Contribuição ao debate
da reunião que a Direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
fará no dia 19 de maio de 2019
1.A manifestação de 15 de maio de 2019 abriu um novo momento
na luta entre o governo Bolsonaro e a oposição democrática e popular. O governo
já vinha enfrentando problemas internos (como os conflitos entre o Clã Bolsonaro,
o iluminado Olavo de Carvalho, os militares e a Rede Globo) e em sua base
parlamentar (cuja infidelidade ficou
patente na convocação do ministro da Educação, aprovada por 307 a favor e 82
contra). Além disso, é crescente o mal estar causado pelo programa de
austeridade fiscal do governo Bolsonaro, com suas resultantes diretas: o
crescimento do desemprego e o desmonte das políticas sociais. Mas até o dia 15
de maio, a oposição ainda não havia conseguido realizar mobilizações que
impactassem a situação política.
2.No dia 15 de maio, mais de 1 milhão de manifestantes, em
cerca de 250 cidades, protestaram contra os cortes na Educação e também contra
o “conjunto da obra” de um governo que atenta cotidianamente contra os direitos
sociais, as liberdades democráticas e a soberania nacional. Exemplos disto são
as frases rotulando os que protestam como “idiotas” e o ambiente acadêmico como
“balburdia”, mais o decreto facilitando o porte de armas, publicado na esteira
de violências cometidas, no ambiente escolar, por pessoas intoxicadas pelo
bolsonarismo. Neste contexto, professores e funcionários de escolas, seus
familiares, o movimento popular e sindical, os partidos e as frentes, mas
particularmente a juventude estudantil, todos saíram às ruas numa manifestação
impressionante em defesa da educação, contra a ignorância e a violência. As
manifestações confirmaram a força dos sindicatos de professores, a relevância
da mobilização das universidades, a simpatia popular pela luta da juventude e a
legitimidade da luta pela educação. Mostraram que a mobilização geral contra o
governo pode ser catalisada por questões aparentemente específicas, mas que se
demonstrem capazes de contagiar setores muito mais amplos. E demonstrada, mais uma
vez, que a força e o enraizamento que a esquerda quando unida possui na
sociedade brasileira são capazes de superar as debilidades estratégicas,
táticas e organizativas de suas organizações e lideranças.
3.Até o 15 de maio, a postura predominante no governo vinha
sendo a de “ignorar” os protestos da oposição. Agora isto não será possível. O
governo e as forças políticas e sociais que o sustentam tem diante de si quatro
alternativas fundamentais. A primeira alternativa seria recuar nos cortes, mesmo que
parcial e temporariamente, na expectativa de que a oposição reflua, que a greve
de 14 de junho não repita o êxito do 15 de maio, que a reforma da previdência
seja aprovada. O principal obstáculo a esta alternativa é a desastrosa situação
fiscal do governo, causada no fundamental por sua própria política econômica. Neste
contexto, recuar dos cortes pode levar o governo a descumprir seus compromissos
com o capital financeiro. Outro obstáculo é subjetivo: a tática do governo Bolsonaro
vem sendo a mesma da campanha eleitoral, ou seja, polarizar e atacar. Aliás, as
manifestações de 15 de maio não são compreensíveis se não levarmos em conta a
violência, a agressividade e o desrespeito continuado do governo frente ao
mundo da educação. Sendo esta a atitude geral do governo, um recuo nos cortes
poderia ser visto como sinal de fraqueza, o que poderia se converter em
estimulante para novas manifestações. Sem falar que poderia facilitar mais defecções
na base do governo no parlamento, base que está longe de garantir a aprovação
integral da reforma da previdência defendida por Guedes e pelos bancos.
4.A segunda alternativa seria mobilizar a base social do
governo, não apenas através das redes sociais, mas também em manifestações de
massa. O principal obstáculo a esta alternativa está no desgaste do governo
junto aos seus apoiadores. A base do governo existe, mas parte dela está
confusa e desmotivada, seja pelas lutas entre os diferentes setores do governo,
seja pela visível piora na situação do país, sendo cada vez menos eficaz —
embora continue merecendo combate permanente de nossa parte— o “argumento” da
“herança maldita”. Outro obstáculo à uma mobilização conservadora é a postura
(ao menos neste momento) da Rede Globo, essencial no sucesso de mobilizações
anteriores da direita, mas que agora parece mais interessada em desgastar o
governo, seja para obrigá-lo a ceder a seus interesses empresariais, seja para
construir uma alternativa conservadora a Bolsonaro (Mourão, por exemplo).
5.A terceira alternativa seria seguir o caminho da
repressão. Este caminho é perfeitamente compatível com a vocação do governo
Bolsonaro, que por diversas vezes já deixou claro, com declarações e atos, sua
intenção de criminalizar e destruir a esquerda brasileira. O governo já vem trabalhando
na perspectiva da repressão, como se percebe no caso do “embrulho supostamente
anti-crime" apresentado pelo ministro Moro e também se confirma nas disposições
do Decreto 9794-2019, este último publicado pelo Diário Oficial da União quando as manifestações de 15 de maio ainda
estavam em curso. O Decreto 9794 transfere uma série de competências que eram
do MEC e/ou dos Reitores das Universidades para a Casa Civil comandada pelo
General Santos Cruz, transferência que na prática anula aspectos fundamentais
da autonomia universitária. Entretanto, a opção por uma alternativa repressiva
não produziria resultados efetivos no curto prazo. Pelo contrário, ampliaria à
polarização e a instabilidade, ameaçando a estratégica reforma da previdência.
Acrescente a isso que, dada a força da esquerda brasileira, a repressão, para
atingir seus objetivos, teria que assumir padrões similares aos dos anos 1970
na Argentina e no Chile.
6.A quarta alternativa seria afastar Bolsonaro, na
expectativa de que isto criasse um ambiente político mais propício a
implementação do projeto ultraliberal e entreguista. Os que especulam com esta
alternativa tomam como exemplo o afastamento de Collor, cujo impeachment abriu
o caminho para o governo neoliberal muito mais estável de FHC. O grande
obstáculo para esta alternativa é o comportamento do Clã Bolsonaro, que por
enquanto não dá nenhum sinal de que vá se dirigir docilmente ao matadouro.
Entretanto, o cerco policial e judicial contra alguns integrantes do Clã pode
oferecer o argumento para um “acordo” que resultaria na promoção de Mourão à
presidência. Outro obstáculo é o tempo: um processo de impeachment (ou mesmo a renúncia
do presidente, ao estilo Jânio) tomaria certo tempo, durante o qual a crise
política tenderia a se aprofundar, igualmente ameaçando a estratégica reforma
da previdência. Mas não se deve subestimar esta alternativa, que pode
interessar aos integrantes do chamado "centrão", assim como a
potenciais candidatos a presidência como Dória, governador de São Paulo.
7.Portanto, qualquer que seja a alternativa escolhida pelo
governo Bolsonaro e pelas forças que o apoiam, o cenário mais provável é o de
aprofundamento da crise e da polarização politica. Frente a isto, qual a tática
que a oposição democrática e popular deveria adotar? Neste terreno da tática, aparecem
basicamente três alternativas no debate travado entre os que fazem oposição ao
governo Bolsonaro. A primeira alternativa seria defender o imediato
afastamento do presidente. Esta opção tem a seu favor a clareza e a simpatia despertada
pela palavra-de-ordem “fora Bolsonaro”, palavra-de-ordem que dialoga fortemente
não apenas com os sentimentos da esquerda, mas também com aqueles setores que
têm ojeriza a política e ao voto popular. Aliás, como em 1991, um importante
setor da burguesia e dos setores médios tradicionais parece estar chegando à
conclusão de que Bolsonaro é um obstáculo tático à implementação de seu
programa. Por isso mesmo, a esquerda não pode (pela segunda vez cair) cair na
ilusão de que afastar um presidente é o mesmo que derrotar um bloco de poder. A
depender das circunstâncias, o afastamento imediato de Bolsonaro pode favorecer
os interesses da coalizão que elegeu Bolsonaro presidente.
8.A segunda alternativa seria tentar construir um pacto
político com setores da coalizão bolsonarista (que inclui políticos tradicionais,
militares, mídia oligopolista, pentecostais, grande empresariado, setores
médios tradicionais etc.), um pacto visando impedir uma saída repressiva e o
colapso geral do país. Esta opção, não assumida oficialmente por nenhum partido
de esquerda, mas defendida explicitamente ou implicitamente por lideranças e
figuras públicas, tem como principal obstáculo o fato de que os setores do
governo considerados pela grande mídia como “adultos” e “razoáveis” defendem o
programa ultraliberal e entreguista, ou seja, defendem aquilo que está na
origem do colapso e da crise. Portanto, seria o povo que pagaria a conta de um
hipotético grande “acordo nacional”. Como na segunda metade dos anos 1980, se
esta alternativa vingasse, estaríamos diante de uma “transição conservadora”.
Sem falar que esses setores “adultos” e “razoáveis” são contrários à libertação
de Lula e a anulação de suas penas, questões centrais para quem defende as liberdades
democráticas. Vincula-se a isso a crítica, feita por alguns dos que anseiam por
um “pacto”, contra a presença de bandeiras vermelhas e da palavra-de-ordem Lula
Livre nas manifestações de 15 de maio, como se a condenação e a prisão de Lula
não tivesse nenhuma relação com a piora geral nas condições de vida, inclusive
os cortes na educação e a destruição da aposentadoria.
9.A terceira alternativa consiste em perseverar na tática
que deu certo no dia 15 de maio: a oposição global ao governo, a mobilização
política e social, a unidade das forças democráticas e populares. Já a esquerda
deve ter como prioridade engajar nas mobilizações a maior parte da classe
trabalhadora, incluindo os que votaram em Bolsonaro, os que se abstiveram,
votaram branco e nulo. O engajamento da classe trabalhadora é uma condição
essencial para que uma alternativa de esquerda tenha consistência e êxito.
Parte importante da juventude trabalhadora e periférica ainda não está
engajada. Neste sentido, é importante que convirjam a continuidade da
mobilização do mundo da educação e do mundo do trabalho. Convergência que será
mais fácil, se nenhuma entidade ou setor achar que tem o monopólio da luta e
das decisões a respeito das mobilizações. Esta terceira alternativa é defendida
por diferentes setores do campo democrático e popular, entre os quais a
tendência petista Articulação de Esquerda. Já o falatório do ex-presidenciável
Ciro Gomes é, na melhor das hipóteses, um desserviço a esta tática.
10.A mobilização da esquerda deve ter três objetivos
fundamentais: impedir o governo de aplicar seu programa antipopular,
antidemocrático e antinacional; criar as condições para abreviar a duração do
mandato da chapa Bolsonaro e Mourão; e, também, criar as condições políticas e
institucionais para, o mais rápido que for possível, termos um governo
democrático e popular. Será um desastre para o país se Bolsonaro governar até
31/12/2022. Mas tampouco seria positivo que seja Mourão a governar. Uma saída
democrática e popular supõe novas eleições, em condições verdadeiramente
livres, com Lula podendo disputá-las. Até porque Lula segue sendo a liderança
capaz de expressar, para as mais amplas massas, um programa alternativo ao da
coalizão bolsonarista. E a campanha por sua libertação, combinada com a
mobilização de massas contra o governo Bolsonaro, são aspectos inseparáveis da
tática capaz de criar uma alternativa popular à crise. Cuja superação também envolverá,
mais cedo ou mais tarde, a realização de uma Assembleia Nacional Constituinte,
em condições que permitam a real expressão dos interesses populares. Criar as
condições para este tipo de saída exige um alto nível de consciência,
organização e mobilização por parte das classes trabalhadoras.
11.O núcleo duro do governo Bolsonaro trabalha para que 2019
termine como terminou 1968, quando a mobilização oposicionista, fortemente
apoiada pelos estudantes, foi reprimida pela ditadura militar, com os
instrumentos de exceção previstos pelo Ato Institucional número 5. Os
“liberais”, tanto governistas quanto oposicionistas, trabalham para viabilizar
uma "solução de continuidade", como ocorreu em 1992 com a saída de
Collor, mas com a continuidade do programa neoliberal. Já a esquerda
democrática, popular e socialista deve trabalhar para fazer do 15 de maio, bem
como do 30 de maio convocado pela UNE, um ponto de apoio para que a greve geral
(convocada para 14 de junho) seja forte o suficiente para derrotar a reforma da
previdência. A reforma da previdência continua tramitando no Congresso
Nacional. Derrotá-la nos colocará em um patamar mais favorável para construir
uma saída política, democrática e popular. Por isso, a greve geral segue sendo
nossa prioridade de mobilização.
12.Em qualquer caso, estamos diante de um processo de médio
prazo, cuja duração depende do nível de consciência, organização e mobilização
da classe trabalhadora. Um processo que envolve e envolverá lutas de massa, disputa cultural e disputas
eleitorais, como é o caso das eleições de 2020. Um processo que, ademais, será
impactado pela evolução da situação internacional. Neste terreno, não há sinais
positivos para Bolsonaro, cuja imagem internacional está cada vez mais
desgastada, inclusive junto a governos ideologicamente afins. A negativa de
impulsionar a entrada do Brasil na OCDE e os percalços da "homenagem" ao presidente nos EUA são exemplos disso.
13.Aprofundar a luta de massas contra o governo e, ao mesmo tempo, ampliar a
campanha pela Liberdade de Lula: este é o caminho para que 2019 não conclua nem como "1992", nem como "1968". Lula Livre e Povo na Rua devem estar no centro da tática do conjunto
dos partidos de esquerda, da CUT e do movimento sindical, da UNE e Ubes, dos movimentos do campo e da cidade, das Frentes Povo Sem Medo e Brasil
Popular, e especialmente do Partido
dos Trabalhadores.
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