Resolução aprovada por unanimidade, sem prejuízo de emendas, no recente Congresso nacional do Partido dos Trabalhadores. Versão já consolidada pela comissão de sistematização, faltando apenas revisão ortográfica.
Resolução
sobre balanço dos governos nacionais petistas
1.O
Partido dos Trabalhadores foi fundado em 1980, tendo realizado desde então seis
congressos (contando o atual) e quinze encontros nacionais (inclusive dois
extraordinários), mais um sem-número de reuniões estaduais, municipais e
setoriais, que aprovaram resoluções programáticas, estratégias, táticas e organizativas.
2.De
conjunto, estas resoluções contém não apenas um balanço do presente e
diretrizes para o futuro, mas também uma análise do passado, inclusive da
trajetória do Partido dos Trabalhadores, da ação de sua militância, de seus
mandatos parlamentares e executivos, da contribuição que buscamos dar para a
luta das classes trabalhadoras no Brasil e no mundo.
3.Portanto,
ao incluir o tema “balanço” em sua pauta, o 6º Congresso não “inventou a roda”.
Pelo contrário, pretendeu dar continuidade à uma prática crítica e autocrítica
que o Partido dos Trabalhadores busca adotar desde sua criação.
4.Não
somos os únicos a proceder assim. Tanto na esquerda brasileira quanto mundial,
esta atitude crítica e autocrítica é almejada por muitos outros partidos. Mas nem
todos possuem a pluralidade de opiniões que caracteriza o PT.
5.Nós
sabemos que esta pluralidade não impediu nem impede, muito pelo contrário, que
exista entre nós uma grande convergência em defesa de um conjunto de objetivos
programáticos, entre os quais a luta contra todas as formas de opressão e
exploração, a luta contra o capitalismo, o colonialismo e o imperialismo, a
luta contra o machismo, o racismo e a homofobia, a defesa do socialismo
democrático, do bem-estar social, da mais profunda democracia, da soberania
nacional, do desenvolvimento sustentável, da integração regional, da paz e do
desenvolvimento, assim como de uma nova ordem mundial.
6.A
pluralidade interna ao PT tampouco impediu nem impede que tenhamos conseguido
construir importantes sínteses estratégicas e táticas, nas lutas sociais e na
ação institucional, bem como na busca de construir um partido socialista, de
massas e democrático.
7.Foi
assim que construímos nosso Partido e desenvolvemos nossa ação, acumulando ao
longo de quase quatro décadas um relevante conjunto de experiências em termos
de organização popular, de luta social e de ação institucional, em todos os
níveis. Experiências
que a Fundação Perseu Abramo deve seguir sistematizando, debatendo e divulgando.
8.Sobre
todas e cada uma destas experiências e formulações, há no interior do nosso
Partido balanços muitas vezes diferenciados. Não achamos que isto seja um
problema: trata-se de outra das muitas expressões de nossa pluralidade e,
principalmente, de nossa democracia interna, que rejeita “vereditos oficiais” e
não aceita “dar por encerrada a discussão”, especialmente sobre temas de
natureza histórica, sobre os quais ainda se discutirá muito, sem que seja
necessário emitir sobre eles qualquer pretensa “última palavra”.
9.Até
porque nossas experiências e formulações não são propriedade privada do Partido
dos Trabalhadores: elas fazem parte do patrimônio histórico do povo brasileiro.
Primeiro, porque nossas experiências e formulações são inseparáveis das lutas
deste povo. Segundo, porque o aprendizado acerca de nossas experiências e
formulações está posto ao serviço das lutas populares. Terceiro, porque é
inevitável, legítimo e necessário que haja um permanente debate – entre os que
militam nas diferentes organizações populares -- acerca das formulações e
experiências protagonizadas pelo PT.
10.Aliás,
nosso Partido já produziu diferentes avaliações acerca de sua própria
trajetória, assim como da trajetória de outras experiências de esquerda. Não
apenas porque o PT é plural, não apenas porque esta pluralidade é distinta a
cada momento, mas também porque nosso ponto de vista é resultado de um
acumulado histórico – no qual se incluem valores, princípios e tradições que
nos marcam desde a criação do Partido--, mas também sempre fortemente marcado
pelas circunstâncias de cada época.
11.A
época que vivemos, por exemplo, é caracterizada pela tentativa – patrocinada
pelo grande capital e por seus instrumentos, especialmente o oligopólio da
mídia – de desmoralizar e destruir o Partido dos Trabalhadores, bem como os
avanços conquistados entre 1 de janeiro de 2003 e 12 de maio de 2016, período
em que petistas estiveram à frente da Presidência da República.
13.Por
isto, ao realizar o balanço deste período, não podemos deixar de enfatizar nossos
êxitos. Não porque não tenhamos cometido erros, tampouco porque tenhamos sido
exitosos em tudo. Aliás, se fosse assim, o golpe não teria ocorrido e
viveríamos no socialismo. Enfatizaremos nossos êxitos, em primeiro lugar porque
foi contra eles que os golpistas agiram e seguem agindo. Em segundo lugar,
enfatizaremos nossos êxitos como resposta às mentiras e ao desmonte praticado
pelos golpistas. E, em terceiro lugar, como um argumento adicional em defesa de
nosso regresso à presidência da República.
14.Embora
possa parecer óbvio, achamos necessário afirmar: se nós mesmos não defendermos
o que fizemos, quem o fará? E se não temos motivos para defender o que fizemos,
por que defendemos ser útil, ao povo brasileiro, o regresso do PT à presidência
da República?
15.Ao
destacar nossos êxitos, não deixaremos de apontar nossos erros e
insuficiências. Está mais do que claro que os golpistas agiram contra nós,
devido ao que fizemos de correto; mas também está claro que tiveram sucesso no
golpe, também devido a nossos erros e insuficiências. Evidentemente,
identificar quais foram estes erros e insuficiências não alterará a história
que passou, nem reduzirá o tamanho da derrota que sofremos; mas contribuirá
para que consigamos dar a volta por cima e possamos voltar mais fortes e mais
capazes de triunfar.
16.É
importante, quando falamos de nossos êxitos, recordar que nossos governos não
foram homogêneos. Os governos Lula e Dilma não foram iguais; o primeiro mandato
de Lula não foi igual ao segundo, assim como o primeiro mandato de Dilma não
foi igual ao interrompido segundo mandato. Mas, quando comparamos o desempenho
de nossos governos com o desempenho de governos anteriores (nos referimos aqui,
especificamente, aos mandatos de Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique),
constatamos que existe uma diferença profunda: durante nossos governos houve
uma melhoria no padrão de vida da maioria da população brasileira. Aliás,
podemos dizer que durante os mandatos Lula e Dilma nosso país ocupou a vanguarda mundial no
combate à fome, à pobreza e à miséria: dezenas de milhões de pessoas passaram a ter
direito à vida. De inspiração
antineoliberal, nossos governos implementaram não apenas políticas públicas de
inclusão social e transferência de renda, mas principalmente de ampliação de
direitos.
17.Elevar
o padrão de vida da maioria da população brasileira também foi um dos êxitos de nossos governos, a razão
fundamental pela qual – independente dos nossos erros e insuficiências --
consideramos que valeu a pena e segue valendo a pena o esforço de construir o
Partido dos Trabalhadores, participar das organizações e mobilizações das
classes trabalhadoras, disputar eleições e exercer mandatos, travar a luta
política, ideológica e cultural contra o capitalismo e em defesa do socialismo
democrático.
18.Alguns
– inclusive no próprio Partido dos Trabalhadores – interpretam a frase
“melhorar o padrão de vida” de maneira reducionista, como se fora o mesmo que
dizer “consumir mais”. Alguns fazem esta interpretação em tom de crítica,
outros em tom de elogio. Estas diferentes interpretações remetem a uma questão
extremamente importante: que tipo de sociedade almejamos e quais os variados
caminhos para construí-la.
19.O
conjunto das teses
debatidas ao 6º Congresso Nacional do PT apontam que as classes
trabalhadoras têm o direito de consumir mais; salientando, explícita ou
implicitamente, que entendem isto como parte de um processo histórico que
tornará possível, às classes trabalhadoras, assumir o controle das riquezas
materiais e espirituais produzidas pela sua atividade criativa. Portanto,
“consumir mais” não é nem pode ser um objetivo em si mesmo; pelo contrário,
deve ser visto como parte de uma caminhada que inclui construir novos padrões
de consumo e de vida em sociedade, de relação com outros povos e com a
natureza. Motivo pelo qual, quando apontamos a ampliação do consumo individual
e familiar como um desdobramento importante daquilo que nossos governos
fizeram, também apontamos que não foi e/ou não deveria ter sido apenas isto o
que fizemos e o que pretendemos fazer.
20.A
geração de empregos vai muito além de proporcionar um salário: numa sociedade
como a nossa, o desemprego tende a produzir todo tipo de constrangimento,
sofrimento e humilhação. Já a geração de emprego gera não apenas desdobramentos
econômicos, mas também efeitos culturais, sociais e psíquicos extremamente
positivos, não apenas para um indivíduo, mas para o conjunto da vida em
sociedade.
21.De
maneira similar, o acesso à educação vai muito além de proporcionar
qualificações técnicas e perspectivas futuras de melhoria salarial; ao
possibilitar que milhões de trabalhadores e filhos de trabalhadores tenham
acesso à escola, à educação e à cultura, estamos desprivatizando e socializando o saber acumulado pela
humanidade.
22.O
acesso à casa própria vai muito além da redução do gasto com aluguel; trata-se
de garantir que as pessoas do povo tenham sua moradia, seu teto, seu abrigo,
seu lar, contribuindo para a segurança material e emocional, sem a qual os
laços comunitários são mais facilmente ameaçados e destruídos.
23.O
acesso à energia elétrica vai muito além da possibilidade de utilizar
eletrodomésticos; trata-se de transportar para nosso tempo pessoas e regiões
que vinham sendo mantidas em condições do século XIX e anteriores.
24.A
bolsa família significa muito mais do que um dinheiro depositado numa conta
bancária; assim como a política de reajuste do salário mínimo e das
aposentadorias vai muito além de impedir a erosão inflacionária. Para milhões
de pessoas, significa sentir-se parte de uma comunidade, significa demonstrar
que compartilhamos responsabilidades e destinos, que ninguém pode ser sujeito
ao abandono, à miséria, a privação, ao esquecimento e desemparo na doença e na
velhice. Este talvez seja o sentido mais profundo de políticas como o SUAS e o
SUS, entre muitas outras.
25.Portanto,
quando observadas de conjunto, estas e outras políticas públicas que no curto
prazo podem ter resultado ou efetivamente resultaram em ampliação do consumo,
também tinham relação – algumas vezes tênue e contraditória, outras vezes
intensa e cristalina – com o projeto de
devolver às classes trabalhadoras, enquanto indivíduos e enquanto coletivo, o
produto do seu trabalho. E, ao mesmo tempo, de permitir às classes
trabalhadoras afirmar outros padrões societários, internos e externos, de
relação entre os seres humanos e de relação com a natureza. É por isto que
governos que se empenharam em gerar empregos e aumentar os salários, também
buscaram garantir e ampliar direitos, combater o racismo, a homofobia, a
violência contra a mulher, a exclusão e desrespeito com os povos indígenas. É
por isso que nossos governos, em sua política externa, romperam com o hábito de
“falar fino com os poderosos e falar grosso com os frágeis”. É por isso,
igualmente, que buscamos – ainda que com muitas contradições – superar o modelo
predatório que caracteriza nossa economia há séculos.
26.As
teses debatidas
no 6º Congresso não têm dúvida em apontar os limites de tudo que
fizemos e o tanto que deixamos de fazer. Até porque não se conseguiria mudar,
em menos de duas décadas, séculos de história. O que mais importa é que estas
teses deixam claro que pretendemos voltar a governar e o faremos reafirmando
que não queremos ser um país plutocrático, a serviço dos que ganham sem
trabalhar; nem queremos ser país falsamente meritocrático, que garante para
alguns padrões de “classe média”, às custas de muitos que são privados do
acesso ao consumo e aos direitos. Queremos ser um país onde as classes
trabalhadoras tenham um alto padrão de vida, material e cultural, com base em
novos paradigmas de consumo e de vida em sociedade, de relação com outros povos
e com a natureza.
27.Sabemos
que para atingir estes objetivos é necessário garantir fortes políticas
públicas, que não apenas materializem mas que também permitam ampliar de forma
expressiva e continuada os direitos. Neste sentido, com todos os limites que
possam ter tido e que efetivamente tiveram, os governos Lula e Dilma
construíram experiências que contrastam com a lógica anteriormente predominante
em diversas esferas do Estado: a ideia de que políticas públicas são precárias
por natureza, ineficientes, quando muito tratadas como matéria prima de
marketing, carentes da seriedade e da atenção que devem merecer ações cujo
destinatário é o povo brasileiro.
28.Se
os governos Lula e Dilma construíram e apontaram para aquele tipo de
experiências, contrastantes com o que pensava e ainda pensa a classe dominante
deste país, é antes de mais nada porque, ao longo de sua história de 37 anos, o
Partido dos Trabalhadores desenvolveu uma prática que apontava num sentido
inovador. Fizemos isto contribuindo para a organização e participando da luta
das classes trabalhadoras, de todos os setores explorados e oprimidos. Fizemos
isto através da ação de governos municipais e estaduais, da luta parlamentar e
de leis por nós propostas, das lutas políticas e sociais que o PT protagonizou
ou integrou. Os governos Lula e Dilma são e devem ser vistos como uma parte
importante desta trajetória. Não como seu ápice, nem como seu final, pois muito
ainda há o que fazer e muito mais ainda conseguiremos fazer: transformações
profundas e estruturais, em direção ao socialismo democrático.
29.O
golpismo busca desmontar, no plano simbólico e material, as ações implementadas
por nossos governos nacionais no sentido de melhorar o padrão de vida da
maioria da população brasileira. As teses debatidas no 6º Congresso apontam que o
trabalho deletério dos golpistas foi facilitado pela política econômica adotada
no início do segundo mandato da presidenta Dilma, política que -- para além dos
efeitos econômicos e sociais que produziu -- teve como principal efeito
político desorientar parte de nossa base social e eleitoral. Os golpistas
contaram, também, com a força do oligopólio da mídia, contra o qual nossos
governos não tomaram as medidas reclamadas pelo nosso Partido e por grande
parte da esquerda brasileira. Os golpistas se beneficiaram, ainda, da hegemonia
que as forças de centro-direita seguiram mantendo sobre grande parte das
instituições brasileiras, desde o Judiciário até o Congresso Nacional, que não
foram objeto de uma reforma política e de Estado. Contribuiu para o golpe o
controle do capital financeiro, transnacional e oligopolizado sobre a economia
nacional, controle explícito no financiamento privado empresarial das eleições,
assim como nas operações de sabotagem e desestabilização econômica que foram
praticadas contra nossos governos. Nossos governos enfrentaram de forma tímida o capital
financeiro. Deveríamos ter realizado uma auditoria cidadã e soberana da dívida
pública e denunciado ao povo brasileiro o quanto dos recursos públicos são
destinados ao esquema da dívida. Finalmente, mas não menos
importante, o golpismo foi em alguma medida estimulado, respaldado e orientado
por agentes estatais e não estatais estrangeiros.
30.Nunca
é demais repetir que o programa político, econômico e social do golpismo foi
derrotado nas eleições de 2002, 2006, 2010 e 2014. Sendo que nas três últimas
eleições presidenciais, o povo avaliou e aprovou, majoritariamente, as
realizações dos governos Lula e Dilma. Todavia, há pesquisas que informam que
parte importante da população brasileira aprovou o que fizemos, votou em nossas
candidaturas, mas não compreendeu adequadamente o vinculo existente entre
nossas realizações administrativas e um determinado programa, uma visão de
mundo.
31.Neste
sentido, é preciso reconhecer que falhamos em explicar e convencer o conjunto
de nosso eleitorado, que os êxitos obtidos por nossos governos só foram
possíveis ali onde conseguimos construir políticas publicas que materializassem
uma visão alternativa e antagônica à concepção neoliberal, entreguista e
antidemocrática que foi hegemônica na presidência da República, entre 1990 e
2002.
32.Não
é segredo que existem em nosso Partido diferentes opiniões acerca do quanto
fizemos. Há quem esteja convicto de que fizemos o máximo que a correlação de
forças permitia e permitiria. Há os que afirmam que poderíamos e deveríamos ter
feito mais. Há quem esteja convencido de que conciliamos em demasia com os
interesses do grande capital, do agronegócio e da especulação financeira.
33.Mas
é importante ressaltar que nenhuma das posições apresentadas durante o 6º Congresso
Nacional do PT duvida que -- especialmente quando comparados ao governo
usurpador -- nossos governos efetivaram políticas públicas que buscavam
implantar outra concepção de desenvolvimento, expressa por exemplo na política
externa altiva e ativa, no arquivamento do projeto de Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA), no estreitamento dos laços com os vizinhos da América do
Sul, no aprofundamento de projetos comuns aos BRICS, nas relações com o
continente africano; nas políticas de participação popular; na Lei da Partilha
do Pré-Sal; na retomada do papel protagonista do Estado, tanto no
desenvolvimento econômico quanto na ampliação do bem-estar social.
34.As
teses debatidas
no 6º Congresso destacam, especificamente, um conjunto de ações e políticas que
ampliaram os direitos, a saúde e a educação da classe trabalhadora,
especialmente das mulheres, da juventude, dos negros e das negras: a Política
de Valorização do Salário Mínimo, a PEC das Domésticas, a Lei Maria da Penha, o
Programa Bolsa Família, que em 2016 mantinha 13,9 milhões de família fora da
extrema pobreza, o programa Mais Médicos, a política de Cotas, a ampliação do
investimento público total em educação em relação ao PIB, de 4,5% em 2004 para
6,2%, em 2013.
35.Portanto,
as teses destacam nossos êxitos em termos de ampliação do bem-estar social, das
liberdades e direitos democráticos, de fortalecimento da soberania e da
integração regional, êxitos reconhecidos pela maioria do eleitorado em 2006,
2010 e 2014. Mas apesar disso, fomos vítimas de um golpe jurídico, parlamentar
e midiático. Golpe que foi seguido de uma eleição municipal em 2016, em que as
candidaturas petistas tiveram – com exceções – um desempenho negativo.
36.As
teses debatidas no
6º Congresso do PT apontam que o golpe foi em grande medida uma reação do
grande capital nacional e internacional, do oligopólio da mídia e de diferentes
setores da direita, dentro e fora do Estado brasileiro. Reação contra nós,
contra o que nós somos, contra o que nós efetivamente fizemos, contra o que
eles temiam que poderíamos vir a fazer e, também, reação contra nossa recusa em
capitular e implementar o programa dos golpistas. Uma reação que não se dirigia
apenas contra nossos governos, mas contra o que há de mais combativo na classe
trabalhadora e no conjunto do povo brasileiro. Uma reação que tinha e tem como objetivo
efetivar um programa antipopular e antinacional, um programa derrotado nas
urnas nas quatro últimas eleições presidenciais, um programa que visa ampliar
os padrões de lucratividade do capital. O golpe foi a saída encontrada pelas
oligarquias financeiras, industriais, agrárias, midiáticas e pelos partidos que
as representam para subordinar a política econômica aos pressupostos da
ortodoxia neoliberal em sintonia com a tendência mundial do capitalismo de
concentrar e exportar capitais, ampliando a financeirização da economia no
contexto da globalização. Trata-se de aplicar outro projeto de país, projeto
que envolve uma visão sobre o Estado e suas instituições, sobre a economia, as
relações de trabalho, a sociedade, a política, o poder coercitivo, a
democracia, a cultura, os valores, os modos de vida.
37.Não
há consenso, nas diferentes teses debatidas no 6º Congresso Nacional, acerca
dos motivos pelos quais o golpe foi vitorioso. Nem tampouco há consenso acerca
da relação entre o golpe e aquilo que fizeram e/ou deixaram de fazer nossos
governos nacionais.
38.Mesmo
quando manifestam opiniões parecidas, as teses apresentam nuances importantes,
seja para compreender o que ocorreu, seja para contribuir para nossas ações
futuras. Mas é comum a todas as teses apontar a relação entre a política
econômica adotada no segundo mandato da presidenta Dilma e o golpe finalizado
em 31 de agosto de 2017. Assim como é comum a todas as teses apontar não apenas
os erros cometidos pelos governos, mas também os erros cometidos pelo Partido,
assim como as debilidades dos movimentos sociais.
39.No
que diz respeito especificamente ao governo Dilma, é importante lembrar a
crítica feita pelo próprio Diretório Nacional do Partido, transcrita em algumas
teses. Ao invés de acelerar o programa distributivista, como havia sido
defendido na campanha da reeleição presidencial em 2014, o governo adotou
medidas de austeridade sobre o setor público, os direitos sociais e a demanda.
O ajuste fiscal, além de intensificar a tendência recessiva, gerou confusão e
desânimo na base social petista: entre os trabalhadores, a juventude e a
intelectualidade progressista, disseminou-se a sensação, estimulada pelos
monopólios da comunicação, de estelionato eleitoral. A popularidade da
presidenta rapidamente despencou. As forças conservadoras sentiram-se
encorajadas a buscar a hegemonia nas ruas, pela primeira vez desde as semanas
que antecederam o golpe militar de 1964. O enfraquecimento da esquerda, nos
meses seguintes à vitória apertada no segundo turno de 2014, rapidamente
alterou a correlação de forças no país, dentro e fora das instituições. A
direita retomou a ofensiva. As frações de centro, assistindo o derretimento do
governo na opinião pública, começaram a se descolar da coalizão presidencial,
deslizando para uma aliança conservadora que impôs seguidas derrotas
parlamentares à administração federal. Apesar de seguidas decisões do Partido,
apontando ser indispensável mudar a política econômica para recuperar apoio
político e social, o governo prosseguiu no rumo que escolhera, agravando as
dificuldades. E se distanciando do que era efetivamente necessário, a saber: recompor o
equilíbrio fiscal através da tributação dos mais ricos e desmontar o oligopólio
dos bancos, entre outras medidas que permitissem recursos para o Estado
aprofundar políticas de desenvolvimento com distribuição de renda. Portanto,
não um reordenamento orçamentário, mas sim um novo ciclo programático baseado
em reformas estruturais, sem o que o processo de desindustrialização e
dependência externa vai se aprofundar, conduzindo o Brasil a uma situação
econômica que já experimentamos antes da Revolução de 1930.
40.Como
já foi dito por resoluções partidárias, registradas em algumas teses, o golpe
confirmou que a burguesia, em determinada correlação de forças, pode até
aceitar certas mudanças nos períodos expansivos, quando avanços das camadas
populares não resultam em diminuição de seus ganhos absolutos ou relativos. Mas
a burguesia oferece brutal resistência quando esse equilíbrio distributivo está
sob ameaça, particularmente nas fases de contração econômica. Noutras palavras,
pode-se dizer que uma tentativa de golpe viria, mais cedo ou mais tarde, sejam
quais fossem as formas e os pretextos.
41.Nesse
sentido, como é dito em várias teses,
deveríamos compreender que a hegemonia dos trabalhadores no Estado e na
sociedade não depende exclusiva ou principalmente de administrações
bem-sucedidas, nem tampouco de maiorias parlamentares, mas sim da construção de
uma força política, social e cultural capaz de dirigir a sociedade e as
instituições, derrotando nossos inimigos em todos os terrenos. Para construir
esta força, deveríamos ter costurado um programa e uma aliança estratégica
entre os partidos populares e os movimentos sociais, que pudesse ampliar o peso
da esquerda, dentro e fora das instituições.
Deveríamos, ainda, ter
desenvolvido um trabalho articulado de disputa de hegemonia pelo partido, pelos
governos petistas e pelas bancadas, através de políticas de estado e das
políticas partidárias de formação e comunicação, dentre outros.
Sem
isto, o nosso crescimento institucional foi insuficiente e, além disso, foi contaminado
pelo financiamento empresarial de campanhas, afetando nossa nitidez
político-ideológica, expondo negativamente nossa imagem, abrindo flancos para
ataques de aparatos judiciais controlados pela direita.
42.Como
isto não ocorreu, nosso balanço é chamado a explicar por quais motivos o
impeachment foi aprovado por um parlamento onde a “base do governo” era
supostamente majoritária; respaldado por um Supremo Tribunal Federal composto,
em sua ampla maioria, por ministros indicados por presidentes petistas; apoiada
em provas produzidas por investigações conduzidas por um Ministério Público e
por uma Polícia Federal fortalecidas em nossas gestões; e publicizada por meios
de comunicação financiados, em boa medida, através de verbas publicitárias do
governo federal. Sem falar que Temer, o usurpador, teve sua candidatura a
vice-presidente da República respaldada pelo voto amplamente majoritário de
dois encontros do PT.
43.Sobre
cada um destes pontos, as teses debatidas no 6º Congresso oferecem
diferentes interpretações. Algumas apontam para a existência de uma estratégia
de conciliação de classes, que inclusive não teria se preparado para a hipótese
de ocorrer uma reação golpista. Outras interpretações reconhecem decisões
efetivamente incorretas, mas consideram que elas teriam se dado nos marcos de
uma estratégia correta, que buscou levar em conta a correlação de forças.
Independente da opinião que tem acerca destas diferentes interpretações, a
maioria das teses aponta que nosso retorno ao governo deveria ser acompanhado
da criação de condições para uma reforma geral nas instituições, a ser feita
através de uma Assembleia Nacional Constituinte.
44.Outro
ponto presente em todas as teses é o tema da corrupção. É feita uma crítica da
corrupção e da promiscuidade público/privado, seja enquanto componente
indissociável do capitalismo em geral e da história do Estado burguês no
Brasil, seja enquanto “efeito colateral” dos mecanismos de financiamento
privado empresarial.
45.Embora
haja diferentes e algumas vezes muito contraditórias apreciações nas teses debatidas no
6º Congresso, pode-se dizer que todas apontam ser indispensável superar a
adaptação do Partido ao modus vivendi da política tradicional no Brasil.
Algumas teses destacam como exemplo principal de “adaptação” as coligações
eleitorais com partidos de centro-direita, especialmente o PMDB. Outras
destacam o estabelecimento de uma relação tradicional entre partido e governo,
com o primeiro subordinando-se ao segundo, o que inclusive impediria o
desempenho adequado e a defesa eficaz de ambos.
46.Na
opinião de algumas teses, este processo de adaptação teria levado o PT,
inclusive, a não travar alguns debates políticos e ideológicos apontados como
decisivos. Embora cada tese faça sua lista específica, todas apontam que, em
nome de cálculos eleitorais e/ou de governabilidade institucional, teríamos
deixado de debater ou teríamos feito concessões em diversos temas, entre os
quais são citados a questão do aborto, a segurança pública, a taxação das
grandes fortunas, a reforma política, a reforma do sistema penitenciário, a
reforma agrária, a defesa dos povos indígenas, entre outros. Há teses que
chamam a atenção para o fato de que recusamos a tese formal da autonomia do Banco
Central, mas que na prática esta autonomia foi exercida, beneficiando os
interesses rentistas. Além disso, muitas resoluções de Conferências Nacionais –
como as de Educação, Saúde, Direitos Humanos e Comunicação – teriam sido
deixadas de lado.
47.Diversas
teses fazem uma crítica enfática ao que consideram uma determinada
interpretação do “republicanismo”, que teria nos levado a decisões equivocadas
em questões relativas ao Ministério Público, a Procuradoria Geral da República,
ao Supremo Tribunal Federal e a Polícia Federal. Na opinião destas teses, sem
aquele tipo de “republicanismo” a Operação Lava Jato e, antes dela, a Ação
Penal 470 não teriam conseguido instalar uma “justiça de exceção”, organizada
pelo objetivo de destruir o PT e Lula. Com o mesmo propósito, mas utilizando
uma terminologia distinta, há teses que criticam a crença na neutralidade das
instituições.
48.A
título de conclusão, podemos afirmar que – ao tratar do tema “balanço” -- as teses debatidas no 6º
Congresso nacional discutem em que medida a ação dos nossos governos influiu e
deixou de influir na relação de forças entre as classes sociais existentes no
Brasil.
49.Do
ponto de vista da ação presente e futura do Partido, o 6º Congresso considera
que esta é uma das questões fundamentais sobre as quais devemos nos debruçar,
se quisermos voltar a governar o Brasil e se quisermos ser vitoriosos numa
próxima experiência governamental. A saber: como utilizar nossa presença no
governo nacional para alterar a relação de forças na sociedade brasileira. Ou,
dito de outra forma: o que fazer para fortalecer cultural, política e
economicamente as classes trabalhadoras? Como atrair os setores médios,
buscando impedir que eles se convertam em tropa de choque da reação? Que ações
implementar com o objetivo de dividir e enfraquecer o poder cultural, político
e econômico da classe dominante? Responder a estas perguntas é uma das
principais contribuições que o balanço pode e deve dar para a discussão sobre
nosso programa, nossa estratégia, nossa tática e nossa política de organização.
50.Concluímos
enfatizando este último ponto: mudar o Brasil implica em conquistar governos,
mas exige principalmente construir um novo poder. E construir um novo poder é
uma tarefa das organizações da classe trabalhadora, entre as quais o próprio
Partido dos Trabalhadores. Neste sentido, talvez um de nossos maiores erros
tenha sido acreditar ser possível terceirizar, para os governos, tarefas
políticas, sociais e culturais que cabiam antes de tudo ao próprio Partido.
51.Reconhecer
este erro e tomar as medidas práticas para que ele não se repita – realizando
mudanças no trabalho de massas cotidiano, no discurso feito junto à sociedade,
na política de alianças, na atitude perante as instituições do Estado, no peso
do institucional, nos costumes, no direcionamento das atividades partidárias,
no esforço para produzir uma cultura e uma elaboração teórica à altura das
necessidades – é o principal sentido das resoluções de balanço do 6º Congresso
do Partido dos Trabalhadores.