sexta-feira, 26 de junho de 2015

A resolução da executiva nacional do PT

A executiva nacional do PT, reunida no dia 25 de junho, aprovou uma resolução (ver abaixo) sobre mudanças climáticas. 

Aprovou também uma resolução política.

Tal resolução vai direto ao ponto: prossegue a ofensiva conservadora

Ofensiva que inclui a ação ilegal, antidemocrática e seletiva de setores da Polícia Federal no âmbito da Operação Lava-Jato.

Ou seja: setores da Polícia Federal estariam envolvidas numa ação que visa enfraquecer o governo Dilma, fora dos marcos do Estado Democrático de Direito

A resolução também denuncia projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional destinados a retirar da Petrobrás a condição de operadora única do pré-sal. E reprova os excursionistas tucanos que foram à Venezuela.

Infelizmente, o documento não explora outros aspectos dos temas citados. Por exemplo: quem comanda a PF? Qual a postura da base do governo no tema do Pré-Sal? Qual a postura das bancadas de esquerda no tema da Venezuela?

A resolução também saúda as iniciativas recentes do governo para retomar o crescimento da economia e identifica uma  retomada positiva do nosso projeto nacional de desenvolvimento

Ainda bem que a executiva nacional vê longe e sabe mais, pois a impressão que temos aqui da planície é outra: a de deterioração crescente da situação. 

Claro, a resolução é cautelosa e diz assim: para que se dê efetividade à continuação deste processo pelo governo e pelo PT, são necessárias medidas urgentes de reorientação.

Que medidas são estas? A redução da meta do superávit fiscal, a imediata reversão da elevação da taxa de juros praticada pelo Banco Central e a taxação das grandes heranças, das grandes fortunas e dos excessivos ganhos financeiros. Além de um Plano de Proteção ao Emprego. E também deixar claro para a sociedade que nosso compromisso é priorizar a retomada do crescimento econômico.

Considerando tudo que resta por fazer, fica a dúvida: não estará a executiva sendo demasiado otimista em relação a situação atual? Não estaríamos caminhando em direção a uma situação que afetará profundamente nosso desempenho em 2016?

De toda forma, reconforta saber que 5 grupos de trabalho foram constituídos. 




Reunida em São Paulo, Executiva Nacional do PT aprova resolução política

25 de junho de 2015
estrela PTHoje (25) reuniu-se em São Paulo a Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores.
Segue a resolução política aprovada, bem como a resolução sobre mudança climática.

Resolução Política
Reunida em São Paulo no dia 25 de junho de 2015, a Comissão Executiva Nacional do PT analisou a conjuntura recente do País e aprovou a seguinte resolução política:
1. Prossegue a ofensiva conservadora da oposição, da mídia monopolizada e de agentes públicos, com o nítido objetivo de enfraquecer o governo Dilma, criminalizar o PT e atingir a popularidade do ex-presidente Lula.
2. Tão grave quanto as tentativas de reduzir a maioridade penal, de realizar uma contra-reforma do sistema político-eleitoral e de comprometer o sentido progressista do Plano Nacional de Educação, é a ação ilegal, antidemocrática e seletiva de setores do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal no âmbito da Operação Lava-Jato.
3. O PT, que sempre esteve na linha de frente do combate à corrupção, é favorável à apuração de qualquer crime envolvendo apropriação privada de recursos públicos e eventuais malfeitos em governos, empresas públicas ou privadas, bem como a punição de corruptos e corruptores.
4. Mas o PT não admite que isso seja realizado, como agora, fora dos marcos do Estado Democrático de Direito. Se o princípio de presunção de inocência é violado, se o espetáculo jurídico-político-midiático se sobrepõe à necessária produção de provas para inculpar previamente réus e indiciados; se as prisões preventivas sem fundamento se prolongam para constranger psicologicamente e induzir denúncias, tudo isso que se passa às vistas da cidadania, não é a corrupção que está sendo extirpada. É um estado de exceção sendo gestado em afronta à Constituição e à democracia.
5. Neste sentido, o PT repele a negativa da revogação de prisão preventiva do companheiro João Vaccari Neto, a despeito da defesa haver respondido, com farta documentação, a alegação que fundamentava o decreto da detenção desnecessária e ilegal.
6. Preocupa ao PT as consequências para a economia nacional do prejulgamento de empresas acusadas no âmbito da Operação Lava-Jato. É preciso apressar os acordos de leniência, que permitam a recuperação de recursos eventualmente desviados, e que não se paralisem obras ou se suspendam investimentos previstos, a fim de impedir a quebra de empresas e a continuidade das demissões daí resultantes.
7. O PT denuncia, cabalmente, projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional destinados a retirar da Petrobrás a condição de operadora única do pré-sal. Ao tempo em que a empresa se recupera, ostenta recordes de produção e revaloriza suas ações, interesses antinacionais planejam, em seguida, atacar a política de conteúdo nacional e o regime de partilha, abrindo campo para a privatização da Petrobras e para o ingresso em massa no Brasil das transnacionais do petróleo.
8. A Comissão Executiva Nacional reafirma sua reprovação à manobra antidemocrática perpetrada por excursionistas brasileiros na Venezuela, frustrada na tentativa de acuar o governo do Presidente Nicolas Maduro e de implicar a diplomacia brasileira, sempre obediente aos princípios da autodeterminação, não-intervenção e defesa da paz e da resolução de conflitos através do diálogo e da negociação.
9. Do mesmo modo, é inadmissível a disputa política no interior do Tribunal de Contas da União para colocar sob suspeição as contas de 2014 do governo da presidenta Dilma Rousseff.
10. A Comissão Executiva Nacional saúda as iniciativas recentes do governo para retomar o crescimento da economia. O Plano de Investimento em Logística, os Planos Safra do Agronegócio e da Agricultura Familiar, o Plano Nacional de Exportação, a MP do fator previdenciário, que precisa ser ajustada no debate da Comissão quadripartite criada por decreto presidencial – todas essas ações indicam uma retomada positiva do nosso projeto nacional de desenvolvimento.
11. Para que se dê efetividade à continuação deste processo pelo governo e pelo PT, são necessárias medidas urgentes de reorientação, já apontadas inclusive na Carta de Salvador, aprovada no 5º. Congresso Nacional do PT.
12. Avultam entre estas providências, a serem debatidas com a sociedade e o Congresso Nacional, a redução da meta do superávit fiscal, a imediata reversão da elevação da taxa de juros praticada pelo Banco Central e a taxação das grandes heranças, das grandes fortunas e dos excessivos ganhos financeiros.
13. Igualmente urgente é a aceleração de negociação com as centrais sindicais para o lançamento de um Plano de Proteção ao Emprego, que inclua acordos com o setor privado acerca da manutenção de trabalhadores nas empresas.
14. Mais que nunca, é preciso deixar claro para a sociedade, sobretudo para os trabalhadores, os movimentos sociais organizados e os milhares de micros, pequenos e médios empreendedores, que nosso compromisso é priorizar a retomada do crescimento econômico de forma sustentável, com distribuição de renda, geração de empregos e com a inflação controlada.
15. A Comissão Executiva Nacional aprova a criação de 5 grupos de trabalho com o objetivo de mobilizar nacionalmente o PT, fazer a defesa do nosso partido e do nosso governo, bem como nos prepararmos, com disputa política e ideológica, para as eleições municipais de 2016.
16. Por fim, reiteramos nossa disposição de apoiar a participação em todas as iniciativas voltadas para a constituição de uma ampla frente democrática e popular em defesa da democracia, da questão nacional, das reformas estruturais e dos direitos dos trabalhadores.
São Paulo, 25 de junho de 2015
Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores



Resolução sobre Mudanças Climáticas
Reunida em São Paulo no dia 25 de junho de 2015, a Comissão Executiva Nacional do PT aprovou a seguinte resolução sobre as mudanças climáticas:
Tendo em vista o agravamento da crise ecológica global e considerando:
a) A realização em dezembro de 2015, em Paris (França) da convenção sobre mudanças climáticas, que deverá resultar em compromissos das partes de redução de emissões de gases do efeito estufa inclusive no Brasil;
b) O documento do Papa Francisco, líder da Igreja Católica Apostólica Romana, emitido neste mês de junho, que estabeleceu de forma sólida o posicionamento desta igreja sobre a crise ecológica global e suas determinações sobre a mesma, pelas mudanças climáticas – documento/posicionamento que influencia milhões de pessoas e a opinião pública global.
Resolve:
1. Apoiar a iniciativa da Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento – SMAD de promover evento reunindo a militância sócio-ambiental petista e não petista visando construir uma posição sobre as negociações e propostas em discussão na Conferência sobre mudanças climáticas, em Paris.
2. Orientar a Fundação Perseu Abramo no sentido de apoiar a inciativa da SMAD, e bem como, promover iniciativas próprias no mesmo sentido.
São Paulo, 25 de junho de 2015
Comissão Executiva Nacional do Partido dos Trabalhadores

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Entrevista para rádio francesa

Abaixo a versão em papel e a versão gravada de entrevista concedida à rfi

http://www.brasil.rfi.fr/brasil/20150625-Para-especialistas-cr%C3%ADticas-de-Lula-a-Dilma-descortinam-contradi%C3%A7%C3%A3o-fundamental-do-PT

Registre-se que há um erro na edição.

Como pode ser constatado na entrevista gravada, nela eu digo que o problema do PT não será resolvido com fórmulas, tais como "o PT precisa de uma revolução", "o  PT precisa de uma reforma".

Na edição, foi retirada a primeira frase, o que dá a entender o contrário do que eu disse.



quarta-feira, 24 de junho de 2015

Sobre "Mitos e realidade no cotidiano petista"

O companheiro Kadu Machado solicitou uma opinião acerca do texto http://jornal-algoadizer.blogspot.com.br/2015/06/mitos-e-realidades-no-cotidiano-petista.html


Aqui vai.


O texto está certo quando diz que as políticas da chamada “austeridade” aprofundam a crise, ao invés de resolvê-la.


O texto me parece errado quando diz que o problema consiste em abreviar, de maneira a mais acelerada, o tempo de vigência e a extensão de tais medidas.


Para tirar rapidamente o pais da rota da recessão, é preciso dar cavalo-de-pau.


Cavalo-de-pau que comece reduzindo a taxa de juros, passe pela execução plena do orçamento, prossiga com um imposto extraordinário sobre grandes fortunas e inclua um lava-jato na Lava-jato.


O texto está certo quando diz que a retomada do crescimento depende em maior medida da política do que da economia.

O texto me parece errado quando diz ser mito a afirmação segundo a qual o PT deve construir uma frente de esquerda.

E o texto me parece ainda mais errado ainda quando diz que o governo Dilma está isolado e sofrendo derrotas porque não construiu alianças ao centro.

O paradoxo está nisto: as alianças foram tão longe, mas tão longe, que o governo terminou isolado de sua própria base. E quando isto acontece, os aliados deixam de ser aliados e passam a protagonizar contra nós.

Por isto o PT precisa antes de mais nada recompor suas alianças com os setores democráticos e populares, aqueles que foram às ruas garantir a vitória de Dilma no segundo turno.

Isto não está em contradição com manter e ampliar o diálogo com todas as correntes democráticas, inclusive frações do empresariado. Mas é uma ilusão achar que nossa solução está, como no Dia da Marmota, em fazer de novo uma frente ampla com caráter de centro-esquerda.

O texto está certo quando relativiza a ideia de que o PT precisa voltar às origens.

O texto está errado quando acha que a solução estaria em assumir a defesa de temas pertencentes ao universo programático da esquerda que o precedeu, nomeadamente os trabalhistas e os comunistas.


Não é solução, porque se fosse este o problema, não teríamos problemas: há anos que o PT incorporou a retórica do desenvolvimentismo, do trabalhismo, da questão democrática etc e tal.

A ironia reside exatamente nisto: do mesmo jeito que os neoliberais tucanos são filhotes do desenvolvimentismo peemedebista, setores do petismo "evoluíram" do socialismo, fizeram rápida escala no desenvolvimentismo e terminaram no social-liberalismo.

Assim, o problema não está em assumir a defesa de temas. O problema está em como articular a questão democrática e a questão nacional, com a "questão socialista".

Mas para fazer esta articulação, é preciso colocar em primeiro lugar aquilo que é distintivo (ou que deveria ser) do PT: o socialismo. Até porque, dada a natureza monopolista do capitalismo brasileiro, não há como escapar da palavra proibida...

O texto está certo quando diz que ciclo da Constituição de 1988 não está encerrado.

O texto me parece errado quando não percebe que os limites da Constituição de 1988 tem relação direta com a crise atual. A Carta é demasiado progressista para a direita, mas é também insuficiente para a esquerda.

Por isto, considero ilusão achar que o centro da ação tática estaria na defesa da Carta de 88, uma vez que sua defesa é insuficiente como linha de contenção à ofensiva da direita.

O texto está certo quando diz que precisamos de um projeto de nação, que articule as aspirações do proletariado urbano e rural, dos camponeses e camadas médias urbanas.

O texto está errado quando diz que o PT não tem um projeto de nação. Na verdade tem. Vários. Desde o que defendemos, até aquele "país de classe média" que a presidenta Dilma defendeu na campanha.

Projeto de nação são como os mitos: existem vários.

Segue abaixo o texto enviado pelo companheiro Kadu.



Mito e realidade no cotidiano petista

Por Marcelo Barbosa e Kadu Machado
1A aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso elimina os elementos de instabilidade da atual conjunturamito.

Na Europa e nos EUA, as políticas da chamada “austeridade” aprofundaram a crise, ao invés de resolvê-la.

Contudo, na situação presente, a rejeição pura e simples do “pacote” de MPs encaminhado pelo Poder Executivo nos lançaria num vácuo poder sem perspectiva de solução favorável ao campo democrático-popular.

Nesse sentido, o problema consiste em abreviar, de maneira a mais acelerada, o tempo de vigência e a extensão de tais medidas.

O país precisa ser retirado da rota da recessão – e rápido!

A retomada do crescimento, porém, depende em maior medida da política do que da economia.

Somente o esforço de uma ampla coalizão de forças sociais, que reúna desde os trabalhadores até o capital produtivo – com suas respectivas representações políticas – poderá assegurar o retorno a uma contínua elevação dos níveis de emprego e renda no país, conforme vinha ocorrendo desde 2003.

2O PT precisa construir uma frente de esquerdamito.

Nos últimos anos, a esquerda brasileira ampliou seu peso na sociedade. Trata-se de um crescimento relativo.

De fato, sozinha, não tem força para sustentar o regime democrático e nem capacidade de mobilização para impor uma orientação econômico-financeira distinta da atual.

Necessita construir alianças ao centro.

Como não faz isso, se isola e vem sofrendo sucessivas derrotas desde o anúncio da reeleição da presidenta Dilma. Por baixo e por cima, nas ruas e no Congresso, a iniciativa passou a pertencer aos setores situados nas áreas mais reacionárias do espectro político.

Para derrotar tais ameaças – sobretudo as contestações à legitimidade do mandato da presidente Dilma – convém manter e ampliar o diálogo com todasas correntes democráticas, inclusive frações do empresariado. Movimento sem o qual também não será possível defender o setor público da economia, Petrobrás à frente.

No longo prazo, muitos setores de centro anunciam sua concordância com a necessidade introduzir reformas de estrutura em áreas sensíveis da organização do Estado e da sociedade brasileiros. A movimentação de instituições como a OAB e a CNBB expõe o engajamento de setores politicamente moderados, porém comprometidos com a ampliação dos espaços de democracia política e justiça social. É com esse tipo de aliados que devemos partir para a montagem de uma frente ampla, com caráter de centro-esquerda.

3O PT precisa voltar às origensrealidade, em termos.

O PT não pode e nem deve abrir mão das características presentes em seus momentos inaugurais, em especial, a ênfase na afirmação da identidade de esquerda e a cultura de solidariedade ao sindicalismo e aos movimentos sociais. Ao inverso, necessita reforçar tais compromissos.

Porém, carece de assumir a defesa de temas pertencentes ao universo programático da esquerda que o precedeu, nomeadamente os trabalhistas e os comunistas.

Para tanto, incumbe recuperar a importância da chamada Questão Nacional no que se refere à defesa da soberania – inclusive a de natureza econômica – do país. Ao retomar a coordenação entres ações de caráter democrático, mas também nacional, nosso partido estará contribuindo para transformar o conteúdo das instituições do Estado brasileiro, dirigindo-as ao enfrentamento do atraso estrutural do país, principalmente a questão da desigualdade social.

Tais atitudes, ao invés de dificultar, apenas capacitarão o Brasil a atuar com mais eficácia em iniciativas de natureza não autárquica como o estímulo aos Brics e a integração com os países da América latina e África.

4O PT precisa entender que o ciclo da Constituição de 1988 está encerrado:mito.

Mesmo sem consagrar todas as aspirações dos setores democráticos e populares que participaram de sua elaboração, a verdade é que a Carta de 1988 se inclui entre as mais avançadas do mundo!

Sem ser perfeita, assegura um regramento democrático para a luta política de classes em curso na sociedade. Sob sua égide, na contramão do resto do mundo, a esquerda petista e seus aliados conseguiram atingir o governo do país e dar início a um período de importantes mudanças.

Aliás, boa parte das demandas enunciadas nos protestos de 2013 – em favor de melhorias na saúde, educação e mobilidade urbana, só para ficar em três itens – encontrariam equacionamento caso os dispositivos da Constituição fossem efetivamente aplicados.

As elites ligadas ao capital financeiro e ao agronegócio perceberam isso. Daí porquê desde a promulgação da Lei Maior, vêm tentando desfigurá-la de todas as maneiras. Esses esforços atingem o seu ponto mais agudo na atualidade. Irradiando sua influência a partir do Congresso Nacional, a representação política do Grande Capital faz do ataque às cláusulas asseguradoras de direitos individuais e coletivos previstos na C.F. o centro de suas atividades.

Não constitui coincidência o fato de que todas as contrarreformas propostas pela direita assumam a forma jurídica de emendas à Constituição: financiamento empresarial de campanhas, terceirização das atividades laborativas, diminuição de maioridade penal, fim do voto proporcional, entre outros tópicos.

Para estruturar uma linha de contenção à ofensiva da direita o campo democrático-popular do debate político deve, resolutamente, assumir a defesa da legalidade democrática estatuída pela Carta de 1988 como centro de sua tática de ação. Sem tibieza.

5O PT tem projeto de naçãomito.

O que o governo do PT e seus aliados fizeram nos últimos 12 anos foi articular uma proposta de crescimento econômico com atendimento parcial das demandas dos setores da base da pirâmide social. Algumas dessas extremamente importantes, a exemplo da política de valorização do salário-mínimo e os programas sociais. Algo de essencial, mas ainda insuficiente.

No documento do Núcleo Celso Furtado, do PT-RJ, publicado no Algo a Dizer, já em 2013, dizíamos:

Por projeto nacional entendemos a mobilização presente de esforços no sentido de criar as bases teóricas, programáticas e culturais para, numa dinâmica provavelmente associada ao longo prazo, pôr em prática as transformações que a sociedade brasileira requer para se transformar numa nação capaz de assegurar a todos os seus cidadãos o exercício efetivo de direitos e garantias individuais e, sobretudo, coletivos.

Entre as medidas a serem adotadas – ainda obstaculizadas pela correlação de forças atual – se incluem: assegurar o caráter público e universal à educação e à saúde; implantar o imposto sobre grandes fortunas; taxar fortemente os lucros das empresas monopolistas; realizar uma reforma agrária em grande escala combinada com a formação de uma agroindústria ecológica; submeter o sistema bancário ao interesse coletivo; assegurar o controle público das ações do Estado; descriminalizar o aborto; democratizar os meios de comunicação em todos os níveis; pôr fim à concentração fundiária urbana; garantir o domínio do país sobre seus recursos materiais, sobretudo os de natureza hídrica; intensificar os trabalhos de unificação política e econômica dos países latino-americanos; proteger os biomas ameaçados pelos interesses econômicos; mudar radicalmente o modelo de transporte público hoje inviabilizado pela opção pelo aumento da frota de automóveis, entre outros.

Conquistas, enfim, que deverão ser fruto da ação de uma nova maioria política e cultural formada pelo proletariado urbano e rural, pelos camponeses, camadas médias urbanas unidas aos movimentos sociais expressão dos anseios de mudança da juventude, das mulheres, dos negros, índios, grupos GLBT e populações quilombolas.

Por certo, tal articulação não se confunde com o atual projeto de acumulação de capital no qual nosso governo e nosso partido tentam negociar e inserir algumas reivindicações dos setores da base da pirâmide social.



Marcelo Barbosa é advogado, doutor em Literatura Comparada pela UERJ, diretor-coordenador do Instituto Casa Grande e autor, entre outros, de A Nação se concebe por ciência e arte – três momentos do ensaio de interpretação do Brasil no século XIX

Marcelo também é autor do texto “O moderno e o PT”, publicado no Algo a Dizer, no site da Agência PT de Notícias e no Blog dos desenvolvimentistas

Kadu Machado é jornalista e advogado, membro do Núcleo Celso Furtado, do PT-RJ e editor do jornal de Cultura e Política Algo a Dizer

Escrito a convite

Texto escrito a convite da revista Caros Amigos.

Qual presente aos 35?
O Partido dos Trabalhadores foi criado em 1980. Sua história pode ser dividida em três grandes etapas: até 1989 fizemos oposição política e social contra a ditadura e contra a transição conservadora; até 2002, fizemos oposição ao neoliberalismo; e a partir de 2003 e até agora, encabeçamos o governo federal.
As transformações ocorridas no PT e em sua atuação, ao longo destes 35 anos, responderam em parte às mudanças objetivas ocorridas na sociedade brasileira, na luta entre as classes sociais. Por outra parte, as mudanças sofridas pelo PT são produto da luta entre as diversas correntes existentes no interior do Partido, correntes que expressam de maneira mais ou menos consciente o ponto de vista de diferentes setores da classe trabalhadora.
Existem hoje no PT quatro grandes correntes ideológicas: o social-liberalismo, o desenvolvimentismo, a social-democracia e o socialismo. Estes últimos, que foram hegemônicos na primeira etapa da história do Partido, desde 1995 vêm perdendo influência.
A maior parte dos petistas socialistas sofreu uma metamorfose, aderindo em maior ou menor grau às ideias das demais correntes ideológicas. Outra parte optou por investir suas energias na militância dita “social” ou explicitamente em outros projetos partidários. Um grande número escolheu manter-se filiado ao PT, mas sem acreditar na possibilidade de reconstruir uma hegemonia socialista no seu interior.
Acontece que desde o final da ditadura militar até hoje, o PT é o partido com maior influência nas classes trabalhadoras brasileiras, com mais força política social e institucional, com mais destaque internacional.
Os demais partidos vinculados à classe trabalhadora são aliados, adversários ou inimigos do PT, que mantém uma hegemonia que decorre de sua influência de massa e também das condições sob as quais se trava, hoje, a luta política no Brasil.
Por isto, os dilemas do PT são os dilemas da classe trabalhadora brasileira: enquanto durarem as atuais condições históricas, a derrota do PT será a derrota do conjunto da classe trabalhadora e da esquerda brasileira.
Os que acreditam que esta derrota é inevitável e investem na construção de sua própria alternativa partidária, geralmente acreditam que esta alternativa sobreviveria à uma derrota do PT e assumiria o papel atualmente ocupado pelo PT.
Tal crença é uma ilusão, porque caso o petismo fosse derrotado historicamente, o mais provável seria ocorrer algo similar ao que se passou em 1964-1980 quando da derrota do comunismo e do trabalhismo, ou seja, a dispersão da esquerda num ambiente de derrota geral da classe trabalhadora.
Por isto diversos setores da esquerda, mesmo não sendo petistas, consideram necessário impedir a derrota do PT. E impedir a derrota do PT exige, fundamentalmente, mudar a atual estratégia política do Partido.
A política adotada pelo PT em sua primeira década de existência, especialmente a partir de 1986, foi baseada no programa democrático-popular e socialista e numa estratégia que articulava luta social, luta institucional, disputa politico-cultural e organização partidária.
Entretanto, depois da derrota sofrida nas eleições de 1989, um setor importante do Partido entendeu que era necessário mudar de programa e de estratégia. A partir de 1995, o objetivo principal do Partido passou a ser derrotar o neoliberalismo, o que implicava em ter como objetivo não mais iniciar uma transição socialista, mas sim administrar um capitalismo não-neoliberal.
À medida que o objetivo programático passou a ser derrotar o neoliberalismo, setores do grande Capital passaram a ser considerados aliados estratégicos. O PT passou a realizar cada vez mais alianças com partidos de centro e direita, que expressavam exatamente os interesses daqueles setores.
Como o grande capital brasileiro é hegemonizado pelo setor financeiro e monopolista, setores do Partido passaram a defender e a praticar alianças também com os setores beneficiários e interessados no neoliberalismo que supostamente se pretendia derrotar. Em consequência, começaram a propor e a realizar alianças inclusive com o PSDB.
A mudança no objetivo programático e nas alianças foi acompanhada por mudanças na política de acúmulo de forças e de conquista/construção do poder.
Até 1995, nosso caminho para o poder incluía participar das eleições e exercer mandatos. Mas a luta institucional era um dos meios, não o único meio e nunca o fim. A luta institucional era considerada parte de uma estratégia que incluía também a luta e organização social, a construção de uma aliança orgânica entre as forças democrático-populares, a disputa ideológica, cultural, de visões de mundo, bem como a organização do próprio PT como partido de massas.
Mas ao longo dos anos 1990, especialmente a partir de 1995, a luta institucional foi progressivamente se tornando "a" estratégia, que subordinava e na prática às vezes substituía os demais aspectos.
A mudança no objetivo programático, na política de alianças, na política de acúmulo de forças, na via de conquista/construção do poder não impediram a nossa vitória nas eleições presidenciais de 2002. Tampouco impediram que nossos governos federais, estaduais e municipais melhorassem a vida do povo.
Mas com o passar do tempo foi ficando cada vez mais claro que a estratégia adotada entre 1995 e 2005, além de não conduzir ao socialismo, possuía também "defeitos de fabricação" que impediam atingir seus próprios objetivos.
Afinal, para continuar melhorando a vida do povo, ampliando a democracia e a soberania nacional, é preciso fazer reformas estruturais. Na ausência de reformas estruturais, a tendência é o retrocesso nas condições de vida do povo e a retomada de uma hegemonia de tipo neoliberal.
E para fazer reformas estruturais, necessitamos de força política e social, já que tais reformas de caráter democrático-popular contrariarão os interesses das classes dominantes no plano nacional e internacional.
Por outro lado, chegamos ao governo, mas não conquistamos o poder. E aqueles setores políticos e sociais que detêm o poder estão cada vez mais ameaçando nossa continuidade no governo, como fica claro ao compararmos os resultados das eleições presidenciais desde 2002 até 2014.
A estratégia adotada pelo PT desde 1995 visava e visa conquistar o governo e mudar as ações de governo. Não é e nunca foi uma estratégia de poder, de disputa de hegemonia e ampliação do apoio político e social para o Partido, de reformas estruturais. Seguir adotando esta estratégia nos levará a administrar o retrocesso do que fizemos desde 2002 e ajudar em nossa própria derrota, nas eleições e/ou fora delas.
Noutra palavras: a estratégia majoritária no PT entre 1995 e 2005 nos trouxe até certo ponto. Talvez pudéssemos ter chegado até aqui com outra estratégia, talvez não. Independentemente disto, se quiser seguir adiante, o Partido precisará de outra estratégia, que reconheça que só é possível continuar melhorando a vida do povo se fizermos reformas estruturais. Que construa as condições políticas para fazer reformas estruturais. Que recoloque o socialismo como objetivo estratégico. Que constate que o grande capital é nosso inimigo estratégico. Que não acredite nos partidos de centro-direita como aliados. Que seja baseada na articulação entre luta social, luta institucional, luta cultural e organização partidária. Que retome a necessidade do partido dirigente e da organização do campo democrático-popular. E que abra mão, integral e imediatamente, do financiamento empresarial.
Em 2005 já havia ficado clara a necessidade desta nova estratégia. Naquele momento, a crise política criou as condições para eleger uma nova direção para o Partido, entendendo direção no duplo sentido da palavra: no sentido de núcleo dirigente e no sentido de rumo estratégico.
Entretanto, entre o primeiro e o segundo turno das eleições partidárias de 2005, um importante setor da esquerda petista desistiu de disputar o PT e resolver aderir ao PSOL.
Em parte por isto, em parte por limitações dos demais setores da esquerda petista, em parte pela força dos setores moderados do PT, o resultado foi a eleição de uma nova direção partidária comprometida com algumas mudanças na implementação da estratégia, mas não comprometida com a adoção de uma nova estratégia.
Embora limitadas, as mudanças realizadas entre 2006 e 2010 melhoraram o ambiente no Partido, contribuíram para que o governo Lula fizesse uma inflexão à esquerda e nos permitiram vencer as eleições presidenciais de 2006 e 2010. Mas a estratégia continuou a mesma.
As consequências deste erro ficaram claras em junho de 2013, nas eleições de 2014 e neste início do segundo mandato de Dilma. Ao não mudar a estratégia, enfrentamos seus efeitos colaterais. Ao não mudar a estratégia no momento adequado, somos obrigados a tentar a alteração quando é mais difícil fazê-lo.
Embora o estilo predominante no atual governo possa agravar as coisas, os impasses estratégicos atuais não decorrem principalmente das ações (e inações) da presidenta Dilma. As escolhas estratégicas feitas pelos grupos atualmente majoritários no PT são anteriores ao ingresso de Dilma no Partido. E as opções feitas pelo governo neste primeiro bimestre de 2015 têm a mesma genética das opções feitas por Lula no biênio 2003-2004.
A diferença é que as condições da luta de classe mudaram completamente. O cenário internacional foi alterado, o grande Capital mudou de atitude, os setores médios e parcelas crescentes da classe trabalhadora também mudaram sua atitude frente ao nosso PT e aos governos que encabeçamos. Ou seja: se é verdade que a atual estratégia oferecia seus ônus e seus bônus, agora os bônus estão desaparecendo e os ônus agigantaram-se.
Por tudo isto, parcela importante da "nação petista” esperava que o 5º Congresso do PT (realizado de 11 a 13 de junho em Salvador, Bahia) propusesse mudanças na linha política e no funcionamento do Partido, mudanças na ação de nossas bancadas parlamentares e na ação do governo Dilma.
Infelizmente, as resoluções do 5º Congresso nacional do PT -- pelo que disseram e principalmente pelo que deixaram de dizer-- frustraram as expectativas e as esperanças das bases vivas do petismo.
Comprovou-se assim, mais uma vez, que nossas principais dificuldades não decorrem da ação da oposição de direita, do oligopólio da mídia ou do grande capital, seja transnacional, financeiro, agropecuário ou monopolista. Nossos inimigos e nossos adversários estão apenas fazendo a sua parte. Se eles estão tendo êxito, é no fundamental devido a erros, ações e omissões que têm origem nas fileiras do Partido.
Quais as chances de êxito nesta luta por mudar os rumos do PT? Respondendo com franqueza: são reduzidas, como foram igualmente reduzidas as chances de vitória em tantas outras disputas de significado estratégico. O que não nos impediu de lutar, nem impediu que fossemos vitoriosos em várias delas.
Se vencermos desta vez, será graças à força e a vontade dos setores mais combativos da classe trabalhadora. Este é o melhor “presente de aniversário” que o PT pode receber.


Valter Pomar é militante do PT. Entre 1997 e 2013, foi dirigente nacional do PT. Foi secretário de relações internacionais do PT e secretário executivo do Foro de São Paulo.

terça-feira, 23 de junho de 2015

Sobre o texto do Leopoldo Vieira

Uma das poucas vantagens de não ser "liberado" é ter que deixar para depois de amanhã o comentário sobre o texto de anteontem.

Pois as vezes acontece uma surpresa. 

Como poder reler e comentar o texto de Leopoldo Vieira (ver abaixo a íntegra, em negrito), num ambiente temperado pelas recentes declarações de Lula acerca do governo Dilma (para os religiosos) e acerca do PT (num debate com o nada santo Dom Felipe Gonzalez).

Antes de saber das declarações de Lula, eu ia gastar parte deste texto ponderando que certos porta-vozes da maioria (como Leopoldo) poderiam ter mais cautela ao comemorar suas vitórias. 

Afinal, uma coisa é ganhar votações em um Congresso, outra coisa é derrotar a direita, o grande capital e o oligopólio da mídia. Motivos de sobra para levar em maior consideração as críticas da minoria.

Mas aí veio o Lula com suas opiniões acerca do PT e do governo, opiniões que fazem as críticas às resoluções do recente Congresso do PT parecerem mera amabilidade. 

Deixarei para outra ocasião minha opinião acerca do que disse Lula e passo aos pontos que considero mais relevantes no texto do Leopoldo Vieira.

Ponto 1

A "minoria se reduziu às polêmicas de duas décadas atrás". 

Não sei com base no quê Leopoldo chegou a esta conclusão. 

Duvido que tenha sido com base nos textos apresentados ao Congresso pelas chapas da Articulação de Esquerda, da Mensagem ao Partido e da Militância Socialista (que, somados a setores das demais chapas compuseram os 45% da chamada minoria). 

Duvido, também, que tenha sido com base nas defesas feitas em plenário, durante o recente Congresso petista.

Não localizei nada, tampouco, no conhecido texto de cabeceira Como derrotar a minoria: manual de usos e abusos.

No seu texto, Leopoldo destaca quatro polêmicas:

1) sobre o ajuste fiscal;

2) sobre o PED;

3) sobre as doações empresariais;

4) sobre a política de alianças.

O ajuste fiscal é uma polêmica de duas décadas atrás? Não, pois nos anos 1990 nenhum petista defendia o ajuste fiscal.

O PED é uma polêmica de duas décadas atrás? Num certo sentido sim, pois o PED é uma decisão do II Congresso do PT, realizado em 1999. Mas a decisão de que o assunto deveria ser revisto foi decorrência de ocorrências recentes.

Quanto às doações empresariais, foi o atual Diretório Nacional do PT (onde a maioria é... maioria) que remeteu o tema para debate no Congresso. 

E mesmo que não fosse assim, é inusitado que num partido que teve dois presidentes nacionais e dois tesoureiros nacionais presos devido aos efeitos colaterais do financiamento empresarial "de qualquer jeito", ainda haja gente como Leopoldo, que considera que esta discussão estaria sendo feita "no afogadilho". 

As alianças seriam um debate dos anos noventa? O próprio Leopoldo responde, quando critica os que queriam o "fim das alianças nos moldes atuais". 

Em resumo: Leopoldo exagera na mão quando diz que a minoria "se reduziu às polêmicas de duas décadas atrás". 

Longe de mim querer privar Leopoldo do direito de gostar mais ou menos dos argumentos de seus antagonistas. 

Ele enxerga um "conteúdo bem mais rico" na "plataforma realmente renovadora (...) apresentada no Manifesto "O petismo vive!". Da minha parte acho mais interessantes os argumentos de um texto assinado por todos os/as petistas que integram a direção nacional da CUT. 

Mas tanto num caso como noutro, não passa de retórica a tentativa de desqualificar como "anos noventa" as posições da minoria. 

Ponto 2

A "plataforma de minoria simplesmente ignorou o pedido da presidenta Dilma por apoio e confiança na agenda de retomada do crescimento, que a Coração Valente afirmou seu governo possuir com consistência". 

Que alguém ache isto um crime de lesa majestade, é sinal dos tempos.

Mas do meu ponto de vista, é maravilhoso que, 35 anos depois de fundado e após três mandatos presidenciais, ainda haja 45% do Partido disposto a "ignorar" um pedido presidencial. 

E o motivo é simples: Dilma não pediu apoio e confiança numa agenda de crescimento, ela pediu apoio ao ajuste fiscal como preliminar a retomada do crescimento. 

A maioria não teve estômago para apresentar uma resolução de apoio ao ajuste. Assim, preferiu tirar as castanhas do fogo de forma indireta, derrotando as emendas que criticavam explicitamente a política de ajuste fiscal.

Que a maioria tenha optado por isto, é seu direito. Que Leopoldo insista no método me parece excesso de entusiasmo.

O tema é: Levy foi secretário de Tesouro do primeiro governo Lula, fizemos reforma da previdência no primeiro governo Lula, tivemos contingenciamento todos os anos... Tudo isto é verdade. Mas também é verdade que a atual situação politica é profundamente diferente.

Leopoldo acusa a minoria de pensar nos anos 1990, mas é ele que raciocina como se 2015 fosse igual a 2003. Não é: políticas parecidas, em momentos diferentes, tendem a resultados diferentes.

Ponto 3

Leopoldo não se contenta em tolerar o vício: quer convertê-lo em virtude. 

Nisto, comporta-se de maneira previsível, típica de um setor do PT que cresceu falando mal do centralismo democrático de partido, mas adapta-se muito facilmente ao centralismo burocrático de governo.

Vejam só o argumento: "foram estes freios de arrumação (...) que permitiram a transformação nacional gerada por políticas públicas executadas em larga escala e com recorte de classe (...)".

Leopoldo talvez não perceba, mas ele apenas está agregando palavras ao lema "ajustar para avançar". Lema que a própria Dilma de 2014 (aquela que espero ainda venha a tomar posse) fez questão de demolir, pois este tipo de ajuste --como diz a Carta de Salvador -- faz parte de outro receituário, não o nosso.

Ponto 4

"Para uns, estava em jogo o Partido dos Trabalhadores (PT) se tornar a versão brasileira do PS (francês) do PSOE (espanhol) do PS (português), do Partido Trabalhista (Inglês), do Partido Comunista (italiano)...mas poderia ser pior: se tornar um Bloco de Esquerda português, Uma Liga Comunista Revolucionária francesa, um Esquerda Unida espanhola, um Bandera Rossa italiana". 

Uma salada e tanto! Talvez Leopoldo quisesse falar do Partido Democrático italiano, que num passado remoto teve origem no saudoso Partido Comunista italiano. Mas não sei qual a relação que ele acha que existe entre a IU, o BEP e os demais citados.

Seja como for, é revelador que ele ache "pior" ser de esquerda do que ser de direita. Assim como é revelador que para ele o importante não seja o programa, mas "a relevância política factual em suas respectivas nações". 

Fora isto, simplesmente não consigo alcançar a lógica das referências feitas por Leopoldo a Lenin e a Rosa Luxemburgo. Pois, até onde consigo ver, o debate atual sobre o PED tem muito pouco que ver com os "clássicos", assim como tem pouco que ver com o debate que fizemos nos anos 1980 e 1990 sobre "partido de massas", "adesão popular", "estar aberto ao povo" e "participação ampla de seus filiados em suas decisões".

Estes são os argumentos utilizados pelos defensores do PED. Mas daí a ser verdade, são outros quinhentos. Para cada um destes argumentos, há outros: compra de votos, pagamento de cotizações por terceiros, transporte irregular, filiação em massa, voto de mortos, influência de outros partidos, dinheiro empresarial na luta interna etc.

O próprio Leopoldo diz que "o partido precisa se depurar das práticas do sistema eleitoral institucional que danificaram a vida interna". Mas, que coisa, o Congresso remeteu o que fazer para um seminário...

Ponto 5

Leopoldo está contente com as afirmações da Carta de Salvador. Ótimo! Mas uma coisa é afirmar a necessidade de uma alteração profunda na linha partidária, outra coisa é fazer esta alteração na prática.

E na prática o PT está paralisado, o governo está dedicado ao ajuste e nossas bases, ou pelo menos parte crescente delas, estão ficando cansadas de esperar.

Prova disto são as declarações recentes de Lula. Claro, quando escreveu seu texto Leopoldo não conhecia as declarações de Lula. Que, é bom lembrar, não faz parte da minoria adepta de convescotes; pelo contrário, é 
um dos principais líderes da maioria e, portanto, um dos responsáveis pelos problemas que estamos enfrentando. Mas sobre o que disse Lula, falarei noutro texto.


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V CONGRESSO DO PT: DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ÀS REFORMAS DE BASE
Leopoldo Vieira
LEOPOLDO VIEIRA18 DE JUNHO DE 2015 ÀS 10:03
Espero que a prometida mobilização a ser feita pela minoria e um hipotético congresso "livre" apresente pautas realmente novas e propostas concretas à luz destas resoluções de ir às bases e retomar as reformas estruturais da democracia
Findado o V Congresso do PT, pululam avaliações, em sua maioria críticas, ao processo. As mais notórias são as de que o Congresso nada mudou no partido, quando a militância estava repleta de expectativas e, supostamente, a maioria teria sido responsável pela inércia e frustração, numa demonstração de autoritarismo.
O interessante é que tudo foi votado, mas democrático só se a minoria vencesse. As resoluções foram "alienadas", dizem, mas a "única" forma de "salvar" o PT seria desfazer as reformas dos anos 90, inclusive sem conexão com o "como fazer" diante do mundo real. E surge uma ótima: a maioria é a "burocracia", a minoria, o "petismo" e a "militância". Uma outra crítica é de que o Congresso foi beneplácito com a presidenta Dilma e o ajuste fiscal. Antes de mais nada, é preciso dizer o óbvio matemático: 55% é maior do que 45% e, critique-se como se quiser as escolhas feitas, elas tem legitimidade e não se pode carimbar seus protagonistas com a pecha de "não sabem votar" que equivale à desqualificar a cidadania partidária, num grau até pior do que quando a direita brada que "pobre não sabe escolher presidente".
A verdade é que militância tinha expectativas de reação, mas isso não era sinônimo de acabar com o PED, proibição - de qualquer jeito, no afogadilho - de doação empresarial ou com fim das alianças nos moldes atuais. A polarização sobre o PED, finanças e constituinte interna ajudou a criar este contexto. A minoria se reduziu às polêmicas de duas décadas atrás. Conteúdo bem mais rico poderia ter sido usado como fonte de uma plataforma realmente renovadora, como a apresentada no Manifesto "O petismo vive!".
Sobre sustentar o governo, a resolução de defesa, com mediações com nossabase, como não vetar a fórmula 85/95 ou vetar o PL da Terceirização, foi protagonizada pela maioria. A plataforma de minoria simplesmente ignorou o pedido da presidenta Dilma por apoio e confiança na agenda de retomada do crescimento, que a Coração Valente afirmou seu governo possuir com consistência. A opção foi translúcida: pagar para ver e redobrar a aposta, sem prejuízo das análises, críticas e balanços que serão feitos até que se possa avistar os fatos para além de projeções e conjecturas.
Uma pena não ser hegemônica na minoria a assertiva "o ajuste fiscal não é um fim em si mesmo", construída pelo ministro Miguel Rossetto, pois, afinal, o ministro Joaquim Levy foi secretário de tesouro do primeiro governo do ex-presidente Lula, fizemos Reforma da Previdência sem mencionar o fim do Fator Previdenciário e ninguém chamou de traição. Tivemos contingenciamento todos os anos e ninguém chamava de corte. Foram estes freios de arrumação "de vez em quandais" que permitiram a transformação nacional gerada por políticas públicas executadas em larga escala e com recorte de classe e a resolução aprovada defende exatamente a baixa dos juros e o seqüência do projeto desenvolvimentista como passo seguinte ao ajuste.
O congresso foi, sim, firme em não permitir retrocessos, mas seguem latentes passos para o futuro, só que isso não é ancien regime e nem velhas maneiras de se "calcular" um "acúmulo": tal processo serviu para mobilizar setores quais, houve deslocamento na maioria, entre outros. Fico imaginando o avanço tático que seria se a posição de defender o ajuste com a retomada do projeto de desenvolvimento, legitimado em 2014, se desse em pactuação com a viga social estruturante do petismo - o movimento sindical, unindo a maioria com as posições do ministro Rossetto, por exemplo.
Para uns, estava em jogo o Partido dos Trabalhadores (PT) se tornar a versão brasileira do PS (francês) do PSOE (espanhol) do PS (português), do Partido Trabalhista (Inglês), do Partido Comunista (italiano)...mas poderia ser pior: se tornar um Bloco de Esquerda português, Uma Liga Comunista Revolucionária francesa, um Esquerda Unida espanhola, um Bandera Rossa italiana. Não pelo programa que cada pólo destes defende, mas pela relevância política factual em suas respectivas nações. O PT terá que encontrar seu próprio caminho a partir da sua "vista do ponto".
Há quem confunda partido de massas com partido que tem votos e influência política e social. O partido bolchevique liderou uma revolução e não era de massas, era de vanguarda. O PSOL dirige uma prefeitura e "é" de massas. Esta diferença é de fundo e, regra geral, parte dos críticos do PED discutem seus problemas sem discutir a concepção por trás da polêmica, que remonta aos estatutos do P.O.S.D.R, à polêmica de Rosa Luxemburgo com Lenin. Trata-se, a um partido de massas, a adesão popular, mas, sobretudo, estar aberto ao povo, à participação ampla de seus filiados em suas decisões.
E é nesta direção que é deveras temerário experimentar disputar as delicadíssimas eleições de 2016 só com "contribuição militante", num formato "partido militante" e arriscar a primeira redução do número de prefeituras na história do PT. O Congresso disse inequivocamente que o PT vai analisar com a devida prudência a questão de seu financiamento. Neste momento é melhor dar passos firmes e refletidos do que se focar em "dar sinais". O sinal tem que ter muita consistência, uma vez que não estamos brincando com um grupelho político irrelevante. É o PT do Brasil.
Agora, o partido precisa se depurar das práticas do sistema eleitoral institucional que danificaram a vida interna, mas isso tem que se dar na direção de combinar processos ampliados de consulta e participação aos filiados, com medidas para ampliar a organicidade, para forjar novos quadros para tempos difíceis. O V Congresso garantiu a não pactuação com saídas fáceis, mas não foi definitivo em apontar como recompor a organicidade interna. Para isto se realizará, também para permitir a ampla reflexão e diálogo, um seminário a seguir. A Carta de Salvador deu as bases para ele: "Para estarmos aptos a ações de tanta envergadura, o V Congresso conclama todo o partido para um profundo processo de reorientação, caracterizado pela renovação em suas estruturas, métodos de organização e direção, formas de financiamento, instrumentos de comunicação e relações com os movimentos sociais".
A inverdade de que ele não apontou elementos de reforma interna reside em outros pontos da referida Carta, que são a matéria-prima programática, no mesmo sentido, da atividade mencionada:
- "Essa é a senda de um partido de massas vocacionado para dirigir o Estado, mas cujo projeto histórico é a fundação de uma nova sociedade, socialista e democrática";
- "O Partido dos Trabalhadores não economizará esforços para ajudar a reunificar os movimentos, agrupamentos, coletivos e militantes que tornaram possível a reeleição da presidente Dilma Rousseff em outubro de 2014";
- "O programa de reformas estruturais pressupõe a construção de uma frente democrática e popular, de partidos e movimentos sociais, do mundo da cultura e do trabalho, baseada na identidade com as mudanças propostas para o período histórico em curso".
Neste horizonte, talvez a mais importante resolução tenha sido a seguinte: "Este caminho vai além de acordos eleitorais ou de pactos entre direções: nossa proposta é a constituição de uma nova coalizão, orgânica e plural, que se enraíze nos bairros, locais de estudo e trabalho, centros de cultura e pesquisa, capaz de organizar a mobilização social, o enfrentamento político-ideológico , a disputa de hegemonia e a construção de uma nova maioria nacional", como elementos centrais para a assertiva estratégica "A opção pela qual lutamos é a da transição de políticas públicas para reformas de base".
Uma alteração e tanto na linha partidária, inscrito no texto original da maioria, que aponta um PT para o século XXI.
No V Congresso também foi apresentada a uma importante autocrítica da maioria, ao contrário da "espontaneidade do cansaço" que alguns falaram: "não ter estabelecido como tarefas prioritárias, desde o princípio, a reforma do sistema político e a democratização dos meios de comunicação"; "o Partido dos Trabalhadores e as administrações sob sua liderança deixaram, na prática, de alterar instituições e instrumentos de poder das velhas oligarquias, que, mesmo fora do governo central, hoje nos combatem ferozmente"; "o partido e o governo acabaram, assim, adaptados a um regime marcado pelo predomínio do poder econômico, pela limitação da participação popular e pelo monopólio da informação"; "deixado intacto, esse sistema político-eleitoral contaminou práticas partidárias, deformou relações internas e trouxe de contrabando métodos e hábitos da política tradicional"; "a deficiência em determinar a correta relação de coalizão interclassista e pluripartidária com disputa de hegemonia"; "negligenciar a necessidade de investir na elevação da consciência e da cultura de classe das multidões beneficiadas pela ascensão social"; "pouca relevância oferecida à formação político-ideológica da militância"; etc.
Por isso e, por fim, desfecha-se corretamente a Carta de Salvador ao constatar que "O Partido dos Trabalhadores tem buscado corrigir estes erros nos últimos anos, como é possível confirmar pelas resoluções e documentos aprovados desde o III Congresso".
Espero que a prometida mobilização a ser feita pela minoria e um hipotético congresso "livre" apresente pautas realmente novas e propostas concretas à luz destas resoluções de ir às bases e retomar as reformas estruturais da democracia, afinal o novo acordo partidário de que falou o blog do ex-ministro José Dirceu, imprescindível para realinhar as expectativas Governo-Partido-Povo, não pode ser um mero convescote.