, até agora, um bom desempenho nas pesquisas.
Portanto, todas as candidaturas golpistas têm interesse em impedir Lula de concorrer, uma vez que isto ampliaria as chances de um dos golpistas vencer as eleições presidenciais. Contribui para este objetivo, também, desgastar Lula e disseminar a dúvida, na população, sobre se ele efetivamente conseguirá manter a candidatura.
As dificuldades eleitorais do golpismo são uma parte importante dos motivos que levaram Temer a decidir pela intervenção militar no estado do Rio de Janeiro.
Mas, além da ameaça que significa para a democracia, para a vida e para os direitos de parte importante da população pobre e trabalhadora, a intervenção militar também constitui uma operação de altíssimo risco, não apenas para Temer, mas também para as Forças Armadas, sob qualquer ângulo que se observe.
É verdade que hoje a pauta da segurança, assim como ontem a da corrupção, tem forte apelo popular. Mas é muito mais fácil começar do que concluir com êxito uma intervenção militar. As dificuldades são tantas que há quem especule sobre um acordo entre o governo Temer e o PCC.
Além disso, quem se beneficiará eleitoralmente da intervenção? Temer? Bolsonaro? Outra candidatura linha dura? Os que defendem algum tipo de “saída militar” para a crise política nacional?
Todo este contexto de dificuldades (econômicas, sociais, parlamentares, eleitorais, políticas etc.) coloca o bloco golpista diante da seguinte encruzilhada:
a) permitir que Lula permaneça na disputa eleitoral, caso em que os golpistas correm alto risco de perder a eleição para o ex-presidente;
b) retirar Lula da disputa eleitoral, na expectativa de transformar a eleição de 2018 num confronto entre as candidaturas golpistas, de modo a garantir que alguma delas venha a ser eleita.
Mas para que esta expectativa seja alta, não basta para os golpistas tirar Lula da disputa, inabilitando-o. É também necessário prendê-lo, para que ele não possa participar diretamente da campanha eleitoral.
Embora haja dúvidas e disputa entre os golpistas, seu núcleo duro está decidido a prender Lula, recusar e/ou cassar seu registro. E se isto efetivamente ocorrer, o eleitorado não vai encontrar o nome de Lula na urna eletrônica.
Frente a esta hipótese, o que fazer?
Determinados setores da esquerda acham que este problema não lhes diz respeito, que devem registrar suas candidaturas independentemente de Lula ser ou não candidato, que uma eventual “ausência” de Lula pode inclusive favorecer eleitoralmente as candidaturas presidenciais de seus próprios partidos, que a eleição de 2018 vai ser como outra qualquer, que a esquerda disputará fragmentada e em muitos casos fazendo diferentes alianças com golpistas.
Outros setores da esquerda defendem deixar esta discussão para outro momento. Alguns são totalmente sinceros nesta defesa: estão agora se dando conta do problema, não tem clareza sobre o que fazer, pensam que antecipar esta discussão apenas criaria confusão e divisão entre nós.
Mas há também os que não querem antecipar a discussão, para que prevaleça a inércia e para ganhar tempo para forjar o “plano B” dos seus sonhos.
Alguns setores da esquerda já têm e publicizam posição definida a respeito.
Ou no sentido deliberado pela reunião realizada pelo Diretório nacional do PT no dia 16 de dezembro de 2017, a saber: eleição sem Lula é fraude e portanto "plano B" seria legitimar a fraude.
Ou no sentido do "plano B": na hipótese de ser consumada mais uma violência contra Lula, defendem caminhar para uma solução feijão-com-arroz, em que Lula poderia continuar sendo nosso “projeto”, mas o “plano” propriamente dito seria lançar e/ou apoiar outra candidatura, que buscaria receber os votos do eleitorado lulista.
Portanto, os argumentos contra o “plano B” devem ser outros, entre os quais cito os que seguem abaixo.
Argumento 1. Caso o PT viesse a aceitar a hipótese do “plano B”, seria muito mais fácil para os golpistas praticarem mais uma violência contra Lula. É por isso, aliás, que certos meios de comunicação estão em campanha pelo “plano B”, tendo inclusive suas candidaturas preferidas e estimuladas. Afinal, se as vítimas relativizam a gravidade da violência, os perpetradores podem agredir com mais facilidade.
Invertendo o argumento: a defesa do direito de Lula ser candidato, combinada com a própria campanha em defesa da candidatura Lula, temperadas pela afirmação definitiva de que eleição sem Lula é golpe, criam um ambiente político que tornará mais difícil e custoso, para os golpistas, negar o registro e prender. Ou seja: se há alguma chance de impedir mais esta violência, esta chance não depende de embargos auriculares, mas sim da massificação da campanha em favor da candidatura Lula, massificação que será mais fácil de fazer, quanto mais fique claro que o "plano B" é útil ao golpismo.
Argumento 2. Caso o golpismo cometa mais esta violência, de impedir ou cassar o registro de Lula, nossa atitude de manter a candidatura de Lula, mesmo que o nome dele não esteja na urna eletrônica, estruturará de maneira muito potente nossa linha de campanha aos governos estaduais, ao Senado, à Câmara dos Deputados e às assembleias legislativas. A esquerda combativa denunciará a fraude, defenderá a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e novas eleições presidenciais, polarizando e acumulando forças para uma oposição radical ao atual e ao (neste cenário) futuro governo ilegítimo.
Invertendo o argumento: participar da campanha eleitoral apresentando outra candidatura equivaleria, em alguma medida, a legitimar o processo fraudulento. Por tabela, equivaleria a legitimar o governo da direita que emergiria das urnas neste cenário. Portanto, seria dar uma dupla vitória para o golpismo. Além disso, participar nas condições de uma fraude, sem que Lula seja candidato, estimularia a dispersão das campanhas da esquerda, em várias candidaturas presidenciais, em dezenas de campanhas estaduais e milhares de campanhas proporcionais desestruturadas programaticamente e pulverizadas.
O conjunto da esquerda acompanhará o PT na tática aprovada pelo Diretório Nacional do PT dia 16 de dezembro de 2017?
Não sabemos dizer.
Para começo de conversa, a maioria de nossos aliados, mesmo na esquerda, não está atualmente convencida de que o PT vai mesmo manter Lula até o final, mesmo que neguem seu registro.
Por outro lado, muitos de nossos aliados têm dúvidas sobre se o PT vai continuar sendo a força hegemônica no campo da esquerda.
Por estes e por outros motivos, vários de nossos aliados de esquerda estão buscando seu próprio caminho. Logo, corremos mesmo o risco de sofrer aquilo que alguns chamam de “certo isolamento institucional”.
Agora, se isto efetivamente ocorrer, não terá sido a primeira vez na história do Partido dos Trabalhadores.
Nossa tática eleitoral no período 1982 a 1988 também sofreu muitas críticas da parte de outros setores da esquerda. Nossa posição frente ao Colégio Eleitoral também não foi acompanhada por nenhum outro partido da esquerda. Nossa crítica ao Plano Cruzado foi duramente questionada. Igualmente criticaram nossa decisão de não votar, embora assinando, a versão final da Constituição de 1988.
Até pode ser que estivéssemos errados em algumas destas situações, mas o que elas demonstram quando examinadas de conjunto é que, em certas circunstâncias, algum isolamento pode ser um preço a pagar.
Para citar um exemplo oposto: a capitulação do setor hegemônico da esquerda em 1964 contribuiu para consolidar o golpe militar, mas também contribuiu para a fragmentação da esquerda no período seguinte. Fragmentação que incluiu, anos depois, como uma espécie de reação tardia frente à desmoralização, a opção de parte da esquerda por uma luta armada sem base popular.
Em sentido oposto ao que ocorreu em 1964 e de maneira similar ao que ocorreu nos anos 1980, no atual período de transição o PT precisa radicalizar. E a hora é agora.
Para vencer no curto prazo, elegendo Lula e fazendo um governo de transformação, precisamos radicalizar.
E se formos derrotados, ter radicalizado permitirá que nos mantenhamos como a principal força de oposição, criando assim melhores condições para uma vitória da esquerda, num momento seguinte.
Radicalizar é preciso, ademais, porque uma coisa é certa: na transição que estamos vivendo e no que virá depois, em nenhuma hipótese prevalecerá a “conciliação de classes”.
Se conseguirmos registrar Lula dia 15 de agosto e sua candidatura estiver na urna eletrônica, nosso desafio será o de ganhar as eleições presidenciais, eleger Lula, garantir a posse e governar num cenário muito mais difícil do que em 2003, 2007, 2011 e 2015.
Um cenário para o qual nosso programa deve ser organizado em torno de três eixos: a revogação das medidas golpistas; uma intervenção social de emergência, para gerar empregos e políticas sociais; e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Por óbvio, também pode ocorrer de a direita vencer as eleições, mesmo que Lula seja candidato. A própria direita não acredita muito nesta hipótese – e por isso prefere impedir o registro e prender Lula. Mas devemos considerar também este cenário.
Seja como for, o próximo período não será de “paz e amor”, mas de polarização, combates e disputas.
Um cenário em que precisaremos ter cada vez mais clareza acerca do nosso projeto democrático-popular e socialista; acerca dos motivos que nos levam a repudiar a tática eleitoral intitulada de “plano B”; acerca das razões não apenas táticas, mas também estratégicas, pelas quais defendemos, em qualquer cenário, a candidatura Lula presidente.
Muitos dos
que discursaram, repetiram o bordão: “o PT não tem plano B”.
Então, ao
convocar o último orador, o mestre de cerimônias disse que naquele momento falaria “aquele
que não é um plano, mas é um projeto, é o nosso projeto, Luiz Inácio Lula da
Silva”.
Não sei se a frase foi planejada ou saiu na emoção, mas achei perfeita.
Afinal,
desde 1989, uma parte importante da esquerda brasileira vem apresentando,
votando e defendendo Lula como uma espécie de encarnação & instrumento das transformações que queremos fazer
no Brasil.
Eleger Lula e Lula governar passaram a ser, para esta parcela da esquerda, uma espécie de “meta-síntese”.
Como se pode deduzir do que disse o próprio Lula, no memorável depoimento que deu ao inquisidor-mor(o), ele se converteu numa espécie de “Posto Ipiranga” da esquerda brasileira.
Revogação das medidas golpistas? Tem que eleger Lula.
Assembleia Constituinte? Tem que eleger Lula.
Soberania, democracia e bem-estar? Tem que eleger Lula.
Vale dizer que na história da esquerda, tanto no Brasil quanto em outros países, não é a primeira vez que acontece este tipo de “fusão” entre um projeto e uma pessoa.
Esta recorrência demonstra que não se trata de um acaso, nem de uma “distorção”, mas sim de um traço inerente a luta política, em determinadas circunstâncias históricas.
Por outro lado, vários problemas decorrem desta identificação entre um projeto e uma pessoa. Por exemplo: ninguém dura para sempre e ninguém é infalível.
Por estes e outros motivos, é comum que a fusão entre um projeto e uma pessoa converta-se, muito facilmente, em confusão e dependência coletiva frente ao que esta pessoa defende (ou deveria defender) em cada momento e, também, em disputa acerca de quem são os verdadeiros defensores e/ou herdeiros do projeto.
No caso do Brasil de 2018, entretanto, há um problema mais imediato a ser considerado nesta relação entre pessoa e projeto: quem defende a necessidade de eleger Lula e de Lula voltar a governar, sabe que para isso se faz necessário impor várias derrotas aos golpistas.
Como não está nada fácil impor estas derrotas, alguns setores da esquerda já estão buscando vias alternativas, entre as quais apoiar outra candidatura (por exemplo: Boulos, Manuela, Ciro) ou lançar outro nome do próprio PT (operação que é abertamente estimulada por certos meios de comunicação).
Os que defendem estas vias alternativas, muitas vezes tomam o cuidado de exaltar o projeto Lula, ao mesmo tempo em que começam a construir seu respectivo plano “B”.
Para os que
somos petistas mas não somos lulistas, para os que não confundimos projeto com
plano, objetivo com instrumento, a situação que estamos vivendo em 2018 pode e
deve ser explicada e solucionada de outra maneira.
A saber: os golpistas estão enfrentando dificuldades.
A situação internacional e a economia nacional não prometem um cenário de estabilidade.
Mesmo os que falam de sinais de recuperação econômica, tanto no país quanto fora, reconhecem que isto pode ser um fenômeno passageiro, com baixo impacto, sujeito a interferências de uma nova crise internacional e/ou da instabilidade política interna.
Portanto, estes sinais de recuperação muito dificilmente vão impactar as expectativas das pessoas, pelo menos ao ponto de neutralizar as críticas dos que fazem oposição ao golpismo.
Às dificuldades econômicas, devemos somar as dificuldades no parlamento. Depois da blitzkrieg inicial, a base do governo foi incapaz de aprovar a reforma da Previdência.
E existem as
dificuldades eleitorais. Apesar do
impeachment, da campanha de mentiras da mídia, apesar dos processos e da
condenação, Lula segue liderando as pesquisas de opinião.
Por outro lado, os golpistas estão divididos em diferentes candidaturas (às quais acaba de somar-se, ao que tudo indica, a do próprio presidente ilegítimo).
Nenhuma delas conseguiu, até agora, um bom desempenho nas pesquisas.
Portanto, todas as candidaturas golpistas têm interesse em impedir Lula de concorrer, uma vez que isto ampliaria as chances de um dos golpistas vencer as eleições presidenciais. Contribui para este objetivo, também, desgastar Lula e disseminar a dúvida, na população, sobre se ele efetivamente conseguirá manter a candidatura.
As dificuldades eleitorais do golpismo são uma parte importante dos motivos que levaram Temer a decidir pela intervenção militar no estado do Rio de Janeiro.
Mas, além da ameaça que significa para a democracia, para a vida e para os direitos de parte importante da população pobre e trabalhadora, a intervenção militar também constitui uma operação de altíssimo risco, não apenas para Temer, mas também para as Forças Armadas, sob qualquer ângulo que se observe.
É verdade que hoje a pauta da segurança, assim como ontem a da corrupção, tem forte apelo popular. Mas é muito mais fácil começar do que concluir com êxito uma intervenção militar. As dificuldades são tantas que há quem especule sobre um acordo entre o governo Temer e o PCC.
Além disso, quem se beneficiará eleitoralmente da intervenção? Temer? Bolsonaro? Outra candidatura linha dura? Os que defendem algum tipo de “saída militar” para a crise política nacional?
Todo este contexto de dificuldades (econômicas, sociais, parlamentares, eleitorais, políticas etc.) coloca o bloco golpista diante da seguinte encruzilhada:
a) permitir que Lula permaneça na disputa eleitoral, caso em que os golpistas correm alto risco de perder a eleição para o ex-presidente;
b) retirar Lula da disputa eleitoral, na expectativa de transformar a eleição de 2018 num confronto entre as candidaturas golpistas, de modo a garantir que alguma delas venha a ser eleita.
Mas para que esta expectativa seja alta, não basta para os golpistas tirar Lula da disputa, inabilitando-o. É também necessário prendê-lo, para que ele não possa participar diretamente da campanha eleitoral.
Embora haja dúvidas e disputa entre os golpistas, seu núcleo duro está decidido a prender Lula, recusar e/ou cassar seu registro. E se isto efetivamente ocorrer, o eleitorado não vai encontrar o nome de Lula na urna eletrônica.
Frente a esta hipótese, o que fazer?
Determinados setores da esquerda acham que este problema não lhes diz respeito, que devem registrar suas candidaturas independentemente de Lula ser ou não candidato, que uma eventual “ausência” de Lula pode inclusive favorecer eleitoralmente as candidaturas presidenciais de seus próprios partidos, que a eleição de 2018 vai ser como outra qualquer, que a esquerda disputará fragmentada e em muitos casos fazendo diferentes alianças com golpistas.
Lembrando que estas alianças com os golpistas não são apenas eleitorais: vide como se comportaram PSB e PDT na votação sobre a
intervenção militar no Rio de Janeiro.
Outros setores da esquerda defendem deixar esta discussão para outro momento. Alguns são totalmente sinceros nesta defesa: estão agora se dando conta do problema, não tem clareza sobre o que fazer, pensam que antecipar esta discussão apenas criaria confusão e divisão entre nós.
Mas há também os que não querem antecipar a discussão, para que prevaleça a inércia e para ganhar tempo para forjar o “plano B” dos seus sonhos.
Alguns setores da esquerda já têm e publicizam posição definida a respeito.
Ou no sentido deliberado pela reunião realizada pelo Diretório nacional do PT no dia 16 de dezembro de 2017, a saber: eleição sem Lula é fraude e portanto "plano B" seria legitimar a fraude.
Ou no sentido do "plano B": na hipótese de ser consumada mais uma violência contra Lula, defendem caminhar para uma solução feijão-com-arroz, em que Lula poderia continuar sendo nosso “projeto”, mas o “plano” propriamente dito seria lançar e/ou apoiar outra candidatura, que buscaria receber os votos do eleitorado lulista.
Não conheço nenhuma
argumentação sólida em favor da tese de que seria possível, para a esquerda, ganhar
as eleições de 2018 com outra candidatura que não a de Lula. Mas isto não é um
argumento definitivo contra o chamado “plano B”, pois nenhuma candidatura pode dar
garantia absoluta de que ganhará uma eleição.
Portanto, os argumentos contra o “plano B” devem ser outros, entre os quais cito os que seguem abaixo.
Argumento 1. Caso o PT viesse a aceitar a hipótese do “plano B”, seria muito mais fácil para os golpistas praticarem mais uma violência contra Lula. É por isso, aliás, que certos meios de comunicação estão em campanha pelo “plano B”, tendo inclusive suas candidaturas preferidas e estimuladas. Afinal, se as vítimas relativizam a gravidade da violência, os perpetradores podem agredir com mais facilidade.
Invertendo o argumento: a defesa do direito de Lula ser candidato, combinada com a própria campanha em defesa da candidatura Lula, temperadas pela afirmação definitiva de que eleição sem Lula é golpe, criam um ambiente político que tornará mais difícil e custoso, para os golpistas, negar o registro e prender. Ou seja: se há alguma chance de impedir mais esta violência, esta chance não depende de embargos auriculares, mas sim da massificação da campanha em favor da candidatura Lula, massificação que será mais fácil de fazer, quanto mais fique claro que o "plano B" é útil ao golpismo.
Argumento 2. Caso o golpismo cometa mais esta violência, de impedir ou cassar o registro de Lula, nossa atitude de manter a candidatura de Lula, mesmo que o nome dele não esteja na urna eletrônica, estruturará de maneira muito potente nossa linha de campanha aos governos estaduais, ao Senado, à Câmara dos Deputados e às assembleias legislativas. A esquerda combativa denunciará a fraude, defenderá a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte e novas eleições presidenciais, polarizando e acumulando forças para uma oposição radical ao atual e ao (neste cenário) futuro governo ilegítimo.
Invertendo o argumento: participar da campanha eleitoral apresentando outra candidatura equivaleria, em alguma medida, a legitimar o processo fraudulento. Por tabela, equivaleria a legitimar o governo da direita que emergiria das urnas neste cenário. Portanto, seria dar uma dupla vitória para o golpismo. Além disso, participar nas condições de uma fraude, sem que Lula seja candidato, estimularia a dispersão das campanhas da esquerda, em várias candidaturas presidenciais, em dezenas de campanhas estaduais e milhares de campanhas proporcionais desestruturadas programaticamente e pulverizadas.
O conjunto da esquerda acompanhará o PT na tática aprovada pelo Diretório Nacional do PT dia 16 de dezembro de 2017?
Não sabemos dizer.
Para começo de conversa, a maioria de nossos aliados, mesmo na esquerda, não está atualmente convencida de que o PT vai mesmo manter Lula até o final, mesmo que neguem seu registro.
Por outro lado, muitos de nossos aliados têm dúvidas sobre se o PT vai continuar sendo a força hegemônica no campo da esquerda.
Por estes e por outros motivos, vários de nossos aliados de esquerda estão buscando seu próprio caminho. Logo, corremos mesmo o risco de sofrer aquilo que alguns chamam de “certo isolamento institucional”.
Agora, se isto efetivamente ocorrer, não terá sido a primeira vez na história do Partido dos Trabalhadores.
Nossa tática eleitoral no período 1982 a 1988 também sofreu muitas críticas da parte de outros setores da esquerda. Nossa posição frente ao Colégio Eleitoral também não foi acompanhada por nenhum outro partido da esquerda. Nossa crítica ao Plano Cruzado foi duramente questionada. Igualmente criticaram nossa decisão de não votar, embora assinando, a versão final da Constituição de 1988.
Até pode ser que estivéssemos errados em algumas destas situações, mas o que elas demonstram quando examinadas de conjunto é que, em certas circunstâncias, algum isolamento pode ser um preço a pagar.
Não por
coincidência, as situações citadas anteriormente ocorreram na década de 1980, na
transição entre a Ditadura Militar e os governos neoliberais.
Pois bem: hoje também estamos vivendo um período de transição.
Esta transição pode resultar numa “ditadura neoliberal” – para citar um dos participantes de recente reunião da executiva nacional do PT – ou pode resultar num governo democrático e popular.
Pois bem: hoje também estamos vivendo um período de transição.
Esta transição pode resultar numa “ditadura neoliberal” – para citar um dos participantes de recente reunião da executiva nacional do PT – ou pode resultar num governo democrático e popular.
Neste
contexto de transição, é previsível que parte da esquerda se aferre à
estratégia, às táticas e às políticas de alianças adotadas no período histórico
que está se encerrando.
Algo parecido ocorreu durante a transição dos anos 1980: naquela época, enquanto o PT se projetava como força independente, outra parte da esquerda se aferrava à condição de aliada (subordinada) dos liberais do PMDB.
Em alguns momentos, o PT pareceu (ou estava mesmo) isolado.
Mas no final das contas, aquele “isolamento” virou apenas uma espécie de dano colateral do posicionamento firme que permitiu ao PT se projetar, perante grande parte da classe trabalhadora, como a principal força de esquerda que fazia oposição ao neoliberalismo, sem o que nunca teríamos chegado ao governo federal.
Algo parecido ocorreu durante a transição dos anos 1980: naquela época, enquanto o PT se projetava como força independente, outra parte da esquerda se aferrava à condição de aliada (subordinada) dos liberais do PMDB.
Em alguns momentos, o PT pareceu (ou estava mesmo) isolado.
Mas no final das contas, aquele “isolamento” virou apenas uma espécie de dano colateral do posicionamento firme que permitiu ao PT se projetar, perante grande parte da classe trabalhadora, como a principal força de esquerda que fazia oposição ao neoliberalismo, sem o que nunca teríamos chegado ao governo federal.
Para citar um exemplo oposto: a capitulação do setor hegemônico da esquerda em 1964 contribuiu para consolidar o golpe militar, mas também contribuiu para a fragmentação da esquerda no período seguinte. Fragmentação que incluiu, anos depois, como uma espécie de reação tardia frente à desmoralização, a opção de parte da esquerda por uma luta armada sem base popular.
Em sentido oposto ao que ocorreu em 1964 e de maneira similar ao que ocorreu nos anos 1980, no atual período de transição o PT precisa radicalizar. E a hora é agora.
Para vencer no curto prazo, elegendo Lula e fazendo um governo de transformação, precisamos radicalizar.
E se formos derrotados, ter radicalizado permitirá que nos mantenhamos como a principal força de oposição, criando assim melhores condições para uma vitória da esquerda, num momento seguinte.
Radicalizar é preciso, ademais, porque uma coisa é certa: na transição que estamos vivendo e no que virá depois, em nenhuma hipótese prevalecerá a “conciliação de classes”.
Se conseguirmos registrar Lula dia 15 de agosto e sua candidatura estiver na urna eletrônica, nosso desafio será o de ganhar as eleições presidenciais, eleger Lula, garantir a posse e governar num cenário muito mais difícil do que em 2003, 2007, 2011 e 2015.
Um cenário para o qual nosso programa deve ser organizado em torno de três eixos: a revogação das medidas golpistas; uma intervenção social de emergência, para gerar empregos e políticas sociais; e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
Por óbvio, também pode ocorrer de a direita vencer as eleições, mesmo que Lula seja candidato. A própria direita não acredita muito nesta hipótese – e por isso prefere impedir o registro e prender Lula. Mas devemos considerar também este cenário.
Seja como for, o próximo período não será de “paz e amor”, mas de polarização, combates e disputas.
Um cenário em que precisaremos ter cada vez mais clareza acerca do nosso projeto democrático-popular e socialista; acerca dos motivos que nos levam a repudiar a tática eleitoral intitulada de “plano B”; acerca das razões não apenas táticas, mas também estratégicas, pelas quais defendemos, em qualquer cenário, a candidatura Lula presidente.