domingo, 30 de junho de 2024

Notícias de outra galáxia

Numa galáxia muito, mas muito longe daqui, existem dois planetas.

Em um deles, as pessoas mais respeitadas recebem o nome de "comandantes", título dado a quem comandou grandes batalhas, as vezes perdendo, as vezes ganhando, mas com um saldo geralmente positivo.

Noutro deles, as pessoas mais respeitadas também recebem o nome de "comandantes", embora nem sempre se saiba à frente de quais batalhas estiveram, sem falar dos que - contas feitas - contribuíram para mais derrotas do que vitórias.

Como se pode deduzir, os habitantes do segundo planeta ou são mais generosos, ou são mais desmemoriados, ou acham que o sofrimento é o caminho da salvação, ou quem sabe tudo isto junto e misturado.

Basta dizer que uma dos grandes sucessos cinematográficos neste planeta é uma holografia 5D em que um personagem revive, todo dia, o que fez no dia anterior.

Ainda bem que aqui, em nosso planeta, mais especialmente em nosso país, nesse santo ano de 2024, não acontece nada disto. 

Aqui as pessoas aprendem com os erros, formulam novas estratégias quando as velhas quase deram perda total e não recebem likes quando repetem, com ar de profunda e quase misteriosa sapiência, platitudes que já repetiram inúmeras vezes e que no passado recente contribuíram para profundas derrotas.

Mas enfim, cada planeta tem seus hábitos e costumes. Fazer o quê?!





domingo, 23 de junho de 2024

Jard, Ximenes e Comaru: as aparências as vezes enganam

Recomendo a leitura do texto publicado na Carta Capital deste domingo, 23 de junho de 2024, intitulado “Os petroleiros de Lula”.

O texto pode ser lido aqui: Os petroleiros de Lula – Opinião – CartaCapital

Os autores são Sidney Jard, Salomão Ximenes e Francisco Comaru, professores da Universidade Federal do ABC (UFABC). Além de colegas de trabalho, são também companheiros de luta. 

Aliás, salvo engano de minha parte, adotamos a mesma ou muito parecida posição nas três assembleias e nas duas votações em urna realizadas pelos docentes da UFABC. 

Portanto, o que vem a seguir é um exemplo das “contradições (de ponto de vista) no seio do povo”, para citar o famoso chinês.

O ponto de partida do texto de Jard, Ximenes e Comaru é a suposta semelhança entre a greve dos petroleiros e a greve da educação pública federal, nos governos de FHC e de Lula, respectivamente.

No primeiro caso, “a concessão de aumento salarial para os petroleiros poderia abrir caminho para um ciclo de greves que colocaria em xeque a política de estabilização monetária do governo FHC”. No segundo caso, “para que a política do déficit zero seja vitoriosa o sindicalismo do setor público precisa ser derrotado”.

As semelhanças existem? Claro. 

Por exemplo: tanto num caso, quanto noutro caso, a aliança entre capital financeiro e agronegócio impõe ao país soluções que prejudicam a maioria do povo, com efeitos dramáticos contra o bem-estar social, contra as liberdades democráticas, contra a soberania nacional, contra o desenvolvimento.

Mas o diabo mora nas diferenças. E para não tomar tempo dos leitores com digressões teóricas sobre o papel da analogia na história, nem com um relato acerca das muitas diferenças entre a maneira como foram tratados os petroleiros de 1995 e os atuais grevistas, resumo assim o problema: se a conclusão for a de que o governo Lula deve ser visto e tratado como vimos e tratamos o governo FHC, o que virá pela frente nos fará sentir saudades do presente.

Verdade seja dita, o texto que estamos comentando não tira esta conclusão que eu critico. Aliás, não diz o que devemos fazer. 

Nesse sentido, o texto está mais para uma denúncia, em alguns momentos em tom de lamento furioso; portanto, dele não devemos cobrar uma proposta de ação.

Eu compreendo quem adota esta embocadura, mas não compartilho dela.

Primeiro, porque sou adepto da famosa tese onze. Segundo, porque não esperava atitude muito diferente da parte do governo, frente à greve.

No atacado, o que está acontecendo foi escrito nas estrelas quando se decidiu que Alckmin seria vice de Lula. Ali foi feita uma opção de médio prazo, confirmada posteriormente no debate programático, na tática do segundo turno, na composição do governo, na maneira como se reagiu à intentona golpista de 8 de janeiro, na postura frente aos parlamentaristas do centrão, no debate sobre o “novo marco fiscal” e em inúmeras outras ocasiões.

Em todos estes casos citados, adotou-se como medida do possível a correlação de forças institucional. E desconsiderou-se, na prática embora não no discurso, o papel da pressão social direta. Por isto mesmo, se lida erradamente com quem não adota esta partitura. 

Portanto, do meu ponto de vista, para que o governo Lula adotasse outra posição frente a greve da educação federal, seria necessário um movimento muito forte, com muito respaldo na sociedade, que obrigasse o governo a fazer algo diferente, que o obrigasse a enfrentar o capital financeiro e seus representantes, alguns dos quais fora e outros dentro do governo. 

Foi nesta perspectiva que apoiamos desde o início a greve, que lutamos exitosamente por sua manutenção e ampliação. E foi também por conta daquela perspectiva que, quando percebemos que a greve havia “batido no teto” em termos de mobilização, apoiamos o recuo.

Claro que quem tinha expectativa de que o governo agisse diferente, se decepcionou muito e com razão. E tem todo o direito de meter bronca. Mas, ao fazer isso, devemos tomar o cuidado de construir uma avaliação correta, que nos permita construir vitórias futuras, não futuras derrotas.

Por isso, não concordo com a seguinte avaliação: “(...) a natureza do novo governo Lula se revela: se Lula 1 e 2 foram ‘governos de coalizão’, no sentido de articular uma gama de interesses conflitantes para governar; Lula 3 é o ‘governo da coalizão’, no sentido de ter sido capturado pelos próprios interesses conflitantes que pretendia coordenar”.

Este raciocínio está errado, em primeiro lugar, por esquecer da política nefasta do Antonio Palocci. Os dois primeiros anos do governo Lula 1 transcorreram sob a hegemonia do superávit primário. Naquela ocasião, muita gente achou que estava tudo dado, que a "natureza" do governo havia sido definida etc. Houve rupturas no PT, o PSOL foi criado, tivemos a derrota eleitoral de 2004, a crise de 2005. 

E o que veio em 2006? Uma inflexão tão grande, que como já dissemos fez muita gente esquecer que Palocci existiu. Foi em 2006, antes mesmo da eleição presidencial, que começou o governo Lula 2. Foi só aí, três anos depois da vitória eleitoral, que começou a ser aplicado o programa de governo escrito por Celso Daniel e aprovado no congresso do PT realizado em Olinda (PE), no final de 2001, um ano antes da vitória eleitoral. 

Desta experiência, concluo que certas análises sobre a “natureza” do governo foram, no passado, muito apressadas, muito impressionistas.

A rigor, os dois primeiros anos do governo Lula 3 lembram os dois primeiros anos do governo Lula 1. Dito de outro jeito: os governos Lula 1, Lula 2 e Lula 3 são todos de coalizão; todos são governos em disputa; no momento, o capital financeiro, o agronegócio e seus representantes estão vencendo a disputa. Mas, como naquele momento, o jogo não está jogado.

Tanto isto é verdade que Jard, Ximenes, Comaru e este que vos escreve apoiamos Boulos para prefeito de São Paulo capital. E todos sabemos que a vitória de Boulos passa por Lula e por seu governo. Talvez por isso, corretamente aliás, Boulos esteja hoje tão discreto em certas polêmicas em que fora, antes, tão loquaz. 

Alguém imagina situação parecida com essa, durante o governo FHC? Alguém acha que se o governo Lula fosse “da coalizão”, Lula estaria tão empenhado na vitória de Boulos?

Isto posto, quero terminar enfatizando que concordo com o alerta feito pelos autores: a postura do governo na negociação com a greve das universidades é (mais) um sinal da força do capital financeiro e de seus representantes. E se isso não mudar, o governo Lula terminará derrotado. Derrotado não pela esquerda, como foi o governo FHC, mas pela direita.

Para evitar isso, é essencial que haja mobilização social cum muita disputa política e ideológica pública. Isso faltou no passado recente. 

Por exemplo: em 2022, quando estava sendo discutida a política de alianças e o programa de governo de Lula, poucos foram os que se dispuseram a questionar as opções feitas. No caso do Diretório Nacional do PT, fomos 13 em 94 os que votamos contra entregar a vice para Alckmin. No encontro do Partido, repetiu-se a situação. No debate do programa, tanto no PT quanto em partidos supostamente à esquerda do PT, as posições críticas tiveram pouco apoio.

Hoje a situação mudou. Setores muito mais amplos percebem que é preciso mudar de política. E a pressão nesse sentido é muito bem-vinda, indispensável, urgente. Mas não vamos nos deixar enganar pelas aparências. Lula não é FHC, o PT não é o PSDB e - mais importante que tudo - não vamos nos esquecer que o neoliberalismo tem dois braços e um deles usa a suástica.

Não podemos, por medo da extrema-direita, contemporizar no combate ao neoliberalismo, até porque é o neoliberalismo que alimenta a extrema-direita. Nem podemos, em nome de questionar as concessões feitas pelo governo ao neoliberalismo, tratar Lula como se ele fosse FHC. Neste sentido, seja pelas razões da Pimentinha, seja pelas razões do Mouro, vamos sempre lembrar que aparências enganam. As vezes, pelo menos...

 

Sobre declarações de Lula acerca da greve

Além de ser do mesmo Partido de Lula, fiz campanha e votei nele todas as vezes em que isso foi possível. Sou apenas um, entre milhões que fizeram o mesmo, desde 1982.

Talvez por isso, toda vez que o Lula fala alguma coisa, gente como eu é questionada: “gostou? concordou?”

Isso aconteceu recentemente, acerca de declarações que Lula deu acerca da greve das universidades e institutos federais.

Destas declarações, quero comentar duas.

A primeira delas eu escutei, a outra eu li. 

A que eu li foi a seguinte: 

"As universidades sabem que demos 9% [de reajuste] no primeiro ano, sem eles pedirem. Aí o pessoal queria 4,5 %. Já ganharam em 2023, nem me agradeceram, e já estão querendo. Vamos resolver do jeito que for possível, temos que melhorar a vida das pessoas".

Supondo que Lula tenha mesmo dito isso, opino que “agradecimento” não é uma palavra adequada. A gente agradece um presente, uma gentileza, um favor, um carinho. 

A gente não deve agradecer uma política pública. Política pública a gente conquista e defende. 

No caso, a principal conquista foi obtida por 60 milhões de compatriotas. Alguns foram mais importantes, outros foram menos importantes. Certamente Lula foi muito importante nesta luta. Mas, mesmo assim, “agradecimento” não é a melhor palavra para falar de tudo que decorreu daquela conquista principal.

Alguém pode dizer: é só uma palavra. Que importância tem?

Respondo: quem acredita que merece agradecimento, pensa que fez um favor. E se fez um favor, logo acredita que pode deixar de fazer. Se 9% em 2023 foi um favor, então não haveria motivo para reclamarem do 0% em 2024.

Destaco ter sido muito positivo que o governo Lula tenha tomado uma medida "emergencial" em 2023, em favor da educação pública superior. Assim como é positivo que tenha dado mais alguns passos neste sentido, em 2024. O problema é que há um amplo sentimento de que o governo ficou aquém do necessário e aquém do possível.

No seu íntimo, alguns integrantes do governo - talvez por estarem esperando um  “agradecimento” que não veio - não parecem considerar assim. E, portanto, ora dizem (como Camilo) que a greve não era necessária, ora dizem (como Lula) que “não há muita razão para a greve estar durando o que está durando”.

Essa declaração - somada a “quem está perdendo é o Brasil e os estudantes brasileiros” - gerou muita reação negativa na comunidade universitária. 

A esse respeito, já escrevi aqui:  Valter Pomar: Lula e a greve nas universidades

Claro que há os  bolsonaristas e o chamado esquerdismo: estes são contra quase qualquer coisa que Lula diga. E há os denominados lulistas: estes são a favor de quase qualquer coisa dita pelo presidente.

Mas existe uma outra camada, pessoas que são de esquerda, que lutaram contra o golpe, lutaram contra a prisão de Lula, lutaram contra o Cavernícola, votaram 13 na última eleição presidencial.

Entre essas pessoas, que são progressistas e de esquerda, sem serem lulistas, as declarações supracitadas repercutiram negativamente. 

Afinal, se a greve esta durando o que está durando, se alguns estão saindo da greve mas outros persistem, o motivo principal é que o governo está aquém

Mas, ao invés de reconhecer isso, vários integrantes do governo resolveram  dar “lição de moral” nos grevistas.

Isto é visto, por bastante gente, como uma postura arrogante: além de não ceder, ainda espezinha, alfineta, provoca, humilha. Sem falar da postura do negociador Feijóo e de certas atitudes cometidas pelos dois ministérios envolvidos.

Claro: patrão é patrão, governo é governo. Seria uma ingenuidade imensa esperar que os que controlam o cofre fossem apoiar a greve e suas demandas. E, sem dúvida, parte da reação negativa vem daí: da mesma forma que o presidente se coloca às vezes numa posição paternalista, parte da base tinha a expectativa de que o governo fosse mais sensível e coerente com os discursos de campanha.

Mas  paternalismos e ilusões à parte, um governo encabeçado pela esquerda precisa sempre se esforçar para ter o apoio ativo dos trabalhadores. Inclusive dos trabalhadores do serviço público  Já vimos - em 2015 e 2016 - o preço pago quando se faz confusão a respeito. 

Neste sentido, algumas atitudes e declarações do presidente Lula e de seus auxiliares foram muito erradas. Nem ele, nem ninguém precisa concordar com isso. Mas é bom que saibam que muita gente - gente que ajudou a conquistar o governo, gente que deseja que o governo dê certo - pensa que o governo errou na mão, não apenas no mérito, mas também na forma.

E insistimos em dizer isso porque, especialmente na situação política em que estamos, teria sido fundamental que o governo adotasse outra postura frente aos trabalhadores em greve, especialmente numa área tão estratégica como a educação superior. 

Declarações como as que citamos anteriormente (e outras) são erradas, entre outros motivos porque contribuem para agravar os problemas. Agora, apesar das greves estarem - por enquanto - se aproximando do seu desfecho, continua sendo fundamental mudar de atitude.

Mas para isso será preciso, para além do esforço de reconstruir laços, ações práticas muito concretas, a começar pela recomposição plena do orçamento das universidades e institutos.




sexta-feira, 21 de junho de 2024

Se o arcabouço fizer água, o governo afunda?

O PT tem uma direção nacional.

Esta direção tem, salvo engano, 94 integrantes.

Estes integrantes foram eleitos por diferentes chapas.

Uma destas chapas elegeu a maioria relativa dos 94.

Alguns dos integrantes desta chapa-maioria-relativa são bastante ativos no debate de ideias.

Dentre os mais ativos, dois são do Rio de Janeiro.

Um deles (chamemos de Carioca 2) escreveu, recentemente, que "o Congresso Nacional é composto em sua maioria por extremistas de direita e por fi$iológico$ à $erviço de seus próprios interesses".

Ele afirmou, também, que este "Congresso só concordou em substituir o verdadeiro garrote do teto de gastos se o governo apresentasse uma nova proposta de política fiscal. Daí nasceu o Arcabouço (...)".

Notem que, segundo esta descrição, descrição que não é minha, o Arcabouço resulta de uma mediação entre o governo e o Congresso.

Mediação onde quem teve a palavra final ("só concordou em substituir") foi o Congresso majoritariamente de extrema direita e fisiológico.

Até aí eu consigo entender e (quase) concordar.

Quase, entre outras coisas porque faltou dizer que o Congresso é, também, majoritariamente neoliberal.

Sigamos.

O que eu não consigo entender é o seguinte: se esta foi a origem do "Arcabouço", então deveríamos ter uma postura crítica sobre ele, certo?

Afinal, o tal "Arcabouço" expressa uma mediação, não o nosso ponto de vista.

E, se é assim, não basta dizer - como diz o Carioca 2 - que temos o dever de "defender a política econômica do governo". 

Seria preciso, também, reconhecer que ao menos parte desta política não expressa o nosso ponto de vista, mas sim o ponto de vista que nos foi imposto pela maioria do Congresso Nacional.

Logo, não faz sentido concluir o que afirma o Carioca 2, a saber, que "se o Arcabouço fazer (sic) água, o governo afunda!"

Sentido faria dizer algo mais ou menos assim: precisamos criar as condições para superar os limites do Arcabouço, pois senão o governo não decola.

Claro, dizer isto implica em deixar de lado o pensamento-chapa-branca.

quinta-feira, 20 de junho de 2024

Banco Central: o nó do problema

Saiu mais uma pesquisa de opinião.

Várias pessoas comemoraram o resultado.

Acontece que o resultado é o seguinte: depois de um imenso esforço nosso, apenas das grandes diferenças em relação ao governo anterior, seguimos mais ou menos no mesmo lugar.

Por quais motivos isto acontece?

Essencialmente por erros na nossa atuação política. O que inclui erros na "economia política" do nosso governo.

Essa economia política - assim como toda a nossa linha política, desde 2022 - parte do princípio de que devemos buscar um acordo com setores do lado de lá.

No caso da economia, o acordo incluiu fazer uma troca. O governo adotaria uma política fiscal ortodoxa e, em compensação, o Banco Central afrouxaria na política de juros.

O governo cumpriu sua parte. O Banco Central, não!

A taxa de juros caiu, mas caiu muito pouco. Resultado: desestimula o investimento produtivo privado e sufoca o investimento publico.

Por esses e por outros motivos, nos últimos dias o presidente Lula voltou a fazer duras críticas ao Banco Central.

Retomou aquilo que o próprio Lula dizia no início do governo, antes de Haddad conseguir arrancar um (péssimo) armistício.

E o que fez o Banco Central, depois das críticas de Lula?

O BC manteve a taxa de juros. 

Posição unânime, com o voto a favor inclusive dos indicados pelo presidente Lula.

O que fizeram Lula e Haddad?

O primeiro manteve (ainda bem) as críticas, o segundo (como de costume) contemporizou.

E, para completar a bancada petista... 

... recorreu à justiça para que Bob Fields Neto seja proibido de fazer “pronunciamentos de natureza político-partidárias”.

Cá entre nós: votamos contra a suposta autonomia do Banco Central. 

(Suposta porque é uma autonomia em relação à decisão do povo na eleição presidencial, mas não é uma autonomia em relação ao mercado financeiro.)

Mas a lei aprovada, contra a qual votamos, estabelece procedimentos para substituir o presidente indicado pelo cavernícola. 

Ao invés de seguir por este caminho, preferimos criticar ou contemporizar. 

E adotamos a tática Jack the Ripper: por partes.

Até agora, salvo engano, nomeamos 4 diretores do Banco Central.

Mas estes 4 votaram pela manutenção da taxa de juros.

(Detalhe: a unanimidade é uma opção. Em outros momentos, diretores - inclusive os indicados por Lula - votaram contra a maioria. Isso faz parte da dinâmica. O voto unânime agora foi uma opção política.)

A malta esperava que os indicados por Lula contribuíssem para mudar a política do Banco Central. 

Mas, como se viu, volta e meia os indicados preferem compor com o lado de lá. 

Algo parecido com o que aconteceu, entre 2003 e 2016, com boa parte dos nomes que indicamos para o STF. 

Todo mundo lembra no que deu.

Alguém pode dizer: quando tivermos maioria, quando nomearmos o novo presidente...

Pois bem: se aproxima a hora do presidente Lula colocar no BC um presidente favorável à quebrar o garrote.

Preocupado com isso, o lado de lá exige um "técnico ilibado".

Já o lado de cá clama por um presidente sintonizado com a política vitoriosa nas urnas de 2022.

Sendo assim, pergunto: é mesmo hora de entrar na justiça, contra “pronunciamentos de natureza político-partidárias”?

Nada contra entrar na justiça, embora o bom mesmo fosse acionar o mecanismo que permite tirar o presidente do BC, mesmo antes do final de seu mandato.

Mas qual objetivo perseguimos, ao entrar na justiça contra "pronunciamentos de natureza político-partidária", num país onde a elite, o oligopólio da mídia e a justiça tratam como "partidário" todo posicionamento político que seja à favor do povo?

Denunciar que o Bob Fields tem lado?

Evitar que associem Bob Fields e seus altos juros com o lado de lá?

Constranger por menos quem não se constrange por mais?

Enfim, é muita confusão, parte da qual resulta da incapacidade de localizar o nó do problema. 

E o nó do problema está em que não deveríamos ter acreditado, nunca, que seria possível um modus vivendi com esta gente. 

Ou nossa parte do Brasil acaba com o austericidio, ou o austericidio acaba com a nossa parte do Brasil.  

Não tem meio-termo.

A greve deve continuar?

 Hoje, 20 de junho de 2024, foi divulgado um documento propondo a continuidade da greve dos docentes das universidades federais.

O documento é assinado por 6 grupos, conforme está disponível na imagem que acompanha esta postagem.

O título do documento é o seguinte: “COM ZERO% EM 2024 E REAJUSTE BEM ABAIXO DA INFLAÇÃO, A GREVE PRECISA CONTINUAR”.

Boa parte do texto é uma denúncia do que os signatários chamam de “caráter reacionário do Governo Lula-Alckmin”.

Supondo que a denúncia feita pelo documento fosse 100% verdadeira – e não é - ainda assim isto não explicaria por qual motivo a greve “precisa continuar”.

É verdade que há perda salarial, é verdade que a suplementação orçamentária é insuficiente, é verdade que o “novo marco fiscal” é uma política monetária que no fundamental interessa ao capital financeiro, é verdade que a atitude dos negociadores do governo foi péssima, isto para usar um termo gentil e suave. 

Tudo isso e outras coisas são verdades, mesmo que (obviamente) não concordemos com a caracterização global que o documento faz. 

Entretanto, como já dissemos, isto não explica por qual motivo a greve “precisa continuar”.

É verdade que toda greve tem uma dimensão pedagógica, serve para educar a classe trabalhadora acerca dos interesses em jogo. É verdade,  também, que toda greve tem uma dimensão política, maior ou menor. Mas greve é, principalmente, um instrumento para obter conquistas. Portanto, quando se lança mão da greve, é preciso ter alguma possibilidade de vitória.

Fazer a greve para dizer “NÃO” a um “tratamento humilhante” as vezes pode ser necessário, mesmo sem perspectiva de vitória. Mas nesse caso, a greve se tornará a cada dia menos massiva. E greve de minoria não é uma boa opção, muito menos nos tempos bicudos em que vivemos.

O que precisa ser respondido, portanto, é se a manutenção da greve nesse momento, pode levar a algum avanço nas conquistas. Dito de outro jeito: o movimento pode crescer, ao ponto de forçar o governo a ceder algo mais?

Os signatários do documento acreditam que sim, tanto é que propõem “adensar o apoio”, “mobilizar os que impulsionaram a greve e os que ainda se encontram fora dela”, “ampliar a unidade com outros setores em luta”, “refazer nossos panfletos, abrir faixas e afixar cartazes, fazer piquetes, barricadas, fechar estradas, ocupar Reitorias– enfim, reforçar a greve com os métodos da nossa classe”.

Logo, os signatários reconhecem que, do jeito que está, a greve não obterá vitórias. A questão é: será possível fazer isso? Ou estamos apenas diante de uma manifestação de vontade, mas que não tem como virar força real?

Os signatários parecem reduzir o problema a uma questão de coragem & necessidade: “esta é a coragem que precisamos ter. A greve precisa continuar – porque nossas necessidades continuam”.

Nestes termos, a análise de conjuntura some e sobra só a análise estrutural. 

Convenhamos: enquanto houver capitalismo, nossas necessidades vão continuar. Isso não significa que devamos ou possamos estar em estado de greve permanente. A greve é um dos instrumentos possíveis para travar a nossa luta. Não é o único. É um instrumento muito importante e, por isso mesmo, não pode ser utilizado quando não há alguma chance de vitória.

Neste momento, avaliando a situação de mobilização nas universidades, não consideramos possível ampliar o movimento para além do que já ampliamos. Vale dizer que ampliamos muito e isso contribuiu para algumas conquistas. Mas entendemos que, neste momento, chegamos no limite da ampliação. E sem nova ampliação, não será possível obter avanços.

Por isto – não por uma questão de coragem ou de falta dela – a posição correta é parar a greve, recompor as forças e discutir como seguir adiante.

Os signatários do documento no fundo, bem no fundo, sabem disso. Sua posição não deriva de uma análise da correlação de forças, mas somente da necessidade de demarcar – com o governo, com a diretoria do Andes, com a oposição à diretoria do Andes, com todo mundo que não tem coragem etc. Demarcar é um direito que lhes assiste. Mas há maneiras e maneiras de demarcar.

Quem tem a responsabilidade de conduzir o movimento está obrigado a ter outras preocupações, digamos assim. Entre essas preocupações, a principal é manter as condições para que, nas próximas batalhas, consigamos outras vitórias. Insistir na greve, neste momento, é fazer o jogo de quem trabalhou o tempo todo para derrotar o movimento.


quarta-feira, 19 de junho de 2024

Harry Potter e a greve

Num planeta muito, muito distante, há um partido muito, muito importante.

Neste partido, há um dirigente que profere frases sempre lapidares.

Uma das mais recentes dizia mais ou menos assim: "o grevismo no setor público é uma tônica do esquerdismo canhestro".

Como sabem os que acompanham os tuítes completos deste nosso dirigente, "esquerdismo" é para ele o maior dos anátemas.

Suspeito até que ele faz parte daquela famosa seita secreta, denominada "quando crescer quero ser como Lênin".

Os integrantes desta seita saem pelas redes sociais, apontando suas varinhas mágicas e proferindo o encantamento "esquerdista", mais ou menos como Harry Potter usava o Petrificus Totalus.

Assim sendo, fui procurar e achei, no volume 32 das Obras Completas do famoso russo, algumas de suas opiniões sobre o papel dos sindicatos.

Na página 16, por exemplo, está dito que os sindicatos serviam para defender os trabalhadores "frente a seu Estado" e para que os trabalhadores "defendam nosso Estado".

Estado que, naquela ocasião, era proprietário de grande número de empresas, onde trabalhavam as pessoas filiadas aos sindicatos que, segundo Lenin, deviam defender os trabalhadores inclusive "frente" a seu Estado.

Estado que - segundo palavras também escritas e ditas por Lenin - era operário e camponês, com uma deformação burocrática.

Repetindo: segundo o russo, cabia aos sindicatos, ao mesmo tempo, enfrentar o Estado e defender o Estado.

Portanto, noutra época, noutro país, falando de trabalhadores que eram “funcionários” de um Estado produto de uma revolução, Lenin dizia que um dos papéis dos sindicatos, sindicatos comandados por comunistas, era defender os trabalhadores "frente" ao seu próprio Estado.

Já noutro planeta, muito muito longe daqui, tem um dirigente que - diante de uma greve frente a  um governo de esquerda, nos marcos de um Estado burguês, numa situação que não tem nada de revolucionária - ao invés de fazer uma análise concreta da situação concreta, ao invés de avaliar se a greve procede ou não procede, se tem ou não base de massas, desqualifica logo como "grevismo esquerdista".

As vezes penso que algum tucano usou Imperius contra este dirigente. Só assim para entender tamanha submissão à posições de direita.

Salvai-nos Harry Potter!!


segunda-feira, 17 de junho de 2024

Quem deseja cancelar o PROIFES?

 A Terra é Redonda publicou, no dia 15 de junho, mais um artigo do professor Gil Vicente Reis de Figueiredo.

O artigo pode ser lido aqui: Fortalecer o PROIFES - A Terra é Redonda (aterraeredonda.com.br)

Ao menos em parte, o presente artigo do professor Gil Vicente é uma resposta a um texto escrito por mim e disponível no seguinte endereço:

Valter Pomar: Sobre os argumentos do Proifes, segundo o professor Gil

Como no anterior, Gil Vicente começa seu artigo “remoendo o passado”, ou seja, afirmando ser necessária a “apresentação do histórico do que vem fazendo cada entidade” e meio que me acusando de querer “defender o ANDES”.

Começo por aí: como o próprio Gil Vicente reconhece, eu não defendo a diretoria do Andes, muito menos seus “desatinos”. 

Tampouco concordo com a orientação política que predominou no ANDES, desde 2003 pelo menos. Mas um sindicato é maior do que sua diretoria. E não se deve sair de um sindicato, porque discordamos de sua orientação.

Por isso, a “comparação” que realmente me interessa – entre o Andes e o PROIFES – é saber qual dos dois tem mais representatividade na categoria. E a resposta é: o ANDES. 

O Andes tem Associações Docentes em mais de 50 universidades, o PROIFES em menos de 10 universidades.

Vale dizer que, mesmo “torturando” os números, o próprio professor Gil chega à seguinte conclusão: “dos 63.518 docentes federais sindicalizados pela ANDES e pelo PROIFES, a ANDES detém 46.280, ou seja 72,9%, enquanto o PROIFES, 17.238, ou seja, 27,1%”.

[Alerta: como a maior parte dos sindicatos brasileiros, o movimento sindical docente representa uma minoria da categoria. Nesse sentido, ser “mais representativo” não significa situação confortável.]

Isto posto, suponhamos que a folha corrida do PROIFES fosse mesmo tão maravilhosa quanto diz o professor Gil Vicente. Por qual motivo então, depois de tanto tempo, tempo em que o ANDES cometeu tamanhos “desatinos”, ainda assim o ANDES continua maior do que o PROIFES?

Há vários motivos para isto, mas na minha opinião há uma razão fundamental: o Andes é um sindicato legítimo. Já o PROIFES é em boa medida algo artificial, produto de uma reação errada contra uma política errada.

Explico: um sindicato deve ser autônomo frente aos governos e aos partidos. No início do governo Lula 1, as diretorias do ANDES operavam na linha de partidarizar a entidade. Como reação a isto, os fundadores do PROIFES acabaram criando um apêndice do governo.

Gil Vicente diz que essa acusação não passaria de “notícia falsa”; segundo ele, é o Andes que “requenta e repete até hoje” que “o PROIFES seria uma entidade governista, criada pelo então presidente Lula e seus ministros para enfraquecer a ANDES”.

Lamento informar ao professor Gil Vicente duas coisas.

Primeiro: tire “Lula e seus ministros” da história. Nessa história não tem tanto plural, tem mais singulares: a operação contou com a participação de gente de um ministério (o da Educação) e de um setor da CUT. Aliás, um setor de um setor... 

Segundo: a tendência de que eu faço parte no PT e na CUT denunciou a criação do PROIFES como peleguismo desde o primeiro dia. Note que naquela época, como hoje, não temos nada que ver com a orientação "desatinada" da diretoria do Andes. 

Mais detalhes a respeito, estão nas edições de outubro e dezembro de 2008, do jornal Página 13: Encarte Sindical - Proifes e Andes | Página 13 (pagina13.org.br)

As duas atitudes – subordinar a partidos e subordinar a governos - são deletérias. Mas como o ANDES tem história e base social, ele resistiu melhor à partidarização e ao esquerdismo. Não quer dizer que não haja danos enormes, não quer dizer que não possa voltar a piorar. Mas hoje estamos melhor do que estávamos no passado recente (a desfiliação da CSP Conlutas é um exemplo disso).

Já o PROIFES, como não tem a mesma história, nem a mesma base social, não conseguiu crescer e, neste exato momento, está passando por uma imensa crise.

Parte de sua base entrou na greve, outra parte recusou a proposta do governo; mesmo assim, o PROIFES achou por bem assinar a proposta. Pior, ao invés de manter sua autonomia, em alguns momentos conspirou com o governo contra os interesses de sua própria base.

Veja: o fato de um governo ser encabeçado por um petista, não deve levar ninguém a defender que os sindicatos se convertam em chapa-branca. Uma coisa é apoiar a eleição, reconhecer avanços, valorizar o diálogo, ser aliados na luta contra a oposição de direita etc. Outra coisa é transformar os sindicatos em correia de transmissão e porta-vozes do governo. 

Obviamente, esta atitude do PROIFES gera um imenso mal-estar, inclusive em parte de sua base. Mas, ao invés de reconhecer a origem do problema, Gil Vicente prefere “remoer o passado”. Aliás, nem todo o passado: como ele próprio reconhece, no texto anterior ele não mencionou “a existência de uma oposição na ANDES”. Convenhamos, não mencionar a existência de pelo menos 41% da categoria não é um detalhe.

Para dissimular o defeito de fabricação do PROIFES, o professor Gil Vicente diz que a criação se deu por conta da falta de democracia no ANDES.

Bom, não acho que o Andes seja um paraíso, conforme comentei aqui:  Valter Pomar: Comentários ao texto de Roberto Leher sobre a greve nas universidades

Mas, diferente do professor Gil Vicente, acho que é possível vencer as eleições no ANDES. É verdade que a diretoria do ANDES cometeu irregularidades e até mesmo fraudes, para poder vencer eleições? Na minha opinião, sim: foi o que aconteceu, por exemplo, na última eleição, em que a diretoria do Andes manobrou para tirar do processo dois colégios eleitorais, a UFMG e a UFSCar. 

Mas, mesmo assim, considero que era possível a oposição ter vencido; basta dizer que o número de votos que nos separou da vitória foi muito pequeno, em torno de 2 a 3% do total. 

Também, diferente do professor Gil Vicente, não considero que a influência das Associações Docentes na condução da política do Andes seja um obstáculo para a democracia.

Claro que é preciso fazer um esforço redobrado para que as assembleias representem a massa dos professores e não apenas sua vanguarda. Mas, ao contrário do que diz o professor, os conselhos de Associações não são um passeio tranquilo para as diretorias do Andes.

Independente disto, pergunto ao professor Gil Vicente: as restrições à democracia são uma peculiaridade do ANDES ou são uma característica de grande parte do movimento sindical? E, se forem uma característica de grande parte do movimento sindical, vamos adotar como regra rachar os sindicatos? Por exemplo, nas Associações Docentes que o professor Gil Vicente critica, ele defende a criação de associações paralelas?

A verdade – na minha opinião - é que os fundadores do PROIFES adotaram um método tipicamente esquerdista (rachar a base de um sindicato), para poder implementar uma política de direita (perder a autonomia frente ao governo).

Agora, eu chamo tudo isto de “remoer o passado”, porque mesmo que isso tenha relevância, muito mais relevância na minha opinião tem a atitude do PROIFES neste santo ano de 2024. Ou seja, mesmo que tivessem feito tudo certo antes, agora os diretores do PROIFES cometeram imensos "desatinos", para usar o termo do professor Gil Vicente.

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O PROIFES tem todo o direito de achar que, em 2024, não era o momento de fazer a greve. O que não é razoável é desconhecer que a greve existe, inclusive na base do próprio PROIFES. 

É verdade que o professor Gil é forçado, no seu artigo, a reconhecer que “a favor da greve pesou a enorme insatisfação de docentes e técnico-administrativos, decorrente da precarização do investimento e do custeio das nossas universidades e institutos federais, e, sobretudo, da deterioração acentuada do poder aquisitivo dos nossos salários, exacerbada pelo congelamento de seis anos imposto pelos dois governos anteriores”.

Mas se a insatisfação existe, como lidar com ela? A resposta do professor Gil é uma pergunta: a de que se faz necessário “um olhar que vá além do próprio umbigo: qual é, neste momento, a leitura da sociedade a respeito da continuidade da atual greve?”

Infelizmente, o professor não respondeu devidamente, no texto criticado, a sua própria questão. Se respondesse, talvez fosse obrigado a reconhecer que há uma divisão na sociedade. E os maiores críticos à greve são os setores neoliberais, que exigem do governo que use o dinheiro dos impostos para seguir financiando o sistema financeiro.

Ao não falar deste tema, o professor Gil consegue "esquecer" de citar a variável fundamental que explica “porque a proposta do PROIFES foi aceita e a da ANDES rejeitada?”

[Aceita pelo governo, é bom que se diga, pois a maior parte da base -inclusive parte do PROIFES - rejeitou a proposta.]

Gil Vicente diz textualmente: “A aceitação quase integral da reestruturação proposta pelo PROIFES, por parte do governo, foi, portanto, uma escolha acertada, dada de um lado a sua qualidade e, em contrapartida, o caráter retrógrado e frágil da outra proposta”.

Perdão, professor Gil, mas a proposta do PROIFES foi aceita pelo governo, não por causa de sua “qualidade”, mas pelo baixo custo, digamos assim. 

E a grande questão, no que diz respeito ao debate sindical, não é saber se o governo Lula teve um “comportamento pouco republicano na mesa de negociação”; a grande questão é saber por quais motivos o PROIFES teve uma atitude tão pouco sindical.

Refiro-me, entre outras coisas, ao seguinte: “ambas as entidades entendiam ser essencial um reajuste já neste ano. O que diferiu foi a avaliação. O PROIFES entendeu que a proposta do governo era o limite ao qual se poderia chegar – uma avaliação que demandava coragem, mas precisava ser feita. E a ANDES, inconformada com a aceitação das propostas de reestruturação do PROIFES, apostou na continuidade e na radicalização do enfrentamento ao governo Lula, achando que com isso irá dobrar a posição de falta de reajuste em 2024. O futuro dirá quem interpretou corretamente a realidade”.

Não é preciso esperar o futuro, nem se trata de interpretação: o PROIFES, ao aceitar assinar o acordo, contribuiu para que o governo se mantivesse irredutível em diversas questões. E, onde o governo avançou, foi em grande medida porque houve greve, não porque o PROIFES negociou bem ou apresentou a melhor proposta. 

Ademais, o real “limite” do governo não era a falta de dinheiro, pois recursos existem; o “limite” era e segue sendo político. E política é, em grande medida, correlação de forças. E o PROIFES foi a mão amiga, estendida na hora certa, que ajudou o governo contra os grevistas (não contra o capital financeiro, não contra a direita, mas contra os grevistas).

O PROIFES ajudou o governo. E acha que é isto mesmo que deveria ter feito, pois o governo Lula é o nosso governo. Fez certo?

Na minha opinião, neste caso não fez certo. O governo Lula é um governo de frente. Nesta frente há uma disputa. Na sociedade há uma disputa. 

Se nessa disputa concreta, a da greve, estivessemos enfrentando a disjuntiva “matar a fome da maioria do povo” versus “aumentar o salário dos docente”, eu não hesitaria em defender o acordo proposto ou algo parecido.  

Mas a disjuntiva real que está sendo imposta é a seguinte: “manter a transferência de recursos para o setor financeiro” versus “aumentar os recursos para políticas públicas”. 

Quem tiver dúvida a respeito, recomendo ouvir a entrevista do presidente Lula, disponível no endereço logo a seguir, especialmente quando ele desanca os que querem fazer o ajuste fiscal no lombo do povo: 🔴 Presidente Lula concede entrevista à imprensa na Itália (youtube.com)

Sendo esta a situação, o correto (tanto do ponto de vista estritamente sindical, quanto do ponto de vista politico mais geral) teria sido e segue sendo continuar a pressão sobre o governo, em favor de mais políticas para o conjunto da classe trabalhadora (inclusive o conjunto da educação, professores, técnicos etc.). Pois o objetivo desta pressão é tirar dinheiro dos banqueiros.  

Neste sentido, quem olhou para o próprio umbigo foi o PROIFES. Refiro-me à recente decisão publicada pelo Diário Oficial e comentada por mim aqui: Valter Pomar: Proifes: é dando que se recebe

A esse respeito, confesso que nunca contaria um segredo para o professor Gil Vicente. Pois ele não conteve a felicidade e escreveu o seguinte: “como é sabido, a ANDES apelou à justiça para buscar derrubar o acordo assinado entre o governo e o PROIFES, orientando suas SS a moverem, nesse sentido, dezenas de processos, com pedidos de liminar. Só um deles logrou êxito. A publicação do Registro Sindical do PROIFES, ocorrida esta semana, jogou uma pá de cal nessas tentativas, que a esta altura perderam seu objeto, posto que baseadas exatamente na falta desse documento”.

[Fique aqui o registro: escrever "orientando suas SS" não é bom uso de siglas para economizar espaço; depois, não reclame da dureza das resposta.]

Mas como este tipo de confissão pode ser mal interpretada, o professor complementa logo a seguir: “é preciso repudiar com veemência acusação mentirosa que circula nas redes sociais, de acordo com a qual a concessão do registro do PROIFES pelo governo Lula seria uma espécie de retribuição dada à Federação pela assinatura do recente acordo”.

Convenhamos, professor, coincidências existem, mas neste caso não dá para acreditar que tenha sido só isso.

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No final do seu texto, o professor Gil Vicente critica a iniciativa de mais de 200 professores filiados ao PT, dentre os quais 13 presidentes de Associações Docentes, de procurarem a executiva nacional do Partido dos Trabalhadores.

Entre outras coisas, Gil Vicente reclama da "tal solicitação" porque ela "passa a impressão de que estaria em curso uma tentativa de influenciar, pela via partidária, o rumo dos acontecimentos, de forma a beneficiar a aceitação da proposta da ANDES, propondo-se para isso não honrar o acordo já firmado pelo governo (também do PT) com o PROIFES. Convenhamos: bastante incorreto e totalmente inadequado. Até porque já haviam sido encerradas as negociações”.

Vamos por partes.

As negociações haviam sido encerradas, numa combinação entre uma pequena parte do movimento e o governo. A maior parte do movimento estava lutando para reabrir a negociação. Onde está escrito, no manual de bom comportamento do dirigente sindical, que fazer isto é errado?

Ademais, o governo não é do PT. "A culpa é do PT", sempre, mas o governo é de frente, frente muito ampla, aliás.

O direito a “influenciar” é amplo, geral e irrestrito. Partidos existem e tem um papel na vida política do país. Quem acredita em política sem partidos é a outra turma.

O que os 13 pediram foi que o PT usasse sua influência para reabrir as negociações e ampliar o atendimento das reivindicações.

Claro que se isso acontecesse, cairia por terra o argumento do PROIFES, acerca dos “limites”. Aliás, o negociador do governo deixou explícita, numa reunião da executiva do PT, sua intenção de "salvar a cara" do PROIFES.

Talvez por isso o PROIFES tenha se movimentado, no sentido de pressionar o governo a “manter o acordo”, leia-se, no sentido de não ampliar o atendimento das reivindicações.

Nesse sentido, reitero: o PROIFES agiu contra os interesses de sua base e a favor do seu umbigo, digo, registro.

Haveria outros aspectos a comentar no texto do professor Gil Vicente, mas é melhor deixar estes e outros assuntos para o balanço geral do processo, que precisa incluir ademais uma análise da ação do Andes, bem uma análise da ação do governo e de outros protagonistas do processo.

Assim, para encerrar me limito a fazer mais uma observação, neste caso sobre o último parágrafo do texto de Gil Vicente, onde ele diz o seguinte: “A tentativa de cancelar o PROIFES e, ao mesmo tempo, fechar os olhos para os erros da direção da ANDES é, assim, um desserviço à construção de um novo cenário de representação – em que todos sejam ouvidos, de forma ampla e transparente. Muito melhor escolha será a de fortalecer o PROIFES, vindo para a Federação: propositiva, plural e verdadeiramente democrática”.

Professor Gil, da minha parte e da parte de muita gente, não vejo nenhum movimento para “cancelar” o PROIFES. Não que ele não mereça. Mas não é preciso fazer movimento algum nesse sentido. O próprio PROIFES está se esforçando muito para ser “cancelado”. E não parece precisar da ajuda de mais ninguém. 

E talvez seja assim, pelo seguinte motivo:  ser derrotado em uma greve faz parte da vida. Cometer erros também. Mas ser pelego é uma arte, não é para qualquer um. 


 

SEGUE O TEXTO CRITICADO

 

Fortalecer o PROIFES

Por GIL VICENTE REIS DE FIGUEIREDO*

A tentativa de cancelar o PROIFES e, ao mesmo tempo, fechar os olhos para os erros da direção da ANDES é um desserviço à construção de um novo cenário de representação

Cabe, de início, parabenizar o site A Terra é Redonda por sua atitude aberta e democrática, ao publicar textos com diferentes visões, argumentos e opiniões sobre assuntos de interesse público.

No dia 4 de junho de 2024, o professor Valter Pomar postou, nesse site, comentários a respeito de artigo que aí publiquei anteriormente, intitulado “Em defesa do acordo assinado pelo Proifes”. Apresento a seguir algumas considerações a respeito, além de outras reflexões sobre as negociações havidas com o governo federal, bem como esclarecimentos relativos a notícias falsas que vêm sendo difundidas.

Não se pode apagar a história e nem viver do passado

De acordo com Valter Pomar, os dois primeiros parágrafos do meu texto anterior se dedicaram a “remoer o passado”, falando dos acordos assinados pelo PROIFES e do papel desempenhado pela ANDES a partir dos anos 2000. Aqui acredito que o termo ‘remoer’ não se aplica à necessária apresentação do histórico do que vem fazendo cada entidade. É compreensível que, para quem insiste em defender a ANDES, essa comparação seja desconfortável.

Por outro lado, é também inquestionável que todos os aperfeiçoamentos da carreira, vantagens e benefícios salariais conquistados nos últimos vinte anos resultam dos acordos assinados pelo PROIFES, sem os quais os docentes do Magistério Superior (MS) e do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) estariam hoje em situação bastante precária. Enquanto que, ao mesmo tempo, inúmeras posições atrasadas ilustram a trajetória da ANDES nesse período, contrastando lamentavelmente com sua atuação anterior, em prol da redemocratização.

Contudo, não precisamos recuar no tempo para que essas diferenças fiquem claras. Ainda agora, em 2024, o PROIFES voltou a firmar, junto com diversas entidades, o acordo do qual resultou, a partir deste mês de maio, o aumento do auxílio alimentação e outras vantagens. Esse acordo foi assinado pelo PROIFES, mas não pela ANDES.

As oposições da ANDES

Essas considerações nos levam a outra questão: de fato não mencionei, no texto anterior, a existência de uma oposição na ANDES. Cabem aqui duas observações a respeito. A primeira é que para os apoiadores do PROIFES essa preocupação está de longa data superada.

A segunda é que é compreensível e natural que alguns colegas, como o professor Valter Pomar, queiram que seja muito bem explicitado que pertencem à oposição da ANDES, posto que não querem que suas posições sejam confundidas com o que diz e faz a situação: a categorização do governo do presidente Lula (primeiro mandato) como neoliberal, merecedor, portanto, de ferrenho ataque, sob a forma de uma greve logo organizada contra ele; a contraposição visceral ao REUNI (programa de investimentos para expansão das universidades públicas), com invasão violenta de reitorias, justificada, de acordo com eles, pelo ‘apoio unânime dos professores de todo o Brasil’; a oposição à lei das cotas; a recusa a caracterizar o ‘impeachment’ da presidente Dilma como golpe; dentre muitos outros pontos. Portanto, é justo deixar claro que setores da oposição no âmbito da ANDES – embora insistam em permanecer sob a sua sombra – não podem ser responsabilizados pelos inúmeros desatinos políticos há tempos praticados pela entidade.

De qualquer forma, vale dizer que não é de hoje que há oposição na ANDES. Em 2004, essa oposição – a então ‘ANDES-Sind’ – era muito forte. Naquele ano lançamos uma chapa para concorrer às eleições da entidade. Tivemos 10.537 votos (48% dos votos válidos), contra 11.413 (52%) da situação. As irregularidades do pleito foram flagrantes. Nada mudou de lá para cá: as irregularidades continuam, como denunciado mais de uma vez pelo Renova ANDES (hoje grupo majoritário de oposição na ANDES).

Essa situação nos levou – naquele mesmo ano de 2004 – a analisar a validade da tese de continuar disputando as eleições da ANDES. Nossa reflexão chegou a dois obstáculos, a nosso ver intransponíveis, que a ela se opunham. De um lado, estava evidente que a direção da ANDES tinha formas peculiarmente criativas de conduzir as eleições do sindicato. De outro, havia uma razão mais profunda, de natureza estrutural. Explico.

Nas eleições da ANDES podem votar todos os filiados, diretamente em urna. As diretrizes políticas que norteiam a entidade, no entanto, são aprovadas em instâncias da entidade, Conselhos de Associações Docentes (CONADs) e Congressos, cujos ‘delegados’ são eleitos em assembleias, em cada ‘Seção Sindical’ (SS). Não é, assim, suficiente ganhar as eleições da ANDES para poder dirigir a entidade. Muito pelo contrário, porque quem foi às urnas para eleger a direção da ANDES não necessariamente vai às assembleias, intermináveis e por vezes manipuladas; logo, não estará nos CONADs e Congressos, que são as instâncias em que aquelas diretrizes são definidas – e que a diretoria deve cumprir, de acordo com o estatuto, seja lá qual for o programa pelo qual se elegeu. Uma insuperável contradição.

Assim é que, pelas razões acima, o grupo que fundou o PROIFES, com a adesão ampla e altamente majoritária dos integrantes da ‘ANDES-Sind’, decidiu, a partir de 2006, abandonar a ideia de ‘disputar a ANDES por dentro’, como se dizia no jargão da época. Optou-se por fortalecer o PROIFES, como alternativa democrática e plural à organização ultraesquerdista e pretensamente vanguardista do movimento docente federal na ANDES. A direção dessa entidade, em vez de reconhecer com a devida honestidade política as divergências existentes, criou notícias falsas, que requenta e repete até hoje: o PROIFES seria uma entidade governista, criada pelo então presidente Lula e seus ministros para enfraquecer a ANDES.

Para nós é absolutamente claro – com todo o devido respeito a diferenças de opinião – que a tentativa do Renova ANDES de ganhar as eleições dessa entidade e governá-la está fadada ao fracasso, não apenas pelo fato de que a disputa eleitoral se dá sob pesado uso, pela situação, da máquina sindical da ANDES, mas, sobretudo, pelo fato de que, estruturalmente, há um controle sobre os processos de decisão política da entidade, definidos pela militância das assembleias e pelos ‘delegados’ aí eleitos, e não pelo conjunto de filiados que votam nas eleições da diretoria.

Greves

A greve é um importante e legítimo instrumento de pressão da classe trabalhadora, a ser usado como último recurso, quando se chega a um impasse incontornável. O que não pode ser apoiado é que, estando processos de negociação em curso, como ocorria este ano na Mesa Específica e Temporária da Educação, em pleno funcionamento, seja deflagrada uma greve.

Há, além disso, que considerar que, nas atuais circunstâncias, é particularmente desafiadora a correlação de forças políticas que atuam no Brasil. Não devemos minimizar o impacto dos dois governos anteriores ao atual, em que as universidades e institutos federais estiveram sob forte ataque, sem que nenhum espaço de diálogo tenha sido aberto, nem com professores ou técnico-administrativos (TAs), nem com quaisquer servidores públicos de outras categorias. Há que constatar também que, nesse período, houve um intenso movimento de desqualificação – junto à sociedade civil – das nossas instituições e do que aí é feito, inclusive com acusações estapafúrdicas vindas de titulares da própria pasta da Educação.

Do ponto de vista das forças que defendem a elite predatória e seu projeto político, é compreensível esse movimento: somos um entrave, além de desnecessários. Desnecessários porque, da perspectiva do aprofundamento da subalternidade e do entreguismo, em nada contribuem a formação de profissionais qualificados ou a produção de conhecimento voltada ao desenvolvimento científico e tecnológico soberano. E um estorvo, porque as nossas instituições são berço do pensamento crítico, a ser eliminado por quem se opõe à proposta de que alcancemos, no Brasil, cidadania plena para todos.

Em um contexto, portanto, em que o diálogo com o governo estava aberto e em andamento, e em que narrativas sobre as nossas instituições, sobre a importância do nosso trabalho, estão sob forte disputa, construir e levar adiante uma greve longa e desgastante, que esvazia nossas instituições e prejudica nossos alunos, não foi a melhor opção. A favor da greve pesou a enorme insatisfação de docentes e técnico-administrativos, decorrente da precarização do investimento e do custeio das nossas universidades e institutos federais, e, sobretudo, da deterioração acentuada do poder aquisitivo dos nossos salários, exacerbada pelo congelamento de seis anos imposto pelos dois governos anteriores. É necessário, porém, um olhar que vá além do próprio umbigo: qual é, neste momento, a leitura da sociedade a respeito da continuidade da atual greve?

Reestruturação: porque a proposta do PROIFES foi aceita e a da ANDES rejeitada?

De início, agradeço ao professor Valter Pomar pela concordância em relação à análise que fiz no texto anterior, seja no que se refere à “crítica a pontos da proposta inicial do Andes, seja na defesa de detalhes da proposta final do governo, seja ao apontar problemas na contraproposta apresentada no dia 27 [pela ANDES]”. Considero, ainda assim, que essa temática merece ser revisitada.

A proposta de reestruturação de carreiras apresentada pelo PROIFES deu continuidade ao acordo de 2015, quando essa entidade e o governo Dilma assinaram acordo que, pela primeira neste século, conquistou a reorganização das nossas carreiras: a partir de agosto de 2019 (última etapa do acordo), todos os vencimentos docentes passaram a ser gerados logicamente a partir do chamado salário base – o do professor auxiliar(A) / DI, nível 1, 20h, graduado. Alcançar esse avanço foi muito importante, porque as malhas salariais das carreiras constituíam, antes disso, um emaranhado de centenas de números sem relação uns com os outros.

Entretanto, a negociação entre os PROIFES e o governo que resultou naquele acordo esbarrou em problemas orçamentários, e os percentuais defendidos pelo PROIFES não foram integralmente concedidos. O PROIFES propunha degraus de 5% entre todos os níveis existentes, estimulando a promoção e a progressão na carreira, mas o governo, alegando falta de disponibilidade de recursos, concedeu degraus de apenas 4% entre os níveis de Adjunto(C)/DIII e Associado(D)/DIV.

A proposta de elevar esses degraus de 4% para 5% foi, naturalmente, reapresentada ao governo nas negociações deste ano. Adicionalmente, o PROIFES insistiu na eliminação das duas primeiras classes, com a criação de uma ‘classe de entrada’ com nível salarial 16,3% mais alto que o atual, tornando nossas carreiras muito mais atrativas.

A proposta de ‘reestruturação’ da ANDES/Sinasefe (‘Sete pontos indissociáveis’), de outra parte, é atrasada e antiacadêmica: propõe eliminar as classes (titular, associado e adjunto, no magistério superior), tornando as carreiras anacrônicas em relação a todas as demais existentes no Brasil e no mundo; demanda a redução da Retribuição por Titulação (RT), diminuindo o estímulo à formação docente – a RT de doutor, segundo a ANDES, deveria ser rebaixada, passando dos atuais 115% para 75%; dentre diversos outros aspectos negativos, que apontei no texto original. Além disso, se opõem essas entidades à elevação dos degraus e ao aumento significativo dos salários dos recém contratados, conforme defendido pelo PROIFES.

A aceitação quase integral da reestruturação proposta pelo PROIFES, por parte do governo, foi, portanto, uma escolha acertada, dada de um lado a sua qualidade e, em contrapartida, o caráter retrógrado e frágil da outra proposta. Diante disso, seria de muito bom tom rever a afirmativa de que haveria um ‘jogo combinado’ entre o PROIFES e o governo, que poderia ser interpretada – embora certamente não tenha sido essa a intenção – como teoria conspiratória: uma acusação sem provas ao governo do presidente Lula de ter tido um comportamento pouco republicano na mesa de negociação.

É de se esperar também, nesse episódio, uma avaliação crítica, serena e criteriosa das duas propostas de reestruturação. É fundamental trabalhar no campo dos argumentos concretos, não das especulações, razão pela qual reitero aqui uma questão séria já apontada no meu primeiro texto: a ANDES, em sua última proposta, defende que o salário dos atuais docentes em início de carreira (estágio probatório, que dura três anos) e dos futuros contratados, seja cerca de R$1.300 menor, todo mês, do que o que já está consignado no acordo firmado pelo PROIFES, o que causaria a esses docentes, no período, prejuízo de mais de R$50.000,00. O que dizer sobre isso?

Sobre reajustes lineares

Apresentamos, neste tópico, uma rápida consideração sobre reajustes lineares. A ANDES de início reivindicou reajuste de 53%, além de exigir a revogação de todas as reformas previdenciárias. Nenhuma dessas demandas é incorreta, claro, mas ambas eram (e são), neste momento, totalmente irrealistas, aparentemente desenhadas com a intenção de gerar impasses intransponíveis. Ao final, após a apresentação, pelo PROIFES, de índices de reposição de 3,5% (2024), 9,5% (2025) e 4% (2026), a ANDES encaminhou proposta muito similar – 3,69% (2024), 9% (2025) e 5,16% (2026). Em relação aos reajustes em 2024, essas propostas não foram aceitas.

O diagnóstico aqui foi consensual: ambas as entidades entendiam ser essencial um reajuste já neste ano. O que diferiu foi a avaliação. O PROIFES entendeu que a proposta do governo era o limite ao qual se poderia chegar – uma avaliação que demandava coragem, mas precisava ser feita. E a ANDES, inconformada com a aceitação das propostas de reestruturação do PROIFES, apostou na continuidade e na radicalização do enfrentamento ao governo Lula, achando que com isso irá dobrar a posição de falta de reajuste em 2024. O futuro dirá quem interpretou corretamente a realidade.

Representatividade do PROIFES e da ANDES: chega de notícias falsas!

Entrar nesse tema é de suma importância, porque permitirá superar afirmativas incorretas dos que, por desconhecimento ou má fé, vêm difundindo a tese (falsa) da ‘falta de representatividade’ do PROIFES.

A ANDES é um sindicato interestadual (antigamente nacional, mas hoje não mais, por estar impedida de representar os docentes em vários estados brasileiros). Possui ‘Seções Sindicais’ (SS), que representam docentes de várias esferas, no setor público: distritais, municipais, estaduais e federais. Uma consulta à internet sobre os resultados das últimas eleições da ANDES mostra que as SS correspondentes a universidades e institutos federais (o chamado ‘Setor das Federais’) são 55, com um total de filiados que, em 2023, era de 46.280.

O PROIFES, por seu lado, é uma Federação. Existem 11 Sindicatos federados. Um deles, o Sind-PROIFES (fundado originalmente com o nome de PROIFES Sindicato), pode, por seu estatuto, acolher professores federais de todo o Brasil, e tem filiados em nada menos do que 44 instituições (26 universidades e 18 institutos federais). Os outros 10 sindicatos do PROIFES representam professores de 22 universidades e institutos federais. Em vários casos, um mesmo sindicato representa docentes de várias instituições. A ADUFG, por exemplo, representa professores da UFG, UFCAT e UFJ; a APUB representa professores da UFBA, IFBA, UFOB e UNILAB-Malês; o SindPROIFES-PA representa professores da UFPA, IFPA e UFRA; a ADUFRGS representa professores da UFRGS, do IFRS, do UFCSPA e do IFSUL. O número total de filiados do PROIFES nessas 66 instituições é de 17.238.

Qual é o número de docentes federais, hoje? Nas universidades e institutos federais, somos hoje um pouco mais de 200.000. Isso significa que a representação conjunta do PROIFES e da ANDES, em termos de sindicalizados, é de pouco mais de 30% do total da categoria.

Por outro lado, dos 63.518 docentes federais sindicalizados pela ANDES e pelo PROIFES, a ANDES detém 46.280, ou seja 72,9%, enquanto o PROIFES, 17.238, ou seja, 27,1%. Essa é a proporção de representação de cada qual.

Entretanto, a forma de consulta aos professores muda significativamente a representatividade real das posições defendidas por cada entidade, em especial quando se trata de adesão (ou não) a greves e aprovação (ou não) de propostas apresentadas pelo governo. Isso porque, na ANDES, a definição em relação a essas questões se faz unicamente em assembleias, sem consultas a todos os filiados – e este último método é, de forma geral, o adotado pelos sindicatos do PROIFES, quando de decisões relevantes. Assim, uma busca aos dados disponíveis na internet e nas redes sociais mostra que o número de filiados que participaram de assembleias da ANDES para a definição de entrada (ou não) em greve foi de aproximadamente 10.000, enquanto que nas consultas do PROIFES votaram cerca de 7.000 docentes.

Em outras palavras, a ANDES ouviu 21,6% de sua base, e o PROIFES, 40,6%. Essa é a realidade dos números. Logo, o mito que se procura criar – a falta de representatividade do PROIFES – não tem sustentação nos dados objetivos. Mas há mais do que isso. Os posicionamentos da ANDES se referem unicamente ao que pensam os professores que vão às assembleias, que, como visto, constituem uma pequeníssima parcela do total de docentes.

Muitos optam por não ir a esses encontros, em especial quando se trata de debater e votar questões polêmicas. Para que se tenha uma ideia do nível de tensão que aí pode ocorrer, basta mencionar que em assembleia recente um professor que defendia a não aceitação da proposta do governo agrediu outro, que era a favor, com um soco no olho (fato gravado em vídeo e publicado na internet/redes sociais). Logo, as posições da ‘categoria’ definidas pela metodologia da ANDES se referem às opiniões majoritárias dos militantes que vão às assembleias.

Em contrapartida, os sindicatos vinculados ao PROIFES realizam também assembleias, mas, em geral, optam por definir seu posicionamento – em questões importantes – por intermédio de ‘consultas eletrônicas’ adicionais, em que todos os professores têm direito ao voto, inclusive os que por alguma razão não podem ou não querem ir às assembleias. Por isso o número de docentes consultados pelo PROIFES é percentualmente muito maior. As posições da ‘categoria’, pois, conforme definidas pela metodologia do PROIFES, se referem a opiniões majoritárias de um conjunto proporcionalmente maior de filiados.

É provável que essa diferença de aferição de opiniões contribua significativamente para diferentes conclusões para uma mesma pergunta (como a aceitação ou não de proposta do governo, por exemplo), posto que os dois conjuntos de votantes são, em cada caso, muito diferentes. A esse respeito, não tenho dúvida de que a metodologia do PROIFES tende a resultar em posições mais próximas e representativas das que efetivamente correspondem às opiniões majoritárias do conjunto dos professores federais.

Agora, uma coisa é clara: pelos números acima, fica absolutamente evidente que a tentativa de minimizar e deslegitimar a representação do PROIFES é propaganda enganosa, motivada, em muitos casos, por interesses escusos dos que, não tendo capacidade e/ou vontade política de negociar e firmar acordos, tentam retirar do PROIFES o legítimo direito de fazê-lo.

Além disso, como é sabido, a ANDES apelou à justiça para buscar derrubar o acordo assinado entre o governo e o PROIFES, orientando suas SS a moverem, nesse sentido, dezenas de processos, com pedidos de liminar. Só um deles logrou êxito. A publicação do Registro Sindical do PROIFES, ocorrida esta semana, jogou uma pá de cal nessas tentativas, que a esta altura perderam seu objeto, posto que baseadas exatamente na falta desse documento. Fundamental aqui acrescentar duas observações.

Primeira: o PROIFES cumpre, há muito tempo, as condições requeridas para a obtenção do Registro Sindical, que já vem, assim, bastante atrasado. Segunda: é preciso repudiar com veemência acusação mentirosa que circula nas redes sociais, de acordo com a qual a concessão do registro do PROIFES pelo governo Lula seria uma espécie de retribuição dada à Federação pela assinatura do recente acordo. Como não é possível contestar o mérito da obtenção do registro, busca-se desonestamente difundir desqualificações espúrias. Lamentável.

Destacamos a seguir algumas questões presentes nos parágrafos finais do texto-comentário do professor Valter Pomar.

A mesa de negociação deve tratar de propostas de categorias, não de partidos políticos

A primeira tem a ver com a afirmação de que ‘seria possível avançar mais nas negociações’, isso na opinião de parte do PT, sendo mencionados especificamente “13 presidentes/as de associações docentes que integram o ANDES”.  Vale lembrar que, aqui, o professor se refere à carta que os 13 presidentes enviaram à presidente do PT, solicitando “com urgência uma reunião da executiva nacional para tratar da greve docente federal”. Duas considerações sobre este ponto. Uma delas é que a matéria em tela diz respeito a toda uma categoria, com professores das mais diferentes opiniões políticas e filiações partidárias e, portanto, tem que ser republicanamente discutida pelo todo, e não por uma parte.

A outra é a seguinte: uma tal solicitação passa a impressão de que estaria em curso uma tentativa de influenciar, pela via partidária, o rumo dos acontecimentos, de forma a beneficiar a aceitação da proposta da ANDES, propondo-se para isso não honrar o acordo já firmado pelo governo (também do PT) com o PROIFES. Convenhamos: bastante incorreto e totalmente inadequado. Até porque já haviam sido encerradas as negociações.

A contraproposta da ANDES, embora extemporânea, é ‘assimilável’; mas é muito ruim

A segunda questão tem a ver com a afirmativa do professor Valter Pomar: “o fato é que provamos, por a + b, que o custo total de aceitar a contraproposta da ANDES é totalmente assimilável na atual correlação”. Dois aspectos chamam a atenção. De entrada, a condição de ser ‘totalmente assimilável na atual correlação’ é necessária, mas não é suficiente. Temos acordo em um ponto: a proposta da ANDES é de fato ‘assimilável’ orçamentariamente, até porque prejudica bastante os docentes no início da carreira – e assim economiza recursos, em especial consideradas novas contratações.

Mas isso não basta: a proposta, nesse e em outros aspectos (e essa é uma discussão da qual não se deve fugir), é de péssima qualidade. Não vou repetir aqui os argumentos que já apresentei no primeiro texto, mas o fato é que, em relação a esse ponto fundamental (a baixa qualidade da proposta da ANDES), não foi elencado por Valter Pomar nem um único contra-argumento. O outro aspecto é que, aparentemente, faltou compreender um dado de realidade: as negociações já estão encerradas. Quem disse isso foi o governo (do PT). Está marcada uma mesa, sim, para hoje, 14 de junho, mas é com o MEC e tratará apenas de questões ‘sem impacto orçamentário’. Criar ‘factóides’ a respeito só gera falsas expectativas e, a bem da verdade, deveria ser evitado. Portanto, a esta altura é irrelevante se a contraproposta da ANDES é ou não ‘assimilável’.

Numa mesa de negociação, todos têm que ser ouvidos, não apenas os grevistas

Uma terceira questão refere-se a uma divergência de fundo. Mesmo que as negociações não tivessem terminado, e mesmo que um termo de acordo não tivesse sido assinado, não há concordância com a afirmativa de Valter Pomar, no sentido de que, se o governo quiser ‘um desfecho para a greve’, terá que “negociar com as entidades que representam a maioria dos que estão em greve”. O governo tem que negociar – e assim o fez – com todas as entidades representativas, e o PROIFES é uma delas, e não apenas com porta-vozes de docentes em greve.

Não poderiam de forma alguma ser desqualificados, como interlocutores, representantes de docentes que não estivessem em greve. Entrar (ou não) em greve é uma decisão a ser respeitada, mas que não pode interferir no direito de ser ouvido numa mesa de negociação, que é de todos os docentes, não só dos que escolheram a greve como forma de luta. Agora, um ‘desfecho para a greve’ virá, seja a partir de uma avaliação equilibrada, seja, à falta dela, por falta de sustentação.

Fortalecer o PROIFES: a melhor alternativa do movimento docente

Ainda bem que, em 2004, foi fundado o PROIFES. Não fosse isso, teríamos ficado duas décadas sem assinar termos de acordo, porque essa não é definitivamente a vocação dos que, durante todo esse tempo, vem dirigindo a ANDES. É de domínio público que a atual oposição da ANDES não concorda com quase nada do que a situação faz – até aí temos pleno acordo; ocorre que, ao adotar a tese inatingível de vencer as eleições e, depois disso, dirigir a entidade, esse grupo, na prática, acaba por se confundir com a própria situação e sua atuação política desastrosa e sectária, que em nada contribui para a defesa dos interesses reais dos professores federais.

A tentativa de cancelar o PROIFES e, ao mesmo tempo, fechar os olhos para os erros da direção da ANDES é, assim, um desserviço à construção de um novo cenário de representação – em que todos sejam ouvidos, de forma ampla e transparente. Muito melhor escolha será a de fortalecer o PROIFES, vindo para a Federação: propositiva, plural e verdadeiramente democrática.

*Gil Vicente Reis de Figueiredo é professor aposentado do Departamento de Matemática da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Foi o primeiro presidente do PROIFES.