sexta-feira, 30 de abril de 2021

Algumas especulações sem base real

Vamos imaginar que o candidato da extrema direita desidrate totalmente, que a terceira via não emplaque e que a vitória da esquerda pareça inevitável.

Neste caso, o que fará o império?

Daria sua cooperação técnica para um magnicídio?

Daria apoio para um golpe, antes mesmo da posse da esquerda?

Ou deixaria a esquerda tomar posse e, depois, faria "gemer" o país, criando as condições para uma derrubada posterior?

Pode ser.

Tudo pode ser.

Mas também pode ser que, neste cenário, o império decida fazer uma jogada mais ousada, a saber, sinalizar à cúpula da esquerda sua disposição para uma digamos troca: uma certa cooperação do império em troca de um certo realinhamento internacional do (futuro) governo da esquerda.

Há precedentes históricos, nos anos 1980, em que a adesão a Otan foi o “beijo na cruz”.

Mas em 2021, na suposição totalmente fictícia que estamos fazendo, que preço a tal cúpula da esquerda teria que pagar, se aceitasse fazer esta digamos troca?

Para descomplicar o raciocínio, nos limitemos ao preço em termos de política externa: em resumo, ganhar distância de alguns velhos e de alguns novos amigos. O que incluiria assumir um papel mais domesticado na liderança da região.

A tal cúpula da esquerda estaria disposta a pagar este preço?

Alguns integrantes desta cúpula certamente não estariam.

Muitos certamente não estariam.

Do que sabemos, podemos dizer que a grande maioria não estaria disposta a pagar este preço.

Mas como estamos fazendo uma especulação totalmente fictícia e sem base alguma na realidade, digamos que existisse alguém em algum lugar disposto a pagar aquele preço.

Vamos analisar esta suposta disposição com o máximo de empatia, evitando aquelas invectivas estigmatizantes que tanto bloqueiam o livre debate.

Em primeiro lugar, as coisas estão objetivamente muito difíceis e, portanto, alguma redução de danos parece sempre uma boa política.

Em segundo lugar, há inúmeras provas de que se pode conseguir mais resultados positivos através de um acordo – mesmo que ruim - do que através de uma boa briga. Afinal, brigas a gente sabe como começam, mas a gente não sabe como terminam.

E, em terceiro lugar – e nesta suposição fictícia isto é um dado muito importante - lembremos que o império parece estar num “momento progressista”.

Portanto, fazer uma digamos troca com o império neste momento pode ser – ou pelo menos pode parecer - algo aceitável perante a história, perante o pragmatismo ou mesmo “lá em casa”.

Feito este exercício de empatia, vamos agora admitir (sempre especulativamente) que fosse esta a posição prevalecente na tal cúpula da esquerda.

Ou seja, digamos que prevaleça a disposição de fazer uma certa troca com o império.

Daria certo?

Não há como saber.

Mas já que estamos especulando (lembremos again e again e again que se trata de uma especulação sem base alguma), pensemos um pouco sobre o que poderia dar errado e o que poderia dar certo numa operação como esta.

Primeiro, sempre pode passar que o império prefira um “progressista de verdade” a um “esquerdista disfarçado de progressista”.

E, portanto, pode acontecer do império agir com certa malandragem (!!!), dando alguma corda para que a cúpula da esquerda se enforque: depois de manifestar publicamente sua admiração pela nova aproach do império, a cúpula desta esquerda descobriria que o império prefere outra... candidatura.

Mas por favor tenhamos pensamento positivo e vamos supor que isso não ocorra, que o império realmente esteja disposto, ao menos fora de casa, a apoiar um Bernie Sanders!

Desta suposição decorre outra, também positiva (pensamento positivo é tudo na vida): sem o apoio do Império para suas balbúrdias, o grande capital instalado no país muito provavelmente vai buscar um modus vivendi com a cúpula da esquerda.

Até porque a tal troca significaria implementar a política que prevaleceu na maior parte de nossa história.

Mas aí aparece uma dúvida (infelizmente, as dúvidas são sorrateiras e atrapalham até mesmo o mais positivo dos pensamentos): será que as medidas adotadas internamente pelo império podem ser reproduzidas em outros locais?

Se a cúpula da esquerda tentar fazer isso, será que o grande capital vai aplaudir ou pelo menos vai aceitar sem reagir com demasiada força?

Será que o trumpismo local não seria mais forte aqui do que lá? E, portanto, capaz de reagir, com força suficiente para atrapalhar nossa festa? 

Será que não corremos o risco de uma troca pela metade: a cúpula da esquerda aceitaria os termos do império, mas não conseguiria paz interna para aplicar seu programa?

Outro ponto: como reagiria a esquerda como um todo, diante de uma mudança tão radical na política externa da cúpula da esquerda?

Especulando, sempre especulando, o mais provável é que as resistências dentro da própria esquerda sejam relativamente sufocadas (pelo menos por algum tempo) pelo entusiasmo causado pela volta da esquerda ao governo e pelas expectativas de sempre.

E ao falar das expectativas, chegamos a um novo ponto: será possível que o povão vai ser menos paciente com a esquerda, do que está sendo paciente com a direita?

A experiência mostra, por mais paradoxal que possa parecer, que o povo cobra mais da esquerda.

Isso pode criar sérios problemas para a cúpula da esquerda, por exemplo perda de apoio na base social e crescimento da oposição de direita.

Mas, viva o pensamento positivo, vamos supor que tudo isto seja manejável, ou seja, que a cúpula da esquerda faça a troca citada, que ganhe as eleições, que consiga tocar as coisas, que consiga chegar ao final do mandato e inclusive que consiga a reeleição.

Afinal, não foi isso que aconteceu em alguns países europeus no passado recente? Sendo assim, não custa – já que estamos especulando - fazer como alguns mais bem dotados fazem e tomar “asoropa” como parâmetro para tudo.

A questão é: o que tudo isso provocaria no desenvolvimento de longo prazo do país?

Evidentemente, esqueçamos de socialismo.

Esqueçamos também de social-democracia de verdade, de um welfare state que mereça o nome.

Mas será que um acerto com o império ajudaria, pelo menos, na construção de um capitalismo melhorzinho??

Alguns acham que sim (please atention: isto é uma especulação!).

Acham que o império está no modo New Deal e que, portanto, um acordo com o império neste momento poderia ter o mesmo efeito que (supostamente) teve a aproximação entre Vargas e FDR.

Deixemos de lado o que ocorreu com Vargas no final da Segunda Guerra e deixemos também de lado o que ocorreu com Vargas no seu posterior mandato eleito.

Vamos nos concentrar na tese.

A tese é que os EUA de hoje seriam como os Estados Unidos dos anos 1930.

A tese também supõe que os EUA dos anos 1930, como os EUA de hoje, não seriam imperialistas.

Ou seja: por um lado a tese passa o pano. Por outro lado, a tese desconhece que o mundo mudou, que o capitalismo mudou, que os EUA mudaram... para pior.

Sendo esta a tese de fundo, se a tal troca for feita, tudo pode dar certo, mas vai dar tudo errado.

Claro, disse e repito, tudo isso é só uma especulação sem base alguma na realidade. 

Até porque, se tivesse alguma base na realidade, seria a confirmação de que a ilusão é a quinta força do Universo. 

Ou de que jabuti sobe em árvore.

 

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

Gleisi Hoffman, admiradora de Biden?



28 de abril de 2021, 23h16: “Biden revolucionando a economia capitalista. Nunca pensei que depois de Franklin Delano Roosevelt, admiraria um presidente americano: crescimento de baixo para cima! É o q precisamos para a América Latina. É o que precisamos para o Brasil!”

 

As palavras são da presidenta nacional do PT, Gleisi Hoffmann.

 

Biden é aquele cidadão que, na condição de vice-presidente de Obama, operou a favor do golpe no Brasil.

 

Não consigo ver como “admiraria” alguém assim.

 

Seja como for, será mesmo verdade que Biden estaria “revolucionando a economia capitalista”?

 

Biden está chegando aos 100 dias de governo.

 

Tem a seu favor o antecessor.

 

Tipo Clinton e Bush pai.

 

Tipo Obama e Bush filho.

 

Mas o que foi mesmo que Biden teria feito nesses 100 dias que possa ser chamado de “revolucionário”?

 

Na defesa e na política externa não fez nada de “revolucionário”, pelo contrário.

 

Aliás, os que comparam Biden com FDR deveriam lembrar que a salvação da economia dos EUA não veio do New Deal, mas sim dos gastos com a segunda guerra mundial.

 

E Biden, coerentemente, está forçando a mão sobre chineses e russos, para não falar de venezuelanos e cubanos.

 

Sigamos.

 

Pelo menos por enquanto, Biden tampouco fez algo “revolucionário” no trato dos migrantes, embora no seu discurso ao Congresso dos EUA ele tenha defendido “acabar com nossa exaustiva guerra contra a imigração”.

 

Mas vejamos o resto da obra.

 

O Plano de Resgate Americano, o American Jobs Plan e o American Families Plan incluem uma série de medidas que atendem setores populares, através de programas sociais, de seguro-desemprego, de alimentação, moradia, educação, meio ambiente, infraestrutura etc.

 

Não importa o quanto isto é feito por convicção, o quanto é resultado da pressão da esquerda, o quanto é feito para tentar ganhar as eleições intermediárias e a reeleição que estão logo ali.

 

Mas importa sim saber o quanto disto vai virar realidade e o quanto vai ficar só no discurso.

 

Afinal, não bastam ordens executivas do presidente, é preciso aprovação no Congresso.

 

Mas suponhamos que tudo seja aprovado.

 

Pergunto: este programa seria capaz de “revolucionar a economia capitalista”??

 

Confesso que não sei exatamente o que a companheira Gleisi quis dizer com isso – além de manifestar seu entusiasmo e sua admiração por Biden – mas o que Biden discursou e colocou nos seus planos não é propriamente uma “revolução”.

 

Trata-se de uma política de investimento público na ampliação dos gastos das famílias, dos governos e das empresas.

 

Uma versão moderada das políticas keynesianas adotadas em muitos lugares do mundo, especialmente entre 1945 e 1970.

 

E, neste contexto, uma tentativa de recompor o que foi decomposto. Não uma “revolução”, seja lá o que entendamos por isso.

 

Como me escreveu uma amiga, a “taxação das grandes fortunas proposta por Biden não vai mudar substancialmente a desigualdade de renda nos EUA”, servindo apenas para financiar os programas de curto/médio prazo que ele está propondo”.

 

Tampouco Biden estaria propondo uma nova “regulação para Wall Street”.

 

Além disso, “Biden quer manter o lucro do setor farmacêutico e das seguradoras privadas”.

 

E passa longe de criar um “sistema público de saúde de verdade tipo SUS ou NHS”, além de não querer “quebrar as patentes das vacinas”.

 

Considerando o conjunto da obra, não sei como chamar tudo isso de “revolucionário”.

 

Muito menos consigo entender como estas medidas proporcionariam um “crescimento de baixo para cima”.

 

Os EUA são uma economia comandada pelo grande capital, oligopolista, financeiro, imperialista.

 

E estão numa baita crise.

 

Alguém acredita mesmo que eles vão sair desta crise com “crescimento de baixo para cima”, seja lá o que isto quer dizer?

 

Mas claro: quem acredita que foi o New Deal de FDR que alavancou a economia dos EUA – e não a guerra – pode acreditar em conto parecido.

 

No final de seu tuite, a companheira Gleisi Hoffman afirma: “É o q precisamos para a América Latina. É o que precisamos para o Brasil!”

 

Suponho que ela esteja se referindo ao “crescimento de baixo para cima” e não ao admirado Biden, nem ao suposto “revolucionando a economia capitalista".

 

Afinal, a América Latina e o Brasil precisam de menos capitalismo, não de mais capitalismo.

 

E precisamos de menos influência gringa, não de mais influência gringa.

 

E é triste ver tanta gente de esquerda cometendo, frente a Biden, erro parecido ao que foi cometido, noutros tempos, frente a Clinton e frente a Obama.

 

As políticas de empoderamento do imperialismo nunca provocam efeitos verdadeiramente positivos nos países submetidos ao imperialismo.

 

Aliás, basta ler o discurso de Biden feito ontem, 28 de abril.

 

Exemplo: "Enquanto nosso estoque de vacina cresce para atender as nossas necessidades, e está atendendo, vai se tornar um arsenal para vacinas para outros países, assim como a América é um arsenal de democracia para o mundo."

 

Destaque: “A América é um arsenal de democracia para o mundo”.

 

Sabemos o que isso significa.

 

Outro exemplo: "Dinheiro de americanos vai ser usado para comprar produtos americanos feitos nos EUA. É assim que deve ser e como vai ser neste governo".

 

Também sabemos o que isso significa e seus efeitos no resto do mundo.

 

Terceiro exemplo: "Estamos prontos para decolar de novo, para liderar o mundo de novo”.

 

Obama, Trump, disseram coisas parecidas.

 

É o imperialismo lutando para continuar mantendo seu poder.

 

Frente a isto, a classe dominante colonizada fará o que sempre fez: se submeter e se adaptar.

 

Mas a esquerda não pode raciocinar desta forma.

 

Nem podemos achar que deveríamos fazer aqui no Brasil algo similar ao que Biden estaria fazendo nos EUA.

 

Entre outros motivos, porque há muitas diferenças fundamentais entre os EUA e o Brasil.

 

Os Estados Unidos são um país imperialista, o principal país capitalista do mundo, que entre outras coisas possui uma moeda que tem o “exorbitante privilégio” de ainda ser a principal moeda nas transações internacionais.

 

Isso tudo dá ao governo dos EUA uma margem de manobra muito maior do que a nossa. Aqui não tem como fazer omelete sem quebrar muitos ovos.

 

Mas, claro, é sempre melhor viver no mundo do pensamento mágico, segundo o qual tudo que conspirava contra nós antes, agora vai nos ajudar a “chegar lá”.

 

O STF, a direita gourmet, as forças armadas, os meios de comunicação, os capitalistas... e, claro, o “bom exemplo” dos Estados Unidos de Biden.

 

Talvez alguém ache que prometendo ser como Biden a gente se torne mais palatável.

 

Do meu lado, prefiro manter total distância de qualquer coisa que me recorde o Juraci Magalhães, embaixador brasileiro nos Estados Unidos no governo do ditador Castello Branco e autor da frase lapidar: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".


ps. em 18 de novembro de 2020, a opinião de Gleisi sobre Biden era bem mais realista, como se pode ler abaixo.




 

 

quarta-feira, 28 de abril de 2021

Resolução sobre conjuntura 25 de abril

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 25 de abril, aprovou a seguinte resolução sobre conjuntura e tática.

1/No final do mês de abril, o Brasil já terá mais de 400 mil compatriotas mortos pela Covid 19 grande parte dos quais poderia ter sobrevivido, se as políticas do governo Bolsonaro e de seus aliados fossem outras. Não apenas a política sanitária, mas também a política econômica e social, que jogou dezenas de milhões na fome e no desemprego, resiste à concessão de um auxílio emergencial adequado e capaz de salvar vidas enquanto durar a pandemia. Esta política também ajuda o Covid 19: o negacionismo e o austericídio resultam no genocídio.

2/Nos próximos dias, semanas e meses, a crise deve se aprofundar. O governo Bolsonaro estimula isto, propositalmente. A pandemia facilita ao governo “passar a boiada”, inclusive no Congresso, onde medidas neoliberais são aprovadas uma atrás da outra. A pandemia dificulta a mobilização de quem é contra Bolsonaro, além de criar imensas dificuldades administrativas e políticas para os governadores e prefeitos que têm um mínimo de preocupação com a sobrevivência do povo brasileiro. Ao mesmo tempo, a pandemia joga no desespero aqueles setores sociais que – na ausência de um auxílio emergencial adequado – não têm como sobreviver e, por isso, conflitam com as medidas de isolamento social indispensáveis para conter a pandemia enquanto a vacinação não garantir a imunização. Vacinação que, devido as ações e inações de Bolsonaro, caminha lentamente.

3/É neste contexto que, de 8 de março a 22 de abril de 2021, o Supremo Tribunal Federal tomou decisões que devolveram os direitos políticos ao ex-presidente Lula. Ao reconhecer que Lula não poderia ter sido julgado pela vara de Curitiba e que Moro era suspeito, o STF na prática confirmou que a eleição de Bolsonaro foi resultado de uma fraude. Se Lula tivesse sido candidato a presidente em 2018, o resultado da eleição teria sido outro. E todo o desastre que veio depois poderia ter sido evitado. Inclusive por isto, a decisão do STF não foi uma “vitória da lei e do direito”, muito menos uma demonstração de que “ainda existem juízes em Brasília”.

4/Todo o mundo jurídico, inclusive os lavajatistas, sabiam que estavam “no limite” ou mesmo “fora-da-lei”. Mas é a luta quem faz e interpreta a lei. Foi a correlação de forças criada a partir de 2015 que criou as condições para a condenação, prisão e interdição da candidatura de Lula. E foi a alteração na correlação de forças, criada a partir da crise sanitária, econômica e social gestada pelo governo Bolsonaro e por seus aliados, que criou as condições para que o mesmo Supremo que ontem avalizou a condenação de Lula, hoje a tenha revertido (aliás, um Supremo em certo sentido pior, pois inclui ministros nomeados por Temer e Bolsonaro, que só puderam fazê-lo graças ao golpismo). Ademais, é importante lembrar que a correlação de forças não é um fenômeno natural, é produto da ação das forças políticas e sociais. Foi a disputa entre as diferentes facções da quadrilha golpista, por um lado, e a pressão dos setores democráticos e populares, de outro lado, que criaram as condições para as várias decisões adotadas pelo STF desde 8 de março de 2021. Por isso, sigamos vigilantes, para que não nos tirem com uma mão o que foram forçados a nos devolver com a outra.

5/Até porque decisão do STF não significa o fim do lawfare lavajatista, que continua através dos inúmeros processos judiciais que seguem em curso contra Lula e, também, continua através dos processos contra outras lideranças da esquerda (por exemplo, José Gabrielli, ex-presidente da Petrobrás). Vale lembrar, ainda, das prisões e condenações contra militantes, assim como vale recordar que estão em curso mudanças legislativas negativas para a democracia, como a prisão em segunda instância e a aprovação de uma Lei de defesa do estado democrático de direito que preserva inúmeros dispositivos da execrável Lei de Segurança Nacional.

6/Seja como for, a devolução dos direitos políticos de Lula amplia em muito a possibilidade de a esquerda vencer as próximas eleições presidenciais. Nesse sentido, fizeram muito bem os integrantes da Campanha Lula Livre e todos aqueles que em nenhum momento aceitaram “virar a página”. Mas atenção: como é óbvio, as forças políticas e sociais que articularam o golpe de 2016, a condenação/prisão/interdição de Lula e a fraude de 2018 não assistirão passivas a esta situação. A primeira destas forças golpistas é o governo dos Estados Unidos. Cabe lembrar que o golpe de 2016 contou com a cumplicidade dos EUA, que depois da crise de 2008 precisava recuperar o controle do Brasil e de outras regiões da América Latina e Caribe. Aliás, o vice de Obama na época do golpe contra Dilma é o atual presidente dos EUA. Pouco importa se Biden está sendo ou não “progressista” dentro dos Estados Unidos; o que importa é que, por razões geopolíticas, o governo Biden já está operando contra a volta do PT ao governo, para impedir que haja no Brasil um governo aliado com a China e a Rússia, com Cuba e Venezuela. Similar ao que fizeram na fase final da ditadura militar brasileira, quando os EUA apostaram numa saída “liberal” (hoje se diria: “progressista”), em 2021 os EUA estão estimulando uma “terceira via” (nem Bolsonaro, nem Lula). Inclusive por estes motivos, nossa luta para derrotar Bolsonaro, seu governo e suas políticas, bem como nossa luta para fazer a esquerda voltar a governar o Brasil não deve se iludir com nenhum tipo de “ajuda” ou “neutralidade” dos EUA. Pelo contrário, o imperialismo seguirá... imperialista.

7/Em 2002, contribuiu para a nossa vitória o fato de os EUA estarem envolvidos em responder aos “ataques terroristas”, sendo a América Latina um território secundário. Hoje os EUA dão maior importância para o controle da região. Por outro lado, em 2002 contribuiu muito para a nossa vitória o imenso desgaste acumulado pelos governos tucanos; e o acúmulo de forças prévio da esquerda brasileira, desde os anos 1980, com destaque para a influência organizada do petismo e de Lula. Em 2021, o governo Bolsonaro enfrenta um grande desgaste. Mas isto ainda não foi suficiente para interromper o governo genocida, nem o impede de seguir praticando genocídio e ameaçando as liberdades democráticas, inclusive lançado mão de mensagens milicianas (como o fez no caso do “cpf cancelado”). Se as eleições presidenciais fossem hoje, as pesquisas indicam que Bolsonaro teria condições de chegar ao segundo turno. Até porque ele mantém a mobilização, nas redes e nas ruas, de seus apoiadores de extrema direita; enquanto a esquerda está, na maioria das vezes, ausente das ruas.

8/Por estes e outros motivos, se queremos derrotar Bolsonaro, agora ou nas próximas eleições; e se queremos derrotar não apenas Bolsonaro, mas também o bolsonarismo e a direita neoliberal, é necessário ampliar muito a luta política e ideológica. E para isso é preciso que também haja mobilização popular orientada por uma linha política adequada. Acontece que desde 2011 o campo democrático e popular vem desacumulando forças (diferente do ocorrido entre 1998 e 2002). Para que esta situação se altere, é imprescindível que 2021 e 2022 sejam anos de muita luta política e social, com muita mobilização. O que – por diversos motivos – não está ocorrendo.

9/As lutas de várias categorias (por exemplo, reivindicando vacina), as campanhas de solidariedade, a evolução da opinião pública nas redes sociais etc. certamente contribuem para acumular forças. Mas não acumulam forças na quantidade e na qualidade necessárias para vencermos as próximas eleições presidenciais (e principalmente para governar depois).

10/Parte da esquerda não percebe isso, ou pelo menos não dá a importância devida para estes fatos, porque se dá por satisfeita com as pesquisas que apontam a vitória de Lula sobre Bolsonaro nas próximas eleições presidenciais. Estas pesquisas são reais: se as eleições fossem hoje, Lula venceria de Bolsonaro. Mas as eleições não são hoje. A situação pode melhorar para Bolsonaro, especialmente se a pandemia refluir, se a economia melhorar, se Bolsonaro continuar mantendo mobilizado seu núcleo duro de extrema direita, além de continuar pagando o aluguel do “centrão”.  Além disso, pode vir a ser constituída uma candidatura forte da direita neoliberal. E pode haver uma nova “operação especial” para tirar Lula da disputa. Vale sempre lembrar que a classe dominante já demonstrou do que é capaz para nos derrotar. Por tudo isso, não devemos subestimar Bolsonaro e a extrema-direita; nem devemos subestimar a direita neoliberal. Aliás, a sensação de que Lula pode vencer a próxima eleição leva a direita neoliberal a considerar inclusive dar seu apoio ao “coronel que foi para Paris”. Neste sentido, a recente contratação de João Santana para “marqueteiro” de Ciro Gomes não deve ser subestimada.

11/Tampouco devemos superestimar as nossas forças. Devemos seguir lutando por vacina, por auxílio emergencial, por emprego, por democracia, e devemos sempre combinar estas e outras lutas com a agitação pelo Fora Bolsonaro, com ações concretas pelo impeachment do cavernícola. Em primeiro lugar, porque cada dia de Bolsonaro na presidência contribui para a morte e a dor de nosso povo. Em segundo lugar, porque o tempo pode ser útil para que as direitas construam suas alternativas. A melhor hora de enfrentar e derrotar Bolsonaro pode ser agora. Um motivo a mais pelo qual é urgente construir um comando unificado do campo democrático-popular e de esquerda, que tenha disposição real de mobilizar agora pelo fim imediato do governo Bolsonaro e de suas políticas.

12/Parte da esquerda opera com outro calendário e com outra política. Age como se preferisse enfrentar Bolsonaro em 2022. E atua como se nosso caminho para voltar ao governo dependesse de darmos alguns passos em direção ao centro. Acontece que 2022 está muito distante e em nenhum caso será como foi 2002; além disso, o “centro” de que falam não existe, existe isto sim duas direitas, nenhuma das quais é ou pode vir a ser aliada nossa. Finalmente, num quadro de polarização, não apenas para ganhar, mas principalmente para governar, teremos que ir pela esquerda. O que inclui ampliar a disputa no terreno parlamentar (chamamos a atenção para o que ocorreu na votação do Orçamento, assim como na votação da “urgência” para a mal denominada Lei de defesa do Estado democrático de direito, duas situações em que a atuação de nossas bancadas deixou a desejar). Ir pela esquerda inclui, também, impedir que no 1º de Maio ocorram concessões programáticas e simbólicas a alguns de nossos inimigos de classe, como muito bem denunciou publicamente um documento assinado por dirigentes da Central Única dos Trabalhadores. Ir pela esquerda inclui, por fim, aproveitar cada oportunidade da CPI da Covid 19 para denunciar e buscar abreviar o fim do governo Bolsonaro. Contra o genocídio, não há outra alternativa: interdição já!

13/No limite, o que vai decidir o desfecho da crise nacional é a atitude das grandes massas do povo. Por isso a esquerda deve estimular, de todas as formas possíveis, a ampliação da luta política e social da classe trabalhadora. Neste espírito, convocamos a militância a participar ativamente da organização, dos atos e ações do 1° de Maio de 2021, atos organizados pela CUT e entidades sindicais vinculadas a CUT. Sempre que possível, devemos estimular a realização de atos presenciais, ações de solidariedade, agitação e propaganda, com todas os cuidados sanitários. Não bastam ações virtuais é preciso ocupar as ruas por vacinação já, emprego, auxílio emergencial de R$600,00, defesa do SUS, dos serviços públicos e por Fora Bolsonaro!

Viva o 25 de abril, dia em que se comemora a derrota do fascismo na Itália e a  vitória da Revolução dos Cravos em Portugal!

Outras vitórias virão!!

Brasília, 25 de abril de 2021

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

 

domingo, 25 de abril de 2021

Presentes, agora e sempre!



No dia 24 de abril, realizamos uma homenagem a Haydée e ao Alípio. A atividade pode ser vista aqui: https://youtu.be/nm-AxRaHVLo 

Abaixo o roteiro da fala de abertura.

Olá.

 Vamos dar início à atividade intitulada PRESENTES, AGORA E SEMPRE. UMA HOMENAGEM ORGANIZADA POR CAMARADAS DE LUTA, dedicada a Maria Haydée e a Alípio Freire.

Alípio Raimundo Viana Freire, mais conhecido como Alípio Freire, nasceu em 4 de novembro do ano de 1945, na cidade de Salvador, Bahia.

Desde 1961 morava em São Paulo.

Foi preso em 31 de agosto de 1969, por sua participação na luta armada contra a ditadura militar.

Passou 5 anos preso.

Artista plástico e jornalista, participou de inúmeras iniciativas editoriais, filmes, documentários e mostras.

Integrou a primeira direção estadual do Partido dos Trabalhadores no estado de São Paulo.

Foi editor da revista Teoria e Debate.

Trabalhou nas prefeituras de Diadema, Santo André e Campinas.

Partiu aos 75 anos de idade, no dia 22 de abril de 2021.

Maria Haydée de Jesus Lima, mais conhecida como Maria Haydée ou ainda “dotoraidê” nasceu em 26 de abril de 1951, na cidade de São Vicente, São Paulo.

Morou em várias cidades.

A partir dos 15 anos estava em Brasília, estudando numa escola de onde pode presenciar a invasão da UnB pelas tropas do exército, no ano de 1968.

Nesta época, Haydée começou a militar no Partido Operário Revolucionário Trotskista, o POR-T posadista .

Posteriormente também militou no Partido Comunista Brasileiro e no Partido dos Trabalhadores.

Médica sanitarista, trabalhou em Indaiatuba, foi diretora de Saúde da Prefeitura Municipal de Campinas, presidenta do Conselho Municipal de Saúde, coordenadora do Centro de Saúde da Vila Ipê e também do Jardim Aurélia, além de integrante do Movimento Popular de Saúde.

Partiu aos 69 anos, no dia 17 de abril de 2021.

 *

Ambos viveram vidas bem vividas, porque suas ideias e suas práticas seguiram jovens: defensores do comunismo, da revolução, da humanidade, da liberdade, da fraternidade, da igualdade, da felicidade e da alegria.

Muita alegria.

Tudo isto misturado com fortes doses de empatia, de bondade, de gentileza e de uma deliciosa mordacidade.

O que nos traz aqui hoje é homenagear a Haydée, homenagear o Alípio.

E através da Haydée e do Alípio, queremos também homenagear muitas outras pessoas que partiram desde março de 2020 até hoje.

A memória é parte fundamental da luta.

E a despedida é parte fundamental do luto.

Desde março de 2020, estamos de certa forma privados deste direito à despedida.

Ou, pelo menos, da despedida como gostaríamos de fazer, incluindo aquele abraço coletivo que consola e transmite energia.

No passado, Haydée e Alípio perderam companheiros e companheiras de luta, assassinados e as vezes desaparecidos durante a ditadura, pessoas de quem eles não puderam se despedir como gostariam, como se deve, como é certo se despedir de quem a gente preza e ama.

No presente, sob este governo cavernícola e genocida, estamos sendo privados do direito de nos despedirmos adequadamente das Haydées e dos Alípios.

Mas como diz a música, “quando o muro separa uma ponte une”, “você corta um verso, eu escrevo outro”, “de repente olha eu de novo”, “perturbando a paz, exigindo troco”.

E assim aqui estamos.

Pedimos a quem deseje falar, que se inscreva pelo chat ou levante a mãozinha.

Pedimos a quem não quiser, que deixe uma mensagem no chat, que copiaremos ao final para ficar o registro.

A quem for falar, pedimos que falem em torno de cinco minutos, para que todos e todas que desejem possam se manifestar.

Lembramos que o espaço é livre para quem deseje falar de outras pessoas que partiram nesses tempos tão difíceis, mas que haveremos de superar, como superamos outros momentos terríveis, graças a pessoas como o Alípio e a Haydée.

Sem mais, chamo as duas primeiras pessoas que farão uso da palavra:

-a Carminha, que falará da Haydée

-o Alex, que falará do Alípio

Carminha, a palavra é tua.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

Situação, oposição e Requião

Nesta quinta-feira 22 de abril, o senador Requião fez duras críticas ao PT e a Fundação Perseu Abramo.

O que disse Requião?

Disse muitas coisas, que podem ser ouvidas aqui: 

https://www.esmaelmorais.com.br/2021/04/para-requiao-fundacao-perseu-abramo-e-o-braco-neoliberal-do-pt/

Mas eu destaco - por razões estéticas - o trecho que vem a partir do 2:08:00.

Nele, depois de receber um forte elogio de Rui Costa Pimenta, Requião pede para a comunidade católica e evangélica progressista no Brasil orar pela Fundação Perseu Abramo, para que ela se "ilumine" e passe a raciocinar a serviço das mudanças necessárias no Brasil.

O senador Requião, como se sabe, é aquele que segue filiado ao MDB, antes PMDB.

Provocada por uma ouvinte, que perguntou o que ele faz filiado ao MDB, Requião respondeu que entra no PT "se minha ficha for abonada pelo Palloci, pelo André Vargas e pelo Paulo Bernardo".

E depois de muita enrolação acerca da inconsistência dos partidos, diz que segue no MDB por causa da "base".

Requião fala várias coisas corretas.

Mas seu jeito de raciocinar acerca do PT lembra o do Ciro Gomes.















 


Alípio Freire, presente!!!



Alípio Raimundo Viana Freire partiu nesta manhã de 22 de abril de 2021, depois de semanas lutando contra o Covid.

Conhecido como Alípio Freire, nascido num 4 de novembro do ano de 1945. Baiano e soteropolitano, desde 1961 morava em São Paulo.



Em 1967, milita na Ala Vermelha, organização dissidente do Partido Comunista do Brasil. Preso em 31 de agosto de 1969, foi torturado e passou 5 anos encarcerado.

Artista plástico, foi curador de várias exposições de obras de presos políticos. Jornalista, trabalhou em diferentes órgãos da grande imprensa. Escreveu, organizou, editou e contribuiu com inúmeras iniciativas editoriais, documentários e filmes.


Militante, integrou a primeira direção estadual do Partido dos Trabalhadores no estado de São Paulo. Entre inúmeras outras tarefas partidárias e nos movimentos sociais, foi editor da revista Teoria e Debate entre 1993 e 1995. Trabalhou na prefeitura de Diadema (SP) e de Campinas (SP).



Envelheceu, mas suas ideias seguiram jovens: um defensor do comunismo, da revolução e da alegria. Tudo isto misturado com uma gentileza quase vintage e uma acidez inesquecível.

Para quem quiser ouvir e ver:

https://www.youtube.com/watch?v=9sSU1KCK6Pc

https://www.facebook.com/watch/?v=720298071745948

Para quem quiser ler um de seus poemas

31 de março de 1992

Alípio Freire

O velho anota

no metrô

seu poema

velho

da vitória

do que houve

de mais velho

quando era

demais jovem.

 

Ninguém

além do velho

se interessa

por seu poema

antiquado

 

Sem rima

e sem metro.

 

O velho do metrô

usa óculos e bigodes

e nos pés

um par de tênis

surrados

 

Sem laço

e sem cadarço.

 

Com a memória em 64

os pés em 22

a cabeça em 68

e o coração sem tempo

o velho anota

seu poema

 

Datado.

 

Mulheres de todas as idades

entram e saem do metrô

do mesmo modo como o fizeram

na vida do velho.

 

Pernas verdes, amarelas, azuis e brancas.

Pernas vermelhas

– Para que tanta perna, meu deus?! –,

considera o velho.

 

Mas as pernas passam

as mulheres passam

os amores passam

a vida passa.

Tudo na vida passa.

E envelhece.

 

Rejuvenescido pela poesia que passa

o velho sorri um sorriso ateu

ciente de que o metrô

não é O Trem d’A História

e de que deus não existe.

 

Assim, desembarca no Paraíso.

 

O velho sorri solitário

e despojado de expectativas

 

No metrô

Na gare

Na vida.

 

O velho deixa a estação

mergulha na chuva fina da noite

declina qualquer autoenternecimento ou comiseração pública

faz xixi na árvore da esquina

e prossegue em direção ao vazio

assobiando uma velha melodia

 

Por que não?