Acabo de ler uma “carta aberta à sociedade”, assinada pelo presidente do Proifes.
sexta-feira, 31 de maio de 2024
O Proifes é pelego?
quinta-feira, 30 de maio de 2024
Pergunta para o camarada Cantalice
Alberto Cantalice é pessoa afável, companheiro de partido e meu colega na diretoria da Fundação Perseu Abramo.
Além disso, temos afinidades passadas: ambos militamos no movimento comunista: ele no MR8 e no PCB, eu no PCdoB.
É verdade que viemos para o PT em épocas e por motivos diferentes: eu, para questionar a aliança estratégica com a burguesia, ele à busca de uma nova maneira de continuar o lado B da política do “partidão”.
Mas, apesar disso, ele tem orgulho de seu passado e acredita até mesmo que segue sendo marxista. Enfim, um cara simpático ou, pelo menos, que se esforça nesse sentido.
Digo tudo isso, para explicar porque penso duas vezes antes de contestar suas “postagens”, forma mais elevada do pensamento teórico de muitos integrantes da atual esquerda brasileira.
Mas tem vezes que não dá para segurar. É o caso da postagem de 27/5, onde ele pergunta onde estavam os guerreiros do Andes durante o governo Bolsonaro.
Realmente, a direção do Andes fez muita merda durante o golpe e durante os governos de Temer e do cavernícola. E, claro, segue cometendo erros.
(Vale dizer que outros fizeram muita merda na mesma época, inclusive em meu Partido. Mas disso já tratei em outros textos).
Devido aos erros da diretoria do Andes, inclusive, houve chapas de oposição nas últimas eleições. Oposição encabeçada principalmente por dirigentes petistas.
Entretanto, pergunto: As reivindicações apresentadas pelo Andes nesta greve estão erradas? São impossíveis de atender? Os professores representados pelo Andes merecem ser punidos por causa dos erros cometidos pela sua direção? O Andes pode ser resumido à sua diretoria?
O mais impressionante na atitude de Cantalice e de outros que pensam como ele é o sectarismo seletivo.
Por um lado, lembram da existência de contradições na classe dominante, pedem para não estigmatizar os setores populares que seguem os pastores fundamentalistas, enxergam diferenças nos grupos conservadores, onde mentes toscas enxergam apenas farinha do mesmo saco. Sem falar na generosidade com que, muitas vezes, tratam gente da direita e outros que nos traíram (não vou citar nomes).
Mas na hora de tratar uma greve com grande apoio na base, aí incluindo muitos petistas que dirigem Associações Docentes, deixam de lado a análise da realidade e expressam um sectarismo cego.
Isto posto, deixo uma pergunta ao Cantalice: onde estavam os heróis da PF e da Polícia Rodoviária durante o governo Bolsonaro?
Pergunto porque a eles foi concedido um tratamento que é negado aos professores e aos técnico-administrativos.
Responde aí, camarada Cantalice.
quarta-feira, 29 de maio de 2024
O aplicativo do PT contém uma notícia incorreta sobre a greve nas universidades
Ontem eu li no site do PT uma notícia incorreta.
Avisei imediatamente a presidenta do Partido e o secretário nacional de comunicação.
O secretário solicitou que a matéria fosse tirada do ar.
E assim foi: quem clicar (neste momento, 11h30 de 29 de maio) o link abaixo vai ver um espaço vazio.
https://pt.org.br/governo-lula-garante-reajuste-salarial-para-entidade-de-docentes-federais/
Page not found | Partido dos Trabalhadores (pt.org.br)
Ademais, enviei ao secretário um texto alternativo, informativo, objetivo, que ele poderia publicar no lugar da notícia incorreta.
Assunto resolvido?
Não.
As 11h da manhã de 29 de maio fui informado por um colega que a matéria continuava no ar, mais exatamente no aplicativo do PT.
E de fato lá está, como se pode ver pelas fotos inseridas nesta postagem.
Isto posto, o que é incorreto na matéria citada?
Primeiro, em nenhum momento a matéria informa que havia e segue havendo uma greve.
A greve envolve técnicos administrativos, professores de institutos federais e professores de universidades federais.
E a greve continua, pois a maioria das assembleias realizadas até agora não aceitou a proposta do governo.
A negociação do governo foi feita com várias entidades, das quais apenas uma - a menos representativa - assinou o acordo.
É surreal, para não dizer outra palavra, que o site de um Partido que teve origem nas grandes lutas e greves dos anos 1970, não informe aos leitores que há uma greve em curso.
Segundo, em nenhum momento a matéria informa o nome das entidades com as quais o governo negocia. Aliás, aparece um funcionário do governo dando entrevista, aparece um deputado do partido dando entrevista, mas não aparece nenhum sindicalista dando entrevista. Nem um sindicalista em greve, nem um sindicalista da entidade que assinou o acordo.
Não é deveras estranho esta ausência, este silêncio?
Em terceiro lugar, a matéria difunde algumas informações falsas, disfarçadas - como manda a boa regra das fake news - por estatísticas.
Diz o texto: "do conjunto de reivindicações, cerca de 80% foram atendidas"; "a correção salarial chega a 43% para a base e 28% para o topo", "ganho real significativo nesses quatro anos".
Para começo de conversa, os dados do governo não concidem com os dados do movimento sindical.
Aliás, não coincidem nem mesmo com os dados elaborados por nós, petistas que somos das entidades que dirigem a greve. Mas a matéria publicada no site do PT não dá voz para ninguém, a não ser para um funcionário do governo.
Em segundo lugar, reposição salarial (devido as perdas acumuladas desde 2016) é diferente de aumento salarial. A honestidade manda explicar isso.
Em terceiro lugar, quando chegarmos em 2026, se nada de extraordinário ocorrer, a maior parte dos servidores estará com salários próximos aos que tinha no início de 2023. Ou seja, não se trata de "ganho real", nem mesmo de reposição das perdas acumuladas. Aliás, ganho real seria aumento acima da inflação e não é disso que se trata, mas sim de reposição.
Em quarto lugar, mas muito importante: no ano de 2024 o índice proposto pelo governo é de ZERO por cento nos salários. Os aposentados, além de zero de recomposição nas aposentadorias, não tem os adicionais. Portanto, duplo zero para os aposentados.
Em quinto lugar, recomendo a quem fez a matéria que pergunte, ao Feijóo, quantas pessoas estão na base da carreira de docentes e que vão receber, segundo ele, 43%. Façam a pergunta e aguardem a resposta....
Em sexto lugar, a matéria não fala nada acerca dos outros pleitos das categorias em greve, entre as quais a recomposição do orçamento da educação e a revogação de uma série de medidas adotadas pelo governo do cavernícola, que seguem aí.
Em sétimo lugar, a matéria não informa que no dia 3 de junho haverá nova reunião, agendada a contragosto pelo Feijóo, a partir da pressão dos grevistas, que querem ter a chance de negociar a contraproposta que formularam.
Enfim, a matéria é cheia de falhas, erros, omissões, desinformações.
A mais grave de todas é a frase final, atribuída ao Zeca Dirceu: "o parlamentar destaca que o mais importante é o bom diálogo entre as partes".
Pessoal, não houve bom diálogo entre as partes. Uma das provas disto foi a decisão de encerrar a negociação no dia 27 e assinar o acordo com uma entidade que representa muito pouco, perto das demais, tentando forçar um desfecho.
Haveria outras coisas a dizer sobre a matéria publicada no app do PT, mas acho que o que foi dito basta.
Espero que no dia 3 de junho a negociação seja reaberta. Espero que a CUT e o PT convençam o governo de que isto é necessário, reafirmando o que já foi dito várias vezes, por inúmeros dirigentes e parlamentares do Partido e por integrantes da Central. E espero, também, que o governo trate aliados como aliados; pois não faz sentido ver a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal receberem melhor tratamento do que técnicos e docentes.
Fica, também, a sugestão de que a executiva nacional do Partido convide os petistas das entidades que estão em greve. Assim poderão ouvir outro lado da história, muito diferente daquele que Feijóo contou para a executiva, no dia 27 de maio.
Antes que me esqueça: espero também que os textos publicados no nosso site e aplicativo sejam elaborados com mais cuidado jornalístico e político.
Segue abaixo o texto que enviei ao secretário de comunicação do PT, como uma sugestão de nota jornalisticamente neutra. E seguem, também, os prints da matéria publicada no app do PT.
#
[06:05, 29/05/2024] Valter Pomar: Jilmar, bom dia. Minha sugestão de texto NEUTRO, jornalisticamente objetivo e sem chapa branquice, é o que segue abaixo.
[06:05, 29/05/2024] Valter Pomar: Greve nas universidades: dia 3 de junho prosseguem as negociações
As universidades e os institutos federais estão em greve. A greve envolve três categorias diferentes: os professores das universidades, os professores dos institutos e os técnicos administrativos. Cada uma destas categorias é representada por diferentes entidades sindicais. No caso dos docentes, há duas entidades que disputam a representação: o Andes e o Proifes. O Andes representa cerca de 60 associações docentes, o Proifes representa cerca de 10 associações docentes.
No dia 27 de maio, o governo considerou encerradas as negociações e assinou um acordo em separado com o Proifes. O acordo assinado contém três dimensões principais: reajustes no salário, reajuste nos benefícios e mudanças na progressão das carreiras. O governo argumenta que, considerando o conjunto do que foi oferecido, estaria oferecendo um reajuste que cobriria não apenas as perdas estimadas para o período 2025-2026, mas também parte das perdas ocorridas durante o biênio 2023-2024 e, inclusive, parte das perdas ocorridas durante o período do golpe e do governo de extrema-direita.
Parte dos trabalhadores concorda com esta opinião e aprovou, em assembleias e consultas em urna, tanto a proposta do governo quanto o encerramento da greve (há, também, algumas poucas universidades que nunca chegaram a entrar em greve). Outra parte dos trabalhadores discorda da proposta do governo e decidiu manter a greve. Embora haja diferentes versões, os dados disponíveis indicam que até o momento da assinatura do acordo, a maioria das categorias, na maioria das universidades, se manifestou contra o acordo e a favor de continuar a greve.
As entidades que decidiram manter a greve apresentaram uma contraproposta e solicitar ao governo que mantivesse a negociação. O governo, mesmo reafirmando que não tem margem orçamentária para conceder mais nada, agendou uma nova reunião no dia 3 de junho. A contraproposta apresentada pelas entidades inclui medidas não orçamentárias (como revogação de decisões dos governos Temer e Bolsonaro), inclui medidas gerais (como recomposição do orçamento das universidades) e inclui medidas orçamentárias (como a concessão de um reajuste em 2024).
Um dos pontos mais polêmicos reside exatamente no tema do reajuste de 2024. O governo afirma que não tem margem para oferecer mais; que reajustou os benefícios; e que o conjunto dos reajustes oferecidos dará conta de eliminar as perdas inflacionárias de 2024. Já os grevistas afirmam que reajuste zero em 2024 equivale a confisco salarial, que afetará principalmente os aposentados, que não terão nem mesmo os reajustes em benefícios.
Outro ponto polêmico reside na decisão do governo, de assinar um acordo com o Proifes. O próprio Proifes é filiado a CUT e afirma que sua posição é respaldada em decisões de base. Já o Andes afirma que o Proifes é pouco representativo e que a maioria da base do Proifes recusou a proposta do governo e segue em greve.
A executiva nacional do PT debateu o tema na sua reunião de 27 de maio e solicitou ao governo que fizesse um esforço de prosseguir a negociação.
terça-feira, 28 de maio de 2024
A deusa e a greve
Será uma pessoa com pais que viam longe?
Rudá Ricci e a teoria que não é de esquerda
Não sei se é verdade, mas dizem por aí que Brecht recomendava, a quem encontrasse uma ideia circulando na praça, perguntar a ela: a quem serve vossa senhoria?
Lembrei
disso, ao ler o texto de Rudá Ricci acerca da “esquerda que não é esquerda”,
corolário da teoria segundo a qual a esquerda brasileira se dividiria em dois
blocos: “institucional” e “social”.
A rigor,
além de perguntar a quem serve, vale perguntar a esta ideia, também, se “não te conheço de
algum lugar?”
Afinal, como
o próprio Rudá em certa medida sugere, esta dicotomia social/institucional é um
remake da dicotomia social/política que esteve presente no debate entre
marxistas e anarquistas, entre economicistas e iskristas, entre a esquerda e a
direita da socialdemocracia alemã, entre comunistas e socialdemocratas etc.
Os economicistas russos, por exemplo, também acreditavam que a disputa que travavam seria “mais aguda" porque enfrentavam "diretamente a ordem social”. Acontece que a vida já mostrou, inúmeras vezes, que o questionamento da “ordem social” só é completo quando se politiza. E a politização inclui, em maior ou menor medida, alguma relação com ou participação no Estado do inimigo, ou seja, envolve a chamada "institucionalidade".
Portanto, este tema das duas esquerdas não é um assunto do século XXI, não é uma jabuticaba brasileira, nem tampouco um desdobramento do “lulismo” (termo que alguns intelectuais tratam como se fosse o “mordomo” da história recente do Brasil, ao qual se atribui a responsabilidade por qualquer suposto mistério que não conseguem explicar de outro jeito).
A ideia de que existiria uma "divisão de trabalho" dentro da esquerda é, portanto, bem velha. O engraçado – sempre há algum motivo para achar graça de algo trágico – é ver essa ideia reaparecer, hoje, sob a forma de uma crítica aparentemente radical ao status quo vigente no Brasil: de um lado estaria a esquerda social, supostamente mais radical; de outro lado a esquerda “institucional”, que seria mais acomodada e que, progressivamente, estaria deixando de ser de esquerda.
Evidente que
há uma "estratégia institucional" e também evidente que há uma esquerda que usa os "limites da
institucionalidade burguesa" como explicação para tudo o que fazem e o que
deixam de fazer. Mas a dicotomia proposta (esquerda social versus esquerda
institucional) não é propriamente uma descrição da realidade, mas sim uma caricatura.
Em primeiro
lugar, porque parte da esquerda “social” é igualmente acomodada (prefiro não citar
nomes, mas peço que lembrem da atuação de certos “fóruns da sociedade civil”,
sem falar de uma entidade que assinou, ontem, um acordo com o governo federal).
Em segundo
lugar, porque outra parte da “esquerda social” tem muita retórica, mas pouco “social”.
Em terceiro
lugar, porque falta história e política nessa descrição, sem as quais não dá
para entender como é que se opera a metamorfose que transforma líderes da esquerda
“social” em expoentes da esquerda “institucional”. Metamorfose que atinge não
apenas petistas, mas também os que vieram antes e depois (vide, por exemplo, a trajetória
de certos expoentes comunistas e psolistas).
Por último,
mas mais importante, aceitar esta dicotomia conduz, no limite, a renunciar a
qualquer possibilidade de vitória por parte da classe trabalhadora. Afinal, se
por algum mistério de Fátima, toda “esquerda social” que amplia o “poder
político da sua base social” termina deixando de ser de esquerda, nossa
história nunca acabará bem.
Num país como o Brasil, na situação história aberta desde 1989, não há como abrir mão das “conquistas eleitorais”. Tampouco há como explorar estas conquistas institucionais, sem que tenhamos força social organizada fora das instituições. E não há como ter vitória, sem combinar os dois movimentos, "dentro" e "fora", em torno de uma linha política comum. Evidente, se a situação histórica mudar, isto também muda. Mas por enquanto, este é um de nossos desafios estratégicos.
Entretanto, nada disso será possível ou necessário, se acharmos que a “esquerda social” é - por definição e sempre - moral ou politicamente superior à esquerda “institucional”.
Aliás, a certeza desta suposta
superioridade é, por paradoxal que possa parecer, um dos motivos que explica a
atitude lamentável de algumas pessoas oriundas da luta social e que ocupam
espaços no aparelho de Estado.
Tampouco
será possível construir uma estratégia que combine os movimentos, se acharmos
que estamos diante de um fenômeno irreversível, cristalizado, da “formação de
um segmento social ou político autóctone, autorreferente, que não se vincula
mais à base social nenhuma, nem fora, nem à base partidária”, uma “elite
autolegitimada pela conquista eleitoral, como provedora de uma sabedoria
política”.
Embora seja bizarra a ideia de uma burocracia “autorreferente”, este tipo de descrição é atraente, pois faz referência a fenômenos realmente existentes. Mas a descrição tem uma falha fundamental: esquece que existe luta de classes, que existe uma pequena burguesia, que existe uma classe dominante burguesa, que existe uma direita neoliberal e uma extrema-direita neoliberal, que não vivemos na Europa imperialista, que estamos num momento de crise sistêmica. Portanto, esquece que não existe espaço estrutural, no Brasil de 2024, para uma esquerda profundamente integrada ao sistema, como ocorreu com a socialdemocracia europeia entre o pós Segunda Guerra e a ascensão do neoliberalismo. Se existisse, aliás, não teria havido o golpe de 2016 e o que veio depois.
Verdade seja dita, os primeiros que se esquecem disto, os primeiros que acreditam que têm um lugar na mesa da casa grande, são alguns militantes de esquerda que ocupam espaços na institucionalidade. Há até quem trate sua cooptação individual como se fosse uma mudança estrutural para o conjunto da classe trabalhadora.
Mas o antídoto para esta postura não é decretar como fatal, como mortal, toda participação institucional. Entre outros motivos, porque o fatalismo não é de esquerda: é apenas expressão de impotência.
SEGUE O TEXTO COMENTADO
A esquerda
que não é esquerda
POR Rudá
Ricci
Recentemente,
alguns intelectuais sugerem a divisão da esquerda brasileira em dois blocos: a
esquerda institucional e a esquerda social. Esta é a proposição de Carlos
Vainer, da UFRJ.
A divisão
teria ocorrido mais nitidamente neste século XXI e, possivelmente, tem relação
com o advento do lulismo como fiel da estrutura e dinâmica de poder nesta
primeira quadra do século.
A esquerda
social seria aquela vinculada e orientada por movimentos sociais, sindicatos e
organismos ou fóruns da sociedade civil. Seus membros podem estar filiados a um
partido, mas privilegiam pautas e planos de ação de suas organizações sociais.
Por sua vez,
seu foco é a luta social, a ampliação dos direitos coletivos e o aumento do
poder político da sua base social. A disputa política que travam é mais aguda
porque enfrentam diretamente a ordem social, embora raramente se posicionem
como organizações revolucionárias.
Já a
esquerda institucional é aquela que privilegia o campo institucional e sua
pauta gravita ao redor de conquistas eleitorais.
Assim, se a
esquerda social se orienta por práticas de confronto e conquista de direitos, a
esquerda institucional se pauta pelo calendário eleitoral e acordos para
manutenção dos seus mandatos.
Na esquerda
social, as alianças são mais estratégicas, podendo ocorrer alguma aliança
tática como, por exemplo, acordos com parlamentares para emplacarem um projeto
de lei.
Já na
esquerda institucional, as alianças são sempre muito amplas, muitas vezes
descaracterizando até mesmo a identidade de esquerda justamente porque procuram
criar bases para a governabilidade de seus mandatos, evitando ao máximo
solavancos e surpresas.
Ocorre que,
nos últimos anos, a esquerda institucional se encontra mais e mais nas cordas.
O que a obriga a ceder mais. O cenário mais desfavorável ocorre porque agora a
maior oposição à suas pretensões não vêm de uma direita dócil, mas de uma
extrema-direita mobilizadora e popular. As ruas, portanto, passaram a ser campo
de disputa, assim como corações e mentes da base popular.
Há,
portanto, uma esquerda que vai se desgarrando de sua identidade original e se
tornando cada vez mais moldada pelas amplas alianças e acordos que minam as
agendas e pautas originais.
Esta
discussão não é nova no campo da esquerda. Lênin, em seu artigo “Mais vale
pouco e bom”, de 2 de março de 1923 (ele faleceu em janeiro de 1924) já citava
os erros na estruturação do aparelho de Estado. Sem dar nome aos bois, sugere
que “no que se refere ao problema do aparelho estatal, devemos concluir da
experiência anterior que seria melhor ir mais devagar” e conclui “é preciso,
enfim, que tudo isso mude”.
Talvez, o
texto mais cirúrgico de crítica às mudanças de projeto e conceito que a máquina
soviética gerou é o livro de Charles Bettelheim, “A Luta de Classes na URSS”.
Enfim, há
farta literatura de esquerda a respeito desses atalhos da esquerda
institucionalizada que vai se afastando da sua origem até se perder num mar
revolto.
E é aqui que
gostaria de lançar uma reflexão: esta esquerda institucionalizada continua
esquerda? A pergunta não é meramente retórica. A questão é se o centro de
decisão desse segmento não seria nem mesmo o partido, mas a própria lógica da
burocracia estatal e a base de amplos acordos.
Se esta
hipótese tem sentido, estaríamos presenciando a formação de um segmento social
ou político autóctone, autorreferente, que não se vincula mais à base social
nenhuma, nem fora, nem à base partidária.
Ora, tal
orientação ensimesmada criaria uma série de laços de lealdade de caráter grupal
que se esforçaria para interditar divergências ou debate público de projetos e
teses.
Não sei se o
leitor desta provocação percebeu, mas minha sugestão é que tal esquerda
institucional estaria criando uma elite autolegitimada pela conquista
eleitoral, como provedora de uma sabedoria política.
Na tradição
da literatura de esquerda, teria certo paralelo com o conceito de “aristocracia
operária”, aquele segmento de operários altamente qualificados que recebem
salários acima da média geral da classe trabalhador e que gerava uma identidade
política e social muito peculiar, menos afeta à transformação política e
social. O termo foi criado por Engels em um artigo publicado nas revistas
Commonweal da Inglaterra e Die Neue Zeit da Alemanha no ano de 1885 e, décadas
depois, Lênin, o retomou para analisar a consequência política que seria a
separação deste segmento das grandes massas do proletariado.
Minha
impressão é que estamos vivenciando no país a cristalização deste segmento
social e político próprio que é a esquerda institucional que vai se
distanciando tanto da sua origem que nem mesmo se sabe se ainda é esquerda.
(FIM)
sem revisão
segunda-feira, 27 de maio de 2024
Feijóo elege o Proifes
Hoje teve reunião da executiva nacional do PT.
O secretário Feijóo participou da reunião, para dar um informe sobre as negociações entre o governo, docentes e técnicos administrativos.
Não tenho informações precisas sobre o caso dos técnicos administrativos.
Mas no caso dos docentes, posso dizer que o informe dado por Feijóo teve de tudo um pouco, desde informações factuais corretas, até avaliações incorretas e que subestimam o que está acontecendo.
Ao contrário do que Feijóo disse ou deu a entender, para a executiva nacional do PT:
-a imensa maioria das Universidades está em greve;
-a imensa maioria das assembleias rejeitou a proposta do governo;
-a rejeição ocorreu tanto em assembleias, quanto também em votação em urna;
-a rejeição ocorreu tanto onde as Associações são ligadas ao Andes, quanto onde são ligadas ao Proifes;
-o Proifes controla um número muito pequeno de associações docentes;
-a maior parte das Associações Docentes é vinculada ao Andes;
-tem mais petistas em Associações dirigidas pelo Andes, do que em associações dirigidas pelo Proifes;
-há um grande número de petistas e simpatizantes do PT em greve e/ou criticando a proposta do governo;
-a esmagadora maioria dos grevistas votou em Lula nas eleições de 2022. Diferente dos policiais federais e rodoviários agraciados com reajustes mais substanciais;
-ao contrário do que sugeriu Feijóo, a rejeição a proposta do governo não é motivada por radicalismo esquerdista. A rejeição é devida a vários motivos, entre os quais acho que o principal é o zero em 2024.
Aliás, duvido que o Feijóo, quando era sindicalista, aceitasse de bom grado um zero, que na prática significa confisco salarial (pois, é bom lembrar, não estamos falando de aumento real, mas de reposição).
Por fim: Feijóo disse para a executiva nacional do PT que ele era contra prosseguir as negociações.
Seus (dele) argumentos foram mais ou menos os seguintes: já houve negociação, o governo está no limite, estender alguns dias não vai mudar nada, prosseguir prejudicaria os setores do movimento que apoiam a proposta do governo.
De fato, já houve negociação. Mas por qual motivo não continuar negociando?
De fato, o governo acha que está no limite. Mas há outras opiniões, segundo as quais o custo de uma contraproposta seria totalmente absorvível.
De fato, estender alguns dias talvez não mude nada. Mas por qual motivo não tentar?
Por fim: seria mesmo verdade que prosseguir a negociação prejudicaria quem já aceitou a proposta do governo?
Não sei dizer. O que sei é que Feijóo pagou para ver. E assinou um acordo com uma entidade (o Proifes) que representa muito pouco; sem falar que várias das bases do Proifes estão em greve.
Além disso, Feijóo tratou com desprezo e desdém a contraproposta apresentada pelo Andes. Contraproposta que o governo poderia ter atendido, se a boa política estivesse no comando.
Nos próximos dias se verá o efeito disto sobre a greve. Mas o efeito imediato foi desgastar o governo e o PT junto a amplos setores da categoria docente. Além disso, há os efeitos negativos sobre a educação pública, efeitos que podem ser difíceis de medir, mas que existem.
Como resumo de tudo, cabe lembrar que, em 2022, nós ganhamos por apenas 2 milhões de votos. Cerca de 30 milhões de trabalhadores não votaram em ninguém. Já passaram 18 meses de governo e a vida segue difícil. Sendo assim, o mais prudente seria não tratar mal quem está do nosso lado. Mas, pelo visto, a opção segue sendo a de dar tiro no pé e sair cantando vitória.
ps.há duas décadas, fiz parte de um governo em que cometemos desatino parecido. O desfecho não foi positivo.
domingo, 26 de maio de 2024
O PT não larga o osso?
O sucessor
Numa galáxia muito muito distante, há um planeta onde vive uma confraria que, nos últimos anos, adotou o NozChato como ferramenta de comunicação.
sexta-feira, 24 de maio de 2024
A general gringa mandou bala
Recomendamos ler a "ordem do dia" da General Laura Richardson.
Está disponível aqui: General americana mira China e diz que Brasil e EUA têm de se unir | Brasil | Valor Econômico (globo.com)
Primeiro, um comentário: americanos somos todos nós que vivemos no continente.
A general é estadounidense.
Chamar de "americana" é uma decorrência da Doutrina Monroe, que dizia "a América para os americanos", mas queria dizer "a América para os Estadounidenses".
A general está no Brasil, para "exercícios militares conjuntos", denominados Southern Seas 2024.
Quem introduziu o tema China foi o próprio Valor, que perguntou ""qual é a mensagem geopolítica que esse exercício envia, especialmente à China, cuja presença crescente na América Latina tem sido motivo de preocupação de integrantes do governo dos EUA, de parlamentares e também uma preocupação sua?"
A resposta de Laura Richardson é um primor: "Número um, são 200 anos [de relações entre EUA e Brasil]. E se você quiser comparar com a China, são 50 anos. O Brasil e os Estados Unidos compartilham 200 anos de relações bilaterais, isso é muito significativo".
Realmente, é muito significativo, especialmente se lembramos do papel que os Estados Unidos teve no golpe militar de 1964 e na sustentação da ditadura militar. Ou do apoio dado pelos EUA ao golpe de 2016, à Operação Lava Jato e à prisão de Lula.
Aliás, citar um porta-aviões neste contexto é um ato falho genial, que remete à Operação Brother Sam. Mais detalhes sobre isso, aqui: Teoria e Debate | 1964: os Estados Unidos e o golpismo - Teoria e Debate
O Valoer pergunta se "esses exercícios militares na região colocam os EUA em uma situação distinta da situação da China na região, ainda que a China seja o primeiro parceiro comercial de muitos dos países?"
A pergunta contém uma condenação explícita: enquanto a China faz negócios, vocês promovem guerras. Mas a general não veste a carapuça e responde o seguinte: "Como democracias de mentalidade semelhante, procuramos buscar uma situação em que todos saiam ganhando, em que ambos os países, ambas as nações, se beneficiem. E não uma relação de ganha-perde, não é assim que operamos. Como democracias, respeitamos uns aos outros. Respeitamos a soberania uns dos outros. Respeitamos o povo um do outro, as democracias, o que não acontece com um país comunista, porque eles não respeitam os direitos de seu próprio povo".
Sobre a parte do respeito a soberania, a general é negacionista. A história dos Estados Unidos é a história do desrespeito à soberania dos demais povos, a começar pelos povos da América Latina e Caribe.
Quanto ao respeito aos direitos de seu próprio povo, que tal começar por um direito fundamental: a vida? E tomar como parâmetro a pandemia de Covid 19. Pergunto: um trabalhador comum tinha mais chance de sobreviver onde? Nos EUA ou na China? Os números são acachapantes a este respeito.
Mas a principal mensagem política da general é o lugar do Brasil no mundo, que segundo ela é o de "alimentar e abastecer o mundo", com "soja, o milho, o açúcar, o petróleo bruto pesado, o petróleo bruto leve, as terras raras, o lítio, a Amazônia". Ou seja: nosso lugar no mundo é e deve continuar sendo primário-exportador.
Neste quesito, a Belt and Road Iniciative (Iniciativa Cinturão e Rota) é uma possibilidade alternativa. Os EUA não querem que o Brasil adira. Mas o argumento da general é outro ato falho: ela fala das "letras miúdas" e de ""como a soberania é retirada ao longo do tempo se os empréstimos não forem pagos", ou seja, ela fala exatamente do que ocorreu na relação entre EUA e Brasil na crise da dívida externa. Situação que, gostemos ou não da China, não tem nada que ver com a Iniciativa Cinturão e Rota. Como também é hilário a tentativa de vincular a ampliação da presença da China, com a ampliação da presença do crime organizado.
O mais divertido, entretanto, é ver como a general define soft power: "No meu cargo no Comando Sul dos EUA, procuro fazer parte do soft power que podemos exercer. Não se trata apenas de poder militar duro". Pois é: não se trata "apenas" de poder militar duro, mas de "unir os instrumentos de poder nacional: diplomático, de informação, militar e econômico".
Seja como for, é ótimo que a general tenha se transformado em propagandista da "Parceria Americana para a Prosperidade Econômica". Primeiro, porque nos ajuda a explicar qual é o lado B desta "parceria". Segundo, porque concorrência ajuda na negociação.
Uma última nota: a general foi absurdamente injusta com o Irã. Não é verdade que "o Irã é o maior patrocinador estatal do terrorismo". Os fatos demonstram que ninguém supera os Estados Unidos e Israel neste quesito.
E por falar em terrorismo, quando é que os EUA vão suspender o bloqueio e tirar Cuba da lista de países patrocinadores do terrorismo (pois, até agora, tiraram de outra lista, mas mantiveram Cuba na lista que maiores danos causa)?
quinta-feira, 23 de maio de 2024
Da série “nojento, mas não me surpreende”
A greve dos docentes e o Proifes
No dia 22 de maio, a CUT organizou uma boa Marcha em Brasília.
Em certo momento da Marcha, fez uso da palavra o vice-presidente do Proifes, entidade que disputa com o Andes a condição de representante dos docentes das universidades públicas federais.
O vice falou da greve dos docentes das federais.
Disse que o governo apresentou uma proposta.
Comentou que estão ocorrendo assembleias para deliberar sobre a proposta.
E concluiu informando que, semana que vem, o Proifes assinará a proposta…
… imediatamente deu-se conta do ato falho e emendou mais ou menos assim: “isso, é claro, se as assembleias aceitarem a proposta”.
O vice-presidente foi sincero: o Proifes quer assinar a proposta e está trabalhando ativamente por isso.
O que ele não comentou é que a imensa maioria dos docentes em greve não reconhece o Proifes como sua entidade nacional.
Não comentou, também, que várias associações docentes ligadas ao Proifes decidiram - na contramão de sua entidade nacional - entrar em greve.
Tampouco comentou que a maioria das assembleias realizadas até agora rejeitou a proposta do governo, que dá zero de reajuste em 2024, sendo que para os aposentados dá duplo zero.
Atendendo neste caso à orientação de “não remoer o passado”, não vou lembrar, aqui, como e para que foi criado o Proifes.
Apenas registro que a Marcha era o espaço mais que adequado para que um Sindicato - ao invés de avisar que já desistiu de lutar - defendesse as reivindicações da categoria que pretende representar.
Espero que a CUT faça gestões junto ao presidente Lula, para que altere a proposta apresentada. Afinal, zero é zero. E duplo zero para os aposentados é inclassificável.
Vale dizer que o PT já fez estas gestões. Entre outros motivos porque não faz sentido, politicamente falando, conceder reajuste para algumas categorias (como a PF e a PRF) e zerar o reajuste dos professores.
A não ser, é claro, que o objetivo seja dar um tiro no pé.
quarta-feira, 22 de maio de 2024
José Dirceu rumo a seus plenos direitos
Está de volta a “bússola do PT”. Com frases deste tipo, muita gente comemorou a recente decisão judicial que acumula para restituir os plenos direitos políticos de José Dirceu, ex-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores .