Mundo,
Brasil, Sergipe: 2013 será um ano de grandes embates
Este
texto é uma contribuição ao debate de conjuntura no Congresso do SINTESE. Por
isto, está escrito na forma de um roteiro, para estimular a discussão sobre as
principais variáveis da conjuntura internacional, nacional e regional.
Introdução
Analisar a conjuntura significa estudar um determinado momento da luta permanente entre as forças políticas e sociais que integram
nossa sociedade.
A análise de conjuntura é uma mistura de ciência com arte.
A ciência está em saber escolher e saber
analisar detalhadamente cada uma das principais variáveis que, combinadas,
compõem a atual conjuntura ou momento da luta de classes.
A arte está em prever, com a exatidão que for
possível, como estas variáveis vão se projetar, combinar, interagir
futuramente.
Noutras palavras, a ciência conhece o passado
e o presente; a arte tenta prever os vários futuros possíveis; para, a partir
desta previsão, determinar qual deve ser nossa ação para que o futuro seja o melhor
possível para nós.
O exercício que faremos agora, portanto, pode
ser dividido em três partes: 1) escolher e estudar as principais variáveis que
compõem o nosso presente; 2) especular como estas variáveis vão se projetar no
futuro; 3) decidir o que a classe trabalhadora deve fazer, para que o futuro
seja o mais próximo possível daquele que nós desejamos.
Variável
1: o mundo
Hoje a principal característica do mundo é a
crise. Crise do capitalismo, crise social, crise política, crise militar, crise
ambiental.
De todas estas crises, a principal, a que é
pano de fundo das demais crises, é a crise do capitalismo.
A crise do capitalismo neoliberal pode ser
resumida da seguinte forma: os lucros incomensuráveis produzidos pela
especulação financeira não podem ser reinvertidos na produção, pois gerariam
lucros menores. E não podem ser reinvertidos na especulação financeira, pois
são insustentáveis. Em consequência, os lucros estão caindo, e com eles cai o
valor das ações, das empresas etc.
Noutras palavras: o capitalismo, que é um modo
de produção baseado na valorização permanente do capital, está gerando
desvalorização do capital. Esta é a crise.
Para enfrentar esta crise, os países ricos e os ricos dentro de cada país buscam transferir os ônus da crise para
os outros países, especialmente para os países mais pobres, e para outros
setores sociais dentro dentro de cada país, especialmente para os setores mais
pobres.
É desta atitude que brota a crise social,
especialmente o desemprego e o corte dos direitos e serviços públicos.
Da crise social surge a crise política, com
governos sendo eleitos por uma parte do povo num dia e questionados nas ruas,
por outra parte do povo, no dia seguinte as eleições.
É deste ambiente que surgem, ainda, as crises
militares, com os países se armando para enfrentar uns aos outros.
A crise mundial –somatória das várias crises
citadas, mais a crise ambiental-- vai ter prosseguimento pelos próximos anos. E
afetará cada vez mais gravemente o Brasil, que terá que adotar medidas para
defender sua soberania, sua economia, suas riquezas, seu povo.
Variável
2: os Estados Unidos
O mundo viveu crises semelhantes em 1930 e
1970. Naqueles dois momentos, os Estados Unidos lideraram a reorganização do
mundo capitalista.
Hoje, os Estados Unidos querem voltar a
reorganizar o mundo em crise. Acontece que os EUA estão com dificuldades para
fazer isto.
A primeira destas dificuldades é produto do
fim da União Soviética. Os Estados Unidos derrotaram a URSS na chamada Guerra
Fria. A União Soviética acabou, os EUA sobreviveram e venceram.
Mas a vitória dos EUA causou dois efeitos
colaterais: os EUA embarcaram com tudo na política neoliberal e, com isso,
tornaram-se brutalmente dependentes de outros países do mundo; e, ao mesmo
tempo, com o fim da ameaça soviética, os demais países do mundo capitalista se
sentiram a vontade para se tornar mais independentes em relação aos EUA.
Resultado: a hegemonia (ou predomînio) dos EUA
está ameaçado e sua economia está fragilizada. E como não existe nenhum país
com a força dos Estados Unidos, não há ninguém capaz de liderar o enfrentamento
da crise e a reorganização do mundo capitalista.
Noutras palavras: a crise mundial deve
prosseguir e agravar-se muito ainda. E pode se tornar ainda mais aguda, a depender
do resultado das eleições nos Estados Unidos.
Ganhe Obama ou ganhe Romney, a postura geral
dos EUA continuará a mesma: a de tentar transferir para a periferia do mundo o
önus de sua crise.
Obama parece ter mais consciëncia dos limites
da força dos Estados Unidos. Já o candidato republicano é mais tosco, é mais
bruto: sua eventual vitória tornará ainda mais frequente o recurso a força
bruta contra os adversários dos Estados Unidos.
Num caso ou noutro, o mundo será mais
perigoso, porque o Xerife impõe mais medo que respeito.
Variável
3: a América Latina
Toda vez que ocorre uma crise mundial (como em
1789-1848, em 1895-1945 ou agora), abre-se uma oportunidade para a América
Latina.
Foi numa destas crises que as colônias se
transformaram em nações soberanas. Foi noutra destas crises que várias nações
deixaram de ser agroexportadoras e tornaram-se potências industriais.
O que está posto, na atual crise, é se vamos
continuar periferia ou se vamos nos converter em um dos pólos da geopolítica
mundial.
Noutras palavras: integração regional para nos
convertermos em poder mundial; ou desagregação para seguirmos subordinados a
terceiros.
Os governos latinoamericanos e as principais
forças políticas e sociais da região estão, hoje, divididas entre estes dois projetos.
O caminho da integração regional é defendido pelos
governos do Brasil. Argentina, Uruguai, Bolívia, Equador, Venezuela, Nicarágua,
El Salvador e Cuba.
A integração é vista por estes governos como
instrumento de defesa regional (por exemplo contra os efeitos da crise mundial)
e também como meio de aproveitar as potencialidades regionais (grande reserva
de água, petróleo, minerais, riqueza biogenética, florestas naturais etc.).
A integração defendida é econômica, política e
cultural. E se traduz em algumas instituições internacionais, como a Comunidade
de Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC), a União das Nações da América
do Sul (Unasul) e o Mercado Comum da América do Sul (Merosul).
O caminho da subordinação é defendido por forças
políticas que estão na oposição, mas também por forças que governam o Paraguay,
Chile, Colômbia, Honduras, Panamá e Mëxico.
O projeto da subordinação tem nome: Arco do
Pacífico. Hoje, o Arco do Pacífico está vinculado aos interesses dos Estados
Unidos, mas pode se vincular aos interesses de outra potência que emerja no
lugar dos EUA. O fundamental está em não construir um proeto autônomo,
econômico e social, para nossa região. A integraçao deve ser aberta, ou seja,
não importa quem é teu vizinho e quem não é, importa quem te oferece mais
supostas vantagens no curto prazo.
Os dois blocos que existem na América Latina
vivem uma situação de equilíbrio relativo. Nem a direita consegue desalojar a
esquerda (exemplo disto é a recente eleição na Venezuela, vencida mais uma vez
por Chavez); nem a esquerda consegue desalojar a direita (exemplo disso é a
recente eleição no México, vencida por um dos setores da direita).
Esta situação de equilíbrio relativo não vai
durar para sempre. O maior ou menor impacto da crise internacional, a maior ou
menor agressividade do governo dos EUA, o maior ou menor êxito dos projetos de
integração, assim como a evolução interna de cada país, vão empurrar a situação
para um lado ou para o outro.
E a pedra de toque estratégica está no Brasil.
Como já disse um estrangeiro: para onde for o Brasil, irá a América Latina.
Variável
4: o Brasil
Há várias maneiras de conhecer um país. A mais
profunda, a mais completa, é conhecer a sua estrutura econômico-social: como
produz suas riquezas e em benefício de quem.
No século XX, o Brasil tornou-se um país
capitalista. Ou seja: um país onde as principais riquezas eram produzidas pelos
trabalhadores assalariados, em benefício principalmente dos proprietários das
grandes empresas capitalistas.
Nisto, o Brasil era e continua sendo parecido
com muitos outros países capitalistas existentes pelo mundo afora. A diferença
consistia no seguinte: a taxa de exploração aqui no Brasil era das mais altas
do mundo. Os ricos, mais ricos, os pobres, mais pobres, a repartição da riqueza
entre o Capital e o Trabalho das mais desiguais do mundo.
Esta característica tipicamente brasileira se
aprofundou no final do século, quando os neoliberais Collor e Fernando Henrique
governaram o Brasil, de 1990 a 2002. O neoliberalismo foi uma espécie de bode
na sala.
Os governos Lula e Dilma (2002-2012) estão
tirando o bode da sala. Sem o bode, a sala voltou a ser o que era na maior
parte da história do Brasil: um país tremendamente rico, uma classe dominante
tremendamente poderosa, um povo tremendamente explorado.
A esquerda que chegou ao governo, com Lula e
Dilma, sabem que não basta tirar o bode da sala, é preciso mudar a sala, seu
tamanho, sua decoração, seus móveis, absolutamente tudo.
Mas para isto é preciso poder. E a maior parte
do poder, no Brasil, segue com os de sempre: os grandes capitalistas e seus
aliados. São eles que controlam os meios de comunicação, a Justiça, os meios
econômicos etc.
Por isto, um dos grandes desafios da esquerda
que chegou ao governo, com Lula e Dilma, é fortalecer o poder dos
trabalhadores, através da ação sindical, dos movimentos populares, da
organização da juventude, dos negros e das mulheres, dos partidos de esquerda,
de meios de comunicação próprios, da difusão de nossas idéias e da eleição de
nossos representantes nos parlamentos e executivos municipais e estaduais.
Deste ponto de vista, o resultado das eleições
de 2012 é muito contraditório.
Variável
5: eleições 2012
As eleições municipais realizadas no Brasil
serviram de termômetro, em dois sentidos: como o povo está avaliando a situação
e quais as tendëncias para a eleição presidencial de 2014.
Se contabilizarmos quem ganhou e quem perdeu
as eleições, colocando de um lado os partidos de oposição e de outro lado os
partidos que apoiam o governo Dilma, o que veremos é que a oposição perdeu.
Nacionalmente, ganharam os partidos da base do governo Dilma, perderam o PSDB,
o DEM e o PPS.
Ao mesmo tempo, os resultados eleitorais
mostraram a insatisfação popular com os governos municipais. Isto ocorre por
vários motivos, entre os quais uma piora nas condições orçamentárias em grande
parte das cidades brasileiras. Seja como for, a maioria das candidaturas
vitoriosas foi de oposição aos respectivos governos municipais.
Para complicar ainda mais a situação: tomado
isoladamente, o partido da presidenta Dilma, o PT, foi o partido mais votado e
é o partido que governa o maior número de pessoas em todo o Brasil. Mas, por
outro lado, naquelas cidades onde candidatos do PT disputaram contra candidatos
de outro partido da base do governo Dilma, estes candidatos geralmente
receberam o apoio da oposição de direita e derrotaram o PT.
O que isto projeta para 2014? Falemos da
eleição presidencial, pois nas eleições para governador o quadro é mais
complexo.
Resumidamente: se 2014 for uma disputa entre
Dilma contra um candidato tucano, apoiado por DEM e PPS, Dilma vai ganhar a
presidência.
Mas se 2014 ocorrer uma disputa entre Dilma e
um candidato do PSB ou do PMDB, apoiado pela oposição, a candidata do PT corre
riscos.
Por isto, o enfraquecimento da oposição (PSDB,
DEM, PPS) amplia os apetites de alguns partidos que, embora hoje façam parte do
governo, amanhã planejam disputar contra a candidatura presidencial de Dilma.
É o caso do Partido Socialista Brasileiro
(PSB), que está sendo tentado a lançar candidatura própria a presidëncia da
República. Se isto ocorrer, e se esta candidatura vier a ser apoiada pelos
partidos da oposição, será um imenso desafio para o Partido dos Trabalhadores.
Variável
6: a classe trabalhadora
A classe trabalhadora brasileira está
dividida. Parte importante dos trabalhadores ainda vota em partidos que se
opõem ao governo Dilma.
Sem o voto de parte dos trabalhadores, João
Alves não seria prefeito de Aracaju e ACM não seria prefeito de Salvador.
É verdade, contudo, que a maior parte dos
trabalhadores votou em 2012 em partidos que são da base de apoio do governo
Dilma.
Mesmo assim, grande parte dos trabalhadores
tem consciência política limitada: a soma dos votos obtidos pelo PMDB, PSD e PP
supera 26 milhões.
Somando os votos de todos os partidos
nominalmente de esquerda (sejam os que fazem parte do governo Dilma, seja os
que se opõem), isto alcança 35,76% do eleitorado.
Tomado isoladamente, o PT foi o partido mais
votado no primeiro e no segundo turno das eleições municipais de 2012. E seus
prefeitos governarão maior número de habitantes.
Ao mesmo tempo, o PT sofreu derrotas
importantes (especialmente no sul e no nordeste do Brasil). Além disso, as
candidaturas petistas foram muito desgastadas pelo noticiário acerca do chamado
mensalão. Na semana anterior ao primeiro turno, a TV Globo chegou a dedicar 19
minutos do Jornal Nacional para este tema, o que obviamente teve impacto
eleitoral.
Quais são as tendências que se projetam para
2013 e 2014?
Primeiro, que o desempenho eleitoral da
esquerda está relacionado com a sua capacidade maior ou menor de manter o voto
dos pobres, de recuperar o voto dos setores médios, de neutralizar o impacto
dos meios de comunicação e de estabelecer o financiamento público das campanhas
eleitorais.
Segundo, que as forças de esquerda precisam
renovar seu discurso programático: não basta falar do que foi feito, é preciso
ganhar as pessoas para o que será feito.
Terciero, que os governos da esquerda precisam
ser capazes de encantar novamente as pessoas. Sem o que a direita conseguirá
apresentar-se com o discurso de renovação.
Quarto, que um desarranjo na economia do país
pode ter efeitos catastróficos sobre o desempenho eleitoral das esquerdas.
Quinto e principal: a esquerda não crescerá,
se depender única e exclusivamente do seu desempenho e da sua atuação
eleitoral, parlamentar e governamental. A esquerda precisa voltar a priorizar a
organização direta das classes trabalhadoras, com sua mobilização e conscientização.
Nas urnas se colhe o que se planta nas ruas.
2 de novembro de 2012