O deputado federal André Janones (do partido Avante, eleito
por MG) concedeu uma interessante entrevista ao jornal Valor.
A íntegra da entrevista está disponível no link abaixo e copiada ao final deste texto.
https://valor.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/10/10/centralizar-pauta-da-esquerda-e-grande-desafio-diz-janones.ghtml
Apresentado como “piloto das redes sociais lulistas”,
Janones emite algumas opiniões óbvias, outras consensuais, outras interessantes,
mas também emite opiniões extremamente perigosas acerca do tema no qual é tido
como especialista.
Antes de entrar no busílis, vamos ver as preliminares.
Depois de uma série de perguntas sobre a campanha em Minas Gerais,
o Valor pergunta a Janones sobre as redes sociais.
Valor: Sua missão como coordenador da campanha do Lula
foi ajudar a turbinar as redes sociais do PT. Acha que foi bem sucedido? Muda
alguma coisa na estratégia das redes para o segundo turno?
Janones: Campanha não é só rede social, ninguém ganha
eleição só pelas redes, mas é um dos pontos principais. Agora eu posso garantir
que, nas redes sociais, a gente não vai perder a eleição. A gente conseguiu
igualar o debate com eles no primeiro turno e acredito que nesse segundo turno
a gente vai fortalecer ainda mais.
Valor: O que é possível melhorar nas redes da campanha
lulista nessa segunda rodada?
Janones: O que eu quero melhorar para o segundo turno é a
gente ter uma comunicação mais centralizada, em vez de estar num dia discutindo
saúde, noutro educação, noutro segurança. Vamos estabelecer que “hoje a pauta é
essa” e, então, nosso lado [campanha lulista] no país inteiro vai tratar desse
assunto. Centralizar [a pauta] é algo que eles fazem muito bem e a gente ainda
não conseguiu fazer isso. Espero conseguir agora.
Valor: Existe uma reclamação do eleitorado por uma
campanha mais propositiva. No entanto, na largada desse segundo turno, o que
vimos nas redes sociais foi um baixo nível sem precedentes, com ataques de
ambos os lados sobre satanismo, envolvimento com a maçonaria e, até mesmo,
canibalismo. É isso o que o eleitor espera dos candidatos?
É ao responder a esta pergunta que Janones começa a emitir
as opiniões “extremamente perigosas” a que nos referimos antes. Reproduzo a
seguir a resposta integral e em seguida comentarei.
Janones: Primeiro, quando você diz que os eleitores reclamam
que queriam ver mais propostas na campanha, veio à minha mente a frase do
Cazuza na música “O Tempo não Para”, quando ele diz que “as suas ideias não
correspondem aos fatos”. As pessoas dizem tanto que querem ouvir propostas,
propostas e quando você coloca um vídeo falando sobre propostas, ele dá 10 mil
visualizações e mil compartilhamentos. Mas quando você coloca um [vídeo]
falando de baixarias, ele dá 10 milhões de visualizações e 1 milhão de
compartilhamentos. Então, infelizmente, isso é mentira, as pessoas estão
mentindo para si mesmas, elas não querem propostas, elas querem baixaria.
Repito a frase de Janones: “as pessoas estão mentindo para si mesmas, elas não
querem propostas, elas querem baixaria”.
Certamente há "pessoas" que querem baixaria. Mas as “pessoas”
são como os “mineiros”: muita gente, diversificada, opiniões diferentes, gostos
diferentes.
Janones poderia ter dito que parte do eleitorado, inclusive parte
do eleitorado que reclama por mais propostas, no fundo prefere fake news. Neste
caso, teria dito algo tão verdadeiro quanto comentar que parte dos que
reclamam da corrupção não percebem a contradição existente entre sua reclamação
e a famosa frase: “sem nota ou com nota?”
Mas Janones não faz esta distinção entre os diferentes tipos de "pessoas". Ele faz um comentário no
atacado: “as pessoas não querem propostas, elas querem baixaria”.
Terá sido um
deslize verbal, uma falha na hora de argumentar? Infelizmente, não, pelo menos
é o que deduzo do que vem a seguir.
Valor: E qual seria a explicação para esse
comportamento das pessoas, e, consequentemente, do eleitor?
Janones: Isso ocorre quando a gente está disputando com
alguém que rebaixou o nível do debate, isso eu tenho dito desde o início da
minha participação na campanha. Vamos pegar a analogia de uma luta: não tem
como você subir num ringue para lutar e dizer “eu não vou dar golpe abaixo da
linha da cintura porque a regra não permite”, se o seu adversário está te socando
abaixo da linha da cintura. Eu não me orgulho de estar fazendo esse tipo de
política, ajudando a descer o nível. Só que o adversário faz isso. E se a gente
não fizer igual, eles vão ganhar a eleição e continuar mais quatro anos no
poder. Aí estaremos daqui a algum tempo desfiando os nossos bons modos, a nossa
educação, as nossas propostas no porão de uma ditadura. Isso está muito próximo
de acontecer.
Valor: Por que o senhor atribui ao outro lado a
iniciativa de rebaixar o nível do debate eleitoral?
Janones: A gente está falando de um candidato que ganhou a
eleição de 2018 criando a ficção da mamadeira de piroca, falando que o Lula ia
aprovar o casamento entre mãe e filho e por aí vai. Se a gente não combater com
essas armas, a gente não vai ter democracia daqui a alguns dias. Não há opção
quando o adversário está indo por esse lado.
Valor: Por que o senhor vê essa ameaça à democracia
com a eventual reeleição de Bolsonaro?
Janones: Porque se Bolsonaro for reeleito, com aquela
proposta que eles já estão fazendo tramitar de aumentar o número de ministros
do STF [Supremo Tribunal Federal] para 15 e outras medidas, eles vão conseguir
o que sempre foi o sonho do bolsonarismo: instituir uma ditadura pelo viés
democrático. A gente precisa retirar o Bolsonaro do poder, reinstituir uma
democracia plena e, aí sim, a gente vai poder refutar esse tipo de debate. Pra
mim, a gente está vivendo um estado de exceção. Neste momento, não tem outra
maneira da gente ir à luta, a não ser utilizando as mesmas armas que eles.
Suponho que Janones deva ter refletido bastante sobre o que
disse nos trechos acima reproduzidos, assim que não me resta senão dizer que estas posições são inaceitáveis. Repito
os trechos: “se a gente não fizer igual”, “se a gente não combater com essas
armas”, “utilizando as mesmas armas que eles”.
Lamento dizer, mas “fazer igual” a um assassino é cometer
assassinato, fazer igual a um criminoso é cometer um crime, fazer igual a um
defensor da tortura é defender a tortura, fazer igual a um fundamentalista é defender
o fundamentalismo, fazer igual a um homofóbico é praticar homofobia etc.
Aqui uma explicação: não acho que se derrota Al Capone com
métodos de Woodstock. Sou favorável a bater duramente em nosso inimigo, sem dó
nem piedade. E não sou favorável a linha do “amor contra o ódio”. E poderia prosseguir a lista, até o ponto de dizer que contra a violência do opressor é legítima a violência do oprimido.
Mas a depender do que se faça e do como se faça, o resultado
prático pode ser o seguinte: parte do povo, exatamente a parte que temos que
disputar, pode não perceber a diferença. E quando não se percebe a diferença, é muito
comum que a escolha de muitas "pessoas" acabe recaindo sobre o original, sobre o legítimo, naquele que faz maldade
porque gosta de fazer maldade (e não, como diz Janones, porque seria necessário,
embora ele não tenha "orgulho" de descer o nível).
Parte da confusão de Janones deriva do fato de que a imagem
das “armas” e do “ringue” passa a impressão de que estamos numa luta física
entre dois contendores; e isso não é verdade.
Não se trata de uma situação em que uma pessoa te ameaça com uma arma e, portanto, em legítima defesa, você usa a "mesma arma" do inimigo.
A situação sobre a qual estamos discutindo é uma luta política, da
qual participam dezenas e dezenas de milhões de pessoas, algumas como
participantes ativas, outras como protagonistas. E nesta luta política, a
diferença de comportamento entre os combatentes é um fator importante no convencimento
político.
Quadrilhas pode usar as “mesmas” armas, porque são quadrilhas. Já uma
campanha de esquerda não pode usar as “mesmas” armas que um partido de milicianos, pelo simples fato de que não somos milicianos.
Não se trata, quero deixar claro, de um discurso simplista
do tipo “os fins não justificam os meios”; embora esta afirmação seja parcialmente
verdadeira, meu argumento é outro: se por acaso adotássemos as “mesmas” armas
do nosso inimigo, seríamos derrotados, eleitoral, política e ideologicamente. Entre outros motivos porque, se usássemos as "mesmas" armas, estaríamos legitimando e fortalecendo o caldo de cultura do qual o nosso inimigo se alimenta.
Claro, Janones tem o direito de pensar como quiser e tem o direito de dar a entrevista que quiser a respeito. Cada um responde pelo que pensa e diz. Acontece que na
entrevista ao Valor, ele compromete o PT com essa posição.
Valor: O senhor teve desentendimentos com o PT quando
entrou na campanha de Lula para ajudar na comunicação nas redes sociais. Esses
problemas foram superados?
Janones: O PT é um partido muito grande e muito democrático.
Não é como o partido do Bolsonaro, onde ele age como um ditador, diz “vamos
fazer isso agora e ponto final”. No PT, tudo é muito debatido, muito discutido,
as decisões são mais lentas, o Lula não decide nada sozinho, ele não impõe
nada. O que ocorreu foi que algumas pessoas tinham entendimentos diferentes,
alguns criticavam algumas posturas, outros elogiavam. Foi um processo natural
de convencimento das medidas [a serem adotadas], e vieram os resultados. Hoje
tem um relativo consenso de que a gente precisa utilizar as mesmas armas que
eles [nas redes], mas com objetivos distintos.
Valor: Como é possível usar as mesmas armas que o
adversário, mas com objetivos diferentes?
Janones: Eu uso o algoritmo da rede para divulgar algumas
coisas que você pode questionar num ponto de vista ético, mas não no ponto de
vista técnico-jurídico. “Ah, o Janones disse que o auxílio emergencial acaba em
dezembro”. Sim, e isso é verdade. O que não acaba em dezembro é o Auxílio
Brasil. Mas as pessoas entenderam que como eu falei só de “auxílio”, seria o
Brasil, mas daí é subjetivismo da gente acertar o que as pessoas estão
pensando. Eu utilizo as mesmas armas que eles, mas tendo cuidado técnico de não
incorrer em “fake news”. E ainda com objetivos distintos, como defender a
liberdade de imprensa, defender as instituições contra o negacionismo. Seria
prepotência afirmar que faço isso sozinho, eu tento colaborar para a sobrevida
da democracia no nosso país.
Não sei em que instância do PT esta discussão teria sido feita e onde teria sido construído o tal “relativo consenso de que a gente precisa utilizar as
mesmas armas que eles [nas redes]”.
O que posso garantir é que este tema não foi debatido nem pelo Diretório, nem pela Executiva
nacional do Partido. Mas isto é o menos importante.
O mais importante é que a
posição de Janones está errada e não está produzindo, nem vai produzir, os efeitos que ele promete. E está errada entre outros motivos porque não é possível utilizar “as mesmas armas que eles
[nas redes], mas com objetivos distintos”.
A prova de que isso não é possível está na resposta dada por
Janones à seguinte pergunta: “Valor: Como é possível usar as mesmas armas
que o adversário, mas com objetivos diferentes? Janones: Eu uso o
algoritmo da rede para divulgar algumas coisas que você pode questionar num
ponto de vista ético, mas não no ponto de vista técnico-jurídico” (...) “Eu
utilizo as mesmas armas que eles, mas tendo cuidado técnico de não incorrer em
“fake news”.
Isso que fala Janones acerca do cuidado "técnico" de não
incorrer em fake news me recorda certas passagens kafkianas dos manuais da CIA, que estabeleciam
gradações entre o que seria e o que não seria “tortura” do ponto de vista “técnico
jurídico”.
Ou são as "mesmas armas" ou não são.
O resto é embromation de quem promete mais do que entrega ou de quem não tem coragem de tirar todas as consequências da posição que defende.
Por exemplo: o vídeo do canibalismo e o vídeo da maçonaria não são fake news. Pode ser inútil e até contraproducente usar este tipo de material, mas fake news não são. Já sobre o tema do Auxílio Brasil, chega a ser pueril acreditar que teria efeitos positivos o tipo de abordagem citada por Janones, pois se trata de uma pegadinha que rapidamente pode ser desfeita. Mas é disso mesmo que Janones está falando, quando fala em usar as "mesmas armas"???
O mais inacreditável nessa argumentação de Janones é que a realidade
do governo Bolsonaro é muito pior do que qualquer fake news. Portanto, simplesmente não se
faz necessário inventar nada, distorcer nada, exagerar nada. Sendo assim, qual
a necessidade de dizer, numa entrevista a um jornal de grande circulação, que vamos usar as “mesmas armas”
que o adversário???
Ademais, como compatibilizar esta atitude supostamente maquiavélica, com o discurso de que o amor vai vencer o ódio?? Um dos dois não cabe na mesma campanha, a não ser que tenhamos entrado na era do duplipensar e da pós-verdade tão ao gosto de Bannon.
No final da entrevista, confrontado com a pergunta: “Lula
vai ganhar a eleição?”, Janones responde “Eu acredito que, se a gente não fizer
nada errado, temos de 70% a 80% de chance de Lula ser eleito. Tem que acontecer
algo muito fora da curva para ele não se eleger. A tendência é que ele vença as
eleições. A gente está confiante, acredito que vamos vencer se trabalharmos
muito e não colocarmos salto alto. A gente está na frente e se fizer tudo certo
até o dia 30, venceremos”.
Confesso meu relativo alívio em ler esta resposta. Pois num post
publicado antes do primeiro turno, Janones disse estar certo de que venceríamos
no dia 2 de outubro e por larga margem. Agora parece ter se dado conta de que
não é assim.
Também confesso meu relativo alívio ao ler sua declaração segundo a
qual “o desafio que vai ser gigante é vencer o bolsonarismo, que não morre com
a vitória de Lula no dia 30”. Concordo inteiramente, assim como concordo com a afirmação
segundo a qual “eles deixaram muitas sequelas”.
Mas meu alívio é apenas relativo, porque uma das sequelas do bolsonarismo é – lamento
dizer – a posição defendida por Janones nesta entrevista ao Valor. Repito: sou a favor do enfrentamento total com nosso inimigo, sem dó nem piedade. Mas isso não significa usar "as mesmas armas" que nosso inimigo, não significa apelar para a "baixaria", não significa "descer o nível", não significa usar fake news, não significa fazer ou ser "igual" a eles.
Que o cavernícola queira arrastar-nos para a pocilga o tempo todo, faz todo sentido. Mas que alguns de nós achem que chafurdar na lama seria indispensável, isso não faz sentido algum. Pelo contrário: podemos e vamos triunfar porque somos radicalmente diferentes destes criminosos que hoje governam o país.
Lula presidente!
ps. um exemplo: contra as menções do cavernícola sobre presidiário, criminosos e quetais, nossa resposta deve ser lembrar a verdade: miliciano, famiglia corrupta, o assassinato de Marielle. Não é preciso inventar uma única fake news, não é preciso usar a "arma" da mentira.
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Abaixo o texto comentado
https://valor.globo.com/politica/eleicoes-2022/noticia/2022/10/10/centralizar-pauta-da-esquerda-e-grande-desafio-diz-janones.ghtml
Reeleito com mais de 238 mil votos, o deputado federal André
Janones (Avante-MG) - um dos coordenadores da campanha do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT) e piloto das redes sociais lulistas - ressaltou que a
votação em Minas Gerais será decisiva para o resultado final da disputa
presidencial.
Nesta entrevista exclusiva ao Valor, Janones revelou pontos
da estratégia da campanha para repetir a vitória de Lula no segundo maior
colégio eleitoral do país, mantendo o mesmo resultado, ou ampliando a diferença
do petista sobre o presidente Jair Bolsonaro (PL). No primeiro turno, essa
vantagem foi de cerca de 600 mil votos. Uma das táticas serão agendas distintas
de Lula e do candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), no Estado.
O parlamentar reconheceu o peso do apoio do governador Romeu
Zema (Novo) a Bolsonaro na disputa local, mas ponderou que uma parcela dos
votos que o reelegeram foi casada com votos em Lula. Por isso, não recebeu com
apreensão o gesto de Zema.
Depois de renunciar à candidatura à Presidência da República
para apoiar Lula, Janones terminou a corrida por uma vaga na Câmara Federal
como o segundo deputado mais votado de Minas, atrás do bolsonarista Nikolas
Ferreira (PL), que obteve quase 1,5 milhão de votos, emergindo como o campeão
de votos do país. Ele atribuiu o desempenho do adversário a uma estratégia do
Centrão para que todos os votos bolsonaristas do Estado para deputado federal
se concentrassem no vereador de 26 anos.
O aliado de Lula adiantou ao Valor que vai aprimorar a
estratégia nas redes sociais neste segundo turno. Um desafio é “centralizar” as
pautas da esquerda, método que, segundo ele, o adversário domina de seu lado.
Janones rechaçou os argumentos de que o eleitor reivindica uma campanha mais
propositiva, num momento de enxurrada nas redes de temas controvertidos como
satanismo, maçonaria e canibalismo. Ele observou que, “infelizmente”, postagens
que envolvem conteúdo de baixo nível atraem muito mais os eleitores do que a
divulgação de propostas.
Com atuação polêmica nas redes, o aliado de Lula avalia que,
neste momento, é preciso recorrer às mesmas armas que os adversários para não
perder a eleição. “Não tem como você subir num ringue para lutar e dizer que
não vai dar golpe abaixo da linha da cintura, se o seu adversário está te
socando abaixo da cintura”, alegou. Ele reafirmou que Lula é o favorito nessa
segunda rodada, mas para alcançar a vitória, não há espaço para erro. A seguir,
os principais pontos da entrevista ao Valor.
Valor: A votação em Minas Gerais será decisiva para o
resultado do segundo turno da eleição presidencial?
André Janones: Tudo indica que sim. Eu costumo dizer que
Minas Gerais é uma “quali”, é como se fosse uma pesquisa [qualitativa] onde
você consegue ter uma amostra exata do que é o Brasil. Se você pegar as regiões
de Minas que estão mais próximas de São Paulo, o presidente Bolsonaro venceu.
Na minha região, o Triângulo Mineiro, a gente tem influência maior de São
Paulo, e lá, na maioria das cidades, o Bolsonaro venceu. Já no Vale do
Jequitinhonha, no norte de Minas, a diferença pró-Lula foi gigante. Então, eu
acho que é um retrato fidedigno do que é o Brasil. Por isso, praticamente, em
todas as disputas [presidenciais], quem vence aqui vence no restante do país.
Valor: Qual a estratégia para repetir a vitória de Lula em
Minas no segundo turno?
Janones: Na quarta-feira, tivemos nossa primeira reunião da
coordenação da campanha no Estado. Eu, o deputado Reginaldo Lopes [PT], os
deputados federais e estaduais eleitos e mesmo alguns não eleitos e definimos a
estratégia de fazer uma campanha descentralizada nas bases, cada um nos seus
redutos eleitorais, uma campanha muito intensa de rua e nas redes.
Valor: Como serão as agendas com Lula e Geraldo Alckmin?
Janones: Ficou definido que Lula estará em Minas três vezes,
pelo menos, durante o segundo turno. Ele vai intensificar sua presença no
Estado para que a gente possa garantir uma boa vitória aqui. Também ficou
definido uma maior participação de Alckmin no Estado. Ele e Lula estão se
dividindo na campanha e teremos algumas agendas somente com Alckmin.
Campanha não é só rede social, ninguém ganha eleição só
pelas redes, mas é um dos pontos principais”
Valor: Qual meta vocês projetam para Lula em Minas no
segundo turno?
Janones: A gente mantém a diferença [vantagem de cerca de
600 mil votos para Lula], ou amplia. No pior cenário, a gente mantém.
Valor: Qual o impacto na campanha lulista do apoio do
governador Romeu Zema ao presidente Bolsonaro?
Janones: Não é algo preocupante, não vai virar a eleição o
apoio do Zema [ao Bolsonaro], mas seria fugir da realidade dizer que não tem
peso algum. Não é motivo para se assustar, mas é para ficar alerta. Agora achei
um pouco duvidosa a atitude dele de declarar apoio ao Bolsonaro no dia seguinte
às eleições. Uma parte dos mineiros se sentiu traída porque ele não fazia
campanha para o Bolsonaro no primeiro turno, até porque isso tiraria votos
dele.
Valor: Zema teve muitos votos de eleitores de Lula?
Janones: Na grande maioria dos eleitores, estava consolidado
o voto “Luzema”, como aconteceu o voto “Lulécio” [Lula + Aécio em 2006]. Ele
poderia ter feito essa transição [de apoio ao Bolsonaro] mais devagar. Mas acho
que para por aí, ele não vai entrar de cabeça nas eleições, ele tem um Estado
para cuidar.
Valor: Nesse novo cenário, com Zema apoiando Bolsonaro, como
o senhor acha que vai se comportar o eleitor mineiro?
Janones: O mineiro é muito inteligente, não se deixa
manipular. Prova disso foi o voto “Luzema”. Nem Zema conseguiu convencer o
eleitor dele a não votar em Lula, nem Lula convenceu o seu eleitor a votar no
[Alexandre] Kalil. O mineiro deu uma demonstração de que sabe o que quer. Não
acredito que a mudança de posição do governador interfira na decisão do mineiro
de votar em Lula no segundo turno.
Valor: Há receio do eventual uso da máquina do governo
mineiro em favor de Bolsonaro?
Janones: A gente não acredita que o Zema se disporia a isso.
Ele está se posicionando enquanto político, enquanto cidadão, é um direito
dele. Eu tenho severas críticas a ele, fui oposição a ele, mas isso não me faz
deixar de reconhecer algumas qualidades no governador. E uma delas é a ética.
Eu não acredito que o Zema se disporia a utilizar a máquina [pública] para
beneficiar o candidato dele.
Valor: Mas o apoio de Zema a Bolsonaro não suscita no
eleitor o temor de que o voto em Lula prejudique o Estado de Minas Gerais?
Janones: A postura de Lula sempre foi republicana, ele é um
estadista. Ele terá um relacionamento republicano com qualquer dos governadores
eleitos. Esse foi um dos motivos que deixaram o Zema mais à vontade para
declarar apoio ao Bolsonaro, saber que Lula não persegue, não retalia.
Valor: A que se pode atribuir o desempenho eleitoral do
deputado eleito Nikolas Ferreira (PL), que obteve 1,5 milhão de votos dos
mineiros e foi o mais votado do país?
Janones: Essa votação não foi do Nikolas, ele não teve e
nunca teria essa votação. Esses votos foram do Bolsonaro. Minas Gerais elegeu
um [deputado] Hélio Negão [PL-RJ], agora temos o Hélio Negão de Minas. Isso não
tem nada de votação no Nikolas.
Valor: Mas os votos foram para ele...
Janones: Minas votou no Bolsonaro para deputado federal. Nas
redes sociais, o Bolsonaro, a primeira-dama [Michelle Bolsonaro], o senador
eleito [Cleitinho Azevedo], o Eduardo [Bolsonaro], toda a base bolsonarista
pediu para os mineiros votarem no Nikolas. É como a [Carla] Zambelli em São
Paulo. É muito fácil explicar como ele teve mais de 1 milhão de votos e o Lula
ganhou em Minas. Eles [bolsonaristas] concentraram todos os votos em um só
candidato. Se você pegar os cinco deputados mais votados em Minas, os outros
quatro são da esquerda e, juntos, somam 1 milhão de votos. Foi um acerto do
Bolsonaro com o Centrão para descarregar todos os votos ideológicos no Nikolas
e ele levou junto com ele deputados do Centrão que não têm nada de ideológico.
Eu acredito que, se a gente não fizer nada errado, temos de
70% a 80% de chance de Lula ser eleito”
Valor: Sua missão como coordenador da campanha do Lula foi
ajudar a turbinar as redes sociais do PT. Acha que foi bem sucedido? Muda
alguma coisa na estratégia das redes para o segundo turno?
Janones: Campanha não é só rede social, ninguém ganha
eleição só pelas redes, mas é um dos pontos principais. Agora eu posso garantir
que, nas redes sociais, a gente não vai perder a eleição. A gente conseguiu
igualar o debate com eles no primeiro turno e acredito que nesse segundo turno
a gente vai fortalecer ainda mais.
Valor: O que é possível melhorar nas redes da campanha
lulista nessa segunda rodada?
Janones: O que eu quero melhorar para o segundo turno é a
gente ter uma comunicação mais centralizada, em vez de estar num dia discutindo
saúde, noutro educação, noutro segurança. Vamos estabelecer que “hoje a pauta é
essa” e, então, nosso lado [campanha lulista] no país inteiro vai tratar desse
assunto. Centralizar [a pauta] é algo que eles fazem muito bem e a gente ainda
não conseguiu fazer isso. Espero conseguir agora.
Valor: Existe uma reclamação do eleitorado por uma campanha
mais propositiva. No entanto, na largada desse segundo turno, o que vimos nas
redes sociais foi um baixo nível sem precedentes, com ataques de ambos os lados
sobre satanismo, envolvimento com a maçonaria e, até mesmo, canibalismo. É isso
o que o eleitor espera dos candidatos?
Janones: Primeiro, quando você diz que os eleitores reclamam
que queriam ver mais propostas na campanha, veio à minha mente a frase do
Cazuza na música “O Tempo não Para”, quando ele diz que “as suas ideias não
correspondem aos fatos”. As pessoas dizem tanto que querem ouvir propostas,
propostas e quando você coloca um vídeo falando sobre propostas, ele dá 10 mil
visualizações e mil compartilhamentos. Mas quando você coloca um [vídeo]
falando de baixarias, ele dá 10 milhões de visualizações e 1 milhão de
compartilhamentos. Então, infelizmente, isso é mentira, as pessoas estão
mentindo para si mesmas, elas não querem propostas, elas querem baixaria.
Valor: E qual seria a explicação para esse comportamento das
pessoas, e, consequentemente, do eleitor?
Janones: Isso ocorre quando a gente está disputando com
alguém que rebaixou o nível do debate, isso eu tenho dito desde o início da
minha participação na campanha. Vamos pegar a analogia de uma luta: não tem
como você subir num ringue para lutar e dizer “eu não vou dar golpe abaixo da
linha da cintura porque a regra não permite”, se o seu adversário está te socando
abaixo da linha da cintura. Eu não me orgulho de estar fazendo esse tipo de
política, ajudando a descer o nível. Só que o adversário faz isso. E se a gente
não fizer igual, eles vão ganhar a eleição e continuar mais quatro anos no
poder. Aí estaremos daqui a algum tempo desfiando os nossos bons modos, a nossa
educação, as nossas propostas no porão de uma ditadura. Isso está muito próximo
de acontecer.
Valor: Por que o senhor atribui ao outro lado a iniciativa
de rebaixar o nível do debate eleitoral?
Janones: A gente está falando de um candidato que ganhou a
eleição de 2018 criando a ficção da mamadeira de piroca, falando que o Lula ia
aprovar o casamento entre mãe e filho e por aí vai. Se a gente não combater com
essas armas, a gente não vai ter democracia daqui a alguns dias. Não há opção
quando o adversário está indo por esse lado.
Valor: Por que o senhor vê essa ameaça à democracia com a
eventual reeleição de Bolsonaro?
Janones: Porque se Bolsonaro for reeleito, com aquela
proposta que eles já estão fazendo tramitar de aumentar o número de ministros
do STF [Supremo Tribunal Federal] para 15 e outras medidas, eles vão conseguir
o que sempre foi o sonho do bolsonarismo: instituir uma ditadura pelo viés
democrático. A gente precisa retirar o Bolsonaro do poder, reinstituir uma
democracia plena e, aí sim, a gente vai poder refutar esse tipo de debate. Pra
mim, a gente está vivendo um estado de exceção. Neste momento, não tem outra
maneira da gente ir à luta, a não ser utilizando as mesmas armas que eles.
Valor: O senhor teve desentendimentos com o PT quando entrou
na campanha de Lula para ajudar na comunicação nas redes sociais. Esses
problemas foram superados?
Janones: O PT é um partido muito grande e muito democrático.
Não é como o partido do Bolsonaro, onde ele age como um ditador, diz “vamos
fazer isso agora e ponto final”. No PT, tudo é muito debatido, muito discutido,
as decisões são mais lentas, o Lula não decide nada sozinho, ele não impõe
nada. O que ocorreu foi que algumas pessoas tinham entendimentos diferentes,
alguns criticavam algumas posturas, outros elogiavam. Foi um processo natural
de convencimento das medidas [a serem adotadas], e vieram os resultados. Hoje
tem um relativo consenso de que a gente precisa utilizar as mesmas armas que
eles [nas redes], mas com objetivos distintos.
Valor: Como é possível usar as mesmas armas que o
adversário, mas com objetivos diferentes?
Janones: Eu uso o algoritmo da rede para divulgar algumas
coisas que você pode questionar num ponto de vista ético, mas não no ponto de
vista técnico-jurídico. “Ah, o Janones disse que o auxílio emergencial acaba em
dezembro”. Sim, e isso é verdade. O que não acaba em dezembro é o Auxílio
Brasil. Mas as pessoas entenderam que como eu falei só de “auxílio”, seria o
Brasil, mas daí é subjetivismo da gente acertar o que as pessoas estão
pensando. Eu utilizo as mesmas armas que eles, mas tendo cuidado técnico de não
incorrer em “fake news”. E ainda com objetivos distintos, como defender a
liberdade de imprensa, defender as instituições contra o negacionismo. Seria
prepotência afirmar que faço isso sozinho, eu tento colaborar para a sobrevida
da democracia no nosso país.
Valor: O senhor acredita que ainda desperta algum ciúme nos
petistas por causa do seu protagonismo nas redes e de sua aproximação de Lula?
Janones: Não posso afirmar que isso não esteja ocorrendo. De
repente, não chegou até mim. Mas na minha frente, pelo menos, nunca ocorreu
isso que alguns setores da imprensa divulgaram [sobre ciúmes dele dentro do
PT]. Eu sempre fui muito bem recepcionado, em todas as reuniões da coordenação
eu fui aplaudido. Eles sempre pedem para eu falar, o presidente Lula interage comigo
durante a minha fala. No comício da campanha em Belo Horizonte, eu fiquei
emocionado com a recepção que tive dos deputados do PT, que são quem
teoricamente poderiam ter algum tipo de ciúme. Nas tratativas na minha
experiência pessoal, na minha frente, sempre fui muito bem tratado, fui ouvido.
Nos momentos em que não fui ouvido, foi por essa questão natural de ser um
partido plural e é normal as pessoas terem opiniões diferentes.
Valor: Lula vai ganhar a eleição?
Janones: Eu acredito que, se a gente não fizer nada errado,
temos de 70% a 80% de chance de Lula ser eleito. Tem que acontecer algo muito
fora da curva para ele não se eleger. A tendência é que ele vença as eleições.
A gente está confiante, acredito que vamos vencer se trabalharmos muito e não colocarmos
salto alto. A gente está na frente e se fizer tudo certo até o dia 30,
venceremos.
Valor: Qual seria o passo seguinte após a eventual vitória
nas urnas?
Janones: Depois, o desafio que vai ser gigante é vencer o
bolsonarismo, que não morre com a vitória de Lula no dia 30. Eles deixaram
muitas sequelas, formaram uma bancada forte na Câmara e no Senado. A gente vai
ter que trabalhar muito para que o Brasil fique livre disso, e a democracia
possa ser fortalecida.