Roteiro da aula "As
origens e desafios atuais do Programa Democrático e Popular"
Me foi solicitado que falasse com vocês sobre as origens e desafios ATUAIS do programa democrático e popular.
Preâmbulo
As
Democracias Populares da Europa Oriental
Eugene Reale, 1947, do PCI
O Exemplo da Polônia e seus Vizinhos
Dois Fatos Novos
Duas Definições sobre as Novas
Democracias
Liberdade dos Indivíduos e dos
Grupos
Nenhuma Separação de Poderes
O Socialismo na Etapa Atual
OU seja, se chegou a conclusão de que o SOCIALISMO em si mesmo é um processo de transição, com características diferentes a depender da época histórica em que ocorre & a depender do tipo de sociedade onde ocorre; e que nesse processo de transição vão COINCIDIR, se COMBINAR e LUTAR entre si diferentes MODOS DE PRODUÇÃO.
29
de maio, 19h00
Me foi solicitado que falasse com vocês sobre as origens e desafios ATUAIS do programa democrático e popular.
A questão que me proponho a discutir é: porque alguns falam
de “programa socialista”, de “estratégia socialista”, de “governo socialista” e
outros falam de “programa democrático-popular”,
de “estratégia democrático-popular”, de “governo democrático popular”.
E ainda: porque para alguns estes termos querem dizer coisas
completamente diferentes, enquanto outros consideram que se trata de duas
maneiras diferentes de dizer praticamente a mesma coisa?
Para responder esta questão, vamos voltar a 1905, a um livro
publicado por Lenin, intitulado “Duas táticas da social-democracia na revolução
democrática”.
Não vou falar do conteúdo do livro, vou falar do título.
Lenin fala de duas táticas. Na linguagem moderna, a gente
falaria de duas ESTRATÉGICAS. Na época, 1905, o termo estratégia ainda não
havia se generalizado como parte do vocabulário utilizado na política. As
pessoas usavam o termo tática no sentido de estratégia (como fazer para ganhar
uma guerra); e também usavam o termo tática no sentido de tática mesmo (como
fazer para ganhar uma batalha).
Lenin também fala de revolução democrática. Revolução
democrática queria dizer revolução BURGUESA. E quando ele falava de duas
táticas, ele estava se referindo a duas políticas, que conduziam a dois tipos
diferentes de revolução democrática. Ambas seriam burguesas. Uma seria
protagonizada pela grande burguesia. Outra seria protagonizada pelo
campesinato.
Lenin defendia que a revolução democrática protagonizada
pelo campesinato deveria ser apoiada pelo proletariado. E admitia inclusive que
pudesse existir, por um certo tempo, um governo revolucionário conjunto, do
proletariado e do campesinato. Lenin dava a esta hipotético governo (que não
ocorreu em 1905, mas ocorreu em 1917) um nome que ele mesmo dizia ser
horroroso, uma fórmula algébrica: DITADURA DEMOCRÁTICO REVOLUCIONÁRIA DO
PROLETARIADO E DO CAMPESINATO.
Lenin defendia, para horror dos mencheviques, que o
proletariado poderia cumprir um papel hiper ativo numa revolução DEMOCRÁTICA,
ou seja, NUMA REVOLUÇÃO DEMOCRÁTICO BURGUESA. Por que? Porque ele achava que,
fazendo isto, o proletariado estaria radicalizando e acelerando o processo,
tornando mais fácil a etapa seguinte, a luta pelo socialismo.
Neste exemplo que eu dei já fica claro de que problemática
surgiu o termo democrático popular: revolução democrática... revolução
democrático-popular... revolução socialista.
Lenin poderia ter dito: duas táticas, uma conduz a uma
revolução democrático burguesa, outra conduz a uma revolução democrático
popular.
Mas atenção: nesse momento, Lenin imagina o seguinte
cenário: os operários vão apoiar o campesinato, farão uma revolução democrática
hiper radical, mas em algum momento a aliança vai se romper, os antigos camponeses
continuarão defendendo o capitalismo e os operários defenderão o socialismo.
Neste caso, portanto, a revolução democrático-popular é uma
coisa e a revolução socialista é outra coisa.
Agora vamos dar um salto de 12 anos, vamos para 1917.
Nas Teses de Abril e em outros textos, Lenin vai defender
algo FORMALMENTE parecido com o que ele defendeu em 1905, mas há uma mudança
fundamental.
Em 1905 ele defende que o proletariado apoie o campesinato
para radicalizar a revolução burguesa, para tornar mais rápida a passagem para
uma segunda etapa, onde se dará a realização das demandas socialistas do
proletariado.
Em 1917 ele defende que o proletariado SE apoie no
campesinato para realizar uma revolução socialista, que vai atender as demandas
democráticas do campesinato.
Não nos importa aqui discutir os detalhes do problema, mas
apenas atentar para que nesse momento ressurge a noção do democrático-popular,
agora como duas coisas simultâneas:
-continua sendo uma modalidade de revolução
democrático-burguesa
-mas agora é uma revolução democrático-burguesa que se dá
como PARTE de uma revolução socialista
Neste caso, portanto, a revolução democrático-popular e a
revolução socialista fazem parte do mesmo processo. Não são a mesma coisa, mas
também não são coisas distintas no tempo e no espaço.
Agora vamos dar mais um salto no tempo e vamos até 1920, no
II Congresso da Internacional Comunista.
Neste Congresso houve uma comissão que debateu a Questão
Colonial e coube a Lenin apresentar o relatório da comissão para o plenária do
Congresso.
Vejamos um pedaço do que ele disse, no dia 26 de julho: “gostaria
de sublinhar particularmente a questão do movimento democrático-burguês nos
países atrasados. Esta foi precisamente a questão que suscitou algumas
divergências. Discutimos sobre se, do ponto de vista dos princípios e da
teoria, era ou não correcto declarar que a Internacional Comunista e os
partidos comunistas devem apoiar o movimento democrático-burguês nos países
atrasados; em resultado desta discussão chegámos à decisão unânime de que deve
falar-se de movimento
revolucionário nacional em vez de movimento «democrático-burguês».
Não resta a menor dúvida de que qualquer movimento nacional só pode ser democrático-burguês,
pois a massa principal da população nos países atrasados é constituída pelo
campesinato, que representa as relações capitalistas burguesas. Seria utópico
pensar que os partidos proletários, se é que eles podem surgir em geral em tais
países, são capazes de aplicar nestes países atrasados uma táctica comunista sem
manter determinadas relações com o movimento camponês e sem o apoiar na
prática. Mas aqui foram feitas objecções de que se falássemos de movimento
democrático-burguês se apagaria qualquer diferença entre os movimentos
reformista e revolucionário. Entretanto, nos últimos tempos esta diferença
manifestou-se nos países coloniais e atrasados com inteira clareza, porque a
burguesia imperialista procura com todas as forças implantar o movimento
reformista também entre os povos oprimidos. Entre a burguesia dos países
exploradores e a dos coloniais verificou-se uma certa aproximação, pelo que,
muito frequentemente - e talvez mesmo na maioria dos casos - a burguesia dos
países oprimidos, apesar de apoiar os movimentos nacionais, luta ao mesmo tempo
de acordo com a burguesia imperialista, isto é, juntamente com ela, contra
todos os movimentos revolucionários e as classes revolucionárias. Na comissão
isto foi demonstrado de forma irrefutável, e nós considerámos que a única coisa
correcta era ter em atenção esta diferença e substituir em quase toda a parte a
expressão «democrático-burguês» pela expressão «revolucionário-nacional». O
sentido desta mudança consiste em que nós, como comunistas, só devemos apoiar e
só apoiaremos os movimentos libertadores burgueses nos países coloniais nos
casos em que esses movimentos sejam verdadeiramente revolucionários, em que os
seus representantes não nos impeçam de educar e organizar num espírito
revolucionário o campesinato e as amplas massas de explorados. Mas se não
existirem essas condições, os comunistas devem lutar nestes países contra a
burguesia reformista, à qual também pertencem os heróis da II Internacional.
Nos países coloniais existem já partidos reformistas, e os seus representantes
dizem-se por vezes sociais-democratas e socialistas. A distinção mencionada foi
aplicada a todas as teses, e penso que graças a isto o nosso ponto de vista
está agora formulado de um modo mais preciso”.
Notem que aqui aparece um outro conceito, para abordar uma
outra situação.
Em 1905 Lenin falava de revolução democrática camponesa com
apoio do proletariado, em 1917 ele falará de revolução socialista com apoio do
campesinato, mas nos dois casos ele está falando da Rússia, uma das grandes
potências do mundo e um país imperialista.
Em 1920, no texto que acabo de ler, ele está falando dos
países coloniais. E nesses países ele introduz uma diferença entre a movimento
democrático-burgues e movimento revolucionário nacional.
Notem que a base do raciocínio é o mesmo: nos dois casos,
onde está a grande burguesia, está a alternativa menos radical; e onde está o
camponês, está a alternativa mais radical, que deve ser apoiada pelos
proletários e comunistas.
Qual a diferença então? Por qual motivo ele não usa os
termos de 1905? Por qual motivo ele não sua os termos de 1917? Um motivo é
óbvio: a Rússia não era um país colonial. Nos países colonizados, a questão
NACIONAL (a independência) era a divisora de águas.
Mas e a questão, digamos, econômico-social?
No mesmo relatório, um pouco mais adiante, Lenin dirá o
seguinte: “O trabalho prático dos comunistas russos nas colónias anteriormente
pertencentes ao tsarismo, em países tão atrasados como o Turquestão e outros, colocou perante nós
a questão de como devem ser aplicadas a táctica e a política comunistas em condições
pré-capitalistas, pois o traço característico mais importante destes países é o
facto de neles dominarem ainda as relações pré-capitalistas, e por isso não se
pode sequer falar ali de um movimento puramente proletário. Nestes
países quase não há proletariado industrial. Apesar disto, também ali temos
assumido e devemos assumir o papel de dirigentes. O nosso trabalho mostrou-nos
que nestes países é preciso vencer dificuldades colossais, mas os resultados
práticos do nosso trabalho mostraram também que, apesar destas dificuldades, se
pode despertar nas massas a aspiração a um pensamento político independente e a
uma actividade política independente também lá onde quase não há proletariado. (...)
Compreende-se perfeitamente que os camponeses, que se encontram numa
dependência semifeudal, possam assimilar muito bem a ideia da organização
soviética e realizá-la na prática. É igualmente claro que as massas oprimidas,
exploradas não só pelo capital mercantil mas também pelos feudais e por um
Estado que assente sobre bases feudais, podem também aplicar esta arma, este
tipo de organização nas condições em que se encontram. A ideia da organização
soviética é simples e pode ser aplicada não só às relações proletárias mas
também às relações camponesas feudais e semifeudais”.
Notem: ele está defendendo que a organização SOVIÉTICA, ou
seja, através de CONSELHOS, organismos de democracia direta, não é unicamente
aplicável em países capitalistas que estão vivendo situações de revolução
socialista. Mas também em situações pré-capitalistas.
Lenin fala também o seguinte: “os Sovietes camponeses, os
Sovietes dos explorados são um instrumento útil não só para os países
capitalistas, mas também para os países com relações pré-capitalistas, e que a
propaganda da ideia dos Sovietes camponeses, dos Sovietes de trabalhadores, em
toda a parte, tanto nos países atrasados como nas colónias, é um dever
incondicional dos partidos comunistas e dos elementos que estão dispostos a
criar partidos comunistas; e lá onde as condições o permitam devem tentar
imediatamente a organização de Sovietes do povo trabalhador. (...) “o
proletariado dos países avançados pode e deve ajudar as massas trabalhadoras
atrasadas e que o desenvolvimento dos países atrasados poderá sair da sua etapa
actual quando o proletariado vencedor das repúblicas soviéticas estender a mão
a essas massas e puder prestar-lhes apoio. (...)
Note que estamos diante de um novo problema: quando voce tem
países pré-capitalistas ajudados por países socialistas, como voce chama o tipo
de sociedade que existe nesses países? Como voce chama o processo
revolucionário que cria este tipo de situação?
Não dá para chamar APENAS de “capitalistas”, mas também não
dá para chamar AINDA de socialistas.
Sabendo isto, Lenin fala o seguinte: "A questão foi
colocada do seguinte modo: poderemos considerar correcta a afirmação de que o
estágio capitalista de desenvolvimento da economia nacional é inevitável para
os povos atrasados que estão agora a libertar-se e entre os quais se observa
agora, depois da guerra, um movimento na via do progresso? Respondemos
negativamente a esta questão. Se o proletariado revolucionário vitorioso
realizar entre eles uma propaganda sistemática e os governos soviéticos forem
em sua ajuda com todos os meios de que dispõem, é errado supor que o estágio
capitalista de desenvolvimento é inevitável para os povos atrasados. Em todas
as colónias e países atrasados devemos não só formar quadros independentes de
combatentes, organizações partidárias, não só realizar uma propaganda imediata
pela organização de Sovietes camponeses e procurar adaptá-los às condições
pré-capitalistas, mas a Internacional Comunista deve estabelecer e fundamentar
teoricamente a tese de que os países atrasados, com a ajuda do proletariado dos
países avançados, podem passar ao regime soviético e, através de determinadas
etapas de desenvolvimento, ao comunismo, evitando o estádio capitalista de
desenvolvimento”.
Viram a frase: “os países atrasados, com a ajuda do
proletariado dos países avançados, podem passar ao regime soviético e, através
de determinadas etapas de desenvolvimento, ao comunismo, evitando o estádio
capitalista de desenvolvimento”.
Ou seja: ele está agora falando da possibilidade de um
CAMINHO ao COMUNISMO, que não seria o mesmo da Rússia, nem o mesmo caminho dos
demais capitalistas avançados.
Porque ele não chama de SOCIALISMO, simplesmente?
Ele vai falar de “regime soviético”, entendendo por isto um
regime de “sovietes camponeses”, que ele mesmo falou antes que a “massa
principal da população nos países atrasados é constituída pelo campesinato, que
representa as relações capitalistas burguesas”.
As vezes parece uma salada de conceitos, de categorias, mas
existe uma certa ordem nesta confusão, o que nós podemos chamar de “estacas no
pântano”.
Estaca 1: países pré-capitalistas, onde o campesinato é
maioria explorada, a tarefa é libertar os camponeses da exploração, torna-los
proprietários livres;
Estaca 2: onde o pré-capitalismo for combinado com a
exploração colonial, é preciso fazer um movimento nacional para acabar com a
condição colonial, mas novamente quem pode fazer um movimento verdadeiramente
radical nesse sentido são os camponeses;
Estaca 3: nos dois casos, mesmo que os camponeses
protagonizem, se ficar só nisso, o desfecho poderá ser o desenvolvimento
capitalista;
Estaca 4: mas se os camponeses se organizarem em sovietes,
se os camponeses contarem com o apoio dos comunistas, se os camponeses contarem
com o apoio do Estado socialista (no caso, a URSS), então será possível chegar
“através de determinadas etapas de desenvolvimento, ao comunismo, evitando o
estádio capitalista de desenvolvimento”.
Portanto, notem que estamos diante de algo parecido, mas
diferente, do que foi dito em 1905 e do que foi dito em 1917.
Em 1905 ele defende que o proletariado RUSSO apoie o
campesinato para radicalizar a revolução burguesa, para tornar mais rápida a
passagem para uma segunda etapa, onde se dará a realização das demandas
socialistas do proletariado, em transição ao comunismo.
Em 1917 ele defende que o proletariado RUSSO SE apoie no
campesinato para realizar uma revolução socialista, que vai atender as demandas
democráticas do campesinato, em transição ao comunismo.
Em 1920 ele defende que o proletariado RUSSO e mundial apoie
o campesinato dos países atrasados e colonizados, para realizar um caminho
alternativo de transição ao comunismo.
Alguns anos depois, quando Lenin já tinha morrido, outro
congresso da Internacional Comunista tenta por ordem nesta taxonomia e aprovam
a seguinte resolução:
(ver página 50 e 51 de file:///E:/Desktop/2020%20MAIO/IC%20SOBRE%20AMERICA%20LATINA.pdf)
Como vocês podem ver, a ideia de uma estrada reta
capitalismo/socialismo/comunismo já está virando um caminho de rato, com vários
caminhos paralelos, com vias elevadas e com vias subterrâneas, caminhos mais
longos e outros mais curtos, com estradas de mão única, duas mãos, várias
pistas e por aí vai.
A próxima parada nessa nossa arqueologia do termo
democrático-popular é a China, um texto escrito por Mao Zedong e publicado,
segundo consta, no dia 15 de janeiro de 1940 na revista Cultura Chinesa, sob o
título POLITICA E CULTURA DA NOVA DEMOCRACIA.
Vejam esse trecho do texto: “Desde as dinastias de Chow e Chin, a China tem sido uma sociedade
feudal. Sua política e sua economia têm tido esse caráter. Assim também tem
sido sua cultura — reflexo de sua política e de sua economia.
Contudo, desde a
agressão do capitalismo estrangeiro e desde que alguns elementos capitalistas
começaram gradualmente a crescer na sociedade chinesa, isto é, nos cem anos
decorridos desde a Guerra do Ópio até
a atual guerra anti-japonesa, a China tornou-se, passo a passo, uma sociedade
colonial, semi-colonial e semi-feudal. Atualmente, nos territórios ocupados,
nossa sociedade é de caráter colonial; nas áreas não-ocupadas. é semi-colonial;
enquanto em ambos os lados predomina ainda o sistema feudal. Esta é a fisionomia
da sociedade chinesa de nossos dias; por outras palavras, sua «condição
nacional». A política e a economia dominantes são portanto de caráter colonial,
semi-colonial semi-feudal; e assim também é a cultura.
Essa política, essa
economia e essa cultura dominantes são os objetivos visados por nossa
revolução. São a velha política, a velha economia e a velha cultura coloniais,
semi-coloniais e semi-feudais que nós visamos eliminar, para em seu lugar
estabelecermos algo de precisamente oposto: nova política, nova economia e nova
cultura.
Qual seria, então, o
conteúdo da nova politiea e da nova economia da nação chinesa? E qual o
conteúdo da nova cultura?
O processo histórico
da revolução chinesa deve ser dividido em dois estágios: primeiro, a revolução
democrática, e depois a revolução socialista — dois processos revolucionários
de caráter inteiramente diferente. A democracia aqui mencionada não é a velha
democracia, a democracia do velho tipo, mas a Nova Democracia, a democracia de
novo tipo.
Pode-se concluir, portanto,
que a nova política, a nova economia e a nova cultura da nação
chinesa nada mais são do que a política, a economia e a cultura da Nova
Democracia.
Esta é a
característica histórica da atual revolução chinesa. Todo aquele que, estando
empenhado no trabalho revolucionário na China, não compreender esta
característica histórica, não será capaz de dirigir a revolução ou de
conduzí-la à vitória. Pelo contrário, será desprezado pelo povo e acabará
inevitavelmente num lamentável fracasso.
Qual a novidade? O que virá em seguida:
A característica
histórica da revolução chinesa é que ela se divide em duas etapas: a revolução
democrática e a revolução socialista. A democracia da primeira etapa não é uma
democracia no sentido geral, mas um tipo novo, especial, de estilo chinês, a
Nova Democracia. Como foi então formada esta característica histórica? Ela
existiu primitivamente durante os últimos cem anos ou só apareceu depois?
Um estudo superficial
do desenvolvimento histórico da China e do mundo revelará que tal
característica histórica não existia nos dias da Guerra do Ópio ou
no período que a seguiu imediatamente, e só tomou forma depois da primeira
guerra imperialista mundial e da Revolução Russa de Outubro. Detenhamo-nos
agora no estudo do processo de sua formação.
É evidente que se a
atual sociedade da China é de caráter colonial, semi-colonial e semi-feudal, o
processo da revolução chinesa deve ser dividido em duas etapas: a primeira
etapa é a que visa transformar a sociedade colonial, semi-colonial e
semi-feudal numa sociedade independente e democrática, enquanto que a segunda
etapa visa impulsionar a revolução para diante a fim de construir uma sociedade
socialista, o que estamos realizando agora é a primeira etapa da revolução
chinesa.
Pode-se dizer que a
primeira etapa começou nos dias da Guerra do Ópio em
1840, isto é, no tempo em que a sociedade chinesa principiava a modificar-se,
de sua forma feudal original, para a forma semi-colonial e semi-feudal. Durante
este período, tivemos a Revolução de Tai-Ping,
a Guerra Sino-Francesa,
a Guerra Sino-Japonesa, o
Movimento Reformador de 1898, a Revolução de 1911,
o Movimento de 4 de maio,
o Movimento de 30 de maio,
a Expedição do Norte, a
Revolução Agrária, o Movimento de 9 de dezembro e a atual Guerra Anti-Japonesa.
Todos esses movimentos, de um certo ponto de vista, visaram a realização da
primeira etapa da revolução chinesa. Foram movimentos do povo chinês, em
períodos diferentes e com diferentes graduações, tendendo para este objetivo —
combater o imperialismo e o feudalismo e lutar pelo estabelecimento de uma
sociedade democrática independente. A Revolução de 1911 foi
apenas a sua realização num sentido mais concreto. Esta revolução, pelo seu
caráter social, era democrático-burguesa e não social-proletária. Ela ainda não
foi concluída e exige, assim, nosso continuado esforço, porque os inimigos
desta revolução ainda estão extremamente fortes na atualidade. Ao aludir à
revolução, dizia o dr. Sun Yat-Sen: «A
revolução ainda não está terminada e a ela nossos camaradas devem continuar
dando seus esforços». Referia-se êle a esta revolução democrático-burguesa .
Ocorreu uma
transformação na revolução democrático burguesa da China, depois da irrupção da
primeira guerra imperialista mundial e da construção do Estado socialista na
sexta parte do mundo, com a vitória da Revolução Russa de Outubro de 1917.
Antes disso, a
revolução democrático-burguesa chinesa pertencia à categoria da velha revolução
democrático-burguesa mundial e dela fazia parte. A partir daquela época, a
revolução democrático-burguesa chinesa tem modificado o seu caráter e pertence
agora à categoria da nova revolução democrático-burguesa. No que diz respeito à
frente revolucionária, ela é uma parte da revolução socialista-proletária
mundial.
Por que? Porque a
primeira guerra imperialista mundial e a vitoriosa Revolução Socialista de
Outubro modificaram a trajetória do mundo, traçando uma nítida linha divisória
entre as duas etapas históricas.
Na época em que o
capitalismo mundial entra em colapso numa sesta parte do globo, enquanto em
outras partes tem revelado claramente sintomas de decadência; quando a parte
restante do mundo capitalista não pode continuar sem depender, mais do que
nunca, das colônias e semi-colônias; quando o Estado Socialista está
consolidado e proclama sua decisão de ajudar a luta dos movimentos de libertação
de todas as colônias e semi-colônías; e quando o proletariado dos países
capitalistas está se libertando dia a dia da influência dos partidos
social-democratas imperialistas e também se declara desejoso de ajudar esse
movimento de libertação; numa tal época, qualquer revolução das colônias e
semi-colônias contra o imperialismo ou o capitalismo internacional, não pode
mais pertencer à categoria da velha revolução mundial democrático-burguesa, mas
sím a uma nova categoria. Não é mais parte da velha revolução mundial burguesa
ou capitalista, mas da nova revolução mundial — a revolução
socialista-proletária. Esta espécie de colônias semi-colônias revolucionárias
não devem ser consideradas aliadas da frente contra-revolucionária do
capitalismo mundial, mas sim aliadas da frente da revolução socialista mundial.
Ainda que, de acordo
com o seu caráter social, a primeira fase da primeira etapa desta revolução
colonial e semi-colonial seja fundamentalmente democrático-burguesa, e seus
objetivos concretos sejam afastar os obstáculos que impedem o desenvolvimento
do capitalismo, esta espécie de revolução não é mais do velho
tipo, dirigido somente pela classe burguesa e visando simplesmente o
estabelecimento de uma sociedade capitalista ou de um país sob a ditadura da
classe burguesa, mas sim de um novo tipo dirigido inteira ou parcialmente pelo
proletariado e objetivando o estabelecimento de uma nova sociedade democrática
ou de um país governado, em sua primeira etapa, pela aliança de diversas
classes revolucionárias. Este tipo de revolução, devido às variações da
situação do inimigo e nas condições desta aliança, pode ser dividido num certo
número de fases durante o seu processo, mas nenhuma mudança ocorrerá em seu
caráter fundamental, que será o mesmo até o advento da revolução socialista.
Este tipo de
revolução é um grande golpe no imperialismo, e por isso não é admitido e sim
combatido pelos imperialistas. Em contraposição, é admitido pelo
socialismo e apoiado pelo Estado Socialista e pelo
proletariado socialista internacional. Assim, este tipo de revolução tornou-se
parte integrante da revolução mundial sociafista-proletária.
«A revolução da China
faz parte da revolução mundial». Esta acertada tese foi proposta desde
1924-1927, durante o período da Grande Revolução da China. Ela foi apresentada
pelos comunistas e aprovada por todos que participavam na luta
anti-ímperiaíista e anti-feudal naquela épóca. Sucedia apenas que o significado
da teoria não estava muito desenvolvido ainda, e o que nós possuíamos era somente
uma compreensão nebulosa da questão. Lembro-me de que quando o sr. Chiang Kaí-Shek falou
em Swatow, em 1925, durante a sua expedição contra Chen Chiung-Ming, êle
também disse: «A revolução da China faz parte da revolução mundial».
Esta «revolução
mundial» não é a velha revolução mundial burguesa, que há muito já ficou para
trás, mas sim a nova revolução mundial, a revolução socialista. Do mesmo modo,
essa «parte» não signifíca uma parte da velha revolução burguesa, porém uma
parte da nova revolução socialista. Isto constitui uma modificação extraordinàriamente
grande, uma modificação sem precedentes na história do mundo, em geral, e na
história da China, em particular.
Baseando-se na
acertada teoria de Stálin foi que os
comunistas chineses apresentaram esta justa tese. Já em 1918 dizia Stálin, em artigo
comemorativo do primeiro aniversário da Revolução de Outubro:
«São os seguintes os três aspectos mais importantes da grande
significação mundial da Revolução de Outubro. Em primeiro lugar, ela amplia o
alcance do problema nacional, começando pelo problema particular da luta contra
a opressão nacional e indo até o problema geral da libertação dos povos
oprimidos, colônias e semi-colônias, do jugo do imperialismo. Em segundo lugar,
amplia a possibilidade e abre o verdadeiro caminho para esta libertação,
favorece em grande parte o trabalho de libertação dos povos oprimidos
ocidentais e orientais, atraindo-os para a frente comum da luta vitoriosa
contra o imperialismo. Em terceiro lugar, lança uma ponte entre o Ocidente
socialista e o Oriente escravizado, isto é, estabele uma nova frente
revolucionária anti-imperialista, ligando o proletariado ocidental e os povos
oprimidos orientais através da Revolução Russa» (1).
Desde a publicação
desse artigo, Stálin tem
desenvolvido continuamente a teoria a respeito da revolução colonial e
semi-colonial, procurando diferenciá-la do velho tipo de revoluções e da sua
transformação numa parte da revolução socialista-proletária. Esta teoria foi
expljcada mais clara e corretamente num artigo publicado em 30 de junho de
1925, quando Stálin sustentava
uma polêmica com os nacionalistas iugoslavos daquela época. O artigo,
intitulado «Mais Uma Vez o Problema Nacional», dizia em certa parte:
«O camarada Semich refere-se a uma passagem do folheto de Stálin «O Marxismo
e o Problema Nacional», escrito no fim de 1912. Ali está dito que «a
luta nacional é uma luta das classes burguesas entre si». Com isto, êle parece
insinuar a correçào de sua própria fórmula para definir a significação social do
movimento nacional nas presentes condições históricas. Mas o folheto de Stálin
foi escrito antes da guerra imperialista, numa época em que a questão nacional
não tinha assumido ainda uma significação de amplitude mundial aos olhos dos
marxistas, e quando a exigência básica dos marxistas a respeito do direito de
auto-determinação era considerada, não uma parte da revolução proletára, mas
uma parte da revolução democrático-burguesa. Seria ridículo ignorar o fato de
que, desde então, uma modificação fundamental teve lugar na situação
internacional, que a guerra, por um lado, e a Revolução de Outubro na Rússia,
por outro lado converteram a questão nacional de parte integrante da revoluçâo
democrático-burguesa em parte integrante da revolução socialista-proletária. Já
em Outubro de 1916, em seu artigo «Resumo da Discussão sobre a
Auto-Determinação», dizia Lênin que o ponto
básico da questão nacional, referente ao direito de auto-determinação tinha
deixado de ser parte do movimento democrático geral, tornando-se parte
integrante da revolução proletária socialista geral. Não mencionarei os
trabalhos subsequentes sobre a questão nacional feitos por Lênin e outros
representantes do comunismo russo. Em vista de tudo isto, que significação pode
agora ser atribuída à referência do camarada Semich a uma certa passagem do
folheto de Stálin, escrito no
período da revolução democrático-burguesa na Rússia, desde que, como resultado
da nova situação histórica, entramos numa nova época, na época da revolução
proletária mundial? A única significação que lhe pode ser atribuída é que o
camarada Semich discute sem levar em consideração o espaço e o tempo, sem levar
em consideração as atuais condições históricas. Por isso êle viola os mais
elementares princípios da dialética e deixa de levar em conta o fato de que
aquilo que é certo em determinada situação histórica pode vir a ser errado em
outra situação histórica» (2).
Disto podemos depreender que há duas categorias de
revoluções. A primeira, pertencente à categoria burguesa ou capitalista,
tornou-se assunto do passado desde a irrupção da primeira guerra imperialista
mundial em 1914, e especialmente desde a Revolução de Outubro de 1917. Daí em
diante, começou a segunda categoria de revolução mundial, a revolução mundial
proletária ou socialista, tendo o proletariado dos países capitalistas como a
sua força principal, e os povos oprimidos das colônias e semi-colônias como seus
aliados. Não importa a que classe ou partido pertençam os elementos oprimidos
que participam na revolução, nem se êles, na prática ou ideologicamente,
compreendem ou não o seu significado. Na medida em que são anti-imperialistas,
sua revolução faz parte da revolução mundial proletária-socialista, e êles se
tornam seus aliados.
A significação da
revolução chinesa está hoje grandemente ampliada, porque ela veio se
processando numa época em que a crise política e econômica do capitalismo
conduz o mundo, passo a passo, para a segunda guerra imperialista, quando a
União Soviética alcançou o período de transição do Socialismo para o Comunismo
e tem a possibilidade de orientar e ajudar o proletariado, os povos oprimidos e
todas as massas revolucionárias do mundo; quando as forças proletárias dos
vários países capitalistas estão crescendo mais e mais; e quando o Partido
Comunista, o proletariado, os camponeses, a intelectualidade e a
pequenb-burguesia tornam-se uma poderosa e independente força política. Numa
época como essa, não devemos concluir que foi grandemente a significação
mundial da revolução chinesa? Claro que sim. A revolução chinesa é uma
grandiosa parcela da revolução mundial!
Esta primeira etapa da revolução chinesa (que, por
sua vez é dividida em muitas sub-etapas), de acordo com o seu caráter social, é
uma nova revolução democrático-burguesa e não a revolução
socialista-proletária, embora de há muito ela se tivesse tornado parte desta
última e uma considerável parte, uma importante aliada no presente. A primeira
fase ou etapa desta revolução não visa certamente, e de fato não pode visar,
estabelecer uma sociedade capitalista dirigida pela burguesia, mas sim
estabelecer uma Nova Democracia governada pela aliança de diversas classes
revolucionárias. Depois do cumprimento desta primeira etapa, ela se
desenvolverá para a segunda etapa, a fim de estabelecer-se a sociedade
socialista na China.
Portanto, notem que estamos diante de diferentes tipos de
resposta, em parte porque são problemas diferentes, em parte porque as pessoas
estão tateando a busca de uma fórmula que dê conta de ALGO TRANSITÓRIO QUE PODE
VIR A ACONTECER. OU NÃO.
Na China vai acontecer em 1949. E se vocês forem a busca do “Programa Comum da Conferência Consultiva Política do
Povo Chinês” promulgado na véspera da fundação da República Popular da China,
verão que os chineses falam que se trata do ”programa da frente única da
democracia popular da China, além de desempenhar o papel como a constituição
provisória. O Programa Comum foi aprovado pela primeira Sessão Plenária da
Conferência Consultiva Política do Povo Chinês e promulgado no dia 29 de
setembro de 1949. Antes da promulgação da Constituição da República Popular da
China em 1954, o programa desempenhava o papel como a constituição provisória”.
E na Constituição aprovada em 1954 será dito o seguinte:
Preâmbulo
Como
resultado de mais de um século de luta heróica, o povo chinês — sob a direção
do Partido Comunista da China — alcançou finalmente, em 1949, uma grande
vitória na revolução popular contra o imperialismo, o feudalismo e o capital
burocrático; liquidou, assim um longo período de opressão e escravidão, e criou
a República Popular da China, ditadura democrática do povo. O regime de democracia-popular na República
Popular da China — isto é: o regime da nova democracia — assegura a nosso país
a possibilidade de liquidar por via pacífica a exploração e a miséria, e de
construir uma sociedade socialista, próspera e feliz.
O período que vai da criação da República Popular
da China até à construção da sociedade socialista é um período de transição. Constituem
tarefas fundamentais do Estado no período de transição a realização gradual da
industrialização socialista do país e a execução gradual das transformações
socialistas na agricultura, na indústria artesanal e na indústria e comércio
capitalistas. Durante os últimos anos o povo de nosso país travou com êxito uma
luta de grandiosas proporções visando à transformação do sistema agrário, à
resistência à agressão norte-americana, à ajuda ao povo coreano, ao esmagamento
dos elementos contra-revolucionários e à restauração da economia nacional.
Assim foram preparadas as condições necessárias para o desenvolvimento
econômico planificado e para a passagem gradual à sociedade socialista.
Notem que o termo democrático popular já comparece aí. E vai se
naturalizando uma nova equação. Junto da equação
CAPITALISMO-SOCIALISMO-COMUNISMO, passa a existir a equação PRÉ-CAPITALISMO
(feudal, semicolonial ou semelhante)-REGIME DEMOCRÁTICO-POPULAR-SOCIALISMO- CAPITALISMO.
Processo similar ocorreu, pouco antes, no Leste Europeu.
Isso fica claro no seguinte texto:
As
Democracias Populares da Europa Oriental
Eugene Reale, 1947, do PCI
Poderemos
admitir que uma nova constituição dos povos, um novo regime social, seja um dos
resultados da última guerra? Estaremos, hoje, ante uma nova concepção de
Estado, ante uma forma nova de democracia? No conflito entre o regime
capitalista e o regime socialista do mundo contemporâneo pode, até certo ponto,
apresentar-se uma terceira forma, que não tenha o caráter peculiar nem de um
nem de outro, mas represente historicamente uma expressão própria, uma solução
particular, um fato bem diferenciado e individualizado?
A essas
perguntas, que muitos escritores e figuras políticas tem apresentado e que
interessa a camadas cada vez mais amplas de estudiosos, devemos responder que
uma tal eventualidade não é apenas possível, mas diremos quase natural, desde
que se tenha a consciência da inelutabilidade do desenvolvimento histórico; não
apenas possível mas lógico, desde que se tenha a compreensão do conceito de
progresso, para o qual nada se pode fossilizar em fórmulas fixas e imutáveis.
Depois
da primeira guerra mundial, a revolução dos operários e camponeses na Rússia
representou a rutura violenta com o velho mundo capitalista, e o regime
comunista significou exatamente o contrário do regime burgues. Dada a tese,
colocava-se a sua antítese: desenvolvida até o último grau a crise da sociedade
capitalista, concretizava-se o fim de seu superamento — o bolchevismo.
A
revolução bolchevique foi a grande conquista dos tempos modernos, no sentido em
que significou a libertação definitiva do trabalho em relação ao capital e a
sua organização por si mesmo e de modo autônomo. Assim como a revolução
francesa tinha realizada a liquidação do mundo feudal, a revolução bolchevique
realizava a liquidação da sociedade capitalista.
O
grande processo histórico que teve início em 1917, com a Revolução soviética,
está longe de ter-se encerrado e o seu desenvolvimento foge, por isso, a uma
análise definitiva.
Ao
contrário, aquele processo histórico que teve início em 1789, com a Revolução
Francesa concluiu seu ciclo e oferece suficiente perspectiva para uma análise
completa.
Também
ali foi aberta uma voragem no seio da velha sociedade europeia, uma nova,
radical e temerária afirmação ideológica, que libertou o homem das peias dos
privilégios feudais e ofereceu um novo conceito do cidadão, em contraposição às
velhas fórmulas de uma sociedade erguida sobre a desigualdade e os privilégios.
Também
ali, se desenvolveu num processo ininterrupto de guerras para a afirmação
desses princípios, numa série alternada de progressos e retrocessos, de
revoluções e reações internas, de aventuras ditatoriais e de empresas
contrarrevolucionárias por parte da Europa coligada.
Como a
União Soviética de hoje, a França exportava, então, com as bandeiras do
Diretório e com as águias napoleônicas, um princípio novo que seria o germe de
toda a história futura.
Quando
aqueles capítulos se encerraram, quando o déspota corso terminou a sua parte, o
quadro que se apresentou — vencido ou vencedor que ele tinha sido — foi de todo
novo: a estrutura social da Europa estava completamente transformada.
Realizou-se,
através do grande contraste entre o princípio do absolutismo e o princípio
revolucionário, uma terceira forma de regime dos povos que não tem o caráter
peculiar de um ou de outros desses extremos, mas é e quer ser uma expressão
histórica própria.
A
França havia afirmado os princípios imortais dos direitos do homem e a Europa
embora os tendo combatido, e combatendo-os, acabou por assimilá-los. "A
Grécia mesmo derrotada triunfou sobre seus ferozes vencedores".
Era
natural que esse processo fosse mais evidente, sobretudo nas zonas de maior
atrito e desgaste, naqueles países onde mais violenta se desenvolveu a luta,
onde mais viva se manifestou a contenda.
Nos
países colocados nos limites da nação iniciadora e irradiadora, na Itália e na
Alemanha, o processo de reação-assimilação foi mais imediato e veloz, abrindo
caminho a novas combinações políticas e a novas formas ideológicas que,
revividas nas grandes revoluções de 1848, tornaram-se irresistíveis afirmações
populares.
Hoje,
graças ao impulso que havia animado aquela primeira orientação, o princípio democrático
triunfante é uma conquista definitiva, reconhecida em todo o mundo. O processo
se renova atualmente nos países colocados nas proximidades da nova grande nação
iniciadora e irradiadora — a URSS.
A nova
Europa, que nasce das ruínas da segunda guerra mundial mostra, nos países onde
foi maior o atrito entre as duas formas opostas de organização social, os
sinais já visíveis e individualizados de uma profunda transformação de
estrutura política e econômica.
Nasce
uma nova forma constitucional, uma nova organização do Estado, que já superou
as velhas formas de organização capitalista, mas que não é, pelo menos na
acepção estrita da palavra, uma verdadeira e exata organização socialista ou
comunista da sociedade.
Na
Polônia, Checoslováquia, Iugoslávia, Bulgária e em geral em toda a Europa
centro e sul-oriental está se processando uma experiencia nova: estes países
assumem agora a sua grande função mediadora entre a civilização de tipo
nitidamente capitalista e a civilização de tipo soviético.
Esses
países se erguiam sobre uma estrutura semi-feudal e, por vezes, realmente
semibárbara, incapazes de resistir às pressões externas, porque estavam
internamente desunidos, arruinados, carcomidos, apodrecidos.
Às
fronteiras da nação socialmente mais evoluída do mundo se extendia ainda, antes
da última guerra uma grande faixa de países atrasados, fundados sobre uma
economia anacrônica e mantidos nessas condições para constituir um cinturão de
segurança, uma barreira contra a União Soviética.
Sociedades
como essas, nas quais dominava a grande propriedade latifundiária de origem
feudal, rebeldes a todo o progresso, surdas a qualquer voz de renovação, não
podiam ser senão sociedades em dissolução.
Em cada
um desses países, com efeito, uma cadeia de interes- ses oprimia o povo e toda
a nação estava subjugada por essa cadeia.
Daí o
equilíbrio instável sobre o qual se erguiam os próprios agrupamentos nacionais;
uma vez arrebentada aquela cadeia, todas as relações sociais estariam
convulsionadas.
O Exemplo da Polônia e seus Vizinhos
Pensemos,
por exemplo, na Polônia de antes de 1939.
O
latifundiário polaco, tipo social bem próximo do junker prussiano, era o
verdadeiro senhor do Estado e toda a organização política do país só existia em
função da defesa de seus privilégios. Nesses setores, onde não penetrava a
influencia direta do grande proprietário polaco, intervinham dois de seus
naturais aliados, o clero católico atrasado, ávido e reacionário, e o grande
capital financeiro estrangeiro.
O
regime de Pilsudski, inicialmente,
e o de seus sucessores, depois, não foi senão a expressão dessa coalizão.
A
odiosa política de opressão das minorias, o antissemitismo, o fanatismo
nacionalista e, naturalmente, o caráter antissoviético de todas as iniciativas
diplomáticas do governo, estavam a serviço dessa mesma coalizão.
Pensemos
na Albânia do rei Zogú, completamente submetida a Mussolini, mesmo antes
da ocupação armada fascista; pensemos na Iugoslávia de Stojadinovich, de
Alexandre e do Príncipe Paulo. Ali os antagonismos étnicos eram
artificiosamente exasperados até o fanatismo em benefício de uma restrita
classe dirigente da monarquia de grandes proprietários sérvios, que apoiavam a
monarquia e, por sua vez, obtinham a força e a autoridade.
Também
ali, a monarquia era completamente dependente, no plano internacional, das
grandes potencias ocidentais (França, Grã-Bretanha e por alguns momentos,
Itália e Alemanha), que, através da organização monárquica, controlavam a vida
econômica e política da nação.
Faltava,
em suma, em cada um desses países, uma verdadeira unidade popular e um governo
que fosse a expressão da vontade do povo.
Eram
regimes camuflados com os ouropéis da falsa democracia, por vezes abertamente
ditatoriais, fascistas, ou filo-fascistas.
A
igreja católica na Polônia, a igreja ortodoxa na Iugoslávia, participavam desse
sistema de interesses, e, especialmente sobre as camadas rurais e as camadas
mais atrasadas do proletariado urbano, desenvolviam sua ação narcotizante da
vontade e das aspirações das grandes massas populares.
A
natural aliança entre operários e camponeses, base fundamental da unidade
popular, era assim dificultada e mesmo virtualmente impedida.
As
consequências desse sistema são bem conhecidas. Ao primeiro choque dos grandes
interesses em oposição a velha estrutura se esboroou. Habituados a enganar o
próprio povo com fórmulas vazias, com vãs declarações nacionalistas, com a
ostentação de uma força insubsistente, os governos fascistas e filo-fascistas
da Europa centro e sul-oriental foram varridos em poucos dias por um inimigo
aguerrido, que conhecia bem a falta de preparação política e militar daquelas
nações.
Após
inútil derramamento de sangue (quem não se recorda da carga de cavalaria polaca
contra as divisões couraçadas alemãs nas planícies abertas do Vístula?) os
povos tiveram que sofrer todos os horrores da ocupação nazista, todas as
consequências extremas da criminosa política de suas velhas classes dirigentes.
Dois Fatos Novos
Mas
através da guerra dois fatos novos se concretizaram:
1.
— Foi afinal destruída aquela rede de interesses e de
cumplicidades que envilecia aqueles povos.
2.
— Apresentou-se afinal a oportunidade de realizar, através da
resistência à opressão hitlerista e da luta contra os colaboracionistas, aquela
guerra verdadeiramente nacional, na qual as grandes massas populares
conquistaram consciência de sua própria força e de seus interesses próprios.
Sobre
esses dois fatos históricos, de fundamental importância, se firmaram as bases
dessa nova forma de regime político que se chama democracia popular.
E, de
fato, um novo mundo nasce das ruínas da segunda guerra mundial.
Ali,
onde se quebraram as ondas mais terríveis da tempestade; ali, onde se combateu
a guerra mais sanguinolenta; ali, onde o exército hitlerista se encontrou com
os exércitos soviéticos e se despedaçou; ali se realiza hoje aquela nova forma
política que provavelmente está destinada a ter, durante muito tempo, uma
profunda repercussão sobre a história europeia.
Um
problema fundamental se apresentou a esses povos após a libertação: seria
possível voltar aos regimes de falsa democracia parlamentar com os quais essas
nações se tinham governado, com os insucessos que eram de todos conhecidos e
sentidos antes do segundo conflito mundial?
Os
regimes que haviam surgido após a primeira guerra mundial e que representavam o
verdadeiro cordão sanitário com o qual as potencias ocidentais pretendiam
assediar a União Soviética, não podiam ser restaurados, nem correspondiam de
nenhuma maneira aos interesses daquelas populações.
De
outro lado, a própria guerra, com seus longos anos de luta contra o invasor
nazista, em vez de refrear tinha despertado o sentimento nacional, a
consciência da individualidade dos povos.
Todo o
povo tem necessidade de uma forma constitucional própria, que corresponde às
suas exigências específicas, que se adapte às suas condições particulares e,
dessa maneira, não era possível adotar uma organização social nascida em
diferente clima histórico, imposta em meio àquela comoção social que foi a
Revolução de Outubro, amadurecida e elaborada através de um longo e profundo
processo revolucionário.
A
democracia popular, como nova concepção do Estado, como novo sistema político
de nosso tempo, nasce da falencia das velhas castas dirigentes e da velha
estrutura reacionária, do espírito das guerrilhas, da experiencia da luta
contra o opressor hitleriano e o colaboracionismo interno, do reforçamento da
consciência nacional das populações.
E, como
vemos, uma solução que nasce concretamente da própria natureza dos
acontecimentos, das novas exigências provocadas pelas transformações sociais
que a guerra operou.
Duas Definições sobre as Novas
Democracias
Na sua
ordem do dia, aos exércitos soviéticos, a 1.° de Maio de 1946, Stalin declarava:
"O enfraquecimento e a liquidação das principais forças do
fascismo e da opressão mundial, conduziram a profundas transformações na vida
política dos povos do mundo, a um notável desenvolvimento do movimento
democrático dos povos. Amadurecidas pela experiencia da guerra, as massas
populares compreenderam que não se pode confiar o destino do Estado a
dirigentes reacionários, que apenas procuram atingir objetivos estreitos de
egoismo de classe, em contraste com os interesses do povo. Precisamente por
isso, os povos que não querem viver nas condições que tinham vivido até então,
tomam os destinos de seus Estados nas próprias mãos, edificam uma ordem
democrática- e dirigem uma luta ativa contra as forças da reação, contra os
incendiários de uma nova guerra."
E
Molotov, em seu discurso pronunciado por ocasião da celebração do 28.°
aniversário da Revolução de Outubro, declarou:
"Em uma série de países europeus realizaram-se reformas sociais
de grande vulto, com a liquidação dos restos do poderio territorial e feudal e
a transferência da posse da terra aos camponeses não proprietários, o que
liquidou a capacidade de resistência de que dispunham anteriormente as forças
reacionárias fascistas e estimulou o renascimento do movimento democrático e
socialista nesses mesmos países."
A
"Democracia Popular" é uma forma de regime político no qual o povo
exerce, não apenas em aparência, mas na realidade e numa ampla medida, o poder
governamental e administrativo. A eliminação da instituição monárquica é uma
das primeiras realizações dessa nova democracia. Eliminado esse centro, em
torno do qual se aglomeravam todos os restos de um sistema baseado na
desigualdade econômica, as novas repúblicas populares puderam romper a unidade
das forças reacionárias. Completado o confisco ou expropriação das grandes propriedades
territoriais, divididos os latifúndios entre os camponeses necessitados de
terra, liquidadas as uniões monopolistas do capital, nacionalizadas as grandes
indústrias e os bancos, postos sob a direção estatal os transportes ainda sob o
controle das grandes empresas privadas, as novas repúblicas populares puderam
deixar intacta, sem perigo, a propriedade privada, média e pequena, puderam
fazer subsistir todas as outras formas de economia capitalista.
Não se
pode, assim, falar de economia socialista ou sovietizada, mas sim de uma
economia de fundamentos sociais, de uma economia profundamente democrática, de
um programa de saneamento e de renovação nacional, como é compreendida em
muitos países capitalistas e, também, por partidos não socialistas, programa
tanto mais indispensável e urgente naquela zona europeia, quanto mais ela tinha
ficado para trás no caminho do progresso, devido aos obstáculos opostos pelos
velhos regimes reacionários.
Liberdade dos Indivíduos e dos
Grupos
Originada
na luta pela libertação, a democracia popular tutela a liberdade dos indivíduos
e dos grupos, como o maior dos bens, como conquista própria de sua formação
histórica e à qual não seria possível renunciar sem desnaturar-se, como
premissa indispensável a todo o progresso ulterior. A liberdade de consciência
é o principio regulador das relações entre o Estado e as várias confissões
nacionais. Na Polônia e em muitos outros países, as propriedades pertencentes
às comunidades religiosas, embora muito grandes, ficaram isentas de confisco ou
expropriação. Segundo as regras de toda a sã e viril concepção de liberdade, a
liberdade da Igreja tem seus justos limites no livre exercício da religião.
O
estado leigo, zeloso de suas atribuições, intervém contra toda tentativa de
intromissão da Igreja no campo estritamente político.
Da
mesma forma que durante a guerra de guerrilhas, aqueles padres que foram
encontrados de armas na mão contra o povo, haviam sido tratados, da mesma
maneira que todos os outros colaboracionistas, segundo as leis de guerra, assim
hoje aquela parte do clero que colaborou com o opressor nazista e pretendia
continuar a servir-se de seus meios espirituais para sabotar a obra do governo,
foi colocada em condições de não causar dano. Mas, felizmente, a maior parte do
clero colocou-se ao lado do povo na luta contra o invasor e, hoje,
completamente livre no exercício de sua atividade religiosa, observa lealmente
seus deveres para com o Estado.
São
estes critérios, reguladores das relações entre o Estado e a Igreja, critérios
de legislação Socialista?
Não é
necessária uma longa argumentação para demonstrar que estas normas não cabem no
âmbito das reformas especificamente socialista, mas são antes conquistas de
direito constitucional moderno, comuns a todos os Estados democratas e, por
isso, pertencem tanto à democracia socialista como à clássica democracia
liberal, tendo sido por esta última codificadas, não só na conhecida fórmula
cavouriana, como naquele livro valioso de Montalembert, "A
Igreja livre no Estado livre".
A
política religiosa que hoje vem se desenvolvendo nas novas repúblicas populares
da Europa centro e sul-oriental é, antes, sob certos aspectos, ainda menos
avançada e radical do que a política religiosa desenvolvida em relação à Igreja
Nacional do Estado Frances, durante a grande Revolução e logo após.
Na
Polônia, por exemplo, um milhão de hectares de bens eclesiásticos ficaram
isentos do confisco ou expropriação, enquanto que na França, durante a
Revolução de 89, junto aos bens dos emigrados foram confiscados as propriedades
religiosas. Na Itália, sob o governo da Direita, foi promulgada a lei sobre o
eixo Eclesiástico: e no entanto o Estado de Saboia não era na verdade nenhum
Estado Socialista...
Na nova
forma constitucional das democracias populares, o poder executivo é emanação
direta do povo.
Isto
quer dizer que os novos Estados surgidos desta guerra na Europa centro e
sul-oriental, não são organizações políticas no velho sentido burgues, isto é,
uma democracia formal e parlamentar na qual o povo elege as câmaras e estas se
limitam a discutir e a promulgar as leis, enquanto o poder executivo,
dependente na realidade unicamente da camarilha das forças reacionárias no
poder, as aplica a seu talante e conveniência.
Nenhuma Separação de Poderes
Nas
Repúblicas Populares não há nenhuma separação entre poder legislativo e poder
executivo; o povo participa diretamente da administração do Estado e da cousa
pública, através dos representantes por ele eleitos e ante ele diretamente
responsáveis. A burocracia parasitária, dependente unicamente do poder
constituído, surda às necessidades e aspiração do povo, foi eliminada.
Toda a
vida econômica, a vida artística, a vida cultural, existem em função e a
serviço do povo.
Os
comites populares na Iugoslávia, os Comites nacionais na Checoslováquia, os
comitês da frente patriótica da Bulgária, os comitês de Libertação Nacional na
Albânia, representam todas as categorias de trabalhadores, operários e
camponeses artesãos, técnicos e intelectuais, exercem o controle direto e
garantem a execução da vontade popular. Um novo despertar político e econômico
é o grande fato novo que se realiza nesta radical transformação do conceito de
Estado e das relações sociais.
O
governo não é mais, para as massas populares, qualquer cousa de estranho e de
outros interesses, mas o seu próprio governo, o governo da maioria, a expressão
do próprio povo. As velhas classes dominantes desaparecem, os obstáculos são
removidos, a vida política é aberta à participação dos melhores, na livre
ascensão dos valores humanos. Um marco no caminho dos povos foi atingido.
Parece
evidente, mesmo ao mais superficial observador, que esta profunda transformação
que se realizou e continua a realizar-se, não é somente uma pura e simples
restauração dos princípios democráticos nos países onde a influencia fascista,
ou a macaqueação filo-fascista, os haviam desnaturado.
Os
princípios democráticos, tomados na habitual acepção burguesa da palavra, não
seriam suficientes para explicar a profunda renovação que esta guerra, tão
nitidamente influenciada por motivos ideológicos novos, havia operado naquela
zona europeia.
A
transformação verificada no países colocados nas proximidades das fronteiras do
grande Estado Socialista e libertados pelo exército vermelho, leva em si o
germe da maior das revoluções dos tempos modernos, compreendida como nova
concepção das relações sociais, e daí surgirem formas que também podem ser
transitórias como liquidação teórica das concepções burguesas e como a defesa
permanente de algumas determinadas conquistas da humanidade.
Trata-se
agora de um tipo especial que já superou a era da burguesia como concepção e
como modo de viver. Trata-se de uma forma especial de democracia, que se
desenvolve das premissas gerais do socialismo.
O Socialismo na Etapa Atual
O
Socialismo é, na atual etapa, o positivo do processo histórico.
Através
da crítica socialista do sistema burgues, dissolveu-se aquele aglomerado de
formas sociais do capitalismo, que a Revolução Francesa havia deixado.
Não se
trata, pois, de restauração de princípios democráticos burgueses, mas de
afirmação de princípios democráticos socialistas.
A nova
corrente, que irrompe na história contemporânea, não é mais a Revolução de 89,
é a Revolução de nosso século, a Revolução socialista.
Indubitavelmente,
esta guerra operou uma transformação geral, a que não se subtraiu nenhuma das
nações que dela tenha participado.
O
Estado Socialista, que num processo de ordenação revolucionária tinha durante
três decenios elaborado e superado algumas das suas manifestações originárias,
pôde ulteriormente aperfeiçoar a sua forma política. A União Soviética, que deu
ao Ocidente a contribuição de suas energias frescas e novas, e que com essa
contribuição pôde salvá-lo do retorno à barbárie medieval, abriu-se nesse mesmo
tempo, cada vez mais, ao Ocidente, assimilando aquilo que a civilização do
ocidente havia independentemente conquistado nesses anos, no campo da ciência e
do progresso humanos.
Por sua
parte, mesmo as grandes nações capitalistas não podem subtrair-se à atração das
grandes conquistas sociais da União Soviética.
A
História, de resto, é toda baseada sobre essa troca de força e de valores,
sobre essa perpétua relação do deve e haver, somente no qual e através do qual
a humanidade pode avançar.
Um
mundo em decomposição, uma artificiosa barreira criada pela reação desapareceu
para sempre no fluxo desta guerra.
As
novas democracias populares representam como que uma ponte lançada entre duas
épocas: a época capitalista e a época socialista.
É
portanto uma grande experiencia de renovação social, destinada a ter uma
repercussão profundíssima na história do mundo.
Uma
experiencia fundada sobre a libertação, sobre o trabalho, sobre a justiça
social: eis o que se está realizando por trás daquilo que Mister Churchill, chamou de
"cortina de ferro".
Qual a etapa mais recente deste processo todo?
Em 1978, no mesmo PC da China, se adotou um programa de Reformas e
Abertura.
E qual a conclusão que se chegou?
Fallad-. Las
cuatro modernizaciones implicarán la introducción de capitales extranjeros en
China, y esto dará lugar inevitablemente a las inversiones privadas. ¿No
conducirá esto a un capitalismo miniaturizado?
Deng. Al fin
y al cabo, la política que seguimos en nuestra construcción sigue siendo la de
apoyarnos en nuestros propios esfuerzos como recurso principal y procurar ayuda
exterior como recurso auxiliar, política elaborada en su tiempo por el
Presidente Mao. Por más amplia que sea la apertura al exterior y por elevada
que sea la suma de capitales extranjeros que entren en China, éstos ocuparán un
porcentaje insignificante y no afectarán a nuestro sistema socialista de
propiedad social. La absorción de fondos y tecnologías del exterior e incluso
la construcción de fábricas en China por parte de países extranjeros podrán
servirnos como factor complementario para desarrollar nuestras fuerzas
productivas socialistas. Por supuesto, es posible que con esto se introduzcan
en el país ciertas cosas decadentes propias del capitalismo, y de esto tenemos
clara conciencia, pero no es nada temible.
OU seja, se chegou a conclusão de que o SOCIALISMO em si mesmo é um processo de transição, com características diferentes a depender da época histórica em que ocorre & a depender do tipo de sociedade onde ocorre; e que nesse processo de transição vão COINCIDIR, se COMBINAR e LUTAR entre si diferentes MODOS DE PRODUÇÃO.
Portanto, quanto os governos dirigidos por partidos comunistas no Leste
Europeu e na China diziam que eram regimes democrático-populares, o que no
fundo eles estavam dizendo é que estavam na FASE INICIAL DE CONSTRUÇÃO DO SOCIALISMO.
Pois bem, chegamos agora no Brasil de 1987, no V Encontro Nacional do
PT, quando o Partido tenta dar uma formulação mais detalhada para sua
estratégia e seu programa de transformação.
Como vocês poderão perceber, todas as confusões e todas as conclusões
que expliquei antes, incidem na resolução do congresso petista, consciente ou
inconscientemente.
Naquele momento, em que o socialismo parecia ser uma perspectiva muito
próxima, o programa democrático e popular era visto como claramente articulado
com o socialismo.
Depois de 1991, quando o socialismo parecia ser uma perspectiva cada vez
mais distante, o programa democrático e popular era visto como algo “EM SI
MESMO”, como se fosse uma modalidade do capitalismo e não como a “fase inicial
do socialismo”.
Lembro, mais uma vez, que ele pode ser qualquer uma destas coisas; ou
nenhuma delas. Pois estamos discutindo não sobre o nome de algo que existe, mas
sim sobre o nome que devemos dar para algo que queremos que venha a existir.
Eu pessoalmente acho correto falar de programa democrático e popular,
para deixar claro que se trata de contemplar interesses democráticos e
populares que não necessariamente são os interesses socialistas estrito senso.
Mas, por outro lado, acho necessário deixar claro que se trata de um
programa democrático e popular ARTICULADO ao socialismo ou, de preferencia, um
programa democrático-popular E socialista, para deixar claro em que perspectiva
estratégica nos situamos.
Pois a nossa perspectiva estratégica é: não é possível implementar um
programa democrático e popular sem atacar as bases do capitalismo.
Se tentamos fazer isso, o capitalismo virá contra nós e não teremos nem
socialismo, nem programa democrático popular.
Portanto, é melhor deixar clara a articulação, a conexão entre reforma
agrária, democracia política, soberania
nacional e PROPRIEDADE SOCIAL DOS GRANDES MEIOS DE PRODUÇÃO, mais PODER
DA CLASSE TRABALHADORA.
Terminei.