A
estratégia de luta pelo socialismo no Brasil
Roteiro
para o debate nos congressos municipais e estaduais preparatórios ao 4º
Congresso Nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
Apresentação
1. O Partido dos Trabalhadores concluiu seu
6º Congresso Nacional, realizado nos dias 1 a 3 de junho de 2017, aparentando
alto grau de unidade tática, mas ao mesmo tempo explicitando muitas incertezas
e indefinições organizativas, estratégicas e programáticas.
2. Em uma situação normal, teríamos tempo e
condições adequadas para superar tais incertezas e indefinições. Mas não
vivemos uma situação normal, nem no país, nem na região, nem no mundo.
3. Por isto, a militância petista precisa
combinar a luta contra o governo golpista, pelo Fora Temer e em defesa dos
direitos, por diretas já e pela candidatura Lula, com o debate necessário à
mais pronta superação das lacunas e erros existentes em nossas formulações
partidárias.
4. Para contribuir com isto, especialmente
para superar as lacunas e erros existentes na estratégia de nosso Partido, a
tendência petista Articulação de Esquerda realizará seu 4º Congresso Nacional,
nos dias 24 a 26 de novembro de 2017, tendo como único ponto de pauta o debate
sobre a estratégia de luta pelo socialismo no Brasil.
5. Nossa intenção é aprovar, como resolução
final do Congresso da AE, um documento que aborde os seguintes pontos: a) as
características mundiais do capitalismo no século XXI e suas decorrências para
a luta pelo socialismo no século XXI; b) os debates acerca do socialismo e da
estratégia, na esquerda mundial, latino-americana e brasileira; c) as
características do capitalismo e da luta pelo socialismo em nosso país, tanto
em termos de estratégia de poder quanto em termos do programa da transição
socialista; d)a trajetória recente do PT e a necessidade de uma nova
estratégia; e) os vínculos entre a tática adotada pelo Partido e a estratégia
que defendemos, apontando mudanças que consideremos necessárias naquela tática;
f) os vínculos entre a estratégia que defendemos e as mudanças que se fazem
necessárias na organização do Partido; g) o papel da tendência petista
Articulação de Esquerda, nesta nova etapa da vida partidária.
6. A seguir, o roteiro para debate aprovado
pela direção nacional da AE no dia 6 de agosto de 2017, para servir de
texto-base e ser emendado nos congressos municipais, estaduais e no congresso
nacional.
A
dimensão internacional da estratégia
7. Iniciamos nossa análise pela situação
internacional, por três motivos. Primeiro, porque as características estruturais
do capitalismo mundial determinam as margens de manobra do capitalismo
brasileiro e, por conseguinte, determinam alguns dos limites e possibilidades da
luta pelo socialismo no Brasil. Segundo, porque a conjuntura mundial e regional
vem se agravando continuamente, o que impacta a dinâmica da conjuntura nacional
e, portanto, a relação entre nossas ações táticas e objetivos estratégicos.
Terceiro, porque o golpe demonstrou uma vez mais que a classe dominante
brasileira é apoiada e busca o apoio do imperialismo, obrigando a classe
trabalhadora brasileira a construir uma linha política que articule o
“nacional”, o “regional” e o “mundial”.
8. As principais características do atual
cenário mundial são as crises, as guerras e a instabilidade generalizada. Estas
características ao mesmo tempo atualizam e recolocam num patamar superior as
contradições e os conflitos entre as classes sociais e os Estados, ao mesmo que
tempo que fortalecem a possibilidade de desfechos revolucionários e contrarrevolucionários.
9. As características citadas no ponto
anterior decorrem de um conjunto de fatores, surgidos em diferentes momentos da
história recente, mas que hoje se conjugam na composição do cenário
internacional. Citamos entre estes fatores: a) a hegemonia sem precedentes do
capitalismo no mundo, que nunca foi tão capitalista quanto é hoje; b) a
natureza do capitalismo contemporâneo, dominado pelo capital financeiro, que por
sua vez está assentado e depende enormemente da concentração e centralização do
capital; c) a profunda e duradoura crise do capitalismo, cujas causas e efeitos
não foram superadas, pelo contrário; d) o declínio relativo da potência
hegemônica, os Estados Unidos, que perderam peso econômico, vivem uma crise
interna de grandes proporções e tem sua hegemonia crescentemente contestada; e)
a ascensão de outros polos de poder, produzindo uma situação mundial
crescentemente multipolar, o que não significa necessariamente um mundo
pacífico; f) a formação de blocos, acordos e tratados, sintomas de desarranjo e
crise, não de ordem e estabilidade; g) a disputa entre diferentes vias de
desenvolvimento capitalista, cabendo às alternativas socialistas uma pequena
influência, pois neste momento estão mais fracas do que já foram antes; h) a
defensiva estratégica da classe trabalhadora, com o aumento das taxas de
exploração, redução na remuneração, piora nas condições de trabalho e reversão
de direitos sociais, conjugada com grande pressão por aumento da produtividade.
10. Vivemos, portanto, um momento de crise
do capitalismo, o que coloca sobre a mesa o socialismo como alternativa prática.
Um capitalismo que resiste a qualquer reforma, o que coloca sobre a mesa a
necessidade de rupturas revolucionárias.
Um momento de agudização das agressões e contradições inter-imperialistas,
o que repõe a necessidade de alianças táticas e estratégicas entre as
classes trabalhadoras de todo o mundo, a começar por nossa região; e, num outro
nível, coloca a necessidade de alianças táticas ou estratégicas entre governos
que estejam em conflito com os Estados Unidos e seus aliados.
América
Latina e Caribe
11. A América Latina e o Caribe foram
vítimas, entre os anos 1960 e 1990, de governos ditatoriais e neoliberais. Entre
1998 (eleição de Chavez) e 2002 (eleição de Lula), teve início um ciclo
de governos progressistas e de esquerda que, malgrado suas debilidades e
diferenças, apontou num sentido oposto: ampliação do bem-estar e da igualdade
social, ampliação das liberdades democráticas, soberania nacional e integração
regional.
12. A partir da crise de 2008, de seus
efeitos, da ação do governo dos Estados Unidos e da oposição de direita em cada
país, somados aos erros e as limitações das experiências “progressistas e de
esquerda”, abriu-se uma fase de contraofensiva reacionária que vem derrotando
os governos progressistas e de esquerda na região e colocando na defensiva as
forças sociais e partidárias vinculadas aos trabalhadores.
13. Aonde a direita voltou ao governo,
assiste-se não apenas a um retrocesso social, mas também a um retrocesso econômico
e político, bem como a um giro na política externa, que volta a ser subalterna
aos interesses dos EUA.
14. O fato de vários governos progressistas
existirem e se apoiarem uns aos outros foi uma variável importante para um
avanço compartilhado. A ofensiva reacionária age no sentido oposto. Agora, os
povos da região estão chamados a deter a ofensiva reacionária, reconquistar os
espaços perdidos, alcançar novas vitórias, criar as condições para que a Unasul
e a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos voltem a ter
protagonismo no cenário internacional, em favor da paz e de outra ordem
econômica e política internacional. Mas para que os povos da região consigam
isto, será necessário fazer um balanço crítico e autocrítico das análises e
políticas adotadas, dos êxitos e dos erros cometidos, desde os anos 1990 até
hoje. Os que se recusam a fazer este balanço crítico e autocrítico contribuem,
mesmo que sem saber ou querer, com a oposição de direita.
15. Até a crise internacional de 2008, os
governos “progressistas e de esquerda” na região da América Latina e Caribe vinham
conseguindo contornar seus limites, contradições e erros. Mas a partir da crise
internacional de 2008 – especialmente com a deterioração dos preços das
commodities – , a dependência financeira e comercial, a força dos oligopólios –
especialmente estrangeiros – e a debilidade produtiva dos países, governos
e dos Estados da região tornaram cada vez mais difícil a situação dos governos
“progressistas e de esquerda”.
16. Desde 2008, agravou-se um conjunto de
problemas que já vinham se acumulando (fadiga de material, limites e
contradições da estratégia adotada, timidez nas políticas de integração,
políticas macroeconômicas que mantiveram a predominância do setor
agroexportador e o peso do setor financeiro etc.).
17. Neste contexto, as classes dominantes locais e seus aliados
internacionais desencadearam uma “ofensiva geral” contra as conquistas e os
direitos políticos, econômicos e sociais da classe trabalhadora. Esta ofensiva
vêm golpeando duramente a maior parte dos governos comprometidos, em maior ou
menor medida, com a defesa destes direitos. Vale dizer que ao fazer isto, a
classe dominante demonstrou os limites de classe do chamado Estado de Direito.
E mostrou a que servem as ilusões no Estado de Direito, na neutralidade do
Estado, no compromisso republicano ou democrático das classes dominantes.
18. Noutras palavras, a crise internacional
de 2008 funcionou como um catalizador e acelerador de diversos fenômenos,
revelando não apenas a dependência externa continua sendo uma variável
fundamental a superar, através da integração regional, da industrialização, do
fortalecimento do Estado e da soberania nacional, em todos os seus aspectos, do
alimentar à defesa, passando pela comunicação; mas revelando, sobretudo, que a
dominação capitalista também continua sendo uma variável fundamental a superar.
19. O mundo depois de 2008 é diferente do
mundo antes de 2008. Mudaram os alinhamentos entre os Estados, mudou o
comportamento das classes sociais. Frente a uma nova situação estratégia,
estamos chamados a produzir uma nova estratégia.
20. Ontem como hoje, um dos componentes
desta estratégia continuará sendo a integração da América Latina e do Caribe.
Neste diálogo com outros países, o mínimo denominador continuará sendo a
integração regional, o desenvolvimento soberano, a ampliação do bem-estar
social e das liberdades democráticas dos nossos povos. Mas nesta nova
estratégia, será necessário destacar que nossa aspiração e meta é construir uma
Nuestra
América socialista.
Os BRICS
21. Neste contexto de hegemonia
capitalista, crise do capitalismo, ampliação das contradições
intercapitalistas, instabilidade, crise e guerra, a alternativa está em
construir um forte movimento internacional, ancorado nas classes trabalhadoras
e nos setores populares, que consiga não apenas resistir, mas também conquistar
governos, reorientando assim a economia e a politica mundiais.
21. Nesta reorientação, pode voltar a jogar
um papel importante a articulação entre o bloco latino-americano integrado pelo
Brasil e os chamados BRICS, bloco liderado pela China e pela Rússia, integrado
também por Brasil, África do Sul e Índia. Entretanto, é preciso ter claro que os
BRICS não são uma versão moderna do “campo socialista” em conflito
com o “campo capitalista”. Tampouco são uma versão século XXI do “espírito de
Bandung”, que pretenda reeditar o antigo “Movimento dos Países não Alinhados”.
O que os BRICS podem ser, a depender da política que os oriente, é uma aliança
contra o bloco liderado pelos Estados Unidos e, neste sentido e com estes
limites, podem cumprir um papel de contenção e apoio, ainda que parcial. E sem
eliminar as contradições entre os diferentes projetos e políticas que animam
seus integrantes.
Defensiva
estratégia e objetivo final
23. Do ponto de vista mais amplo, nosso
objetivo final é abrir um novo ciclo de experiências de construção do
socialismo, portanto um novo ciclo de tentativas de superar o capitalismo e de
construir uma sociedade comunista. Somos dos que entendem que socialismo é uma
etapa de transição entre o capitalismo e o comunismo.
24. O ciclo anterior de tentativas de
construção do socialismo teve origem na Revolução Russa de 1917, que deu origem
à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). O socialismo estatal
soviético foi capaz de enfrentar o capitalismo hegemônico no mundo até 1945,
sendo o principal responsável pela decisiva derrota do nazismo na Segunda
Guerra Mundial. Foi também capaz de enfrentar o capitalismo hegemônico entre
1945 e 1970. Isto se deve, entre outros, ao esforço da classe trabalhadora, à
supressão da propriedade privada e a adoção do planejamento econômico e social.
Mas o socialismo soviético não foi capaz de enfrentar e muito menos de derrotar
o tipo de capitalismo hegemônico a partir dos anos 1970. Este tipo de
capitalismo surgiu como resposta à crise do capitalismo hegemônico no período
pós-Segunda Guerra; e para superar esta crise, o capitalismo lançou mão de uma
estratégica ofensiva e agressiva, consolidada no chamado “neoliberalismo”.
25. Há um imenso debate acerca da
experiência soviética e, particularmente, acerca dos motivos pelos quais o
socialismo estatal soviético perdeu, a partir de certo momento, a capacidade de
enfrentar o tipo de capitalismo hegemônico a partir dos anos 1970. Nossa
hipótese é que, dentre os vários motivos, devemos destacar o seguinte: o
socialismo estatal soviético perdeu, progressivamente, a capacidade de desenvolver
as forças produtivas em patamares comparáveis com as dos principais países
capitalistas; este baixo desenvolvimento das forças produtivas contribuiu para uma
crescente ineficiência econômica e esta para a insatisfação política; e tudo
isto coincidiu com o momento, nos anos 1970, em que o capitalismo estava dando
um “grande salto adiante”.
26. O socialismo estatal soviético perdeu
“competitividade” exatamente quando o Estado e o capitalismo de Estado mudaram
seu papel nas nações capitalistas. Um socialismo incapaz de desenvolver as
forças produtivas e democratizar as relações de produção não é capaz de
derrotar o capitalismo e tampouco é capaz de chegar ao comunismo.
27. No momento, o “socialismo de mercado
chinês” está conseguindo competir e em alguns terrenos derrotar o capitalismo
que lhe é contemporâneo. Mas as características deste tipo de socialismo
introduzem novos problemas e, inclusive, crescentes riscos de restauração
capitalista, que também motivam um imenso debate no qual a esquerda brasileira
deve acompanhar e participar ativamente.
28. Não temos como saber quanto tempo
durará a fase de defensiva estratégica em que se encontra o movimento
socialista desde os anos 1980 e que teve seu auge nos anos 1989-1991 (Praça da
Paz Celestial, Queda do Muro de Berlim, dissolução da URSS). Também não temos
como antecipar quando e através de que processos terá início uma nova etapa de
ofensiva estratégica do movimento socialista. Muito menos há como prever quando
chegaremos ao objetivo final de uma sociedade comunista, sem classes e sem
Estado, sem opressão nem exploração. A rigor, não há como garantir que o
socialismo triunfará na luta contra a barbárie capitalista. Mas nos cabe lutar
por isto. E é essencial perceber que são as características do capitalismo no
século XXI que determinam as condições de luta pelo socialismo no século XXI,
tanto em termos de estratégia de poder quanto em termos do programa da
transição socialista.
29. Por tudo isto, devemos estar preparados
para um longo processo de luta, que envolverá tanto competição pacífica quanto
conflitos militares entre os Estados capitalistas, bem como entre estes e os
processos comprometidos com uma transição socialista, além do acirramento da
luta de classes em cada país. Assim como devemos estar preparados para um longo
processo de transição socialista, durante a qual coexistirão a propriedade
social e a propriedade privada, o mercado e o planejamento estatal, relações
comunistas e relações capitalistas de produção.
30. Para os marxistas, socialistas e
revolucionários do século XIX, a transição socialista seria relativamente
rápida. Hoje não temos o direito de nos iludir a respeito: a transição
socialista será longa, acidentada, cheia de riscos de derrota e retrocesso. É
com este espírito que deve ser educada – especialmente no que toca aos temas do
socialismo e da estratégia – a militância da esquerda brasileira,
latino-americana e mundial.
31. A militância também deve ser formada na
compreensão de que vivemos uma quadra histórica onde está recolocada a
possibilidade e a necessidade de grandes revoluções socialistas. E onde também
existe o risco de um imenso retrocesso politico, econômico e social. Uma
situação que, no caso do nosso Partido dos Trabalhadores, exige um partido e
uma estratégia para tempos de guerra.
A
estratégia aprovada pelo 6º Congresso do PT
32. Desde 2005 temos defendido a
necessidade de que o PT adote uma nova estratégia e um novo padrão de
funcionamento partidário. Em alguma
medida, esta necessidade foi reconhecida pela resolução sobre estratégia e
programa aprovada pelo 6º Congresso Nacional do PT. Desta resolução, extraímos
os parágrafos a seguir:
As
forças progressistas, inclusive ao reconquistarem o governo federal, deverão
levar em conta o aprendizado recente: se não estiverem preparadas para
enfrentar ataques das elites oligárquico-burguesas à democracia, como resposta
previsível desses setores à perda da direção do Estado, estarão fadadas a
sucessivas derrotas estratégicas. As medidas concernentes vão além de garantir
maioria parlamentar: implicam democratizar o Poder Judiciário, o Ministério Público
e a Polícia Federal, entre outras estruturas de coerção, impedindo seu controle
pela alta tecnocracia ou por nichos corporativos vinculados aos interesses das
classes dominantes.
Esse
processo de democratização inclui o fortalecimento e a reformulação do papel
das Forças Armadas, com sua dedicação exclusiva à defesa nacional e a programas
de integração territorial. Também são imprescindíveis a aplicação das
recomendações prescritas pela Comissão Nacional da Verdade acerca dos direitos
humanos e a alteração dos currículos das escolas de oficiais, expurgando
valores antinacionais e antidemocráticos como o elogio ao golpe de 1964 e ao
regime militar que então se estabeleceu.
Igualmente
deve ser estabelecido novo marco regulatório das comunicações, que acabe com o
oligopólio da mídia e assegure o direito à livre expressão, criando as bases
jurídico-materiais para um modelo plural que incorpore os meios fundamentais de
informação, entretenimento e cultura.
Entretanto,
as medidas adotadas pelo governo usurpador, de ruptura da ordem democrática e
das garantias constitucionais, colocam sob risco a estratégia proposta por
nosso partido desde 1987, particularmente se vier a bloquear, mesmo
momentaneamente, o caminho eleitoral ao comando do Estado. Somente poderemos
enfrentar cenário com essas características se fortalecermos nossas relações
com movimentos, frentes e partidos que tenham seu centro de gravidade na
organização e mobilização popular, para defendermos o processo democrático a
partir da vigilância e da fiscalização das instituições, recorrendo a métodos
de intensa participação social. Para tanto, o Partido dos Trabalhadores deve
recombinar atuação nos parlamentos e executivos com a intensificação da atuação
de seus filiados nos núcleos, diretórios zonais, municipais e estaduais, nos
setoriais, de modo a fortalecer a participação nos sindicatos, organizações
estudantis, culturais e populares, nas entidades de bairro e movimentos
reivindicatórios, ajudando na revitalização da política e da confiança na participação
popular, como instrumento de libertação econômica, social e política das
classes trabalhadoras.
A
formação de uma maioria social, política e eleitoral que sustente nossa
estratégia deve estar ancorada em um programa que responda às angústias do povo
brasileiro e aos entraves para o desenvolvimento nacional com reformas que
desatem os nós impostos pelo capitalismo monopolista e orientem políticas
públicas a serem adotadas ao se reconquistar o governo nacional.
As
reformas estruturais – de cunho democrático, antimonopolista,
antilatifundiário, anti-imperialista e libertário – representam plataforma
capaz de agregar amplas parcelas da população, das classes trabalhadoras aos
pequenos e médios empresários, o mundo da cultura e a juventude, as mulheres e
a população lgbtt, os negros e os índios, os pobres da cidade e do campo.
Trata-se, afinal, de tarefas inconclusas ou negadas pela hegemonia burguesa no
Brasil, cuja realização romperia o dique da superexploração do trabalho, da
exclusão social e da dependência nacional, da plutocracia política e do
autoritarismo estatal, ao mesmo tempo em que se avançaria no rumo de uma
sociedade pós-capitalista.
Tais
propostas buscam abrir a transição para outro sistema econômico-social, dotando
o país de um modelo que, sustentado pelo dinamismo do mercado interno e a
centralidade do consumo coletivo, na forma de obras de infraestrutura e
serviços públicos universais, promova a reindustrialização acelerada, o
desenvolvimento regional, a autossuficiência agrícola, a independência
financeira, a soberania nacional e a integração continental.
A
principal bandeira de nosso programa é a convocação de uma Assembleia Nacional
Constituinte livre, democrática e soberana, destinada a reorganizar
estruturalmente o Estado brasileiro e aprovar reformas que reorganizem suas
bases socioeconômicas e institucionais, dilaceradas pelo governo usurpador. A
democratização das instituições brasileiras é preâmbulo indispensável para as
demais reformas estruturais.
A
política de alianças, incluindo as coalizões eleitorais, deve aglutinar quem
partilhe de uma perspectiva anti-imperialista, antimonopolista,
antilatifundiária e radicalmente democrática. Aponta para um governo encabeçado
pelo PT, Lula presidente, com partidos, correntes e personalidades que
estabeleçam compromisso programático dessa natureza. A consolidação de uma
esquerda antissistema, com clara identidade de projeto, constitui elemento
central de nossa orientação política.
Ao
retomarmos o fio da meada da estratégia democrático-popular, estabelecida ao
longo da história de nosso partido, enriquecida pelas lições do período de
governo e atualizada aos novos problemas nacionais, o Partido dos Trabalhadores
reafirma seu compromisso com a construção do caminho brasileiro ao socialismo e
com a luta do povo brasileiro por sua plena emancipação.
Nem conciliação, nem republicanismo
33. Independentemente do acordo maior ou
menor do acordo que tenhamos com cada frase do trecho citado anteriormente,
estamos de acordo com o sentido geral do que é dito nesta resolução sobre
estratégia e programa do 6º Congresso Nacional do PT.
34. A resolução detalha, noutras passagens,
várias das ações imprescindíveis que um governo popular deveria adotar, por
exemplo, na legislação que regula os processos eleitorais, na comunicação, na
educação e cultura, da justiça, nas forças armadas e segurança pública.
35. Agregamos que a experiência recente, no
Brasil e na América Latina, mostra que não apenas é necessário mudar, como é
necessário fazer isto rápido, pois está provado que a reação conservadora pode
demorar mais ou menos, mas é inevitável, não importa o quanto sejamos “moderados”
e “republicanos” no exercício do governo.
36. Portanto, trata-se de abandonar
completamente qualquer ilusão no “republicanismo” que – mesmo quando professa o
contrário – na prática trata o aparato de Estado como neutro. Mais do que isso,
é preciso compreender que o Estado possui uma natureza de classe; e do que
precisamos é de um Estado que não seja, como o atual, construído e controlado
pela classe dos capitalistas.
37. É este Estado, mais exatamente setores dele,
como as forças armadas ontem e o complexo judiciário hoje, quem reage em defesa
da classe dominante, toda vez que esta considere que está em risco seu poder e
sua propriedade.
38. Na história do Brasil, os golpes
preventivos e a repressão sistemática, legal e ilegal, têm sido as formas
geralmente assumidas pela reação. Por isto, uma estratégia da classe
trabalhadora – qualquer que seja o caminho adotado para construir e conquistar
o poder – precisa necessariamente levar em conta a necessidade permanente de
derrotar a classe dominante, até que ela perca esta condição. Precisamos de um Estado
sob controle das classes trabalhadoras.
39. As chances de êxito nesta luta
dependem, na essência, da consciência política e do apoio organizado que
tivermos na maior parte da população brasileira, que é composta por
trabalhadores assalariados. Neste sentido, o êxito de uma nova estratégia
dependerá não apenas do acerto das novas formulações, mas também da reconexão
entre o Partido e os setores populares, em particular a classe dos
trabalhadores assalariados.
40. A orientação estratégica esboçada na
resolução do 6º Congresso do PT e também esboçada nos parágrafos anteriores é,
ao mesmo tempo, uma especulação e um parâmetro. É uma especulação, no sentido
de que a luta de classes pode conduzir para caminhos totalmente diferentes. É
um parâmetro, no sentido de que fornece balizas do que pretendemos fazer. Sem
estas balizas, o mais provável é que prevaleça o senso comum dominante – que
tanto estrago causou desde 1995 e mais ainda desde 2003.
41. Para evitarmos isto, será necessário:
a) a compreensão o mais científica que for possível acerca das classes e da
luta de classes, tal como existem na sociedade brasileira hoje, muito diferente
do que existia em 1980 ou em 2002; b) a prioridade absoluta para o trabalho
cotidiano junto às classes trabalhadoras, na ação de governos e parlamentares,
na pauta das instâncias, na criação de núcleos por local de trabalho e moradia,
na organização da juventude e das mulheres trabalhadoras, no fortalecimento da
CUT e do trabalho sindical; c) uma linha política e um trabalho de comunicação
diário, voltado à conscientização, organização e mobilização das classes trabalhadoras;
d) o desenvolvimento de novas “técnicas” de trabalho de massa, especialmente
aquele voltado aos setores da classe trabalhadora que estão excluídos do
mercado de trabalho, aos que atuam em categorias de alto nível de terceirização
e rotatividade, aos que não conheceram a fase de auge do sindicalismo
combativo; e) a preparação do Partido e das organizações sindicais e populares
para uma etapa da luta de classes em que a classe dominante lançará mão, de
maneira combinada ou não, ações de desmoralização midiática, repressão estatal,
agressões para-militares e mobilização de natureza fascista; f) a completa
formulação e aplicação de uma estratégia e de um funcionamento partidários de
novo tipo, “para tempos de guerra”.
O
trabalho cotidiano
42. A única forma de conter a ofensiva
estratégica reacionária e vencer as batalhas táticas consiste em transformar a
maior parte do povo brasileiro numa força cujo poder de mobilização seja capaz
de impor derrotas às diversas frentes (governamental, parlamentar, judiciária
etc.) de atuação dos que pretendem liquidar os direitos políticos e sociais
democráticos e a soberania nacional.
43. Por reconhecer isto, grande parte da
esquerda brasileira voltou a falar de “trabalho de base”. No entanto, não há
consenso acerca de como chegamos à situação atual, no que ela consiste e que
medidas adotar. Como tantas outras palavras e termos, “trabalho de base” corre
o risco de virar um chavão.
44. Até mesmo o PT não está, hoje,
enraizado como deveria no seio das classes populares, seja em seus locais de
trabalho ou de moradia. Em consequência, o trabalho de organização dessas
classes para lutar por seus direitos elementares foi relativamente abandonado,
perdendo-se grande parte dos laços orgânicos que existiam entre o partido e
aquelas camadas sociais. E a influência de Lula pode ser neutralizada se a
ofensiva reacionária de prendê-lo e impedir sua candidatura tiver sucesso.
45. A atualmente frágil relação orgânica
entre a esquerda e os contingentes sociais que constituem as principais massas
populares se deve, em grande medida, ao fato da esquerda haver abandonado ou
enfraquecido seu trabalho com base em núcleos de locais de trabalho, estudo e
moradia como os principais instrumentos de organização e de ação social.
46. A ausência de organizações de base da
própria esquerda enfraquece, por sua vez, o trabalho nas organizações de massa
(sindicatos, movimentos, em certa medida o próprio PT). Não há hoje e não há
faz certo tempo, um esforço contínuo para estabelecer, enraizar e desenvolver as
diversas formas de organização de base da sociedade e participar ativamente
delas para a conquista e manutenção dos direitos, a partir dos elementares.
47. Como resultado, as lutas e mobilizações
massivas muitas vezes fazem grandes barulhos, mas apresentam pouca eficácia.
Não é raro que as mobilizações sejam espontâneas, mal planejadas e com reduzido
potencial, o que permite à repressão policial não só atacá-las, mas infiltrar
agentes seus para realizar quebra-quebras e desmoralizar as manifestações.
48. Em tais condições, mesmo que o Partido
venha a adotar uma estratégia e táticas corretas para o momento histórico que o
Brasil atravessa (outra condição essencial para barrar a ofensiva reacionária),
sem núcleos atuantes e estreitamente ligados às organizações democráticas e
populares de todos os tipos, não será possível derrotar as forças reacionárias
e garantir a preservação dos direitos democráticos e populares.
49. Será necessário, então, correr contra o
tempo para reestabelecer fortes laços com as organizações sociais de base e se
empenhar na criação dessas organizações onde elas não existam, tendo como eixo
principal a luta pelos direitos sociais básicos, de modo a evitar que se
concretize o perigo deles serem completamente tratorados pela ofensiva reacionária.
50. Faz-se necessário, portanto, um
trabalho consistente no sentido de, através da própria luta, elevar a
consciência política e ampliar a participação massiva do povo, refletindo seus
anseios, defendendo-os e transformando-os numa ação poderosa.
A
estratégia realmente aplicada
51. As resoluções do 6º Congresso deram um
primeiro passo no sentido apontado anteriormente. Mas o Partido está muito
longe de ter incorporado e introjetado de maneira consciente o que ali foi
aprovado.
52. Em nossa opinião, a imensa maioria do
Partido (e não apenas o grupo majoritário) entrou e saiu do Sexto Congresso com
a mesma orientação estratégica anterior. A saber: o central seria preparar a
disputa das eleições de 2018. Sendo assim, o que na melhor das hipóteses decorre
daquelas resoluções é uma radicalização tática, não uma
reorientação estratégica.
53. Aliás, o otimismo exagerado com que a
tendência O Trabalho avaliou os resultados do Sexto Congresso do PT vem do fato
deles considerarem que a natureza estratégica do PT decorre principalmente de suas
(do Partido) ações táticas, ou que um “acerto progressivo e cumulativo na
tática” nos conduzirá inevitavelmente a um “ajuste estratégico”.
54. Claro que a reorientação estratégica de
um partido de massas não pode ser medida apenas, nem principalmente, pelas
resoluções aprovadas em seus congressos e reuniões de direção. A reorientação
estratégica de um partido de massas precisa se traduzir na ação prática de
centenas de milhares de pessoas, nos movimentos sociais, nas instâncias
partidárias, nos governos, nos parlamentos, no debate de ideias. Ou seja, essa
reorientação estratégica precisa se traduzir em medidas práticas que permitam conquistar
a maior parte da classe trabalhadora.
55. Acontece que uma radicalização tática –
como a que está ocorrendo com parte do PT hoje – não necessariamente
corresponde, decorre ou conduz a uma radicalização estratégica.
56. A este respeito, lembramos o ocorrido
com o Partido Comunista em 1947: depois de ver cassada sua legenda e os mandatos
de seus parlamentares, o PC adotou no Manifesto
de Agosto de 1950 uma linha de ultraesquerda, mas sem abandonar a
estratégia de revolução em duas etapas. Inspirado naquela linha tática
radicalizada do Manifesto de Agosto, fez dura oposição ao governo Vargas. Anos
depois, inclusive sob o impacto da reação de massa ao suicídio de Vargas, o PC
mudou de linha, adotou a tática moderada expressa na chamada Declaração de Março de 1958 e na postura
frente à candidatura presidencial e ao governo de Juscelino. Tudo isto,
novamente, sem mudar a estratégia, que seguiu intocada.
57. No caso do PT, o 6º Congresso aprovou uma
resolução que – ao menos formalmente – aponta para uma reorientação estratégica.
E as resoluções táticas adotadas pelo 6º Congresso também apontam, em tese,
para esta nova estratégia. Mas a maneira como estas resoluções foram aprovadas,
o comportamento prático do Partido e a atitude do grupo majoritário revelam que
estamos diante de uma reorientação e radicalização de natureza tática, não de
uma verdadeira reorientação estratégica. E que muito facilmente podem se
converter no contrário: num movimento de moderação tática e estratégica ainda
mais profundo, como está implícito nas formulações cada vez mais republicanas
de certos setores do partido.
58. Um giro deste tipo – uma radicalização
tática servindo de preâmbulo para uma moderação ainda maior – não seria inédito
na história do movimento socialista. E, no caso do PT, seria facilitada pelo
fato de alguns setores não considerarem que um partido como o nosso possa ou
deva elaborar formulações estratégicas e programáticas de longo alcance. Estes
setores agem como se o limite na disputa do PT fossem as formulações de
natureza tática. Evidentemente, não é o nosso caso: achamos necessário que o
PT, sem perder o caráter de massas e de pluralidade que o caracterizam, seja
capaz de debater e formular sobre as questões de médio e longo prazo. Não como
pré-requisitos doutrinários, mas por que o enfrentamento adequado do curto
prazo muitas vezes pressupõe – especialmente num momento como o atual – definições mais amplas.
59. O fato do 6º Congresso ter resultado de
fato tão somente em uma radicalização tática é duplamente grave: grave porque a
situação de conjunto exige uma reorientação estratégica; e grave porque uma
radicalização tática, se não estiver acompanhada de uma reorientação
estratégica, pode levar o Partido a uma derrota política e acompanhada
da perda de base social e militante, podendo inclusive servir posteriormente
para “justificar” uma guinada à direita (como aconteceu com o PCB, no caso
citado anteriormente: o isolamento causado pela política do Manifesto de Agosto
de 1950 serviu de justificativa adicional para o giro à direita da Declaração
de Março de 1958).
60. Alguns integrantes da cúpula do grupo
majoritário acham que uma orientação estratégica mais radical nos levaria ao
isolamento. Mas, ao mesmo tempo, são empurrados para uma radicalização no
terreno da tática. E não percebem que, sem uma nova orientação estratégica, uma
radicalização exclusivamente tática poderá ter as mesmas consequências que eles
acham que adviriam de uma radicalização na estratégia: conduzir ao isolamento.
61. Por outro lado, a radicalização do
discurso de algumas lideranças e setores do PT nem sempre vem acompanhada da
radicalização nas demais dimensões da ação prática. Inclusive porque segue presente
a crença de que haveria setores da burguesia dispostos a criar “pontes”,
portanto segue presente a fé na boa e velha conciliação. Podemos discutir se há
ou não há setores conciliadores na burguesia; ou discutir se estes setores
existem, mas não tem a força e o peso necessários para predominar. O que nos
parece essencial dizer é que hoje – e enquanto durar o atual momento da luta de
classes –, não há mais, da parte dos setores hegemônicos da classe
dominante, disposição para acordos e conciliação.
62. Como prova de que estamos diante de uma
reorientação e radicalização de natureza tática, chamamos a
atenção para o que ocorreu antes, durante e depois do Congresso, nas bases e setores
intermediários de grande parte do PT: as movimentações de sempre, visando
disputar as eleições 2018, procedendo em geral como se nada tivesse ocorrido e
como se nada de extraordinário pudesse ocorrer.
63. Chamamos a atenção, também, para o
cotidiano das instâncias partidárias, majoritariamente envolvidas no rame-rame
burocrático. E para a postura majoritariamente passiva das direções do PT
frente aos desafios e às polêmicas do movimento sindical, do movimento
estudantil, das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Como se estes desafios
e polêmicas fossem possíveis de resolver sem que o maior Partido da esquerda
brasileira chame para si o debate a respeito.
64. Chamamos a atenção, principalmente, para
a perceptível falta de clareza sobre o que alguns chamam de “golpe dentro do
golpe”.
Eleições
2018, tática e estratégia
65. O exemplo mais claro de que não houve
uma reorientação estratégica está no debate sobre a candidatura Lula. Havia
quem acreditasse que Lula não seria condenado em primeira instância. Há quem
acredite que certamente haverá justiça na segunda instância. Há quem acredite
que os demais processos não serão julgados em tempo de impedir a participação
de Lula nas eleições. E há quem acredite que a perseguição judicial-midiática
não será capaz de produzir uma tal desmoralização e rejeição que impeça nossa
vitória eleitoral.
66. Para quem acredita parcial ou
totalmente nisto que acabamos de descrever, a correta afirmação de que “eleição
sem Lula é fraude” seria apenas um artifício retórico para pressionar os
golpistas e dialogar de alguma forma com nossa base social.
67. No fundo, é como se pensassem que o
cenário mais provável seria o seguinte: Lula será absolvido, fará campanha,
vencerá as eleições, governará e tudo voltará aos seus eixos. Motivo pelo qual
já dedicam boa parte do seu tempo a preparar, nos estados, suas campanhas e
coligações eleitorais, inclusive com os partidos golpistas.
68. Pelo mesmo motivo, já há os que emitem
sinais de que o futuro governo Lula permitirá o regresso aos ”bons tempos”,
inclusive para os capitalistas, que também estariam preocupados com a crise e
saudosos da época em que o governo Lula estimulava o crescimento econômico.
69. Sem falar daqueles que acreditam nos
efeitos curativos da reforma política ora em curso, de conversas com FHC, com
os militares, com os supostos “setores democráticos e progressistas” da
burguesia. Ou até mesmo em reuniões com Temer, como chegaram a fazer
governadores do PT.
70. Ao mesmo tempo, outros setores do
Partido, calculando que o mais provável é a condenação em segunda instância, já
começam a articular candidaturas presidenciais alternativas, sem perceber que a
mesma interdição que paira sobre Lula, também paira sobre o conjunto do PT. O
que explica, aliás, a ofensiva violenta que parte do golpismo está promovendo
contra a presidenta do Partido.
71. Por tudo isto, tanto a candidatura de
Lula quanto qualquer outra candidatura que possa ser lançada pelo PT – assim
como a hipótese de boicote à fraude eleitoral – precisam estar subordinadas e
ao serviço de uma nova estratégia política.
Defensiva
estratégica e contradições no golpismo
72. A
classe trabalhadora brasileira está num momento de defensiva estratégica.
Noutras palavras, nossa prioridade é defender os direitos sociais e políticas
públicas, as liberdades democráticas e a soberania nacional, que estão sendo
atacadas pela coalizão golpista.
73. O tempo
que vai durar este momento de defensiva estratégia e os caminhos pelos quais ele
será superado dependem das lutas politicas e sociais que estão em curso, das
escolhas estratégicas das diferentes forças organizadas que disputam os rumos
de nossa sociedade, bem como dos impactos que a situação internacional tenha
sobre o Brasil.
74. A coalizão golpista tem unidade
estratégica em torno de três objetivos: reduzir o salário direto e indireto
pago para a classe trabalhadora; reduzir as liberdades democráticas; alinhar o
Brasil com a política externa dos EUA e seus aliados.
75. Desde o golpe até hoje a coalizão vem
conseguindo implementar seu programa. Exemplos disto são a contrarreforma
trabalhista e da previdência, a PEC que estabelece um teto para as políticas
públicas e sociais, a mudança da lei da partilha e da venda de terras aos
estrangeiros, entre outras medidas reacionárias.
76. Entretanto, a coalizão golpista
enfrenta dificuldades devem ser utilizadas pela classe trabalhadora, na
perspectiva de interromper a ofensiva, reverter e derrotar o golpismo.
77. As dificuldades começam pelo cenário
internacional, marcado por uma situação de crise que não oferece perspectivas
de curto prazo de retomada da atividade econômica, nem oferece vantagens
especiais para quem optou por uma aliança preferencial com os Estados Unidos.
Ademais, é preciso considerar que a situação internacional pode evoluir para
uma situação de crises e de guerras mais profundas do que aquelas que
assistimos desde o fim da URSS.
78. As dificuldades incluem a resistência
que a classe trabalhadora vem oferecendo contra o golpismo, através de lutas e
mobilizações, na rejeição ao presidente usurpador e na crescente intenção de
voto em Lula.
79. As dificuldades envolvem, também, as
divisões internas da coalizão golpista, algumas vinculadas à “partilha do
botim”, outras relacionadas a diferenças políticas de variados tipos, inclusive
sobre como lidar com os efeitos colaterais da Operação Lava Jato sobre
lideranças políticas das próprias elites. Um exemplo disso foi a divisão da
base do governo Temer, na votação sobre o pedido de autorização feito pela PGR
para processar o presidente usurpador.
80. Embora não tenham resultado na
interrupção da ofensiva, nem na derrubada do governo golpista, estas
dificuldades podem se avolumar e desembocar numa derrota eleitoral das
candidaturas vinculadas ao golpismo. Podem, inclusive, desembocar numa vitória
de Lula.
81. Por isto a coalizão golpista vem
buscando maneiras de interditar a candidatura Lula, inviabilizar o
funcionamento do PT, dificultar a ação do movimento sindical, criminalizar a
resistência popular e bloquear as brechas eleitorais da esquerda, por exemplo
através do parlamentarismo, do voto distrital ou do chamado “distritão”, bem
como vitaminando candidaturas populistas de direita, como Dória e Bolsonaro.
82. A coalizão golpista pretende não apenas
implementar, mas também estender pelo máximo de tempo, e se possível perpetuar
como cláusulas pétreas constitucionais, o essencial do programa da “ponte para
o futuro”. A classe trabalhadora tem o objetivo oposto: derrotar o mais rápido
possível o golpismo. Mas para que isso ocorra, será preciso combinar a máxima resistência tática com uma reformulação estratégica.
A máxima
resistência tática
83. Os anos de 2017, 2018 e 2019 serão de
imenso conflito, em âmbito nacional, regional e mundial. A dúvida é saber em
que condições a classe trabalhadora brasileira participará deste conflito: se
na condição atual, de defensiva; ou se conseguiremos retomar a ofensiva com a
reconquista do governo federal, por exemplo.
84. Vivemos, portanto, num daqueles
momentos em que a tática e a estratégia fazem um nó, ou seja: da solução de
questões táticas, derivarão condições muito diferentes para enfrentar um
determinado cenário estratégico.
85. A tática na luta contra o golpismo
envolve: a) o trabalho cotidiano de organização e conscientização da classe trabalhadora;
b) as lutas e mobilizações de massa; c) a construção e defesa das organizações
populares, inclusive da Frente Brasil Popular; d) a defesa do PT e de Lula, em
particular do nosso direito de tê-lo como candidato à presidência da República;
e) a oposição radicalizada ao governo Temer e seus aliados, expressa nas
palavras de ordem Fora Temer e Diretas Já; f) a luta em defesa dos direitos
ameaçados pelas contrarreformas e o compromisso de lutar pela sua revogação,
através da eleição de Lula e da convocação de uma Assembleia Constituinte.
86. A resistência em defesa dos direitos,
ao menos até agora, não teve êxito. Seja por conta dos golpistas terem uma
maioria institucional consolidada, seja por conta da mobilização insuficiente,
que em alguma medida está vinculada à inércia da dinâmica eleitoral (desde 1989,
grande parte do país, da esquerda e da classe trabalhadora se acostumaram com
isto), a tendência é que a resistência em defesa dos direitos desemboque nas
eleições de 2018, onde também o golpismo poderá ser “legitimado” ou derrotado
nas urnas.
87.Os golpistas tem à sua disposição duas
táticas para enfrentar 2018: a) a de buscar interditar a vitória eleitoral da
esquerda e b) a de buscar derrotar eleitoralmente a esquerda.
Já a esquerda, embora disponha de várias táticas, só dispõe de uma com
potencial de vitória eleitoral em 2018: a candidatura, a campanha e a eleição
de Lula presidente da República.
88. Caso a direita interdite Lula, qualquer
que seja a reação da esquerda, as chances de vitória eleitoral em 2018 serão
muito reduzidas. Caso a direita não interdite Lula, as chances de vitória
eleitoral da esquerda aumentam muito. Mas mesmo assim, a eleição de Lula está
longe de ser o único cenário. Alternativas como novo golpe e a vitória eleitoral
da direita estarão também colocadas. Motivos pelos quais devemos:
a) insistir na mobilização de massas em
defesa dos direitos. Mesmo que não tenhamos êxito imediato, isto acumula forças
para uma vitória na batalha eleitoral e, mesmo em caso de derrota em 2018,
acumula forças para a resistência posterior. Neste sentido, é importante
retomar a perspectiva de um trabalho paciente e em profundidade capaz de
retomar o movimento por uma greve geral capaz de barrar a continuidade dos
ataques aos direitos dos trabalhadores, sendo a “reforma da previdência” a
próxima batalha. Cabe também detalhar e massificar a compreensão dos efeitos
devastadores da recém aprovada “reforma trabalhista”, disputando a versão
mistificadora que vem sendo propagandeada pelo governo e pela grande mídia;
b) radicalizar o tom e a atitude na
resistência, inclusive no parlamento, onde devemos tomar como parâmetro mínimo
de atuação a atitude das três bravas senadoras que ocuparam a mesa do Senado.
Contra a violência, a desobediência civil é mais do que legítima, é necessária
e recomendável sempre e quando seja compreensível para o povo;
c) esclarecer a população sobre o perigo
contido nas alternativas postas pela direita (por exemplo, Bolsonaro e Dória);
89. Cabe, também, evitar as armadilhas postas
para o PT no debate sobre a possível interdição de Lula. Duas destas armadilhas
são as seguintes:
a) naturalizar a interdição, como se fosse
algo banal, frente ao que o PT deveria agir com naturalidade, lançando ou
apoiando outro nome. Pensamos o oposto: não se trataria de algo banal.
Interditar Lula, assim como a possível adoção do parlamentarismo e o fim do
voto proporcional, seria uma violência imensa contra a democracia, contra a
esquerda, contra a possibilidade dos setores populares voltarem a governar o
Brasil. Nossa reação a isto, caso venha a ocorrer, não pode e não deve ser
banal;
b) considerar que a interdição é inevitável
e, portanto, preparar desde já as alternativas. Pensamos o seguinte: a
interdição é muito provável e devemos nos preparar. Mas “nos preparar” não pode
significar nada que naturalize e banalize a violência cometida contra nós, nem
tampouco podemos abrir mão de lutar até a última possibilidade.
90. Reiteramos não existir “plano B”: eleição
sem Lula é fraude. E é muito complexo decidir o que fazer diante de uma
fraude. A esse respeito, basta dizer que – caso a interdição venha mesmo a
ocorrer, esgotadas todas as alternativas – o PT teria diante de si três grandes
alternativas: o boicote (ativo ou passivo, geral ou parcial); o lançamento de
outra candidatura petista; o apoio à alguma candidatura de outro partido.
91. O boicote é uma alternativa legítima,
no cenário de uma interdição. Afinal, o efeito prático da interdição seria
facilitar e no limite legitimar a vitória da direita. Como já foi dito,
“eleição sem Lula é fraude” e participar ajudaria, em alguma medida, a
legitimar a fraude.
92. Falando em tese e tomando como base
experiências de outros países, um boicote poderia ser parcial (apenas à eleição
presidencial) ou geral (para todos os cargos em disputa); poderia ser passivo
(orientar o voto nulo e/ou o não comparecimento) ou ativo (trabalhar para que
as pessoas não votem).
93. Entretanto, a julgar pela experiência
brasileira, mesmo aquela ocorrida na época da ditadura militar, as chances de
êxito de um boicote são baixas. Salvo num cenário de boicote ativo e
generalizado, um boicote não impediria que alguém fosse eleito presidente da
República. Há que se verificar, também, que impacto teria um boicote parcial
sobre nossas candidaturas a governos estaduais e parlamentos. Por tudo isto,
ainda que reiteremos tratar-se de uma alternativa legítima, trata-se de um
debate complexo, com muitas variáveis, entre as quais o estado de ânimo do
Partido, do nosso eleitorado e da população em geral.
94. Caso a interdição venha mesmo a
ocorrer, esgotadas todas as alternativas, o lançamento de outra candidatura
petista também seria uma alternativa a considerar. Aliás, tanto a mídia
oligopolista quanto setores do Partido já vem projetando alguns nomes.
Entretanto, além disto poder legitimar a fraude, há que considerar que dentre
os nomes lembrados, não há candidatura melhor que a de Lula, seja do ponto de
vista eleitoral, seja do ponto de vista político-programático. Aliás,
dificilmente uma candidatura alternativa poderia ser escolhida, sem que
houvesse uma disputa interna, aberta ou não. Finalmente, numa eleição que “sem
Lula é uma fraude”, uma candidatura alternativa seria “para valer” ou seria uma
anti-candidatura de protesto?
95. O apoio uma candidatura de outro
partido apresentaria problemas semelhantes (legitimação da fraude; nenhuma alternativa
é melhor que Lula; haveria disputa; seria “de protesto” ou “para valer”?), com
um agravante: o PT estaria sendo levado a ajudar a construir uma alternativa a
si mesmo, enquanto partido que desde 1989 hegemoniza de fato a esquerda
brasileira.
96. Portanto, reiteramos que nossa
orientação é:
a) insistir na mobilização de massas em
defesa dos direitos;
b) radicalizar o tom e a atitude na
resistência;
c) esclarecer a população sobre os perigos;
d) não banalizar a violência que se está
praticando, nem aceitar o debate sobre o “plano B”;
e) não abrir mão de lutar até que a última
possibilidade esteja esgotada. Só neste cenário, caberia discutir o que fazer,
levando em consideração não apenas os efeitos táticos da opção, mas também os
seus efeitos estratégicos, que devem ser coerentes com uma nova orientação
estratégica, que abandone a política de conciliação de classes, retomando a
defesa de um programa de reformas estruturais articulado com o socialismo.
Retomando
o debate sobre a estratégia
97. Além das questões mencionadas
anteriormente, cabe perguntar que perspectiva de médio prazo há para uma
estratégia de tipo eleitoral, ancorada essencialmente na figura de Lula,
especialmente levando em conta a possibilidade de o Congresso derrotar (agora
ou numa próxima reforma eleitoral) o sistema proporcional, adotando no seu
lugar o distritão ou o voto distrital misto, este último aliás respaldado por
um deputado petista que nem a bancada, nem o Partido, desautorizaram e puniram
como se deveria.
98. Ainda neste contexto, o que será do PT
caso prossiga o processo de interdição legal do Partido? Cabendo lembrar que
não está descartado que a interdição se estenda, além do próprio PT, ao
conjunto da esquerda. Ademais, que atitude o Partido adotará frente ao futuro
governo, caso vençam os beneficiários da fraude denunciada por nós? Finalmente:
se apesar de tudo conseguirmos disputar e vencer as próximas eleições presidenciais,
o que faremos para viabilizar as diretrizes programáticas aprovadas no Sexto
Congresso do PT? Ou deixaremos de lado este programa, sob argumentos os mais
variados, na torcida de que fazendo isto os golpistas não agirão contra Lula
como agiram contra Dilma? E o que faremos, face a esta última hipótese, diante
do risco de ver parcelas expressivas da classe trabalhadora reagirem da mesma
forma como reagiram em 2015? Em qualquer dos cenários, o que faremos para
recompor nossos laços com a classe trabalhadora? Como imaginamos que agirão os
outros setores da esquerda, a começar por aqueles que pública e legitimamente
disputam a herança do PT? Finalmente, mas com destaque: como imaginamos os
próximos anos e décadas, no cenário regional e mundial? Qual será nossa
política internacional, estando no governo ou fora dele?
99. Debater estas questões todas conduz ao
reconhecimento de que a estratégia de mudança sem ruptura, ancorada numa via de
acesso ao governo através da disputa eleitoral, está diante de limites que são
intransponíveis nos seus próprios termos. Ou seja: a estratégia de mudança sem
ruptura não permite enfrentar e superar os dilemas postos pela atual situação.
Não permitiu antes, quando vivíamos uma situação muito mais favorável; e não
permitirá agora, quando estamos no curso de uma crise econômica, social e
política de grandes proporções.
100. Nenhuma das questões acima
relacionadas é tática, eleitoral ou setorial. Nenhuma delas se resolve
debatendo isoladamente “programa”, especialmente quando este é entendido como
lista de reivindicações. Aliás, nos últimos meses houve uma verdadeira inflação
de “programas”, mas prossegue a escassez de formulações estratégicas. Claro que
o programa não pode nem deve ser negligenciado. Mas ele não pode ser descolado
das formulações estratégicas e táticas.
101. No limite, as questões estratégicas
apontadas só podem ser resolvidas na prática, até porque a luta política em
escala nacional, regional e mundial possui conexões que podem resultar em
mudanças no próprio cenário estratégico. Por exemplo, se houver uma guerra de
proporções maiores do que as que foram habituais no pós-Segunda Guerra ou no
pós-colapso da URSS.
102. Seja como for, não podemos continuar
subestimando as mudanças no comportamento do grande capital, aqui no Brasil e
em todo o mundo; e, portanto, não podemos continuar subestimando a necessidade
de uma reorientação estratégica do Partido. Especialmente se levamos a sério a
necessidade de levantar o estado de ânimo, de mobilização e de luta da classe
trabalhadora brasileira.
103. Não foi apenas a classe dos
capitalistas que mudou sua atitude frente ao PT e nossos governos. Também uma
parte da classe trabalhadora mudou de atitude, mudança que para nós tem efeitos
muito mais graves. E que nos leva a reafirmar que uma de nossas principais
tarefas é reconquistar aqueles setores da classe trabalhadora que se afastaram
de nós.
104. Mas a solução prática das questões
estratégicas acima relacionadas será mais fácil ou mais difícil, a depender de
nossa maior ou menor capacidade de formular um pensamento estratégico. Neste
particular, a questão chave é: como acreditamos que deveria e poderia ser nosso
caminho para o poder e para o socialismo? E no que ele pode e deve se
diferenciar do caminho trilhado pelo PT entre 1995 e 2016?
A estratégia
que foi superada
105. Desde sempre combatemos; mas desde 2005
temos, além de combatido, afirmado estar superada a estratégia adotada desde
1995 por nosso Partido – estratégia que nós sintetizamos com a expressão mudanças
sem rupturas – e que, num debate mais rigoroso,
dizíamos não ser nem mesmo uma estratégia (categoria que pressupõe a disposição
de conquistar o poder), mas sim uma linha política cujo objetivo máximo era
conquistar governos.
106. Com aquela linha, o PT conseguiu
vencer as eleições presidenciais de 2002; mas já naquela época opinávamos que,
com aquela linha política, o PT não conseguiria iniciar nem realizar transformações
profundas, nem conseguiria manter-se no governo. A chamada “crise do mensalão” foi
vista por nós como um sinal da necessidade de mudar a linha do Partido.
107. Tentamos vencer o PED de 2005, para, a
partir da direção nacional do PT, implementar outra estratégia. Mas fomos
triplamente derrotados.
108. No PED 2005, ficou claro que o grupo
majoritário do Partido se dispunha no máximo a fazer uma inflexão na política
anterior.
109. Ficou claro, também, que parte
importante da esquerda partidária optara por substituir a estratégia
democrático-popular articulada com o socialismo, pela defesa de uma revolução
democrática com republicanismo.
110. Também ficou claro que uma minoria da
esquerda entendia que o PT estava superado e preferia sair do Partido a
continuar disputando seus rumos.
111. A inflexão política feita pelo grupo
majoritário do Partido, a partir do PED de 2005, teve êxito relativo. Uma prova
disso é que vencemos as eleições presidenciais de 2006 e de 2010. Outra prova,
ainda mais importante, é que melhorou a vida do povo.
112. No que consistia aquela inflexão
política? Consistia, essencialmente, em retomar o espírito da resolução aprovada
no congresso realizado pelo PT no ano de 2001.
113. Ou seja, a inflexão consistiu em sair
da orientação da Carta aos brasileiros (aliança preferencial com o capital
financeiro, simbolizada pela presença, na presidência do Banco Central, do
deputado federal recém-eleito pelo PSDB Henrique Meirelles, ex-presidente do
Bank of Boston) e regressar à orientação estabelecida pelo documento Uma
ruptura necessária (que previa uma aliança com setores “produtivos” da
burguesia, simbolizados pela presença de José Alencar na vice-presidência da
República).
114. Ambas orientações eram variações de
uma linha politica que pressupunha uma aliança com os capitalistas. Sendo que a
variante
Carta aos brasileiros era mais conservadora (perpetuava a hegemonia
neoliberal), enquanto a variante Uma ruptura necessária era mais
progressista (ampliava o espaço das políticas sociais e de desenvolvimento).
115. Mas aquela inflexão política tinha
dois limites. Por um lado, não implicou numa ruptura total com a política da Carta
aos brasileiros. Duas provas disto: o oligopólio financeiro continuou
intocado e Henrique Meirelles continuou presidindo o BC até 2010. Por outro
lado, como o grande capital industrial é altamente vinculado ao setor
financeiro, os limites econômicos e políticos explícitos na variante
Carta aos brasileiros mais cedo ou mais tarde também se verificariam
quando da aplicação da variante Uma ruptura necessária.
116. Teríamos êxito, caso o Partido tivesse
adotado outra estratégia já em 2005? Não sabemos e não há como saber.
Entretanto, sabemos que a inflexão feita, naquele ano, na linha política do
Partido permitiu uma melhoria substancial nas condições de vida do povo, sem
que para isso tivessem sido feitas reformas estruturais. Permitiu, inclusive,
enfrentar em melhores condições a crise internacional de 2008.
117. Destes e de outros fatos, o grupo
majoritário do Partido parece ter extraído a seguinte “lição”: as reformas
estruturais não seriam assim tão “estruturais”, “estratégicas” e “indispensáveis”.
118. Embasado naquela “lição”, o grupo
majoritário reafirmou sua crença de que seria possível ampliar o bem-estar, a
democracia, a soberania e a integração, sem fazer transformações estruturais,
sem fazer rupturas.
119. Portanto, ao aplicar a variável
Uma ruptura necessária, o grupo majoritário voltou a acreditar na
possibilidade de fazer mudanças sem rupturas.
120. Ou, no caso daqueles mais fiéis à
retórica rupturista que marcou o PT dos anos 1980, apresentavam cada medida
adotada pelo governo como a “ruptura possível”, “a ruptura realmente
existente”. Sempre destacando que não seria no tempo de duração de um ou dois
ou três ou até quatro mandatos presidenciais, que se conseguiria mudar a
herança de séculos de história. Afirmação que desconsidera o fato de que as
grandes mudanças de rumo são feitas em pouco tempo, mesmo quando sua
materialização completa demanda muito tempo.
121. Qual lugar o socialismo ocupava nesta
estratégia? Isto dependia do que cada um entendia como sendo o socialismo.
122. Os que entendiam socialismo como um sistema
de valores ou, ainda, como bem estar social com democracia,
consideravam que o socialismo já estava em marcha (como chegou a afirmar a
primeira versão do documento apresentado ao PED de 2005 pela tendência Construindo
um Novo Brasil).
123. Os que entendiam que socialismo é uma
sociedade em que os principais meios de produção estão sob controle social,
propunham postergar a luta pelo socialismo para um segundo momento, quando
considerassem que a correlação de forças fosse mais favorável.
124. Os êxitos concretos do segundo mandato
de Lula explicam porque a força do grupo majoritário do Partido, declinante no
PED de 2005, voltou a crescer em 2007, 2009 e 2013.
125. Naqueles três processos eleitorais, as
fraudes e as distorções – intrínsecas ao processo de eleição direta das
direções partidárias, que reproduz vários dos problemas existentes nos
processos eleitorais tradicionais – foram fatores complementares, mas não
essenciais, na vitória das chapas e candidaturas do grupo majoritário.
126. O essencial é que este grupo conseguiu
expressar, no interior do Partido, a opinião majoritária dos setores
organizados da classe trabalhadora brasileira. Que, por sua vez, apoiava os
êxitos do governo Lula e não estava nem um pouco preocupada com o risco de uma
reversão (como a que está ocorrendo hoje), muito menos com o adiamento sem data da luta pelo socialismo.
127. Diz um ditado popular: o que não mata,
fortalece. Poderíamos dizer também: o que não fortalece, mata. A linha politica
adotada pela tendência majoritária do Partido contribuiu para as vitórias
obtidas no período 1995-2016; mas também contribuiu para as derrotas sofridas.
Derrotas que incluem não apenas o desmanche do que foi feito, mas o desmanche
de muito mais. Neste sentido, é muito grave que importantes dirigentes deste
setor do Partido sejam incapazes de produzir uma autocrítica e de formular uma
alternativa estratégia para o Partido.
A
variante da revolução democrática com republicanismo
128. O fortalecimento da crença na mudança
sem ruptura foi acompanhado pelo fortalecimento, em um setor da chamada
esquerda petista – especialmente a tendência Democracia Socialista – , da
crença na revolução democrática com republicanismo.
129. Através dessa fórmula, um setor da
esquerda petista foi pouco a pouco se adaptando ao discurso dominante no
Partido, através de uma variante que pretendia “democratizar radicalmente o
processo” e evitar seus “efeitos colaterais” (promiscuidade na relação com o grande
empresariado e alianças com partidos de direita, por exemplo).
130. Num resumo grosseiro, é como se combinando
a variante
Uma ruptura necessária com altas doses de “participação popular”, fosse
possível caminhar em direção ao socialismo.
131. Mas, ao fim e ao cabo, a “estratégia”
da chamada revolução democrática nunca passou de uma versão descafeinada da
estratégia majoritária no Partido. Conciliação e republicanismo são faces da mesma ilusão de classe. A primeira
se ilude acerca da classe capitalista, a segunda se ilude quanto a neutralidade
do Estado.
132. Apesar de descafeinada, ou por isso
mesmo, a revolução democrática com republicanismo conseguiu atrair aqueles
que – especialmente na intelectualidade simpatizante do petismo – não queriam
gastar tempo com debates estratégicos que muitas vezes soam esotéricos ou
dogmáticos.
133. Por outros caminhos, o PCdoB e a Consulta
Popular também foram se aproximando da estratégia defendida pelo grupo majoritário
do Partido.
134. No caso do primeiro, não se pode falar
propriamente de uma adaptação, mas sim da retomada das formulações originais do
próprio movimento comunista brasileiro: enfatizando o tema da aliança com
setores de centro, que seriam expressão da burguesia nacional e industrial, o
PCdoB voltava pouco a pouco à conhecida teoria das duas etapas da revolução, a
primeira democrática e de libertação nacional, a segunda socialista.
135. Num certo sentido, aliás, foi o grupo
majoritário do PT que foi se aproximando das posições adotadas pelo comunismo
brasileiro antes do golpe de 1964. É bom reconhecer que um passo importante desta
aproximação conceitual foi feita já em 1993-1994, quando se conferiu ao
“mercado interno de massas” um papel estruturante no programa do Partido.
Naquele momento, a esquerda partidária (inclusive a AE) era majoritária no
Diretório Nacional do PT.
136. No caso da Consulta Popular, pode-se
falar de adaptação no sentido preciso da palavra. Afinal, em meados dos anos
1990, os integrantes da Consulta Popular se afastaram do PT e passaram a
investir energias na construção de uma alternativa partidária própria, de tipo não
eleitoral. A formulação programática que acompanhava a construção daquela
alternativa partidária enfatizava a defesa da Nação brasileira, dando
centralidade à luta anti-imperialista e pela soberania. Por este caminho, a
Consulta foi construindo uma fórmula política em que o socialismo era mantido
como palavra de ordem, como horizonte, certamente como “mística”, mas não mais como
objetivo programático e estratégico real.
137. Sendo assim, quando a gestão Lula
tornou-se “defensável” do ponto de vista da Consulta, não foi difícil mudar a
postura frente ao governo, frente ao PT e – como vimos nos últimos anos – não
foi difícil nem mesmo aproximar-se da política do grupo majoritário do Partido.
138. É importante ressaltar que partiram da
“esquerda republicana”, do PCdoB e da Consulta – e não do grupo majoritário do
PT – as principais tentativas de teorizar acerca do que o segundo governo Lula
estava fazendo. Uma destas tentativas já foi citada por nós: a revolução democrática e republicana.
Outra é a teoria do neodesenvolvimentismo, que foi formulada por intelectuais
próximos à Consulta Popular.
139. O neodesenvolvimentismo é uma
“narrativa” e uma “denominação” que em nossa opinião não condiz com os fatos.
Como já foi explicitado algumas vezes, nos governos Lula e Dilma não se quebrou
a hegemonia do capital financeiro, não se golpeou o rentismo nem se deteve a
desindustrialização. Logo, nos parece enganoso denominar de “desenvolvimentista”
ou “neodesenvolvimentista” a política realmente implementada pelos governos
Lula e Dilma, inclusive a política adotada no segundo mandato de Lula.
140. O crescimento econômico e a melhoria
nas condições de vida do povo, bem como as políticas que estimularam ambos
resultados, não chegaram ao ponto de superar a hegemonia neoliberal. E a
timidez das propostas acerca do capital financeiro mostra que nunca se
propuseram de fato a atingir aquele objetivo. Tanto a política implementada
quanto as diretrizes que a sustentaram sempre foram marcadas pela conciliação
com o capital financeiro, o capital transnacional e o agronegócio. Sendo assim,
falar de “neodesenvolvimentismo” é atribuir uma excessiva “positividade” e
coerência ao que foi efetivamente formulado e executado.
141. Claro que esta positividade era
funcional para quem precisava pavimentar um caminho de (re)aproximação com o
governo e o próprio PT. No caso da
Consulta Popular, pode-se argumentar que o “neodesenvolvimentismo” ajudou uma
mudança de política, sem a necessidade de uma autocrítica. Por outro lado, é
importante perceber que o “neodesenvolvimentismo” era compatível com a visão
estratégica da própria Consulta, tal como expressa – por exemplo – no documento “A opção brasileira”.
142. Que tenha sido principalmente a
intelectualidade vinculada ao PCdoB, a Consulta e a esquerda republicana – ou
as próprias organizações enquanto tal – a tentar teorizar sobre os governos
Lula e Dilma, é o que explica que parte importante de nossas polêmicas tenha se
travado contra as teses apresentadas por estes setores. Infelizmente, o grupo
majoritário do PT propriamente dito raramente teoriza acerca de sua prática.
Neste terreno, assim como nas finanças e na comunicação, predominou durante
muito tempo a terceirização. Mas é preciso estar atento para os sinais de
surgimento de uma “intelectualidade orgânica da CNB”, integrada não pelos
quadros históricos que vem da “época heróica” de formação do PT, mas sim por
quadros que correspondem a etapa atual, em que o grupo majoritário passou a
atuar como “fração”, como “partido dentro do partido”.
A
esquerda socialista do PT
143. O período 2006-2010 também foi de
grandes dificuldades para a esquerda socialista do PT. A inflexão estratégica e
seus efeitos benéficos reduziram o espaço e a audiência da crítica de esquerda
aos rumos seguidos pelo Partido. E também conduziu crescentes setores da
esquerda socialista do PT para uma adaptação à política majoritária no Partido.
Este é o motivo de fundo da cisão que a AE sofreu em 2011, assim como é o
motivo de fundo das tensões que a esquerda socialista sofre na relação com seus
parlamentares, tanto na condução cotidiana dos mandatos quanto, principalmente,
em épocas eleitorais. Tendo em conta estes fatores objetivos e subjetivos, é
relevante que a AE tenha conseguido sobreviver a este período, mantendo níveis
mínimos de organicidade e, principalmente, tenha conseguido dar prosseguimento
à sua orientação estratégica e programática.
A
esquerda antipetista
144. A inflexão estratégica feita a partir
de 2005 e até 2010 fez crescer a dificuldade da esquerda antipetista,
especialmente do PSOL e do PSTU. À medida que a inflexão estratégica feita a
partir de 2005 rendia seus frutos, crescia o apoio ao PT e seus governos na
classe trabalhadora; e reduzia o espaço para a esquerda antipetista, a quem
restava deslizar para um discurso voltado aos setores médios. Na prática, estes
setores antipetistas foram se convertendo numa espécie de esquerda udenista, tanto
no que diz respeito ao discurso, quanto no que diz respeito à base social.
145. Vale destacar que a maior parte da
esquerda brasileira – centenas de milhares ou até mesmo alguns milhões de
pessoas – está passando por uma intensa luta política e ideológica. Em geral
são pessoas que votaram, tiveram expectativas e inclusive participaram
ativamente do PT ou das campanhas desenvolvidas pelo Partido. Ao mesmo tempo,
tem críticas pontuais ou globais em relação ao PT realmente existente, sem que
isto impeça uma postura de solidariedade na luta contra o governo Temer e
contra a perseguição sofrida pelo Partido. Nosso grande esforço deve ser buscar
incluir estas milhares e milhões de pessoas no debate sobre o futuro da luta
pelo socialismo no Brasil.
A maior
parte da esquerda brasileira
146. Vale destacar que a maior parte da
esquerda brasileira – centenas de milhares ou até mesmo alguns
milhões de pessoas – está passando por
uma intensa luta política e ideológica. Em geral são pessoas que votaram,
tiveram expectativas e inclusive participaram ativamente do PT ou das campanhas
desenvolvidas pelo Partido. Ao mesmo tempo, tem críticas pontuais ou globais em
relação ao PT realmente existente, sem que isto impeça uma postura de
solidariedade na luta contra o governo Temer e contra a perseguição sofrida
pelo Partido. Nosso grande esforço deve ser buscar incluir estas milhares e
milhões de pessoas no debate sobre o futuro da luta pelo socialismo no Brasil.
O
colapso da “estratégia” de mudanças sem rupturas
147. Hoje sabemos que a inflexão estratégica
consagrada no PED de 2005 e reafirmada nas eleições internas seguintes foi
apenas parcial e temporariamente exitosa. Teve êxito enquanto a
burguesia estava obtendo ganhos com o comércio internacional, com o crescimento
do mercado interno e com a dívida pública. Mas assim que mudou o ambiente
internacional, a burguesia também mudou de atitude e passou a exigir alterações
imediatas na política dos nossos governos. Tais alterações implicariam em deixar de lado
a variante
Uma ruptura necessária e regressar à uma versão ainda mais extrema da variante
Carta aos brasileiros. E, à medida que o governo encabeçado pelo PT
resistiu a tal extremismo, a burguesia se orientou numa direção golpista.
148. Curiosamente, tanto a “esquerda da
esquerda” (PSTU, PSOL) quanto o grupo majoritário do PT não consideraram a
sério esta hipótese. Os primeiros, por achar que os governos Lula e Dilma eram
instrumentos do grande capital e do imperialismo, portanto não haveria motivo
para que estes buscassem derrubar seus supostos serviçais. O segundo, por
acreditar nos efeitos pacificadores que nossa conciliação de classes
supostamente produziria sobre a classe dominante, portanto tampouco haveria
motivo para que esta tentasse nos derrubar.
149. Durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff
(2011-2014), nosso governo e nosso Partido oscilaram entre duas alternativas
impossíveis. Regressar à variante Carta aos brasileiros
implicaria em romper com parcela de nossa base social, tornando impossível nos
manter no governo. Tentar manter a variante Uma ruptura necessária
levaria a romper com o conjunto do grande capital (não apenas com o capital
financeiro), o que era impossível para uma linha que pressupunha uma aliança
estratégica com uma parte da burguesia.
150. Parte de nosso partido atribuiu este
ziguezague às idiossincrasias da presidenta Dilma, sem perceber que a oscilação
decorria da tentativa de manter a velha estratégia num cenário em que aquela
linha política não produzia mais os mesmos efeitos. Com a queda na atividade
econômica internacional, os diferentes setores do capital atuantes no Brasil
buscaram manter suas taxas de lucro através da redução do custo direto e
indireto da força de trabalho. E passou a atacar com muito mais força todas as
ações dos governos Lula e Dilma que partiam do pressuposto de “melhorar a vida
dos pobres sem tocar no lucro dos ricos”.
151. As mobilizações de rua de 2013, assim
como o crescimento nas greves econômicas no mesmo ano, foram em alguma medida
efeitos colaterais desta ofensiva da burguesia contra os avanços sociais
realizados especialmente a partir de 2006.
Frente ao acirramento da luta de classes, o governo Dilma fez diversos
movimentos, mas nenhum deles bem planejado, bem articulado e, principalmente,
nenhum supôs romper com a conciliação de classe.
152. A incompreensão da mudança de postura
da classe dominante e dos efeitos disto sobre toda a luta de classes ficou
clara, por exemplo: a) na surpresa do Partido frente às manifestações de 2013,
bem como na dificuldade de construir não apenas uma resposta, mas também uma
explicação (dificuldade que continua até hoje, tema que será abordado num
documento específico); b) num dos argumentos apresentados em favor da
substituição de Dilma por Lula, na disputa das eleições de 2014: Lula saberia
“dialogar” com o empresariado; c) na crença de que Dilma poderia vencer a
eleição no primeiro turno de 2014; d) na suposição de que a “falta de diálogo”
de Dilma com o parlamento foi a principal responsável pela maioria pró-impeachment; e) na insistência em manter
o republicanismo, nas ambiguidades frente a Operação Lava Jato, na redobrada
retórica “em defesa do Estado de Direito”.
153. O que há de comum no que foi citado
anteriormente é a crença de que o “diálogo” e a “conciliação” bastariam para
impedir um confronto estratégico. Ou seja, a falta de percepção de que a mesma
burguesia que antes aceitava conviver conosco, agora transitava para uma
posição de não aceitar mais nossa presença no governo federal – em
alguns casos, não aceitava nem mesmo nossa existência – não
importando que concessões estivéssemos dispostos a fazer. A burguesia passou a operar para a
aniquilação do PT e de suas lideranças. A Operação Lava Jato e o golpe foram instrumentos
para imposição da agenda neoliberal. No meio do caminho, alguns setores do
capital foram temporária e parcialmente sacrificados; mas o setor financeiro se
manteve, ao menos até agora, preservado.
154. A dificuldade em entender o que estava
ocorrendo não atingiu apenas o grupo majoritário do PT. Aquela parcela da esquerda
petista que havia adotado a tese da revolução democrática com
republicanismo também se viu em dificuldades, seja por ter grande
presença no governo Dilma e, portanto, ser diretamente responsável por algumas
das políticas então adotadas; seja por ficar na defensiva frente ao discurso
adotado pela direita, segundo o qual o principal problema dos governos petistas
seria a corrupção, ou seja, a falta de “republicanismo”.
155. Vale lembrar que depois da crise de
2005, cujo epicentro foi a denúncia do suposto “mensalão”, cresceu a
dependência das finanças partidárias frente ao grande capital. E isto era do
conhecimento de todos os setores do Partido, especialmente daqueles com forte
presença institucional. A esse respeito, recomendamos a leitura da resolução “O
PT e a luta contra a corrupção”, aprovado no 3º Congresso da AE.
156. Na esquerda antipetista, por sua vez,
ganharia mais espaço o udenismo: depois de Heloisa Helena em 2006 e de Plínio
Arruda em 2010, foi a vez da candidatura Luciana Genro em 2014. Mesmo diante de
uma clara ofensiva da direita, esta candidata – expressando
a postura majoritária no PSOL naquele momento – foi a de tomar o PT como inimigo principal.
157. Com matizes, no conjunto da esquerda
antipetista havia a ilusão de que se a direita derrotasse o PT, haveria espaço
para o crescimento de uma esquerda verdadeira. Esta ilusão se mantém até hoje,
em parte dos que integram a chamada Frente Povo Sem Medo, como é o caso de
setores do PSOL e do MTST.
158. Na campanha presidencial de 2014,
Dilma e o conjunto do PT deram a entender que haviam abandonado o ziguezague e
que começariam uma mudança de estratégia, em favor das reformas estruturais.
159. Mas, após as eleições, a presidenta
Dilma – com o respaldo ativo e/ou passivo do grupo
majoritário do PT – fez exatamente o contrário: retomou e
aprofundou a variante Carta aos brasileiros. O resultado, como não poderia
deixar de ser, foi a confusão política e a perda de nossa base social, criando
as condições para o processo de impeachment.
160. Evidentemente, a leitura que se faz do
período entre janeiro de 2015 e agosto de 2016 depende dos “óculos
estratégicos” usados por cada setor da esquerda.
161. Aqueles que entendem que nossa derrota
teve como causa principal um conjunto de erros de natureza tática, direcionam
suas críticas principalmente para as opções da presidenta e de seu governo.
162. Aqueles que entendem que nossa derrota
teve como causa principal um conjunto de erros de natureza estratégica, apontam
que os erros da presidenta e de seu governo têm sua origem na orientação
estratégica adotada pelo Partido, orientação que desde 1995 não previa uma
óbvia possibilidade: a de que a classe dominante não aceitasse as mudanças,
mesmo que elas viessem sem reformas estruturais e sem rupturas.
163. A incompreensão do significado ao
mesmo tempo tático e estratégico do impeachment
– e de que, portanto, o conjunto da estratégia do PT deveria ser revista –
explica parte da resistência do grupo majoritário a realizar, ainda em 2015, um
congresso partidário extraordinário. Mas é bom lembrar que naquele ano a
“esquerda republicana” tampouco se empenhou neste sentido: na maior parte do
Brasil, os delegados vinculados a este setor não contribuíram para convocar um
congresso extraordinário, tal como previa e possibilitava o estatuto
partidário.
164. Claro que a resistência do grupo
majoritário a convocar um congresso partidário, destinado a revisar nossa
estratégia, também podia ter motivos mais prosaicos, entre os quais manter os
cargos e salários de alguns dirigentes. Claro, também, que havia argumentos de
natureza combativa, tais como “concentrar energias na luta contra o golpe”,
“enfrentar e vencer as eleições 2016” etc. Seja como for, o fato é que o
congresso partidário foi realizado apenas em junho de 2017. E, como já buscamos
demonstrar, suas resoluções não resultaram nem implicaram numa mudança efetiva
da conduta estratégica da maioria do Partido. Motivo pelo qual segue necessário
enfrentar formular uma estratégia.
Capitalismo
e luta pelo socialismo no Brasil
165. Para nós, o ponto de partida de uma
estratégia – ou seja, o caminho que a classe trabalhadora deve trilhar para
conquistar o poder e construir o socialismo—é a análise das classes e da luta
de classes. Ou seja, a análise do desenvolvimento capitalista no Brasil e de
suas tendências de desenvolvimento futuro.
166. O território, a população, a economia,
a sociedade, a política e a cultura do que hoje chamamos de Brasil se
constituíram ao longo dos últimos séculos, num processo marcado por quatro
grandes características: a dependência externa, a desigualdade social, a
democracia oligárquica e o desenvolvimento limitado.
167. A dependência externa assumiu
diferentes formas, na Colônia, no Império, na República Velha, no Estado Novo,
no período 1946-1964, na Ditadura Militar, na transição presidida por José
Sarney, nos governos eleitos pelo voto direto a partir de 1989 e nos dias de
hoje. Mas há um traço constante: a tendência a manter no exterior o centro
dinâmico da economia nacional. Até o momento, sempre que se tentou alterar esta
tendência, uma aliança entre forças externas e internas reafirmou (às vezes de
forma modificada) os mecanismos de dependência. Assim é que, ao longo da nossa
história, houve períodos de inflexão nacionalista. Leis de proteção da
“indústria nacional”, como a Lei de Informática, por exemplo, foram criações
dos militares com o discurso de proteger o “mercado interno”. O período da
ditadura Vargas também foi marcado por uma tentativa de reduzir o peso da
agricultura, especialmente o café, na economia nacional, promovendo a
industrialização do país, com Volta Redonda e a fábrica de caminhões FNM, por
exemplo. Essas inflexões aconteceram em condições internacionais específicas, não
enfrentavam de conjunto a dominação imperialista e rapidamente regressávamos à
posição de uma economia periférica e dependente. A política de endividamento
externo com juros flutuantes, que experimentou crescimento exponencial
especialmente a partir da ditadura militar, compõe o quadro da integração
subordinada do país aos interesses dos EUA no mercado internacional.
168. A desigualdade social também assumiu
diferentes formas, desde a chegada dos colonizadores portugueses. De um lado
indígenas, escravos, camponeses, assalariados, excluídos, setores sociais
oprimidos e explorados. De outro lado, nobres colonizadores, senhores de
escravos, latifundiários e comerciantes, capitalistas de variados tipos.
Mudaram os protagonistas, mas persistiu sempre uma elevada desigualdade social
– combinada com variáveis étnicas, de gênero e geracionais, desigualdade esta
geralmente superior a existente em países mais pobres que o Brasil, seja do
ponto de vista das riquezas naturais, seja do ponto de vista da capacidade
produtiva. Um fenômeno que persiste por tantos séculos não é um acidente:
vivemos numa sociedade organizada de tal maneira, que sua reprodução depende da
manutenção e aprofundamento da desigualdade social. E, é importante dizer,
também da desigualdade regional.
169. A democracia oligárquica é a terceira
de nossas características seculares. Desde a chegada dos portugueses até
1888-1889, vivemos sob um regime político simultaneamente monárquico e
escravocrata. Entre 1889-1930, tivemos uma república de senhores de terra. De
1930 a 1945, experimentamos uma ditadura explicita ou disfarçada. Entre 1945 e
1964, foi a vez de uma “democracia” liberal com fortes restrições às liberdades
básicas de organização sindical, partidária e de livre manifestação eleitoral.
De 1964 a 1985, enfrentamos uma ditadura militar. Só a partir de 1989 a maioria
do povo conquistou o direito de participar dos processos eleitorais, ainda que
com inúmeras restrições de fato, expressas na influência do dinheiro, do
oligopólio da mídia e em regras eleitorais que distorcem a proporcionalidade do
voto. Sem falar na violência sistemática nas cidades e nos constantes massacres
no campo, tantas vezes contra pobres trabalhadores, negros e jovens. Em muitas
regiões ainda vigora um coronelismo patrimonialista. Seguem impunes as
perseguições, torturas e extermínios do período ditatorial. Novamente, não se
trata de uma casualidade: a dependência externa e a desigualdade social são
incompatíveis com uma democracia que não seja oligárquica.
170.A dependência externa, a desigualdade
social e a democracia oligárquica estão na origem das principais
características, contrastes e contradições da sociedade brasileira. Uma destas
características é um determinado padrão de desenvolvimento, que por ser
prisioneiro das três características acima descritas, possui uma natureza
limitada – não indo além de determinado ponto, que sempre
parece inferior às visíveis possibilidades e potencialidades do país – , passando por isto a impressão de ser
cíclico (parecendo voltar ao ponto de partida, mais exatamente a determinados
problemas e entraves). Motivo pelo qual, ao longo dos últimos 517 anos,
experimentamos muito crescimento e pouco desenvolvimento.
171. Parte da sociedade brasileira cultivou
esperanças de superar este padrão de desenvolvimento limitado a partir de 1930
e, novamente, a partir de 2003. A urbanização, a industrialização, o
fortalecimento do Estado, as transformações sociais, políticas e culturais
ocorridas a partir de 1930 foram de grande dimensão. Entretanto, o ciclo de
desenvolvimento aberto na Revolução de 1930 atingiu um ponto de esgotamento por
volta de 1980. E, ao final da década dos oitenta, ficou claro que a classe
dominante escolhera o caminho do chamado neoliberalismo, acarretando a
destruição de parte importante dos avanços acumulados nas últimas décadas e
retornando ao padrão de crescimento limitado.
172. Com a posse do presidente Lula, em
2003, voltaram as esperanças na superação daquele padrão de desenvolvimento
limitado. Mas estas esperanças não tinham correspondência com as políticas
efetivamente adotadas, que não conseguiram desbancar a hegemonia do capital
financeiro nem reverter o processo de desindustrialização. Ademais, em 2016,
através do impeachment, as forças adeptas das políticas neoliberais retomaram o
controle integral do governo e desde então vem destruindo aquilo que fora feito
desde 2003, desmontando os aspectos positivos da Constituição de 1988 e
retomando a destruição da “herança varguista”, com destaque para a Petrobrás e
a CLT.
173. Supondo que este processo regressivo
não seja interrompido, a sociedade brasileira experimentará novamente dilemas
similares aos experimentados antes da Revolução de 1930. Por exemplo, a
prevalência do padrão primário-exportador e a debilidade da indústria nacional.
Dilemas que – hoje mais que antes – terão implicações catastróficas, como se
percebe no caos instalado nos grandes centros urbanos e em diversas políticas
públicas, da saúde à segurança.
174. Aceitar este rumo, adotado desde o
golpe consumado dia 31 de agosto de 2016, equivale a um suicídio em massa,
realizado em câmera lenta e à luz do dia. O crescente número de excluídos a
vagar pelos centros de nossas cidades, a ação das polícias contra as juventudes
negras periféricas, as explosões no sistema carcerário, o crescimento do machismo
e da lgbtfobia, a retórica fascista nas redes sociais, tudo isto e muito mais
são sinais de que o país já está experimentando uma guerra civil de baixa
intensidade e no qual apenas um dos lados está matando. O que fica claro na
onda crescente de assassinatos de camponeses.
175. E é inevitável que isto ocorra: num
país tão desigual como é o nosso, a fronteira agrícola, as altas taxas de
crescimento, as políticas sociais e a participação democrática, mesmo que
limitadas, constituíram uma válvula de escape para as tensões acumuladas. A
atual retomada neoliberal, colocada num patamar superior ao que foi o
neoliberalismo dos anos 1990, associada a um quadro internacional de crescente
crise e polarização, podem levar a uma explosão política e social.
176. A alternativa – lutar
para mudar o rumo dos acontecimentos – exige constituir, simultaneamente, um
pensamento, uma maioria social e uma maioria política que sejam capazes de
superar o padrão de desenvolvimento limitado e cíclico, através do
enfrentamento de suas causas. Uma nova maioria, disposta a mudar o rumo de
nossa sociedade, precisa estar disposta a assumir a direção de nossa sociedade,
e isto passa por enfrentar a questão do Estado brasileiro. Este Estado é, ao
mesmo tempo, resultante e instrumento das principais características da
sociedade brasileira: a dependência externa, a desigualdade social, a
democracia oligárquica e o desenvolvimento limitado. Por isto, quem se disponha
a superar tais características deve ter como objetivo construir outro Estado,
que esteja comprometido com a soberania nacional, com a igualdade social, com a
democracia popular e com um desenvolvimento acelerado e sustentável.
177. Um Estado com estas características
precisa ser forte, seja para enfrentar imensas resistências e ameaças internas
e externas, seja para dar conta de imensas tarefas. A natureza destas tarefas
exige que, além de forte, ele seja democrático, ou seja, expressão das
necessidades e aspirações da imensa maioria da população brasileira. Estas
necessidades e aspirações só poderão ser atendidas se a soberania, a igualdade
e a democracia estiverem baseadas num desenvolvimento que: a) atenda o mais
rapidamente possível as necessidades de toda a população brasileira; b) através
de um novo padrão de desenvolvimento, com planejamento e sustentabilidade; c) capaz
de gerar as condições para atender as futuras necessidades individuais e
sociais que decorrerão deste processo.
Derrotar
o imperialismo financeiro
178. Para materializar o tipo de
desenvolvimento acima descrito, será necessário enfrentar e superar uma das
principais características do capitalismo moderno (a partir dos anos 1970 até
hoje): o imperialismo financeiro. Característica que desde os anos 1990 também
fincou raízes no Brasil. A riqueza que circula nos mercados financeiros é
muitas vezes maior do que a soma do produto interno bruto de todos os países do
mundo. Esta é a face visível da financeirização, que leva ao paroxismo a
contradição entre os circuitos da produção material e os circuitos da valorização
do capital. O capitalista produz para lucrar. Para o capitalista, o processo de
produção e aquilo que se produz constituem meios para ampliar seus lucros. Mas
para realizar estes lucros, é preciso vender aquilo que foi fabricado, o que
mantém um vínculo entre a produção material e a valorização do capital. Nas
últimas décadas, entretanto, a chamada financeirização tornou estes vínculos
cada vez mais tênues e cheio de mediações. Dinheiro parecia gerar dinheiro,
supostamente sem nenhum vínculo com a produção material. Mas as crises
periódicas no mercado financeiro mostravam que não era bem assim.
Paradoxalmente, a insistência em criar dinheiro a partir do dinheiro debilita a
economia real, o que provoca de tempos em tempos grandes desvalorizações
financeiras.
179. Este processo está na origem da crise
de 2008, que teve sua origem no mercado de financiamentos considerados subprime nos Estados Unidos.
Financiamentos com pouca ou nenhuma garantia, concedidos principalmente para a
compra de imóveis. Esses financiamentos, por sua vez, geravam papéis negociados
no mercado de derivativos. Quando o desemprego aumentou e as pessoas deixaram
de pagar os empréstimos, ficou evidente toda a fragilidade da fiscalização e
das regras que supostamente deveriam limitar os mercados financeiros.
Praticamente não havia controle; era total a promiscuidade entre o “mercado” e
as agências teoricamente responsáveis por avaliação de risco. Uma crise
originada no “mundo real” – o desemprego nos Estados Unidos, vinculado ao
papel da China como oficina do mundo – quebrou bancos e instituições financeiras. Entretanto, as medidas adotadas desde então
pelos EUA, União Europeia e Japão tiveram como objetivo e resultado proteger a
especulação financeira. Em decorrência, nessas regiões do mundo as taxas de
crescimento continuaram muito baixas e o desemprego continuou muito alto. Um
extrato diminuto da população mundial acumula a maior parte das riquezas (reais
e fictícias) produzidas pelas empresas capitalistas. Ao mesmo tempo, massas
cada vez maiores de trabalhadores são deserdados e/ou mal remunerados. Nos
Estados Unidos, Europa e Japão, a questão do desemprego, inclusive entre
trabalhadores qualificados –-até então considerados como parte de uma suposta
“classe média”– tornou-se um dos aspectos
mais marcantes da crise. Capacidades produtivas são desperdiçadas, ao mesmo
tempo em que crescem os gastos e os conflitos militares.
180. Embora ainda seja a principal potência
militar e continue responsável pela emissão da moeda de maior trânsito internacional,
os Estados Unidos perderam peso econômico, vivem uma crise social e política de
grandes proporções e, além disso, sua hegemonia é crescentemente contestada por
outros países. Ao contrário do mundo unilateral pretendido pelos EUA após o fim
da URSS, o mundo atual é claramente multipolar, com destaque para os BRICS.
Valendo lembrar que, nas condições atuais do mundo, multipolaridade implica em
mais conflitos. Ao mesmo tempo, as instituições mundiais criadas em 1945 estão
em crise: a Organização das Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional, o
Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (herdeira do GATT) vem
perdendo espaço para uma multiplicidade de acordos, tratados e medidas
unilaterais que lembram – em alguma
medida – a confusão geopolítica que
ocorreu antes da Primeira Guerra e no intervalo entre esta e a Segunda Guerra,
período também marcado por uma grande crise internacional.
181. Nos anos 1930, vários países tentaram
superar a crise através da ampliação dos investimentos públicos, produzindo um
efeito “dinamizador” sobre a economia e a geração de empregos, fortalecendo a
produção em detrimento da especulação. Mas foi a participação na Segunda Guerra
Mundial que retirou a economia capitalista dos EUA da crise iniciada em 1929. A
guerra – seja a produção de armas, seja
a destruição das riquezas até então acumuladas, seja a reconstrução posterior,
sejam as Guerras Mundiais, a Guerra Fria e as guerras quentes ocorridas depois
de 1945 – jogou um papel fundamental na
criação das condições para o ciclo de crescimento econômico capitalista, que se
estendeu entre 1945 e 1970. Depois disso e até hoje, o complexo
industrial-militar dos Estados Unidos e da Europa Ocidental continuaram sendo
desenvolvidos como pilares estratégicos, não só para a defesa de seus
territórios e sociedades, mas principalmente para a subordinação de outros
territórios e sociedades.
182. Estados Unidos e Europa Ocidental
necessitam de recursos minerais e energéticos de outros países, assim como de
mercados. E para garantir tal acesso, lançam mão da ameaça ou diretamente de
ações militares. Não por acaso os Estados Unidos instalaram mais de mil bases
militares em todo o mundo, e há muito interferem militarmente em toda parte
onde seus interesses estejam, real ou imaginariamente, em perigo. As guerras de
Reagan, nos anos 1980, disseminaram-se pela América Central, África e Oriente
Médio. As guerras de Bush, nos anos 2000, afetaram ainda mais os já
conflagrados Afeganistão e Iraque, devastando grandes regiões. As guerras de
Clinton causaram imensa destruição na antiga Iugoslávia. As guerras de Obama,
de ingleses e franceses, na África do Norte e no Oriente Médio, destruíram
grande parte da Líbia e da Síria, levaram aos conflitos na Ucrânia. Donald
Trump, antes mesmo de tomar posse já iniciou uma escalada verbal com a China,
seguida por medidas contra a Rússia. Caso Hilary Clinton tivesse vencido, o
cenário de escalada militar não seria qualitativamente diferente.
183. Num certo sentido, estamos vivendo um
momento internacional que possui semelhanças inquietantes com algumas situações
que deram origem à Primeira e a Segunda Guerra. Uma destas semelhanças diz
respeito aos efeitos sociais, políticos e militares do liberalismo (naquela
época) e aos efeitos políticos do neoliberalismo (nos dias de hoje). No início
do século, a Europa e os EUA viviam sob a hegemonia do liberalismo. Como
resultados, tivemos a ampliação da desigualdade social, a polarização política
e a Primeira Guerra Mundial. Um dos seus desdobramentos foi a Revolução Russa
de 1917. Noutros países da Europa, seja para superar a crise, seja para debelar
a ameaça de uma revolução social, parcela crescente da classe dominante aderiu
às teses do populismo de direita, que assumiu a forma do fascismo na Itália, do
franquismo na Espanha e do nazismo na Alemanha. O populismo de direita dos anos
1930 não era liberal: pelo contrário, fez crescer o papel do Estado, do
planejamento e do protecionismo nacionalista. Mas o populismo de direita era
também expansionista, imperialista, racista, machista, misógino,
antidemocrático, antisocialista e anticomunista. O resultado disto foi a
Segunda Guerra Mundial.
184. Hoje o populismo de direita está de
volta: Donald Trump nos EUA, Marine Le Penn na França, as forças fascistas e
neonazistas na Ucrânia, Grécia e em diversos países do Leste Europeu, os
partidos ultraconservadores cuja força eleitoral cresce em todos os países da
Europa Ocidental, inclusive nos países nórdicos conhecidos por seu estado de
bem-estar social. No Brasil e noutros países da América Latina, o populismo de
extrema-direita também se faz presente. Tanto o neoliberalismo “globalista”
quanto o populismo de direita “protecionista” conduzem, por diferentes
caminhos, ao agravamento da instabilidade, das crises e das guerras.
185. Em 2008 a crise econômica teve como
epicentro os Estados Unidos. Hoje, a crise política mundial também tem seu
epicentro lá. As medidas tomadas pelo governo Donald Trump empurram o mundo
para um conflito de grandes proporções. Neste cenário internacional, há duas
coisas que o Brasil não deveria fazer: a primeira delas é ampliar a dependência
externa e a segunda delas é alinhar-se com a política dos Estados Unidos.
186. Alinhar-se com os Estados Unidos é
subordinar os interesses do Brasil aos interesses de uma nação em declínio, que
cada vez mais usará a ameaça militar para enfrentar seus competidores.
Alinhar-se com uma nação deste tipo, imersa em profunda crise, crise que hoje a
leva a acentuar suas características protecionistas, significa muitos ônus e
poucos bônus para seus aliados, como se vê no caso do México.
187. Ampliar a dependência externa é
financeirizar e desindustrializar a economia, converter o Estado em cobrador de
impostos para financiar o serviço da dívida, aceitar o papel de exportador de
produtos agrícolas e minerais, reduzir os investimentos públicos em atividades
produtivas. Fazer isto num momento em que se acentuam os choques econômicos,
políticos e militares entre Estados, significa privar o Brasil de meios para
crescer, se desenvolver e se defender de agressões externas.
188. A situação internacional torna mais
urgente e imprescindível, portanto, um Estado comprometido com a soberania
nacional e com o desenvolvimento, um Estado forte o suficiente para enfrentar o
imperialismo financeiro e, também, as forças políticas e sociais que, dentro do
Brasil, defendem a dependência, a desigualdade, a democracia oligárquica e o
desenvolvimento limitado.
Derrotar
os capitalistas brasileiros
189. Por quais motivos a classe dominante
brasileira – os capitalistas – não se
dispõe a construir um Estado com esta natureza? Por quais motivos agem em
sentido exatamente contrário? Evidentemente, a classe dominante brasileira,
assim como a classe trabalhadora, não é homogênea. Há contradições e interesses
diferentes, resultando em diferenças políticas e ideológicas que algumas vezes
podem levar a grandes conflitos. As contradições internas na burguesia podem e
devem ser exploradas por nós. Entretanto, do ponto de vista estratégico, a
classe dominante foi, desde o início, sócia menor das classes dominantes
metropolitanas, não importando que elas fossem ibéricas, inglesas ou
estadounidenses. Outra atitude dependeria de uma sólida aliança com as demais
camadas da população, aliança que teria que se traduzir em reforma agrária, em
salários mais altos, em políticas sociais mais universais, em maior
participação democrática do povo na condução dos negócios do país. A partir do
que os trabalhadores e o povo poderiam forçar o capital a abrir mão de parte de
seus ganhos. Cada uma destas ações e/ou o conjunto delas rebaixaria os ganhos
da classe dominante, ganhos que hoje dependem em boa medida da financeirização,
mais precisamente do lucro garantido proveniente da dívida pública. Qualquer
iniciativa que comprometa os ganhos desse “mercado” será duramente reprimida. Por
este conjunto de motivos, a classe dominante brasileira não apenas convive, mas
também defende e reproduz a dependência externa, a desigualdade social, a
democracia oligárquica, assim como adere a políticas de desenvolvimento
limitado. Quem deseje superar estas características da sociedade brasileira,
terá que enfrentar e derrotar a resistência do conjunto da classe dominante, especialmente
do seu setor hegemônico: o capital financeiro.
190. Esta resistência se expressa em vários
terrenos: na dinâmica econômica e social, nas estruturas políticas e no
funcionamento do Estado, assim como no âmbito cultural e ideológico. Neste
último âmbito trava-se uma batalha cotidiana entre diferentes visões acerca do
passado, do presente e do futuro do Brasil. Quem deseja construir outro “estado
de coisas”, comprometido com a soberania nacional, com a igualdade social, com
a democracia popular e com o desenvolvimento, deve enfatizar que nosso objetivo
de longo, médio e curto prazo é melhorar a qualidade da vida do povo
brasileiro, de maneira profunda, acelerada e sustentável. Nos anos recentes,
este objetivo foi popularizado de pelo menos três fórmulas: a de projeto
nacional-popular, a da retomada do desenvolvimento e a do país
de classe média. Embora compartilhemos aspectos importantes de cada uma
destas fórmulas, discordamos da formulação porque nenhuma delas enfatiza algo
insubstituível e inocultável de uma alternativa: o socialismo.
191. Vejamos a fórmula que fala em fazer do
Brasil um “país de classe média”. A chamada “classe média” identifica-se com a
sociedade que desejamos superar: uma sociedade baseada na ascensão individual,
onde a “felicidade” é comprada no mercado. Uma sociedade deste tipo garante
qualidade de vida para uma minoria da população. Nela não “cabem” 200 milhões
de pessoas. Para que todos tenham a
qualidade de vida que hoje só uma minoria tem, é necessário que predomine a
ascensão social coletiva, principalmente através do acesso a bens públicos:
transporte coletivo, não privado; saúde pública, não privada; educação pública,
não privada; e programas de habitação popular subsidiados pelo Estado;
previdência pública etc. Ou seja, para que sejamos um país em que os padrões de
vida universalizados sejam os hoje acessíveis apenas à chamada “classe média”,
é preciso uma organização social de outro tipo, distinta da capitalista.
192. Quando a classe dominante apela à
“classe média” e aos seus “valores” (por exemplo, exaltando a meritocracia), o
que ela busca fazer é dividir a classe trabalhadora, jogando um setor da classe
trabalhadora contra outro.
193. A rigor, o que costuma ser chamado de “classe
média” inclui três frações de classe distintas: o segmento inferior da classe
capitalista, ou seja, os capitalistas de pequeno porte; o segmento superior da
classe dos pequenos proprietários, ou seja, aquele que está para converter-se
em capitalista; e o segmento mais bem remunerado da classe dos trabalhadores
assalariados. Numericamente falando, esta última é a maior parte da chamada
“classe média”: pessoas que vivem do seu trabalho, recebendo salários melhores,
graças aos quais podem consumir mais e inclusive contratar outros assalariados
para fazer serviços, especialmente domésticos.
194. Para que tenhamos um Brasil diferente
do atual, é preciso ganhar a classe trabalhadora para um programa político de
ascensão coletiva, como classe; e não de ascensão individual, como é
característico da “classe média”. E, por outro lado, é preciso convencer ou
pelo menos neutralizar a chamada “classe média”, tentando evitar que sua maior
parte converta-se em tropa de choque dos capitalistas, como ocorreu no caso
brasileiro, especialmente em 2015 e 2016. Nesta perspectiva, devemos buscar que
os integrantes da chamada “classe média” reconheçam que são parte da classe
trabalhadora, da classe dos pequenos proprietários ou parte de uma fração
subordinada dos capitalistas, e somem forças conosco.
195. Ao contrário disto, falar em construir
um “Brasil de classe média” fortalece o ponto de vista daqueles que acham que a
“classe média” não deve associar seu destino ao da classe trabalhadora. Um
Brasil organizado pelo ponto de vista da “classe média” é um país que não
aceita universalizar seu padrão de vida, pois se todos fizessem parte da classe
média, se todos pudessem consumir, se todos pudessem viajar, se todos pudessem
frequentar a universidade, desaparecia o status social que faz da “classe
média” um setor especial.
196. Não se deve admirar, portanto, que a
tal “classe média” (em grande parte, trabalhadores que não se sentem parte da
classe trabalhadora) tenha saído em massa às ruas, exatamente para combater o
governo que falava em construir um “país de classe média”. E falava isto como
parte de uma visão política incorreta (detalhada na entrevista concedida pela
presidenta Dilma à sétima edição da revista Esquerda
Petista) e a partir de uma visão teórica também incorreta, segundo a qual
as classes sociais seriam determinadas pelo seu padrão de consumo, não pelo
“lugar” (assalariado, pequeno produtor, capitalista) que ocupam no processo de
produção. Com base nesta “teoria”, trabalhadores de renda mais baixa e de pouca
especialização técnica, tipicamente pertencentes a classe trabalhadora, foram
“promovidos” a classe média porque cresceu sua capacidade de consumo. Isso
contribui para um afastamento de setores significativos da classe trabalhadora
do sentimento de pertencimento a sua própria classe.
197. Como esperar que estes setores
demonstrem combatividade frente ao golpe? Por outro lado, a “classe média anteriormente
existente” não se identificou com as pessoas que melhoraram de vida desde 2003.
Pelo contrário, como é óbvio que aconteceria, as encarava como competidoras.
198. Uma maneira de tentar evitar isto
seria ganhar esta “classe média” para outra visão de mundo: a construção de um
país onde o conjunto da classe trabalhadora tenha altos níveis de vida
material, cultural e política. O que exigiria, é bom dizer, outros caminhos que
não os da ascensão social através do mercado.
199. Ganhar parte da “classe média” para
outra visão de mundo não se tratava, nem se trata, de uma operação impossível.
Basta pensar que nos anos 1980, o movimento de médicos estava engajado na
criação do Sistema Único de Saúde. E em 2016, grande parte do mundo cultural
cerrou fileiras em defesa da democracia e contra o golpismo.
200. Num certo sentido, os que falam de um
“país de classe média” contrapõem dois modelos: o american way of life versus o welfare
state. Evidentemente, nos opomos ao primeiro modelo, vigente nos Estados
Unidos. Mas tampouco defendemos o “estado de bem estar” europeu, não apenas por
seus limites, mas também porque só foi possível devido a três fatores
combinados: a) a necessidade de competir e neutralizar a ameaça do socialismo
soviético; b) os ganhos que a classe dominante europeia obtinha através do
imperialismo, ganhos que possibilitaram que ela fizesse concessões à sua classe
trabalhadora; c) a força da classe trabalhadora europeia, organizada em
sindicatos e partidos capazes de arrancar estas concessões.
201. No Brasil, um “estado de bem estar
social” não poderia depender do capitalismo e dos capitalistas. E nem poderia
contar com a pressão externa proveniente de uma sociedade socialista. No Brasil
e na época atual, elevar o bem estar-social depende exclusivamente da força da
nossa classe trabalhadora.
202. As duas outras “fórmulas” citadas anteriormente
– a de “projeto nacional-popular” e a da
“retomada do desenvolvimento” – incorrem num problema semelhante ao apontado
acima.
203. Obviamente queremos desenvolvimento.
Mas não queremos a “retomada” daquele desenvolvimentismo conservador que marcou
a história do Brasil. E não achamos possível que haja um desenvolvimentismo
capitalista que não seja conservador. Por isto, no tipo de desenvolvimento que
defendemos, não apenas o Estado deve ter protagonismo, mas também a propriedade
social deverá ter hegemonia.
204. Também é óbvio que queremos soberania
nacional e popular. Mas para que haja este tipo de “pátria livre” na periferia
do mundo, é preciso que haja socialismo e revolução. E para isso, a disputa dos
chamados “valores nacionais” deve ser feita enfatizando também os valores
socialistas, inclusive a necessidade de um Estado de outro tipo. Do contrário, a
efetivação de nosso programa ficará na dependência de ilusões lamentáveis, como
a crença nos “valores patrióticos” das forças armadas.
205. Durante os anos 1930-1980, o
“desenvolvimento” tornou-se uma espécie de mínimo denominador comum da maior
parte das correntes ideológicas, políticas e sociais. Evidentemente, isto não
significava que havia um consenso quanto ao conteúdo que o termo expressava.
Mas significava que houve uma luta de ideias na sociedade brasileira, através
da qual um determinado ponto de vista tornou-se hegemônico.
206. Processo similar ocorreu nos anos
1980, em torno da noção de justiça social através da ampliação de direitos. Já
nos anos 1990, foi a vez das ideias neoliberais tornaram-se hegemônicas.
207. Durante os governos Lula e Dilma,
ocorreu algo diferente. As forças derrotadas em quatro eleições presidenciais
seguidas, forças estas herdeiras do neoliberalismo dos anos 1990, mantiveram
uma imensa influência ideológica e cultural, a partir da qual resistiram,
sabotaram e em determinado momento derrotaram as forças simbolizadas por Lula e
Dilma. Estas, por sua vez, não chegaram a ganhar hegemonia cultural e
ideológica na sociedade brasileira.
208. As dificuldades que um projeto
popular, não originado da classe dominante, enfrentou para tornar-se hegemônico
estão diretamente vinculadas a decisão de não tocar no oligopólio da
comunicação, assim como na incapacidade de garantir predomínio público no
terreno da cultura e da educação.
209. Mas há um problema anterior: o PT
chegou ao governo portando a promessa de melhorar a vida do povo através de
políticas públicas. Esta promessa tinha a vantagem de parecer factível, de
oferecer resultados no curto prazo, de contornar os debates programáticos de
longo prazo sobre neoliberalismo, desenvolvimentismo e socialismo. Mas ao lado
destas vantagens, vinha uma desvantagem: esta promessa não tinha potencial
hegemônico comparável ao neoliberalismo, ao desenvolvimentismo ou ao
socialismo. Entender o porquê disto é essencial.
210. Melhorar a qualidade da vida do povo
brasileiro, de maneira profunda, acelerada e sustentável, exigirá combinar
políticas públicas com transformações nas estruturas e tradições culturais,
políticas, sociais e econômicas atualmente predominantes. Esta sempre foi a
formulação clássica da esquerda brasileira, tanto daquela que luta pelo
socialismo, quanto daquela que lutava por um capitalismo nacional. Esta
formulação nunca levou a esquerda brasileira a esperar sentada a realização das
reformas estruturais. Pelo contrário, partiu das forças de esquerda a luta por
mudanças imediatas nas condições de vida do povo, seja através de mobilizações
sociais, seja através da formulação e implementação de políticas públicas.
211. Desde os anos 1980, no terreno
municipal, estadual e nacional, acumulou-se um rico repertório de políticas
públicas que resultaram em melhorias na capacidade produtiva do país e nas
condições de vida do povo, no terreno material, cultural e político. Vistas de
conjunto, estas políticas públicas tiveram contra si: a) um orçamento limitado,
b) um crescimento econômico que intercala breves fases de alto crescimento com
fases de baixo crescimento e recessão ; c) uma estrutura econômica e social
concentradora de renda e riqueza, além de estruturas de poder geralmente
conservadoras.
212. O caso que deixa isto mais claro é o
do sistema único de saúde (SUS) criado pela Constituição de 1988. O SUS sempre
foi subfinanciado. Seus efeitos positivos foram sempre parcialmente
neutralizados ou anulados pela dinâmica econômica. Ademais, uma parte do
investimento público no SUS sempre foi capturada pelo setor privado. Em
decorrência disto, uma excelente política universal e pública, não conseguiu
produzir todos os efeitos sistêmicos de que é potencialmente capaz e, a partir
de certo ponto, se vê ameaçada de converter-se no seu contrário: o sistema
chamado de “duas portas” e/ou de “SUS para pobres”.
213. Raciocínio similar pode ser feito no
terreno das políticas de habitação popular, encarecidas pela especulação
imobiliária e pela atitude das construtoras; ou no terreno das políticas de
fomento à produção de alimentos, que sofrem a concorrência do agronegócio de
exportação.
214. Portanto, seja para tornar realmente
universais as políticas públicas, seja para evitar que os efeitos positivos
destas políticas sejam neutralizados pelas estruturas conservadoras ou por
crescimentos inferiores e/ou soluçantes, é necessário combinar políticas
públicas com reformas estruturais. Por exemplo: para ampliar o orçamento
disponível para as políticas públicas, é necessário realizar uma reforma
tributária progressiva, que grave os grandes capitalistas; assim como é
necessário realizar uma auditoria e revisão do serviço da dívida pública, para
que os impostos não sejam arrecadados em benefício dos senhores da dívida, uma
minoria da população brasileira.
215. Por reformas estruturais entendemos,
portanto, aquelas políticas que alteram de forma profunda e sustentável a
distribuição da riqueza, e principalmente do poder, entre as classes sociais.
Obviamente, a classe dominante na sociedade brasileira, assim como as forças
políticas e sociais hoje hegemônicas no cenário regional e mundial, fizeram,
fazem e seguirão fazendo brutal oposição a tal combinação entre políticas
públicas (que melhorem as condições de vida e trabalho) e reformas estruturais (que
sustentam no longo prazo aquelas políticas). Qualquer tentativa de melhorar a
qualidade da vida do povo brasileiro, de maneira profunda, acelerada e
sustentável esbarra na lógica do capitalismo: vamos até onde o bem-estar não
comprometa os interesses e os ganhos do Capital.
216. A experiência histórica, nacional e
internacional, mostra que numa sociedade dividida em classes não há “consenso”
real em torno de absolutamente nada. Quem tem dúvida a respeito, verifique a
proposta divulgada pelo governo Dória, segundo a qual os mortos seriam
enterrados de pé ou deitados, a depender do que paguem suas famílias.
217. As palavras soberania, democracia, bem
estar e desenvolvimento –entre muitas outras que fazem parte do vocabulário
político – possuem significados
distintos, que variam de acordo com a referência social de cada pessoa e/ou
organização.
218. O que pode existir numa sociedade de
classes é a hegemonia de um determinado ponto de vista, mesmo que esta
hegemonia venha acompanhada de doses maiores ou menores de conflito.
Especialmente na atual situação mundial, regional e nacional, a intenção de
melhorar as condições de vida da maioria da população, implicando em reforço da
soberania nacional e ampliação da democracia, vai necessariamente ser contestada
tanto por outros Estados, quanto por forças sociais e políticas brasileiras
vinculadas ao status quo.
219. Assim, é importante esclarecer através
de que processo cultural, político e institucional será possível converter
aquele objetivo – melhorar a qualidade
da vida do povo brasileiro, de maneira profunda, acelerada e sustentável – em vontade da maioria de nossa população e
meta oficial do Estado brasileiro. É em torno disto que se constitui a
hegemonia.
220. Os governos petistas e suas políticas
públicas melhoraram a vida do povo; mas como não desenvolveram uma visão de
conjunto sobre o processo, não conseguiram tornar seu ponto de vista
hegemônico. E não o conseguiriam, mesmo que os meios de comunicação estivessem
do nosso lado.
221. A famosa pesquisa, tantas vezes
citada, segundo a qual os beneficiários das políticas sociais atribuem a
melhoria de suas vidas ao seu próprio esforço pessoal, a Deus e às suas
famílias, é uma expressão disto. A pesquisa mais recente, sobre o
conservadorismo nas periferias, também demonstra que, na ausência de um
discurso contra-hegemônico, as massas populares buscaram o que estava ao
alcance da mão. O mesmo pode ser confirmado quando analisamos o comportamento
da juventude.
222. É uma ironia, mas uma ironia sustentada
por outras experiências: provavelmente teríamos tido mais sucesso, se
tivéssemos associado nossas políticas públicas – de fato melhoristas – a um propósito socialista. Entre outros
motivos porque forneceríamos uma narrativa mais inteligível e com capacidade
hegemônica, diferente daquela que falava em “melhorar a vida dos pobres sem
tocar na riqueza dos ricos”.
223. Evidentemente, para que um projeto de
desenvolvimento vinculado à soberania nacional, à igualdade social e à
democracia popular pudesse tornar-se hegemônico, seria necessário que ele não
estivesse contaminado pelo neoliberalismo e pelo desenvolvimentismo. E, claro,
seria necessário um intenso debate público, que envolvesse grande parte da
população brasileira. Seria necessário, ainda, um conjunto de vitórias
eleitorais, a reorientação da ação de parlamentos e governos, além de uma nova
arquitetura institucional, estabelecida através de uma Assembleia Nacional
Constituinte, que garantisse a hegemonia pública no mundo da comunicação, da educação
e da cultura. Seria necessária, também, uma ampliação exponencial do papel do
Estado, como financiador, indutor, regulador, planejador e executor direto da
atividade produtiva, através das estatais. E para que o Estado fosse capaz de
coordenar e executar um conjunto de medidas que tornassem possível a ampliação
do nível cultural, científico, tecnológico e de produtividade de toda a
sociedade brasileira, seria necessário, “finalmente”, alterar a natureza de
classe e modificar o modus operandi do Estado.
224. Não se trata apenas de recuperar
antigas empresas estatais que foram privatizadas total ou parcialmente. Nem se
trata apenas da criação de novas empresas, capazes de atuar nas fronteiras do
desenvolvimento, na proteção dos interesses estratégicos (como é o caso, por
exemplo, da biotecnologia) e inclusive na execução de obras públicas
convencionais.
225. Embora, vale dizer, esta última
necessidade tenha se tornado ainda mais premente, devido aos efeitos da chamada
Operação Lava Jato, que afetou profundamente a engenharia nacional. Pode haver
dúvida sobre as motivações originais, mas não cabe mais dúvida sobre as
decorrências: a Lava Jato provocou interrupção no investimento, no crescimento,
na geração de empregos, além de favorecer diretamente o capital estrangeiro.
Por outro lado, a Lava Jato confirmou algo já sabido: que o setor de engenharia
é diretamente dependente do Estado, ainda que de direito seja privado. O que reforça
a necessidade de impulsionar um setor de engenharia estatal.
226. Enfatizamos que não se trata apenas de
ampliar o papel do Estado, embora isto seja parte importante do problema,
constituindo o reconhecimento de que os problemas do país são imensos, de
difícil solução, exigindo políticas de longo prazo e um nível de investimento
além da capacidade do setor privado. Frente a problemas tão imensos e tão
difíceis, faz-se necessário construir uma vontade coletiva e instrumentos
públicos, que só o Estado pode fornecer.
227. A ampliação do papel do Estado
constitui, ainda, uma reação defensiva contra as movimentações agressivas de
outros Estados, especialmente dos EUA. A defesa da soberania nacional exige uma
economia próspera, uma sociedade coesa, instituições políticas com visão
estratégica e capacidade de dissuasão, medidas defensivas e ofensivas de
variados tipos, que cabem ao Estado brasileiro.
228. Trata-se disto tudo, mas trata-se
principalmente de mudar a natureza de classe do Estado e, por conseguinte, seu
modus operandi. Isto porque a “ampliação do papel do Estado” constitui uma
necessidade para derrotar os grandes oligopólios privados.
229. Hoje a economia, a sociedade, a
cultura e a política brasileira são dominadas por estes oligopólios,
especialmente no setor financeiro. A PEC 55 é um dos muitos exemplos disto:
congela os investimentos sociais, mas mantém crescente o serviço da dívida.
Para os oligopólios, o Estado deve ser forte na proteção de seus interesses e
fraco na defesa dos interesses populares e nacionais.
230. Mudar a natureza de classe e ampliar o
papel do Estado constitui, paradoxalmente, a garantia de que possa haver um
amplo florescimento da pequena e da média empresa, bem como um crescimento do
número de trabalhadores pequenos proprietários, que atuam sozinhos ou com mão
de obra familiar. Com a diferença que um Estado controlado pelos trabalhadores
e uma economia de orientação socialista gerariam um ambiente que evitaria a
precarização do trabalho.
231. O mercado oligopolizado que temos hoje
é totalmente insalubre para os pequenos proprietários familiares, assim como
para os capitalistas de pequeno e médio porte. Só a intervenção de um Estado
que não seja controlado pelos oligopólios privados – um Estado que entre com
crédito, apoio técnico e estoques reguladores – pode garantir que o “livre” mercado não resulte
na destruição dos pequenos e médios proprietários.
232. Em resumo, precisamos construir um
Estado forte, comprometido com a soberania nacional, com a igualdade social,
com a democracia popular e com o desenvolvimento. Um Estado forte e
democrático, expressão das necessidades e aspirações da imensa maioria da
população brasileira. Um Estado com outra natureza de classe e que esteja
comprometido com outro tipo de sociedade: o socialismo. Tornar estas ideias
hegemônicas na sociedade brasileira constitui um passo necessário para que elas
se convertam em realidade.
Nosso
programa e o socialismo
233. Alguns setores da esquerda brasileira
consideram que explicitar o caráter socialista de nosso programa e de nossa
estratégia é desnecessário e um desserviço. Um desserviço, porque chocaria com
o senso comum da maioria das pessoas, dificultando nosso trabalho político de
convencimento. E desnecessário, por dois motivos diferentes: porque a adoção de
medidas socialistas não seria algo para já e porque o socialismo seria colocado
naturalmente na ordem do dia, pelo progresso da luta de classes.
234. A primeira afirmação, acerca do senso
comum, está ela mesma determinada pelo senso comum: de fato a maioria das
pessoas concorda com as opiniões da classe dominante acerca do socialismo. A
questão é: será possível derrotar politicamente a classe dominante, se não
mudar em alguma medida expressiva a opinião da classe trabalhadora acerca do
socialismo? Se a resposta for sim, tem razão o senso comum. Se a resposta for
não, então nossa ação política cotidiana precisa, em alguma medida, incluir a
crítica ao capitalismo e a defesa do socialismo.
235. A segunda afirmação é incorreta e
parte de uma visão antiquada acerca do que é o socialismo. Evidente, para quem
acredita que socialismo é “propriedade estatal dos meios de produção”, o
socialismo não está na ordem do dia. Mas para quem entende que o socialismo pode
ser a “combinação entre várias formas de
propriedade, sob hegemonia da propriedade Estatal, de um Estado que seja
expressão do poder das classes trabalhadoras”, então não é errado falar que
numa sociedade com as características do Brasil, as reformas estruturais que
defendemos – não tomadas individualmente, mas
quando tomadas de conjunto, sistemicamente – podem assumir uma natureza
socialista.
236. A terceira afirmação é parcialmente
correta. De fato, o socialismo é colocado naturalmente na ordem do dia, pelo
progresso da luta de classes. Mas “naturalmente” no caso precisa incluir a ação
subjetiva dos partidos, das forças políticas e sociais, que prevendo o
desdobramento da luta de classes, antecipam em seus planos estratégicos e em
seus discursos, a necessidade de colocar sob controle social e público e
estatal uma parte dos meios de produção. Portanto, o erro da terceira afirmação
está em que considera algo “natural”, desde que seja feito por terceiros.
237. O que dissemos anteriormente, sob a
natureza socialista que as reformas estruturais podem assumir quando
consideradas sistemicamente, pode ser constatado quando analisamos cada uma
delas.
238. Comecemos pela reforma tributária, que
inclui medidas como: a tributação de juros sobre capital próprio; a tributação
sobre lucros e dividendos; a taxação sobre remessa de lucros e dividendos ao
exterior; a extensão do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores
(IPVA) para barcos e aviões; a adoção de Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF);
a revisão da tabela do imposto de renda sobre pessoas físicas, com aumento do
piso de isenção e ampliação progressiva das faixas de contribuição; o aumento
do imposto sobre doações e grandes heranças, com repactuação do valor
arrecadado entre União, estados e município; e, de maneira geral, medidas
progressivas sobre a renda, no sentido oposto à regressividade do ICMS e
tributos sobre o consumo.
239. Prossigamos com a reforma financeira,
que inclui medidas como: a lei antitruste do sistema financeiro e eliminação
dos monopólios nacionais privados; a separação entre bancos comerciais e de
investimento; a ampliação dos direitos operacionais de bancos municipais e
cooperativos.
240. E a reforma agrária, que inclui
medidas como: a adoção de regime progressivo para o Imposto Territorial Rural
para propriedades improdutivas; a redefinição dos índices de produtividade para
fins de reforma agrária; a proibição da venda de terras para estrangeiros; a
interdição da venda de terras reformadas; o estabelecimento de limites
regionais para a propriedade agrária e o agronegócio; o fortalecimento da
agricultura familiar e das cooperativas agroindustriais como vertentes
principais para a conquista de autossuficiência alimentar; a defesa dos
direitos e heranças dos povos originários; a aprovação de um novo código de
proteção ambiental.
241. A soberania energética, que inclui
medidas como: a recomposição do regime de partilha, com a participação
obrigatória da Petrobras nas explorações do pré-sal; a criação do Sistema
Nacional de Energia, com o controle estatal sobre todas as distintas empresas
do setor.
242. A constituição de um estado de
bem-estar social, através da ampliação dos direitos sociais, trabalhistas e
previdenciários, incluindo medidas como: a revogação da EC 95, da
contrarreforma trabalhista, previdenciária e de outras medidas adotadas pelo
governo golpista; o reestabelecimento do comprometimento constitucional mínimo
com saúde e educação; a aprovação da Consolidação de Leis Sociais,
constitucionalizando o direito à renda mínima e outros benefícios; a
constitucionalização da lei de valorização do salario mínimo; a redução da
jornada semanal de trabalho para 40 horas.
243. A ampliação e garantia dos direitos
civis, através de medidas como: a descriminalização do aborto e o direito à
interrupção da gravidez até três meses; a descriminalização do consumo de
drogas; a constitucionalização dos direitos de casais homoafetivos como
entidade familiar plena; a defesa das cotas; o combate intransigente à discriminação
de qualquer tipo, ao feminicídio, ao assassinato da juventude negra, ao assassinato
da população LGBT.
244. A reforma política, que inclui medidas
como: a adoção do voto em lista partidária; a proibição de coligações
proporcionais; a criação de federações partidárias; o limite para o número
máximo de reeleições; o financiamento público das campanhas eleitorais; o
referendo revogatório para cargos executivos; os plebiscitos impositivos
convocados pelo presidente da República ou por 10% do eleitorado; outras
medidas de participação popular; a extinção do Senado.
245. A democratização da mídia, que inclui
medidas como: a proibição de propriedade cruzada e de propriedade de meios por
parlamentares, governantes ou familiares até segundo grau; a criação de um
Fundo em Defesa da Liberdade de Imprensa, com um percentual da receita
publicitária das televisões aberta e fechada, além das rádios, para estimular novos
meios de comunicação; a cláusula de objeção por consciência em todas as
redações; a criação de um Conselho Social de Comunicação, que autoriza e renova
licenças para emissoras de rádio e TV, retirando essa prerrogativa do
parlamento; a criação do direito gratuito de antena na TV aberta e nas rádios;
a democratização da produção de conteúdos; a implantação do marco civil com
neutralidade da rede e proteção aos direitos civis na internet.
246. A reforma do sistema judicial e de segurança,
que inclui medidas como: a instituição de mandatos limitados para ministros da
Suprema Corte, do STJ, do TST e desembargadores dos TRFs e TJs; democratizar o
mecanismo de escolha dos ministros e desembargadores; assegurar o controle
social do judiciário, através da reestruturação da composição e atribuições do
CNJ e de outros mecanismos; a desmilitarização das PMs estaduais e unificação
com a polícia judiciária; a reformulação do Sistema Nacional Penitenciário, com
a incorporação de todas as prisões e casas de detenção a um modelo único de
gestão.
247. Este conjunto de reformas estruturais
se traduzirá, se combinará e se materializará através de um conjunto de
políticas públicas. E a sustentabilidade do conjunto das reformas estruturais e
das políticas públicas dependerá, em última análise, da nossa potência
econômica, com ênfase nas seguintes quatro dimensões:
a) Uma produção de bens e serviços capaz de
atender a demanda presente e capaz de ampliar de maneira harmônica com o
crescimento da população, tanto em número de pessoas, quando em termos de novas
necessidades;
b) Taxas de crescimento e níveis de
produtividade capazes de absorver a massa de desempregados e a massa de pessoas
que entram a cada ano no mercado de trabalho;
c) Níveis de remuneração direta (salários e
pensões) e indireta (oferta de serviços públicos) que permitam aos
trabalhadores na ativa e aos aposentados elevar de maneira contínua sua
qualidade de vida;
d) Uma capacidade produtiva que, ao longo
do tempo, se equipare aos níveis médios de produtividade alcançados pelos
países que lideram a atividade econômica mundial.
248. O Brasil tem condições de atingir tal
potência econômica, assim como tem condições de sustentar o conjunto de
políticas públicas e de reformas estruturais acima relacionadas. Mas quando
observamos o conjunto da obra, não vemos uma dinâmica de “livre competição”
entre empresas privadas, tampouco de “livre mercado” internacional. Vemos um
tipo de sociedade capaz de planejar e de fazer prevalecer os interesses
públicos frente aos interesses privados, os interesses coletivos frente aos
individuais, os interesses da maioria frente aos interesses da minoria, os
interesses nacionais frente aos interesses internacionais.
249. O grande capital e a direita “acusam”
a esquerda de ser socialista. E alguns integrantes da esquerda refutam esta
acusação, afirmando-se apenas democratas, desenvolvimentistas, defensores do
papel do Estado, dos interesses populares e da Nação brasileira. Pouco adianta
a esperteza da resposta: o grande capital e a direita reagem contra “apenas”
aquilo como se estivessem diante de uma conspiração comunista. E a direita está
no seu “direito” quando age assim, porque ela sabe que a dinâmica natural da
luta de classes converte o conjunto daquela obra em socialismo. Quem erra são
aqueles setores da esquerda que desconhecem a dinâmica de conjunto, ignoram
seus desdobramentos ou – pior – sabendo de tudo, não se preparam para a reação.
250. Também por isto, não consideramos
adequado substituir – nem na retórica, nem na estratégia – o socialismo pela Nação. Um discurso
nacionalista pode vir acompanhado de uma prática entreguista. Isto ocorreu em
diversos momentos da história do Brasil, inclusive durante a ditadura militar,
tão useira e vezeira de manipular os símbolos nacionais e capaz de perpetrar
frases como “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
251. Um discurso nacionalista também pode
encobrir uma prática subalterna às grandes potências e uma prática mesquinha e
burra frente aos países vizinhos. Por isto é importante enfatizar que um novo padrão
de desenvolvimento, capaz de superar a dependência externa, a desigualdade
social e a democracia oligárquica, precisa combinar uma forte afirmação
nacional frente aos Estados Unidos e seus aliados; a disposição de negociar com
os BRICS a criação de uma nova ordem internacional; a firme convicção de que o
Brasil tem tudo a ganhar com a constituição de uma forte integração regional
latino-americana e caribenha.
252. Mas o mais importante é deixar claro
que na “Nação” convivem diferentes interesses de classe. Não propomos excluir
da nacionalidade os capitalistas; queremos “apenas” que o capitalismo e os
capitalistas deixem de ser hegemônicos. Até porque, se há alguma chance da
“Nação” brasileira resistir aos tempos que virão no mundo, esta chance passa por
termos uma coesão social que só é possível no socialismo.
253. Por razões análogas, não aceitamos que
o nacional-estatismo assuma o lugar do socialismo, nem em nossa retórica, nem
em nossa estratégia e programa. Um Estado forte pode contribuir para um desenvolvimento
em benefício dos interesses públicos, coletivos e majoritários de toda a
sociedade. Mas um Estado forte também pode agir em benefício de um setor social
minoritário e em detrimento das maiorias. No Brasil, por exemplo, o
fortalecimento do Estado na época da ditadura militar esteve à serviço dos
interesses de longo prazo de uma minoria da sociedade. Por isto, da mesma forma
como é preciso qualificar que tipo de “nacionalismo” patrocinamos, é também
importante qualificar que tipo de “estatismo” consideramos adequado.
254. Trata-se, noutros termos, de definir
com precisão o conjunto de objetivos (as metas, o programa, o projeto) e os
métodos através dos quais estes objetivos serão buscados e implementados. Como
foi dito anteriormente, nosso objetivo é melhorar a qualidade da vida do povo
brasileiro, de maneira profunda, acelerada e sustentável. Para isto,
necessitamos de um Estado forte frente aos concorrentes internacionais e,
também, frente aos interesses privados internos. De maneira sintética, trata-se
de garantir a soberania sobre nossa moeda, sobre nossos mercados, sobre nossa
capacidade industrial, científica e tecnológica, sobre nossos recursos
naturais, bem como garantir nossa segurança alimentar e energética.
255. Cabe ao Estado controlar o fluxo de
capitais, mantendo a taxa de câmbio num patamar adequado aos interesses
nacionais. Ao mesmo tempo, cabe ao Estado controlar a taxa de juros, mantendo a
oferta de crédito num patamar adequado aos objetivos do desenvolvimento.
Evidentemente, para que isto seja possível, é preciso mudanças estruturais na
economia brasileira, sem o quê será impossível ao Estado ter este grau de
controle. Para que haja não apenas controle, mas a planificação estatal do
desenvolvimento sustentável em setores estratégicos da economia, compreendendo
inclusive a participação popular e o controle social do Estado, é que se
compreendem tais necessárias mudanças estruturais.
256. Para financiar um programa de metas de
médio e longo prazo, é preciso controle sobre a economia nacional. Hoje quem
controla nossa economia é o setor financeiro privado e oligopolizado. Controlam
a economia, porque controlam a emissão de moeda. Embora legalmente a emissão da
moeda seja um monopólio do Estado, na prática o setor financeiro privado emite
moeda. Por isto, devemos constituir um setor financeiro nacional que no seu
cúspide seja 100% público, combinado com um grande número de bancos estaduais,
municipais e setoriais privados e/ou cooperativos.
257. Também cabe ao Estado adotar e
implementar uma política de conteúdo nacional, alterar a composição de nossa
pauta de exportações e importações, ampliar a capacidade de consumo nacional e
a integração regional, estimulando assim a recomposição de nossa indústria,
elevando sua produtividade, ciência e tecnologia. Não aceitamos que o Brasil
esteja condenado a ser exportador de produtos primários – fornecedor de commodities às grandes potências
industriais do mundo – e importador de
produtos industrializados. Precisamos implementar um novo processo de
“substituição de importações”, baseado na combinação entre a ampliação do
mercado de bens de consumo de massa, com o desenvolvimento de um imenso mercado
de bens de capital.
258. A ampliação da capacidade de consumo
da população vai, também, ampliar o mercado de consumo de massas de bens
privados. Existe uma demanda reprimida imensa, tanto material quanto simbólica.
Milhões de brasileiros e de brasileiras têm o direito de consumir mais.
Portanto, é preciso combinar a oferta dos bens de consumo público e dos bens de
consumo privado.
259. Este conjunto de medidas implicará num
choque com os interesses dos oligopólios privados, muitos deles transnacionais,
que controlam a maior parte das cadeias produtivas, que são grandes
importadores e/ou produtores de bens de consumo de massa, e que não tem
interesse em ampliar a produção nacional. Implicará num choque, também, com o
senso-comum de uma parte da população, que foi habituada a confundir bem-estar
com ampliação do consumo privado, e precisará ser conquistada para outro ponto
de vista.
260. Um programa de desenvolvimento deste
tipo enfrentará diversos gargalos. Um deles está vinculado à oferta de capitais
e de mão de obra. Outro está vinculado à oferta de alimentos. Um terceiro está
vinculado à oferta de bens primários, demandados pela construção civil e pela
indústria pesada. Por todos estes motivos, um programa de desenvolvimento de
novo tipo deve reorganizar o setor primário minerador e agropecuário. Isto se
torna particularmente necessário, nos atuais tempos de imperialismo financeiro,
que ameaça de diversas maneiras nossa soberania. A espionagem, o roubo e a
ameaça militar contra nosso espaço soberano. A compra de terras e de “direitos”
de exploração sobre riquezas nacionais, inclusive sobre a pura e simples
localização geo-espacial (como se vê no caso da Base Alcântara). A conversão de
bens públicos em reserva de valor e objeto de negociação no mercado de futuros.
Estas e outras ameaças só serão enfrentadas se o Estado brasileiro impuser e
fizer cumprir uma legislação soberana, além de se capacitar a defender nossas
fronteiras terrestres, marítimas, aéreas, aeroespaciais, cibernéticas e
especialmente sociais. A principal defesa é a unidade popular. E esta só
prevalece quando há níveis adequados de presença estatal, coesão social e
identidade política, elementos que o neoliberalismo e que o desenvolvimentismo
conservador solapam continuamente.
261. Para além dos motivos de natureza
geopolítica, há também motivos de natureza macroeconômica, que tornam indispensável
reformar todo o setor de mineração e agropecuário. Entre estes motivos,
citamos:
a) A mineração e o agronegócio provocam
imensos impactos ambientais, geralmente não contabilizados, mas que são pagos
pelo conjunto da sociedade;
b) A mineração e o agronegócio possuem
imensa importância em nossa pauta de exportações, obtendo muitas divisas
estrangeiras graças a exportação de bens com baixo valor agregado, bens que
posteriormente retornam industrializados, contribuindo no final das contas para
uma efetiva evasão de divisas;
c) A mineração e o agronegócio mobilizam
recursos que podem e devem ser investidos no fornecimento de matéria-prima para
nossa indústria e investidos na produção de alimentos de boa qualidade e
baratos. Ambos (matérias primas e alimentos) são essenciais do ponto de vista
da soberania nacional, na definição do poder de compra real dos salários e de
forma geral na definição do custo final de nossa produção industrial.
262. O Brasil necessita manter taxas de
crescimento de no mínimo 6% ao ano, ao longo de muitas décadas. Este índice é
necessário para incorporar as novas gerações de trabalhadores, além do “estoque”
de trabalhadores que hoje não estão plenamente empregados. Pretendemos que este
crescimento reverta em benefício da maioria da população. Se a maioria for
beneficiada “depois que o bolo crescer”, estaremos repetindo um modelo de
desenvolvimento conservador já praticado no Brasil nos anos 1970. Se este
benefício vier “antes do bolo crescer”, estaremos sujeitos a pressões inflacionárias
e a interrupções na velocidade e na qualidade do crescimento.
263. Uma das soluções para este tipo de
dilema consiste em baratear o custo de produção real de certos bens que
constituem grande parte da cesta de consumo da força de trabalho. Por exemplo:
a habitação, o transporte, a alimentação, o vestuário, a saúde e a educação.
Baratear estes itens permitirá elevar o nível de vida da população
trabalhadora, sem causar pressões inflacionárias, sem reduzir a velocidade do
crescimento, sem desorganizar a economia.
264. Visto deste prisma, uma política de
ampliação da produção de alimentos, assim como de melhoria na qualidade e
redução dos desperdícios, é estratégica para o desenvolvimento. Nisto consiste
a atualidade da reforma agrária: soberania alimentar, redução das
desigualdades, redução do poder das elites agrárias.
265.Precisamos de uma reforma agrária que
vá além de garantir terra. Precisamos redirecionar investimentos hoje
maciçamente destinados ao agronegócio, precisamos ampliar a pesquisa agropecuária
e as atividades de extensão rural, precisamos enfrentar o tema da gestão da
água – insumo básico não apenas para a
produção agrícola, mas também para a produção industrial e para o consumo
privado, especialmente nas cidades.
266. Pelos mesmos motivos, é estratégico
para o desenvolvimento reforçar a oferta de bens públicos “gratuitos”, como
educação e saúde, transporte e habitação. Não apenas pelos motivos humanos e
civilizatórios, mas também por razões políticas e econômicas. A oferta adequada
destes bens eleva a produtividade média da classe trabalhadora, ou seja, a
capacidade de produzir mais a custos sistêmicos menores. Por outro lado, estes
bens (saúde, educação, habitação etc.) constituem um salário indireto. Se o
Estado não os oferece, o trabalhador será obrigado a gastar parte do seu
salário adquirindo-os no mercado. Nele, encontrará preços altos e qualidade
baixa, não apenas porque o capitalista quer ampliar sua margem de lucro, mas
também porque o custo de produção privada destes bens é geralmente mais elevado
do que aquele possível no setor público. Finalmente, a oferta de bens públicos
gratuitos fortalece a consciência coletiva no povo brasileiro, de que estamos
diante de um desafio que diz respeito a todos nós.
267. Outros exemplos de bens públicos, que
o Estado deve fornecer diretamente, a preços subsidiados ou não: a água, a
energia elétrica e o saneamento. O efeito sistêmico disto é imenso: por
exemplo, o impacto do fornecimento de água e do saneamento na redução dos
problemas de saúde; e o impacto do fornecimento de luz na segurança e na
produtividade geral do trabalho. Repetimos: priorizando a produção e o consumo
de bens públicos, será possível combinar crescimento econômico acelerado com
elevação do bem-estar social da maioria da população.
268. O conjunto de ações descritas
anteriormente revela a necessidade de um Estado forte, frente ao complexo de
empresas privadas que controlam, de maneira oligopolista, a economia
brasileira. É o caso das grandes empresas financeiras, é o caso das
transnacionais nos mais diferentes ramos, é o caso também das empresas que
controlam as cidades: o capital imobiliário, as empresas de transporte coletivo
urbano, de coleta de lixo, as empresas de construção civil. Estas últimas – assim como as empresas de transporte
interurbano, rodoviário, ferroviário, hidroviário, de cabotagem e de longa
distância – “fazem a ponta” entre
cidades e campos, assim como viabilizam a circulação de mercadorias e de
pessoas. As quais deve-se agregar o complexo de empresas de comunicação,
especialmente eletrônica (TVs, rádios, internet).
269. Por todos os motivos que expusemos até
agora, garantir um desenvolvimento de novo tipo implicará em travar fortes
conflitos com as parcelas hoje dominantes na cultura, na economia, na sociedade
e na política de nosso país: o setor financeiro privado, o setor minerador e
agroexportador, as empresas que controlam as cidades e os oligopólios atuantes
no setor industrial. Haverá também conflitos, ainda que de tipo distinto, com
setores das classes trabalhadoras que possuem preconceitos e/ou não valorizam a
ampliação da oferta de bens públicos. Para que estes conflitos com setores da
classe trabalhadora não ganhem dimensão relevante, é importante garantir bens
públicos de excelência e fazer todos os esforços para ganhar a “opinião
pública” em favor do Sistema Único de Saúde, da Escola Pública e de Qualidade,
do transporte público e assim por diante.
270. Analisado por diversos critérios –
tais como o tamanho do território, o tamanho da população, o tamanho da
economia, as riquezas naturais etc. – o Brasil compõe o ranking das principais
nações do mundo. Não dispomos de capacidade militar à altura, até porque o
Brasil renunciou ao uso da energia nuclear para fins bélicos. E sofremos um
processo de destruição do nosso parque industrial e de reprimarização da nossa
economia. Mas o que visivelmente falta ao Brasil é uma classe dominante
disposta a entrar em conflito com as metrópoles capitalistas.
271. Como já foi dito anteriormente, a
maior parte da classe dominante brasileira prefere a condição de sócia menor
dos capitalistas estrangeiros. Esta opção possui uma lógica econômica:
maximizar seus lucros.
272. A outra alternativa implicaria em
construir um desenvolvimento capitalista nacional, que certamente sofreria uma
dura competição por parte das potências internacionais, o que tornaria
indispensável uma forte coesão nacional, o que depende de medidas tais como a
reforma agrária, políticas de bem estar social e democráticas. Tais medidas
implicariam em aumentar os salários diretos e indiretos em uma escala maior do
que cresceriam os benefícios gerados pela ampliação do consumo. O resultado
deste crescimento salarial líquido seria a redução proporcional nos lucros.
Razão mais do que suficiente para que a classe dominante opte, agora e
anteriormente na história do Brasil, pelo caminho preferido por seus sócios
internacionais. Não se trata principalmente de burrice, má fé, incoerência,
falta de amor pelo povo ou pela pátria: trata-se fundamentalmente de cálculo
econômico.
273. A opção da classe dominante brasileira
explica que nossa independência tenha sido uma transação entre pai e filho; que
tenhamos saído do domínio português para o controle inglês; que a escravidão
tenha sido tão longeva em nosso país; que a República tenha sido proclamada
como foi. A mesma opção explica por quais motivos a burguesia industrial
paulista encabeçou a contrarrevolução de 1932, fez oposição ao governo Vargas,
contribuindo ademais para seu suicídio. Assim como se opôs a posse de João
Goulart, financiou o golpe e a ditadura militar. Novamente, é esta mesma opção
que explica que os grandes capitalistas critiquem de público a taxa de juros,
mas orientem suas Tesourarias a jogar todas as fichas possíveis na rolagem da
dívida pública.
274. É importante destacar, portanto, que o
potencial do Brasil foi e continua sendo desperdiçado, em primeiro lugar devido
à economia política da classe dominante: lucros primeiro. Portanto, cabe aos
demais setores da sociedade brasileira – os trabalhadores assalariados, os
trabalhadores pequeno-proprietários, inclusive os pequenos e médios
capitalistas –- construir uma alternativa que enfrente e supere as principais
características de nossa trajetória histórica, a saber: a dependência externa,
a desigualdade social, a democracia oligárquica e o desenvolvimento limitado.
275. Falando em tese, não há
incompatibilidade absoluta entre o desenvolvimento capitalista e um programa de
reformas estruturais e políticas públicas capazes de resultar em um país com
soberania nacional, democracia política, igualdade social e desenvolvimento
sustentável. Também falando em tese, não há incompatibilidade absoluta entre o
desenvolvimento capitalista e o objetivo de elevar a produtividade e a
qualidade de vida de 200 milhões de pessoas, capacitando nossa sociedade a
utilizar e proteger adequadamente toda a riqueza que se distribui num país do
tamanho de um continente, criando as condições para que sobrevivamos e
progridamos num mundo cheio de conflitos e perigos. Ainda em tese, seria
hipoteticamente possível – nos marcos do capitalismo – implementar um projeto
de desenvolvimento baseado numa visão integrada das várias dimensões da
sociedade brasileira, tendo como orientação geral a construção de um país onde
o conjunto da classe trabalhadora tenha altos níveis de vida material, cultural
e política.
276. Mas isto é apenas em tese. Na prática,
implementar um programa deste tipo implica em enfrentar e derrotar o
imperialismo e a classe capitalista brasileira; implica, por outro lado, em
construir e manter uma hegemonia material, política e cultural da classe
trabalhadora e seus aliados; quanto ao conteúdo das medidas, implica em
combinar medidas capitalistas com medidas anticapitalistas. Portanto, visto de
conjunto, estamos falando de construir uma alternativa socialista para os
dilemas postos diante do Brasil.
Conquistar
o poder e iniciar a transição socialista
277. Decorre do que dissemos até agora que
não se trata de construir uma estratégia para mudar sem rupturas;
nem se trata de construir uma estratégia para fazer reformas estruturais
nos marcos do capitalismo; do que se trata é construir, na teoria e na
prática, uma estratégia que permita conquistar o poder para iniciar a transição
socialista.
278. No V e no VI Encontro nacional,
realizados em 1987 e 1989 respectivamente, o PT começou a desenhar uma
estratégia com este objetivo. Esta estratégia incluía um programa
democrático-popular e socialista; uma política de acumulação de forças, que
articulava luta e organização social, hegemonia cultural e organização
partidária, disputa de eleições e exercício de mandatos parlamentares e
executivos; uma política de alianças, que considerava a classe capitalista como
inimiga estratégica; e uma via de tomada do poder, que passava pela conquista
do governo federal. Esta estratégia mal começava a ser formulada e
implementada, quando enfrentamos as eleições presidenciais de 1989, a ofensiva
neoliberal e a crise do socialismo soviético.
279. Diante deste tsunami de
acontecimentos, com imensas implicações na cultura e na vida objetiva de todas
as classes sociais, o PT debateu entre 1990 e 1995 o que fazer. Havia os que
defendiam a manutenção da estratégia anterior, havia os que defendiam fazer
ajustes naquela estratégia e havia os que – argumentando não existir mais
retaguarda estratégia para implementar aquela política, ao mesmo tempo que
havia espaço para, ampliando a política de alianças, tornar-se governo. Entre
1990 e 1995 o partido oscilou entre diferentes posições. Mas, a partir de 1995,
tornou-se majoritária a decisão de abandonar a estratégia anterior. No lugar do
programa democrático-popular e socialista, adotou de fato um programa
antineoliberal. No lugar da articulação das formas de luta, adotou de fato uma
política de acúmulo de forças centralmente institucional. No lugar de uma
política de alianças entre trabalhadores e pequenos proprietários, adotou de
fato uma política de alianças com setores do grande capital industrial. E no
lugar de uma via de conquista do poder, adotou de fato um caminho para
conquistar o governo. Esta orientação politica foi consolidada no documento Uma
ruptura necessária.
280. A partir da Carta ao Povo Brasileiro,
aprovada pelo voto da maioria do DN em 2002, em oposição ao aprovado no XII
Encontro Nacional do PT no ano anterior, houve uma inflexão na linha política
adotada desde 1995: o programa passou a admitir alto nível de coexistência com
o neoliberalismo; a política de alianças se estendeu a setores do capital
financeiro; a conquista do governo foi substituída pelo exercício do governo,
sem a pretensão nem mesmo de reformar o Estado. Estas mudanças deram origem a
uma “estratégia de poder” que de fato não merece este nome, pois não se trata
mais de uma estratégia, mas sim de uma sucessão de táticas eleitorais. Nem se
tratava mais de disputar o poder, mas sim de buscar ganhar eleitoralmente
governos.
281. Como dissemos no início deste texto,
esta “estratégia” (considerando tanto a variante Uma ruptura necessária
quanto a variante Carta aos brasileiros) orientou o PT na disputa das
eleições de 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014. Nas quatro últimas eleições, fomos
vitoriosos. A “estratégia” também orientou a ação do PT nos governos Lula e
Dilma, com resultados insatisfatórios quando observados no detalhe – especialmente no primeiro governo Lula e na
fase inicial do segundo governo Dilma – mas satisfatórios na média, em
comparação com governos anteriores.
Portanto, do ponto de vista das suas realizações, julgada à luz de seus
próprios parâmetros, não se pode dizer que tenha sido uma estratégia ineficaz.
Salvo por um “detalhe”: aquela estratégia não levava em conta, logo não
preparou o Partido e a classe trabalhadora para o que faria o
outro lado.
282. Acontece que este outro lado – a classe dos capitalistas e aliados – não se
limitou a fazer oposição e a tentar nos derrotar eleitoralmente. Se a classe
dominante tivesse se limitado a estas duas ações, uma eventual derrota
eleitoral de nossa parte não poderia ser considerada como uma derrota
“estratégica”. Afinal, nos marcos de uma “estratégia” eleitoral, uma derrota
eleitoral “faz parte do jogo”. Se fosse só isto, tampouco poderíamos falar da
necessidade de mudar a estratégia. Afinal, perder uma batalha não obriga o
Estado Maior a concluir que uma determinada estratégia militar esteja
incorreta.
283. Mas os capitalistas e seus aliados não
se limitaram a fazer oposição e a tentar nos derrotar eleitoralmente. Foram
muito além. Pressionados pelas mudanças no cenário internacional, aproveitando
os limites da estratégia do PT e fazendo bom uso dos erros cometidos em sua
aplicação, os capitalistas, dirigindo uma coalizão integrada por partidos de
direita, setores do aparato de Estado, pela mídia oligopolizada e pela
mobilização “coxinha”, promoveram o impeachment.
Isto em si já constituía uma mudança nas regras do jogo. Mas eles não pararam
por aí. A classe dominante, através do governo golpista, do parlamento e do
judiciário, está tomando medidas que, se forem levadas até o fim, vão dinamitar
as bases que tornavam factível uma estratégia de mudanças sem rupturas. Estas
bases são: um movimento sindical forte; um partido político legal e de massas;
uma legislação eleitoral que permitia a formação de bancadas parlamentares de
esquerda expressivas; o reconhecimento da possibilidade das lideranças da
esquerda disputarem e vencerem as eleições presidenciais; uma legislação que
permitia ampliar a oferta de políticas públicas; um aparato estatal que
permitia reorientar em alguma medida os investimentos privados; um patamar de
crescimento que permitia algum tipo de redistribuição de renda. Ao destruir ou
limitar tudo isto, a classe dominante está tornando inviável qualquer
estratégia que busque fazer mudanças sem rupturas. Importante dizer que isto não ocorre apenas
no Brasil, nem mesmo na América Latina: é um processo mundial. E reflete algo
mais profundo: a resistência do capitalismo contemporâneo à reforma de si
mesmo.
284. No momento, o PT está travando uma
batalha para tentar impedir que o golpismo tenha êxito. Se sairmos vitoriosos
desta batalha, a estratégia adotada entre 1995 e 2016 pode ganhar novo fôlego,
mesmo que isto seja frágil e temporário. Mas se formos derrotados nesta
batalha, se o golpismo tiver êxito em interditar não apenas o caminho
eleitoral, mas inclusive as bases que tornava factível falar em mudanças sem
rupturas a partir de governos eleitos, o PT e o conjunto da esquerda brasileira
se verão diante da obrigação de esclarecer qual será sua conduta estratégica.
Entre outros, há três caminhos estratégicos postos no debate.
285. O primeiro deles é voltar ao status quo da esquerda brasileira antes
de 1980. Ou seja: a de força auxiliar dos setores de centro, contra os setores
de direita. No curto prazo, esta poderia ser uma das decorrências da interdição
de Lula e do eventual apoio do eleitorado de esquerda a uma candidatura como a
de Ciro Gomes, tal como parece pretender a posição hegemônica no PCdoB. De
maneira geral, uma das consequências imediatas de uma eventual demolição do PT
seria – não a ascensão de outra esquerda
com capacidade hegemônica – mas a
redução da influência de toda a esquerda. Ao se moverem tendo como objetivo a
superação do PT, tanto a esquerda udenista quanto setores da esquerda
republicana podem acabar contribuindo, na prática, para aquela subalternização.
Que implicaria em adiar, para um futuro longínquo e incerto, qualquer
possibilidade de implementar um programa democrático, popular e socialista. E
significaria, também, que no médio e longo prazo a classe trabalhadora teria
que construir novas organizações, dispostas a defender a independência da
classe trabalhadora, seu programa e sua estratégia. Em resumo: no atual período histórico, se o PT perder
protagonismo, a classe trabalhadora e a esquerda também perderão protagonismo.
Isto pode acontecer independente de nossa vontade – ou até devido à falta de
vontade e de política do grupo atualmente majoritário no Partido. Mas
dedicaremos o melhor de nossos esforços para que não venha a ocorrer.
286. O segundo caminho estratégico é
desencadear uma campanha de desobediência civil ativa, urbana e rural, na
perspectiva não apenas de derrotar o golpismo e de retomar as liberdades
democráticas, mas também na perspectiva de derrubar o golpismo e constituir um
novo governo fundado na rebelião popular. Num certo sentido, é o que se tentou
fazer no final dos anos 1960 e início dos anos 1970. O êxito de um caminho deste
tipo dependeria de uma conjunção de fatores que hoje não estão no horizonte
visível: uma vanguarda disposta e preparada para assumir uma postura de combate
permanente; uma base social disposta a pelo menos servir de retaguarda ativa
para esta vanguarda; um aparato de Estado incapaz de reagir a altura; um
contexto internacional que dificulte a repressão. Na ausência destes fatores, o
mais provável é que um caminho deste tipo resulte no isolamento e na destruição
de uma parcela importante da vanguarda, debilitando as atuais organizações da
classe trabalhadora e tornando inevitável uma reorganização geral no médio
prazo.
287. Defendemos o direito à desobediência
civil frente a um governo ilegítimo, enquanto uma das formas de resistência.
Inclusive consideramos que, frente ao governo golpista, ações mais duras de
desobediência civil são necessárias. Entretanto, não consideramos que a
desobediência civil – em nenhuma de suas formas – constitua uma estratégia
de luta pelo poder.
288. Como já ocorreu na história do Brasil,
a esquerda pode ser forçada a lançar mão da desobediência civil, enquanto forma
limite de resistência, inclusive para não se desmoralizar. Neste sentido,
achamos legítima toda e qualquer forma de resistência ao golpismo, individual e
coletiva. Mas não se deve confundir a legitimidade em última instância de uma
forma de luta, com a conveniência politica e a adequação estratégica desta mesma
forma de luta. A desobediência civil ativa só é conveniente e estrategicamente
adequada quando adquire caráter de massa, quando realmente é capaz de se
converter em estopim de uma rebelião popular capaz de derrubar um governo. E a
desobediência civil só adquire caráter de massa quando ela surge no contexto
das lutas de massas, como expressão da própria luta de massas. Quando as formas
mais extremas de desobediência civil são adotadas por grupos minoritários de
vanguarda, que tentam impor suas formas de luta ao movimento de massas, o
resultado mais comum – ao menos no caso do Brasil, mas também noutros países –
tem sido o isolamento e ao final a destruição destes grupos minoritários,
gerando confusão no movimento de massas e privando a esquerda de um número
importante de quadros.
289. O caminho estrategicamente adequado é
aquele que possa ser trilhado pela classe trabalhadora ou, pelo menos, por
setores majoritários desta classe. Por isso somos favoráveis a outro caminho
estratégico: concentrar energias na oposição politica e social, recuperar a
inserção na classe trabalhadora, desencadear mobilizações de massa que tenham
como horizonte não apenas derrotar o governo, mas também derrubar o Estado. Num
certo sentido, é o que o movimento pró-PT e o PT buscaram fazer no final dos
anos 1970 e durante os anos 1980. Mas naquela ocasião, desembocou num desfecho
inesperado por grande parte dos que apostaram na luta de massas como
alternativa estratégica: a eleição presidencial de 1989. Ou seja, o crescimento
da luta de massas não desembocou numa rebelião popular insurrecional, mas sim
numa “disputa institucional”.
290. Nunca saberemos o que teria ocorrido
caso tivéssemos vencido aquelas eleições. Provavelmente, um governo Lula
empossado em 1990 se veria às voltas com situações politicamente similares
àquelas enfrentadas pelo governo Hugo Chávez cerca de dez anos depois. Sabemos,
também, que o impulso da luta de massas – vindo desde o final dos anos 1970 –
arrefeceu ao longo dos anos 1990, o que contribuiu para que a maior parte da
esquerda brasileira mudasse sua estratégia, colocando em primeiro plano a
chamada luta institucional. Esta mudança – da ênfase na luta de massas, para a
ênfase na luta institucional – não foi decorrência automática de uma mudança na
situação objetiva. Em boa medida foi, também, decorrente de mudanças subjetivas
na própria esquerda, mudanças subjetivas que envolviam, ao mesmo tempo, certo
entusiasmo pelas possibilidades eleitorais, imensa preocupação com a ofensiva
neoliberal e a defensiva provocada pela crise do socialismo soviético. Elas
afetaram a imagem que a esquerda tinha acerca do socialismo, acerca da
revolução e acerca do papel do partido. Impactaram a ação dos governos
municipais e a ação dos sindicatos. Ao fim e ao cabo, a maior parte da esquerda
brasileira, já então encabeçada pelo PT, escolheu transitar de uma estratégia
ancorada na luta de massas, para uma estratégia ancorada na luta eleitoral.
291. No final dos anos 1990 e no início da
década seguinte, a experiência do governo Hugo Chávez demonstrou que uma
estratégia ancorada na luta eleitoral pode resultar num governo popular,
comprometido não apenas com a soberania nacional, com a ampliação das
liberdades democráticas e do bem estar social, mas também comprometido com o
socialismo. Mas Chávez teve a seu favor uma variável decisiva: a possibilidade
de, já na largada, contar com o apoio ativo de uma parte das forças armadas e,
portanto, reduzir as chances de êxito de um golpe. Como esta variável não estava
e pelo menos por enquanto não está colocada para a esquerda brasileira, cabe
responder de que forma consideramos possível combinar luta de massas e luta
eleitoral numa estratégia de conquista do poder.
292. Mesmo deixando de lutar pelo poder e
se contentando com a disputa de governos, parte majoritária da esquerda
brasileira manteve aquela combinação no plano da retórica, mas na prática
subordinou a luta de massas à luta eleitoral. Uma prova disso é a quantidade de
dirigentes sindicais e de movimentos sociais que encaram os mandatos
parlamentares e executivos como uma “etapa superior” de sua “carreira” pessoal.
Outra prova é a postura da maior parte de nossos governos, em todos os níveis,
que adotam uma postura arrogante frente aos movimentos sociais. Uma terceira
prova é o desaparecimento, na pauta das direções partidárias, do debate
cotidiano sobre o trabalho de massas, que foi terceirizado para as organizações
populares, sob o pretexto da “autonomia”. O enfraquecimento dos núcleos de base
do Partido é uma das causas e um dos efeitos disto.
293. Outra parte da esquerda brasileira
tende a menosprezar a luta eleitoral, considerada ao mesmo tempo inócua (não
muda nada) e perigosa (pois coopta a esquerda). A crítica ao
“institucionalismo” é acompanhada de uma ênfase na luta de massas, sob duas
formas diferentes: o “movimentismo” e a “insurreição”. A orientação
movimentista endeusa os movimentos sociais, mas não consegue explicar como a
classe trabalhadora vai passar dos movimentos sociais para o exercício do
poder. A orientação insurrecional imagina a passagem da luta de massas para a
luta direta pelo poder, nos termos como isto ocorreu em Outubro de 1917, na
Rússia, numa situação muito particular, em que uma parte das forças armadas
apoiou a revolução e a insurreição. Não descartamos a possibilidade de que a
luta de massas no Brasil se converta numa rebelião popular direta. Mas a
experiência histórica brasileira dá vários indícios de que esta possibilidade
não é a mais provável. No Brasil, na maior parte das vezes em que a luta de
classes atingiu um ponto de fervura, isto envolveu algum tipo de combinação
entre luta de massas e luta eleitoral.
294. Entre 1989 e 2002, o Partido dos
Trabalhadores – e com ele a maior parte da esquerda brasileira – adotou uma
estratégia que enfatizava crescentemente a importância da disputa eleitoral. As
resoluções do VI Encontro nacional do PT, de 1989, apontavam para uma tentativa
de repetir dois aspectos da experiência da Unidade Popular chilena de
1970-1973: a partir de um governo eleito, implementar reformas estruturais, que
levariam a uma reação burguesa, que o governo popular derrotaria, passando em
seguida para uma nova etapa, a construção de uma área de propriedade social e a
construção de um Estado de novo tipo. Não sabemos no que teria resultado esta tentativa,
se tivéssemos vencido as eleições de 1989. O que é certo é que, a partir de
1995, esta variável chilena foi
deixada de lado, em favor de algo mais prosaico: vencer as eleições e
implementar políticas públicas em benefício da maioria do povo, tendo como
perspectiva de médio e longo prazo uma transformação democrática e popular.
Hoje já sabemos que, mesmo prosaica, esta alternativa não é compatível com a
resistência que o capitalismo e a classe dominante brasileira oferecem à
qualquer tipo de “melhorismo”. Sendo assim, caso se considere a necessidade de
combinar luta de massas e luta eleitoral; e caso se recoloque a possibilidade
da esquerda brasileira governar o país, é preciso responder o que será feito
não apenas para transformar o Brasil, mas também o que será feito para tentar
impedir desfecho semelhante ao de agosto de 2016. Não se trata de propor uma
retomada do que defendíamos em 1989, nem tampouco imaginar que se possa repetir
a experiência chilena, mas desta vez com “final feliz”. Do que se trata é
estabelecer alguns parâmetros ou balizas estratégicas, que possam orientar
nossa ação política.
295. Em primeiro lugar, entendemos que cabe
recuperar a disposição de ser governo para ser poder. Em termos práticos, ter
como objetivo vencer eleições presidenciais e eleger uma maioria parlamentar
que permitam construir uma área de propriedade social e um Estado de outro
tipo.
296. Em segundo lugar, trata-se de
reafirmar o caráter socialista do nosso Partido e expressar isto no programa de
transformações que defendemos para o país. Nossa história, as características
de nossa sociedade, o lugar que ocupamos no mundo, o tipo de capitalismo que
hoje é internacionalmente hegemônico, além da própria crise do capitalismo,
indicam que apenas o socialismo tornará possível a ampliação do bem-estar
social, das liberdades democráticas, o desenvolvimento e a soberania com
integração regional.
297. Em
terceiro lugar, trata-se de reafirmar o caráter revolucionário do nosso Partido
e da estratégia que defendemos. Não devemos ser apenas um partido de oposição
aos que governam, devemos ser um partido de oposição anti-sistêmico, um partido
anti-capitalista, um partido que tem por objetivo derrotar a classe dominante e
construir outro Estado, com democracia participativa e que expresse os
interesses da classe trabalhadora. Portanto, conquistado o governo, tomaremos
medidas para reformar profundamente o Estado. Mas mais do que isto, nossa
participação nos processos eleitorais, bem como em mandatos executivos e
parlamentares, não nos leva a abrir mão da defesa da revolução política e
social, sempre que esta for a vontade da maioria do povo.
298. A maior parte do Partido deixou de lado este conjunto de
intenções e compromissos, ao longo dos anos 1990, por um lado sob o argumento
de travar uma dura luta política e social contra o “inimigo principal”, o neoliberalismo;
por outro lado, como resultado de uma dura luta interna, na qual prevaleceram
pontos de vista “melhoristas”, ou seja, concentrados em melhorar a vida do povo
através de políticas públicas nos marcos do capitalismo, não mais em
transformar a sociedade brasileira através de reformas estruturais articuladas
com o socialismo. Hoje está posto fazer o caminho oposto: travar uma dura luta
política e social, mas também uma dura luta interna, no sentido de fazer
prevalecer a orientação de transformar a sociedade brasileira através de
reformas estruturais articuladas com o socialismo.
299. Mas para que estas mudanças sejam
possíveis, é preciso combinar a ação do governo, a ação parlamentar e a luta de
massas. Embora não seja impossível e embora devamos perseguir este objetivo,
continuará sendo pouco provável que um governo popular eleito seja acompanhado
desde o início de uma maioria parlamentar de esquerda. Portanto, é necessário
construir as condições para uma “governabilidade de outro tipo”. Na ausência
disto, só restaria nos curvarmos à lógica da governabilidade tradicional, tal
como fizemos na maior parte dos governos Lula e Dilma, pelo quê pagamos um
preço alto até hoje.
300. Uma governabilidade alternativa
implica em articular a ação do governo central, de suas bancadas e governos
aliados, com a mobilização de massa impulsionada pelos partidos de esquerda e
organizações populares. O ponto central desta governabilidade alternativa é,
portanto, a constituição de uma articulação permanente entre pelo menos a maior
parte das organizações da esquerda política e social, assim como os governantes
e parlamentares populares. Tal articulação tem que ter presença capilarizada em
todas as regiões do país, não apenas territorial, mas também nas escolas e
universidades, locais de trabalho e de moradia. Necessita dispor de capacidade
de convocatória de massas. Deve construir uma rede nacional de comunicação de
massas, de educação e de cultura popular. Precisa dispor de “serviços de
ordem”, de informação e contrainformação capazes de nos proteger dos grupos
paramilitares de direita e de manter sob controle os grupos anarquistas. Em
termos ideais, trata-se de construir um “poder popular”, um “estado paralelo”, capaz
de apoiar as ações do governo popular, capaz de neutralizar as reações
conservadoras que provenham de dentro e de fora do aparato de Estado, capaz de
tornar possível a desmontagem deste Estado e a construção de um Estado de outro
tipo.
301. Certamente isto soará fantasioso para
quem conhece o grau de improvisação artesanal que prevalece em nossas
organizações de massa, bem como nas duas experiências de “articulação
permanente” atualmente existentes: a Frente Brasil Popular e a Frente Povo Sem
Medo. Mas é aquele nível de organicidade que devemos perseguir, se de fato
estamos falando a sério em construir uma estratégia
de poder que combine luta de massas e luta eleitoral, que encare ser governo como parte da luta para ser
poder. Do contrário, estaremos submetidos à governabilidade tradicional, impotentes
frente a possível repetição do desenlace que vivemos em agosto de 2016.
302. Importante dizer que o processo de
construção de uma “articulação permanente” daquele tipo será longo e tortuoso,
motivo pelo qual suas chances de êxito aumentam se ela for construída desde já.
Importante dizer, ainda, que embora esta frente não seja em si eleitoral, são
seus contornos que definem o arco de alianças da disputa eleitoral. Noutras
palavras: é preciso rever de alto a baixo a política de alianças. Em primeiro
lugar, distinguindo com clareza as alianças estratégicas das alianças táticas.
Em segundo lugar, estabelecendo critérios muito restritivos para as alianças
táticas que venham a ser feitas com setores que não são aliados estratégicos. Inclusive
porque a experiência tem demonstrado claramente que não vale a pena conquistar
e/ou participar de governos, se não for para tê-los como parte de uma
estratégia global de transformação social.
Conclusão
303. Apontamos ao longo deste documento
nossa crítica à estratégia e a tática adotada pelo nosso Partido dos
Trabalhadores, em seu recente 6º Congresso. Seguiremos defendendo que o Partido
altere sua estratégia, subordinando a esta nova estratégia as diferentes
orientações táticas demandadas pela conjuntura. Da mesma forma, seguiremos
insistindo na necessidade de alterar, mais que o funcionamento, o espírito
predominante no Partido.
304. Precisamos de um partido enraizado na
classe trabalhadora, presente em suas lutas cotidianas e gerais, um partido de
massas e militante, um partido que promova os valores do socialismo e da
revolução. A tendência petista Articulação de Esquerda pretende dar uma modesta
contribuição neste sentido. Em 2015 dissemos ser necessário um “Partido para
tempos de guerra”. Mas não foi isto o
que ocorreu. Sofremos uma derrota. Agora, sob condições piores do que antes, precisamos
fazer com que nosso Partido esteja à altura de vencer esta guerra.
Orientações
para o secretariado nacional da AE
305. De hoje até o dia 13 de setembro, o
secretariado nacional da AE receberá novas propostas de emenda ao texto, que
serão incorporadas em uma nova versão; e também buscará desenvolver os temas a
seguir listados: a) lulismo, populismo de esquerda, as teses de Laclau; b) a
crítica ao identitarismo apartado da luta de classes; c) o tema do mercado
interno de massas; d) o desenvolvimentismo democrático e popular; e) anticapitalismo,
não apenas antineoliberalismo; f) resistência local à reforma trabalhista,
combinada com grandes mobilizações; g) o papel específico do Partido no
trabalho de base; h) as mudanças no mundo do trabalho; i) a chamada “classe média”;
j) o papel das grandes empresas no socialismo; k) estatização versus estatais;
l) oligopólios versus pequenas e médias empresas; m) os diferentes interesses
da burguesia; n) a crítica à visão “utilitária” acerca dos movimentos sociais;
o) a necessidade de superar o longo período de hegemonia do reformismo; p) as vias
de desenvolvimento do capitalismo; q) a questão das forças armadas; r) os
interesses imediatos e de longo prazo da burguesia; s) a natureza de classe do Estado;
t) o debate que se trava hoje na CUT; u) os impactos da introdução do parlamentarismo;
v) os “limites da mobilização”; x) os diferentes setores do capital: produtivo,
industrial, financeiro, nacional, estrangeiro etc. Cabe ao secretariado
nacional da AE,também, providenciar a publicação e difusão em larga escala
deste documento, ao qual deve ser adicionado um sumário executivo e feita uma
revisão ortográfica detalhada.