quinta-feira, 24 de março de 2016

Resolução sobre o PL 257/2016

Desde outubro de 2014, repete-se o círculo vicioso: para tentar deter a direita golpista, o governo faz concessões programáticas, que nos levam a perder apoio social, o que torna mais difícil deter a direita golpista, o que leva o governo a fazer mais concessões programáticas e assim por diante.

No dia 18 de março de 2016, o movimento sindical, os movimentos sociais, as juventudes, os artistas, intelectuais, a esquerda socialista, os setores democráticos e progressistas marcharam em defesa das liberdades democráticas,  contra o golpismo, pelos direitos sociais e por outra política econômica.

Não vai ter golpe: esta foi a voz das ruas.

No dia 22 de março de 2016, contudo, o Governo enviou ao Congresso nacional o PL 257/2016 que dispõe sobre refinanciamento da dívida dos estados e do Distrito Federal.

A pretexto de uma boa causa (o alongamento da dívida), o PL estabelece restrições para que os estados possam aderir ao plano de refinanciamento, limitações ainda maiores do que as já previstas na famigerada Lei de Responsabilidade Fiscal.

O PL estipula, por exemplo, a entrega das estatais para privatização como garantia da amortização.

O caráter das imposições feitas pelo Governo aos estados que desejem aderir ao plano de refinanciamento vai na contramão do programa vencedor nas urnas de 2014 e das exigências por uma nova política econômica. 

Pelo contrário, o que está dito no PL formata o caminho para o corte de investimentos sociais, privatizações e arrocho salarial no setor público.

Aceito o PL tal como está, assistiremos a aceleração da capitulação ao mercado, com efeito destrutivo nas políticas e nos serviços públicos, inclusive com entrega das estatais à privatização.

O projeto de lei também se propõe a realizar um "ajuste fiscal estrutural" nas próprias contas da União. 
Do ponto de vista do salário dos servidores, o PL prevê restrições em três estágios, que vão desde a não concessão de aumento, reajustes ou adequação de remunerações a qualquer título (exceto sentenças judiciais e a revisão anual prevista na Constituição); a suspensão da contratação de pessoal, exceto reposição de pessoal nas áreas de educação, saúde e segurança; até, numa última etapa, caso as metas fiscais não tenham sido atingidas, a  suspensão da política de aumento real do salário mínimo, cujo reajuste ficaria limitado à reposição da inflação.

Falar em suspender a política de aumento real do salário mínimo é uma provocação tão absurda, que só podemos crer que tenha sido incluída no PL por alguém vinculado ao PSDB e a oposição neoliberal.

É também reduzido, de 95% para 90%, o limite de despesa com pessoal; e serão computadas como despesa de pessoal a contratação de terceirização de mão-de-obra, convênios, OSs. etc, o que levaria rapidamente todos os estados a atingirem o limite destas despesas, o que na prática inviabilizaria, por exemplo, a execução do Plano Nacional de Educação ou quaisquer avanços no SUS.

Mais uma vez o governo capitula aos mercados, na contramão da exigência daqueles que lutam contra o golpismo.

O comportamento do governo, especialmente de sua área econômica, ajuda objetivamente os golpistas, além de agredir, violentar, maltratar e desrespeitar aqueles que derramam seu sangue, suor e lágrimas em defesa do mandato da presidenta Dilma Rousseff.

Erros tão continuados deixam de ser erros. Há entre nós concepções antagônicas, que exigirão uma luta dura e árdua para serem derrotadas.

No dia 31 de março, em todo o Brasil, estaremos nas ruas para defender a democracia, os direitos sociais e outra política econômica.

Direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda
24 de março de 2016.

sábado, 19 de março de 2016

Não haverá tempo fácil nem moleza para o golpismo

Roteiro de palestra feita ao Diretório Regional do PT em Minas Gerais, no dia 19 de março de 2016. Incorporou elementos do debate travado na reunião ampliada do conselho consultivo da Fundação Perseu Abramo, dia 18 de março.

1. A política brasileira parece estar muito confusa, o que faz algumas pessoas acharem difícil prever o que pode acontecer nas próximas horas, dias e semanas. Mas devemos evitar o modo confuso de pensar. Afinal, por trás do suposto caos existe uma ordem. 

2. Há vários pontos de partida para entender a situação brasileira. Um deles é a crise internacional que começou em 2007-2008 e continua até hoje. Um dos efeitos da crise foi reduzir a taxa de crescimento da economia mundial. Outro foi ampliar as contradições intercapitalistas. As exportações foram afetadas. Países como a China já vinham se preparando para este cenário. Quem não se preparou, está sofrendo ainda mais. Nós não nos preparamos. Em 2010 prevaleceu a opinião de que o cenário do primeiro mandato Dilma seria semelhante ao do segundo mandato Lula. Havia quem acreditasse que a década estaria "contratada": era o pensamento "tudo de bom".Esqueceram que o desenvolvimento capitalista se faz através de crises. A marolinha virou tsunami.

3. A crise internacional fez o capitalismo brasileiro voltar ao seu “modo normal”. E o "modo normal" do capitalismo brasileiro não tolera a elevação dos salários diretos e indiretos da classe trabalhadora. Por isto, especialmente desde 2011, os capitalistas pedem cortes nos orçamentos sociais; reclamam dos direitos inscritos na Constituição de 1988; receberam subsídios e isenções, mas não ampliaram a produção nem reduziram preços; falam mal dos juros, mas não apoiam iniciativas reais contra os banqueiros e a especulação: o que desejam mesmo é a destruição da legislação trabalhista. 

3.Desde 2011, a maior parte do grande empresariado brasileiro não aceita mais a presença do PT no governo federal e vem estimulando uma contraofensiva ideológica e política, que tem nos setores médios seu destacamento de vanguarda. Os objetivos estratégicos da contraofensiva da direita são: realinhar o Brasil aos Estados Unidos, deixando de lado os BRICS e a integração regional; reduzir expressivamente os salários, direitos sociais e trabalhistas; limitar as liberdades democráticas dos setores populares. Do ponto de vista ideológico, tiraram do armário o racismo, o machismo, a homofobia, o anti-comunismo, o fascismo e todo tipo de preconceitos de classe. 

4.Três características importantes da contraofensiva da direita são: o pretexto do combate à corrupção, o apelo à mobilização de massas e o papel protagonista assumido por setores da Justiça, do Ministério Público e da Polícia Federal. A corrupção é tema recorrente: vide 1954 e 1964. O recurso à ocupação das ruas é mais raro: esteve presente, por exemplo, nos anos 1930 e 1964. Já a judicialização da política e a partidarização da justiça resultam de 4 derrotas seguidas da direita em eleições presidenciais: para enfrentar esta dificuldade, os setores conservadores tiveram que lançar mão de instituições que não estão submetidas a efetivo controle social.

5.A contraofensiva da direita, iniciada em 2011, foi detida com muito esforço em outubro de 2014, com a derrota de Aécio Neves e a reeleição da presidenta Dilma Rousseff. A mobilização em grande medida espontânea da militância democrática e de esquerda impediu a vitória dos reacionários. Mas, logo após a vitória, Dilma Rousseff adotou um conjunto de medidas que dividiu seus eleitores, sem ganhar um único apoio entre seus inimigos; estes deflagraram durante todo o ano de 2015 uma intensa campanha pelo impeachment da presidenta.

6.Em dezembro de 2015, novamente a mobilização da militância deteve o ataque da direita. Uma vez mais, contudo, o governo Dilma não correspondeu, não apenas em temas como o Pré-Sal, a Lei Anti-Terrorismo, a Operação Lava Jato e a partidarização de fato da PF, mas principalmente na política econômica: saiu Joaquim Levy, mas com Nelson Barbosa tiveram prosseguimento o ajuste fiscal e os juros altos, agora acompanhados por uma promessa de reforma da previdência. 

7.Enquanto o governo insistia em ficar acuado, a direita dobrou a aposta e passou a mirar diretamente no ex-presidente Lula. Surpreendendo quem, apesar de tudo, ainda acreditava no “republicanismo” do lado de lá, Lula foi conduzido coercitivamente para depor. Ficou claro, para quem ainda tinha dúvida, qual o menu da direita: afastamento da presidenta Dilma Rousseff (seja por impeachment, seja por decisão do Tribunal Superior Eleitoral), a inviabilização do PT (seja por cassação da legenda, seja por uma multa que inviabilize o Partido), a condenação de Lula (resultando em prisão ou em impedimento de concorrer às eleições), assim como a criminalização do conjunto das esquerdas e movimentos sociais. Esta foi a pauta das manifestações que a direita organizou ao longo de 2015 e no dia 13 de março de 2016.

8.Em resumo: para tentar deter a direita, o governo faz concessões programáticas, que nos levam a perder apoio social, dificultando a mobilização contra o golpe. Mesmo assim, a militância democrática e de esquerda cumpre seu papel, mobiliza e consegue deter temporariamente o ataque da direita. Ainda assim, o governo faz novas concessões... criando um círculo vicioso que piora cada vez mais a situação. Ou seja: nosso principal problema estava e segue estando no governo, no que ele fazia, faz e/ou deixa de fazer. Importante lembrar: sem povo mobilizado, não há como derrotar golpe; mas apenas o povo mobilizado não é suficiente. É preciso ação de governo, como ocorreu aliás na campanha pela legalidade desencadeada pelo então governador gaúcho Leonel Brizola.

9.A constatação de que o governo é nosso flanco frágil contribuiu para a decisão (de alto risco e de forma alguma consensual) de que, para mudar os rumos do governo, seria necessário que Lula assumisse um ministério. Como era previsível, no dia 16 de março, quando se anunciou que Lula assumiria a Casa Civil, a direita reagiu violentamente com grandes manifestações de rua. Em seguida vieram a decisão de um juiz federal de primeira instância suspendendo a posse, o vazamento ilegal de escutas telefônicas contra a presidenta da República e a instalação, na Câmara dos Deputados, de uma comissão de parlamentares para analisar o pedido de impeachment contra a presidenta Dilma. Comissão controlada pela oposição golpista.

10.Até então havia duas táticas na direita, que se combinavam e retroalimentavam: os que defendiam interromper imediatamente o governo Dilma; e os que defendiam desgastar o governo e a esquerda, para ganhar as eleições presidenciais de 2018.  Agora há apenas uma tática: a interrupção imediata do mandato. Ou seja: a política brasileira foi venezuelizada e a oposição aderiu a tese golpista da "saída".

11.Como não há motivos legais para interromper o mandato, a direita precisa criar – através da mídia, da pressão empresarial e da mobilização de massas-- um ambiente de ingovernabilidade em nome do qual se forme uma maioria do Congresso e/ou da Justiça, maioria que se sinta à vontade para atropelar a Constituição. Sem falar, é claro, na hipótese que setores conservadores estimulam cada vez mais abertamente: algum tipo de intervenção militar ou pelo menos "sugestão de".

12.Como em outubro de 2014 e dezembro de 2015, no dia 18 de março de 2016 a militância democrática e de esquerda voltou a manifestar-se em todo o Brasil. As manifestações ainda estavam acontecendo, Lula ainda estava discursando em favor da tolerância política, e o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes decidiu suspender a posse do ministro Lula. Ou seja: predomina na oposição de direita a decisão de levar até o fim sua ofensiva. No que depender deles, não haverá negociação, nem rendição, nem cumprimento da Convenção de Genebra. A "paz e amor" que eles defendem é noutra vida.

13.A maior parte do povo, inclusive da classe trabalhadora, não saiu as ruas para defender o golpe. Também não saiu às ruas para defender a democracia. Mas parcelas crescentes do povo estão acreditando no discurso da direita contra o PT. E o motivo é claro: quando o país crescia, havia empregos, salários e futuro, o discurso da direita não tinha aceitação nem credibilidade. Hoje, temos recessão, desemprego, queda de salários e direitos. E a classe trabalhadora percebe que o governo não está fazendo a coisa certa, muito antes pelo contrário.

14.Apesar de estarem na ofensiva e apesar do crescente apoio popular, os diferentes setores da direita enfrentam problemas e tem dúvidas que os impediram, até agora, de consumar o golpe. 

15.Em primeiro lugar, eles precisam respeitar minimamente os ritos e os prazos previstos em lei para o impeachment. É preciso manter as aparências, para não deixar explícito tratar-se de um golpe. Por este motivo, não é descabido pensar que eles ainda venham a prender algum tucano e algum peemedebista graúdo, para assim tentar esvaziar a acusação de que a Operação Lava Jato é dedicada a forjar provas contra o PT.

16.Em segundo lugar, eles ainda estão divididos sobre o que fazer depois de um eventual afastamento da presidenta Dilma. O vice-presidente Temer assumiria? Parlamentarismo? Nova eleição? A divisão sobre o como fazer, bem como sobre o que fazer depois tem, entre seus ingredientes, a luta sem quartel entre as diferentes facções do PMDB e do PSDB.

17.Em terceiro lugar, há o medo. Medo em parte, da reação dos setores populares frente a um golpe e, também, frente a um governo de direita. E também algum medo da extrema-direita, fascista, antipolítica e antipolíticos, defensora de uma solução de tipo ditadorial, na qual a direita partidária tradicional se veria de alguma forma tolhida (como foram Lacerda e outros, pós 1964).

18.Os problemas da direita deixam aberta uma janela para os setores democráticos e de esquerda. É uma nesga de janela, mas ainda está aberta. Embora seja difícil, ainda é possível reverter o golpe. A seguir, algumas ideias sobre o que fazer.

19.Primeiro, esclarecer o que está em jogo. Não se trata da “democracia” ou do “Estado de direito” em abstrato. Trata-se dos direitos sociais, das liberdades democráticas em geral, do alinhamento internacional e do modelo de desenvolvimento do Brasil.

20.Segundo, lutar realmente para vencer. Há setores que consideram que a derrota já aconteceu e seria irreversível. Assim, não defendem lutar, mas sim "cumprir tabela", "saudar a bandeira". Alguns preferem discutir o que virá depois do dilúvio e outros acreditam que devemos mobilizar para negociar. Mas não haverá "saída negociada". Ou nós os derrotamos, ou eles nos derrotam. Negociar nestas condições não impediria uma derrota: apenas produziria uma derrota acompanhada de uma desmoralização. Como alguns tentaram fazer, em dezembro de 2015, quando defenderam um acordo com Cunha. 

21.Terceiro, alterar a correlação de força na classe trabalhadora. Além de mobilizar, é fundamental o trabalho de convencimento direto, nas bases, empresas, escolas e local de moradia. E o principal instrumento para mudar o humor da classe trabalhadora é a ação de governo. O governo precisa mudar de atitude política, precisa enfrentar o motim antidemocrático de setores do Estado e, principalmente, precisa mudar a política econômica, na linha da resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT dia 26 de fevereiro.

22.Quarto, abandonar qualquer ilusão de que a luta será fácil e/ou breve. A direita pode nos derrotar nos próximos dias e semanas, por exemplo na primeira quinzena de abril, na votação do impeachment. Enquanto isto, nós precisaremos de meses e anos para derrotar a direita. Trata-se de mudar a politica do governo, interromper a ofensiva deles, derrotar o impeachment, equilibrar o resultado das eleições de 2016, vencer as eleições de 2018 em condições que nos permitam fazer o que deixamos de fazer desde 2003. Se conseguirmos impedir o impeachment (eles precisam de 342 votos a favor), a disputa continuará.

23.Estamos em estado de mobilização permanente. A Frente Brasil Popular (e cada uma das organizações que a integram) precisa criar uma "sala de situação", para acompanhar diariamente a evolução dos fatos. É preciso combinar grandes mobilizações nacionais, com eventos descentralizados, ocupação de espaços públicos e, principalmente, corpo-a-corpo com as bases (empresas, escolas, bairros etc.). Inclusive o resultado das eleições 2016 está vinculado a esta disputa nacional (motivo pelo qual "douram a pílula" os que saem do PT pretextando maiores chances eleitorais). Os governadores democráticos e de esquerda devem criar uma rede pela legalidade.

24.Devemos propor à Frente Brasil Popular que convoque todas as cidades brasileiras a realizar, no dia 31 de março, atos com o lema Golpe nunca mais. E convocar um ato nacional centralizado em Brasília para data próxima a votação do impeachment ou quando a conjuntura assim o exigir.

24.Por fim: cometemos muitos erros, que facilitaram a ofensiva da direita. Temos que mudar profundamente de conduta e de estratégia, se quisermos sobreviver e voltar à ofensiva. Mas é preciso ter claro: não somos atacados por nossos erros, mas por nossas qualidades. E uma dessas qualidades, como ficou claro nas manifestações de 18 de março, é a disposição de luta da militância democrática e de esquerda. Não há como saber qual será o desfecho da crise atual, nem se terá alguma semlhança com o ocorrido por exemplo em 1947, 1954, 1961 ou 1964. Mas uma coisa as ruas deixaram claro: não haverá tempo fácil nem moleza para o golpismo

(sem revisão)













sexta-feira, 18 de março de 2016

Notas sobre o dia 18

A direita controla a comissão da Câmara dedicada a analisar o impeachment. Se nada de extraordinário acontecer, a tendência é que a direita consiga maioria na comissão e no plenário.  Se nada de extraordinário acontecer, a tendência é que tenha maioria também no Senado. Na paralela, o TSE acelera o processo. Nas mídias e  nas ruas, a direita exibe sua vantagem. Portanto, o que os segura?

Os prazos e ritos, essenciais para dar manter alguma aparência de normalidade. As divisões sobre o que fazer em seguida (posse do vice, parlamentarismo, novas eleições, prisão de Lula, proscrição do PT?). E o medo de que a ingovernabilidade se aprofunde, desta vez contra eles. Ingovernabilidade que pode vir de duas fontes opostas: da reação dos setores populares e da radicalização da extrema direita. O que devemos fazer?

Em primeiro lugar, esticar a corda.

Não haverá solução negociada para esta crise. Ou melhor: qualquer solução negociada só resultaria, mais do que em nossa derrota, em nossa desmoralização. Não devemos contribuir com nenhum gesto que passe a impressão de que está em curso um processo normal.

Em segundo lugar, esclarecer o que está em jogo. 

Não está em jogo apenas a "democracia". Está em jogo o alinhamento internacional do Brasil: Estados Unidos ou integração + BRICS? Estão em jogo os direitos econômicos e sociais da maioria do povo brasileiro, a começar dos inscritos na Constituição de 1988. E, claro, estão em jogo as liberdades democráticas, especialmente o direito de organização e mobilização da classe trabalhadora. Os ataques contra sedes sindicais são pequena parte do que se está armando.

Em terceiro lugar, não entregar os pontos. 

Embora a situação seja dificílima, ainda há espaço para reagir. E mesmo que ao final, apesar da nossa reação, sejamos derrotados, tanto o tipo de derrota quanto nossa capacidade de reorganização posterior depende da intensidade e da qualidade da resistência que opusermos agora. 

Por isto, não devemos nos dobrar ao clima de "cumprir tabela". Que em muitos casos aparece como ansiedade em discutir já o que fazer "depois". Mas aparece, principalmente, sob a tentativa de discutir uma saída negociada para abreviar a crise. Repetimos: qualquer solução negociada só resultaria, mais do que em nossa derrota, em nossa desmoralização.
   
Em quarto lugar, devemos fazer o que está a nosso alcance para alterar a correlação de forças. 

É preciso recuperar o apoio da maioria da classe trabalhadora. Hoje a maior parte da classe trabalhadora está neutralizada, em grande medida devido aos efeitos da política econômica, tendo crescido muito o setor que acredita no discurso da direita.

Para recuperar o apoio da maioria da classe trabalhadora, é preciso que o governo entre em campo, com outro discurso, com outra atitude e com outra política econômica. Se o governo não mudar, por mais esforço que façamos, não vamos equilibrar o jogo nas ruas. Pode ser que não haja mais tempo para mudar, pode ser que a mudança não gere efeitos na velocidade necessária. Mas é nossa obrigação fazer a coisa certa.

Por fim, é preciso abandonar o pensamento mágico e colocar no lugar a análise da luta de classes realmente existente.

É preciso lembrar: em dezembro de 2015 barramos o lado de lá. Mas nossa presidenta insistiu na política errada. O lado de lá retomou a ofensiva. E passaram a atacar diretamente o Lula. Aí decidiu-se mudar de tática, entre outros motivos por acreditar que Lula ministro ajudaria a romper a paralisia do governo, dificultaria as arbitrariedades de Moro e facilitaria na negociação de uma saída. E o que aconteceu?

Até agora o que temos é mais defensiva que antes, mais arbitrariedade que antes. Ademais, avançam as negociações entre os diferentes setores da direita para nos destruir. Pior: não rompemos até agora o círculo vicioso que marca este segundo mandato de Dilma. O círculo vicioso é o seguinte: o governo faz concessões para tentar evitar o golpe, as concessões fazem o governo perder apoio popular, fortalecendo o golpismo e assim sucessivamente.

Para romper este círculo vicioso, a Frente Brasil Popular, o PT e Lula foram construindo outra política, a saber: combinar a defesa da democracia com a mudança na política econômica.

Até agora, a ida de Lula para o governo não se traduziu numa mudança da política econômica. Aliás, não se traduziu em mudança da política em geral: vide a sanção da lei anti-terrorismo. 

Sem mudança na política econômica, as chances de obter apoio popular contra o golpe diminuem.

Tudo isto é de conhecimento geral. Mas apesar disto, decisões fundamentais continuam sendo tomadas com base num "modo mágico" de pensar. Se isto não mudar, corremos o risco não apenas da derrota, mas também da desmoralização.

Por isto é fundamental que as manifestações de hoje expressem, na disposição de luta e nas palavras de ordem, outro tipo de pensamento: o da velha e boa luta de classes.


Boa sorte e boa luta!!!!

quarta-feira, 16 de março de 2016

Eles podem nos derrotar. Mas não podem nos desmoralizar

A situação está se precipitando rapidamente.

A ida de Lula para o governo gerou uma reação brutal da direita.

Esta movimentação terá prosseguimento nos próximos dias.

Buscarão criminalizar Lula e impedir sua posse, na Justiça e nas ruas.

Buscarão impedir a presidenta Dilma e sabotar seu governo.

Buscarão destruir a esquerda e agredir fisicamente nossa militância.

A situação é extremamente difícil.

A direita está na ofensiva e conseguiu, articulando Moro, Mídia e Massa, ganhar amplos setores para sua interpretação acerca da presença de Lula no governo.

A direita não quer acordos, nem está preocupada com discursos acerca do Estado de direito.

Apesar de tudo, ainda há tempo e meios para reagir.

Há tempo para reagir, porque o lado de lá ainda está dividido sobre como fazer, sobre quem colocar no lugar e sobre como "cortas as asas" do justiceiro.

Há tempo para reagir, porque os setores democráticos e de esquerda percebem cada vez melhor o que está em jogo.

Há tempo para reagir, porque o governo tem meios para tomar medidas práticas.

Medidas contra os justiceiros, contra o gangsterismo político, contra os agentes do Estado que estão agindo fora-da-lei.

Medidas que melhorem imediatamente a situação dos setores populares.

Sem recuperar o apoio popular, o palácio se converterá numa arapuca.

Cabe ao governo cumprir o seu dever. A militância está cumprindo o seu.

Dia 18 de março as ruas estarão tomadas por cidadãos e cidadãs dispostas a deixar claro, para as direitas, que o golpismo não terá um segundo de paz.

Dia 18 de março as ruas estarão dispostas a enfrentar as agressões que setores da direita fazem contra as liberdades democráticas, contra os direitos humanos, contra nossas sedes, dirigentes e militância.

Dia 18 de março as ruas estarão ocupadas por gente que não tem medo da direita, nem medo de derrota. 

Afinal, faz parte da vida e da luta: sempre pode ocorrer dos inimigos conseguirem nos derrotar.

Mas eles não podem nos desmoralizar.

Isso, só nós seriamos capazes de fazer. Acontece que este gostinho, não daremos para ninguém.

Por isto, seguimos em frente, para lutar e vencer.

Até sexta!!!

Entrevista para a Rute Pina do Brasil de Fato

Qual sua avaliação sobre a ida do ex-presidente Lula ao governo como ministro da Casa Civil? O que Dilma sinaliza com essa alteração?

A oposição quer o impeachment da presidenta Dilma e quer impedir que Lula dispute as eleições de 2018. Para derrotar a oposição, precisamos de mobilização social e mudança na conduta do governo. A presença de Lula precisa contribuir neste sentido, especialmente na modificação da política econômica.  Por exemplo, arquivando a reforma da previdência, o "ajuste fiscal de longo prazo", os juros altos e a privatização de ativos estratégicos.

Há indícios também que umas das primeiras medidas de Lula seria uma volta de Henrique Meirelles ao Banco Central. O que isso representaria?

Os méritos dos oitos anos de governo Lula ocorreram geralmente apesar e geralmente contra Meirelles. Do que precisamos, agora, é implementar o programa econômico aprovado pelo Diretório Nacional do PT, no dia 26 de fevereiro.

A presidente Dilma já afirmou que não renuncia e um pedido de impeachment,  outro desejo da oposição, teria que passar por um processo no TSE ou pelo rito na Câmara, ambos processos longos. Como fica a governabilidade neste próximo período? E qual será o papel de Lula nestas articulações?

Tudo que aconteceu desde 2003 já provou que a governabilidade não pode depender apenas, nem principalmente, de apoio parlamentar e institucional. Precisamos de apoio popular e a mobilização social, que dependem em boa medida das medidas práticas que o governo adota para melhorar a vida das pessoas.
Por outro lado, a oposição de direita são várias: tem a que está nas ruas, tem a que está na mídia, tem a que está em Curitiba, tem a que está no Congresso, tem a que atua por dentro do governo. Para lidar com tudo isto, será preciso, como disse antes, mudar a conduta geral do governo e fazer muita mobilização social.
Mas não haverá soluções mágicas, até porque um setor da direita já foi longe demais e não vai ser fácil fazê-los recuar nos seus propósitos, nem nos seus métodos. Aliás, o que aconteceu nos dias 4 e 13 de março demonstra que há um setor da direita que está com pressa e gana, muita pressa e muita gana. Derrotar esta gente vai exigir mais do que capacidade de articulação.

Sobre a manifestação pró-impechment do dia 13 de março, embora os protestos tenham crescido, o jornal Folha de S. Paulo publicou um perfil socioeconômico da manifestação que indica que havia o mesmo extrato social que estava na Avenida Paulista no ano passado. Ao mesmo tempo, há um descontentamento generalizado com o Governo e sua política econômica, como a reforma da previdência e o ajuste fiscal, mas essa parcela da população não aderiu aos atos. Por quê e o que isso significa?

De fato, a manifestação de 13 de março foi uma espécie de grito dos incluídos. Mas isto não quer dizer que as periferias estejam contentes. Pelo contrário, há vários sinais de que a maioria da classe trabalhadora está descontente. E tem motivos para isto, entre os quais destaco o crescente desemprego. Também há vários sinais de que o discurso dos coxinhas penetrou nos setores populares. Nosso desafio é reverter isto, através de luta política e ideológica, de mobilização social e de mudanças práticas na conduta do governo.

Na sua visão, como os setores de esquerda podem se posicionar neste contexto político?

De imediato, jogando todas suas energias na manifestação de 18 de março. Precisamos não apenas de muita gente presente; precisamos também de muita combatividade. A oposição de direita precisa saber que eles não terão um minuto de paz, caso insistam em pisotear as liberdades democráticas, caso sigam adiante no golpismo.
Para além do dia 18 de março, é preciso trabalhar duro não apenas para deter, mas também para derrotar a oposição de direita. Por exemplo no parlamento, onde está em curso uma pauta extremamente regressiva. Por exemplo, também, nas eleições de 2018, quando precisamos conquistar um quinto mandato, em condições que nos permitam fazer reformas estruturais.
Claro, tudo isto dependerá de recuperar o apoio da classe trabalhadora e dos setores populares. No fundo, trata-se de fazer uma reorientação do programa, da estratégia e do modus operandi das esquerdas, especialmente do Partido dos Trabalhadores.

Quantas e quais das medidas do "Programa Nacional de Emergência", lançado mês passado pelo diretório nacional do PT, têm mais chances de serem levadas adiante pela presidente Dilma?

Todas. Há medidas para apoiar os setores mais golpeados pela crise. Há medidas que visam fazer os ricos pagarem impostos, para o Estado ter recursos para fazer as políticas sociais e de desenvolvimento. Há medidas que visam retomar o crescimento e o desenvolvimento, por exemplo usando parte das nossas reservas externas. Tudo pode ser levado adiante, desde já. Enfrentaremos, é claro, grande oposição. Mas sempre é melhor sofrer oposição por fazer a coisa certa.

segunda-feira, 14 de março de 2016

Nassif: as peças que faltam no seu xadrez

(não revisado)

Recomendo a leitura do texto de Luis Nassif, intitulado O xadrez da política no dia D.

O texto está reproduzido abaixo e disponível no endereço http://jornalggn.com.br/noticia/o-xadrez-da-politica-no-dia-d#comment-869131

Não recomendo por concordar com o que ele fala.

Pelo contrário.

Recomendo por discordar.

A começar pelo título. 

Fazer referência ao Dia D faria sentido, na minha opinião, apenas caso considerássemos "o jogo jogado"; caso em que o máximo que os derrotados podem tentar fazer é negociar os termos da rendição. 

Na minha opinião, os fatos não indicam isto.

Para antecipar meu ponto de vista: para nos derrotar, a direita precisou apelar às ruas. E ao fazer isto, diferente de 1964, introduziu no cenário dois elementos que conspiram contra uma saída "estável". 

Por um lado, o “efeito Moro” (uma saída populista de extrema direita), que começa a atropelar as lideranças tradicionais da direita.

Por outro lado, aceitar a mobilização das ruas como fiel da democracia, precedente perigosíssimo para a estabilidade da democracia eleitoral burguesa.

Em consequência disto, mesmo que tenham êxito imediato na operação golpista, é muito pouco provável que a crise se encerre aqui.  

Motivo pelo qual os setores de esquerda que estimulam um acordo para superar a crise,  cometem erro similar ao cometido pelos que apoiaram o parlamentarismo em 1961.

Quando Nassif diz que "qualquer solução de conflito mergulha o país em uma crise imprevisível", ele deduz daí que a única saída estável é um acordo.

Mas não percebe que o tamanho da crise torna instável qualquer acordo. Ou seja: fugir da "crise imprevisível" através de um acordo é tentar empurrar o problema mais para a frente. 

Nassif diz que "grosso modo, há dois grupos trabalhando em saídas mais articuladas para a crise": os "parlamentaristas" e os "lulistas".

Notem que, neste raciocínio, Nassif deixa de perguntar o seguinte: caso Lula virasse "primeiro-ministro de fato", ele teria maioria parlamentar? Ou seu poder "de fato" dependeria apenas da presidenta Dilma abrir mão do que, segundo Nassif, ela não tem mais?

Esta, digamos, omissão no raciocínio não é um detalhe. Na verdade, serve para tornar comparáveis duas situações totalmente diferentes. Uma seria um golpe parlamentarista; outra seria fortalecer o governo legítimo.

Sou totalmente contra a ida de Lula para o ministério. Mas considero um deserviço equiparar esta possibilidade com uma variante golpista conduzida por Serra et caterva.

Pode ser, é claro, que Nassif seja apenas vítima de um pecado tradicional em algumas de nossas penas: escolher certos termos apenas por soarem bonito e terem aparência de profundidade. 

Por exemplo, chamar de "jacobinos"o grupo do impeachment, com Aécio Neves na ponta. 

Sinceramente, Robespierre não merecia isto.

Mas sigamos adiante.

Para Nassif os "protagonistas" do jogo são "os Parlamentaristas, os Lulistas e o Alto Comando". 

Já os "Jacobinos" e a "mídia" são "agentes acessórios". 

Ele chega a dizer que a mídia é "fundamental para o sucesso da operação, mas vindo a reboque, sem papel na formulação estratégica".

Registre-se a ausência de qualquer reflexão sobre o papel jogado pelos partidos de esquerda e movimentos sociais, especialmente os articulados na Frente Brasil Popular. Na visão de mundo de Nassif, este tipo de protagonistas não merece menção destacada, sendo subsumidos no "lulismo".

Um dos pontos mais interessantes do texto de Nassif está em considerar "o grupo do Ministério Público Federal diretamente liderado pelo Procurador Geral Rodrigo Janot" como o "Alto Comando". 

Embora ache que ele subestime o papel de Moro, considero que está no rumo certo quanto ao papel jogado por Janot (e por grande parte do STF). E faz uma pergunta interessante: "Como foi possível, no entanto, cooptar quase toda a corporação?"

A resposta me parece simples. Há uma crise profunda no país. E a institucionalidade político-eleitoral não é capaz de solucionar a crise. Num resumo esquemático: a esquerda venceu eleições presidenciais, sem ter maioria congressual. A direita venceu eleições congressuais, mas não consegue vitória presidencial. Neste contexto, as forças sociais dominantes buscam mecanismos e caminhos extra-eleitorais para reestabelecer a "ordem natural das coisas". E o instrumento mais adequado para isto demonstrou ser o consórcio entre setores do MPF, da Justiça e da PF.

Não é preciso grande esforço para deduzir onde vai dar esta "judicialização da política". 

Ao não perceber as raízes estruturais do papel jogado pelo consórcio MP/J/PF, Nassif alimenta ilusões quanto a estabilidade de uma saída negociada. 

Pelo contrário, ele afirma que "qualquer decisão de força, sem consenso, tenderá ao fracasso". 

Os argumentos que ele usa para justificar isto beiram o "divertido".

Reproduzo: "qualquer decisão de força, sem consenso, tenderá ao fracasso. Sem um núcleo de poder, qualquer governo que assuma um país dividido ficará refém das forças que o elegeram. Será um ataque ao butim que inviabilizará qualquer tentativa de normalização econômica. Haverá agitação, repressão aos movimentos sociais, caça às bruxas".

Pensava eu que numa democracia os governos devem mesmo obediência às forças que o elegeram. Nassif acha que isto é ser "refém".

Também pensava que este nosso país viveu vários golpes, que envolveram "agitação, repressão aos movimentos sociais, caça às bruxas", muito "ataque ao butim", e não necessariamente isto impediu "qualquer tentativa de normalização econômica"

Talvez o raciocínio ganhasse mais credibilidade se fosse apresentado assim: do ponto de vista das classes dominantes, seria melhor propor ao PT e Lula um acordo, pois isto permitirá fazer o que deve ser feito sem que o lado de lá cause muita confusão. Claro que ao aceitar este acordo, Lula e o PT e a esquerda praticariam uma capitulação que seria mais danosa, politicamente falando, do que uma derrota. Claro, também, que isto não impediria (como em 1961) que mais adiante acontecesse uma inflexão à direita ainda pior. Quando a esquerda já não teria nenhuma condição de reagir, devido a capitulação anterior.

No fundo, é um acordo deste tipo que Nassif (e outros) defende. 

Ele embrulha o pacote assim: "um pacto entre os Parlamentaristas e os Lulistas é o único sinal visível de um polo racional na política. Com Lula à frente, poderiam ser viabilizados acordos, através de uma coordenação dele, como primeiro-ministro de fato, ou em uma transição com um primeiro-ministro negociado entre ambos as partes".

O detalhamento que ele faz acerca dos personagens da crise é uma tentativa, as vezes pueril, de mostrar como se pode tecer um acordo. Mas cada frase que ele escreve mostra que a solidez deste acordo depende de variáveis muito frágeis, frágeis demais frente a profundidade da crise. Basta dizer que depende dos mais probos entre os probos do PMDB...

Em resumo: o que Nassif defende é uma capitulação vergonhosa.

Uma capitulação totalmente contraproducente, inclusive do ponto de vista dos que sinceramente acreditam num acordo.

Contraproducente porque se o conflito for entre o "Alto Comando apostando tudo no confronto; de outro, forças moderadoras percebendo a possibilidade de uma guerra selvagem", o resultado intermediário a que se chegará não será um péssimo acordo, será uma terrível capitulação.

Até para os que desejam um acordo decente, o melhor seria polarizar o país entre o "Alto Comando" deles e a mobilização do campo popular. 

Acerca disto, sugiro ler o texto disponível no endereço: ler: http://valterpomar.blogspot.com.br/2016/03/leonardo-boff-e-jeferson-miola-outro.html

O resumo é: com luvas de pelica (e com "acordos") não derrotaremos, nem ao menos faremos recuar, a extrema-direita.





O xadrez da política no dia D
DOM, 13/03/2016 - 00:03
ATUALIZADO EM 13/03/2016 - 09:09
Luis Nassif

Vamos ao novo xadrez da crise.

Peça 1 – a crise ficou grande demais para Dilma

É a única certeza nesse oceano de imprevisibilidades que caracteriza a crise atual. Dilma não tem fôlego político nem para lançar planos mais audaciosos nem para recompor sua base política. Mantido o quadro atual, se não cair por impeachment, cai pela crise.

Peça 2 – qualquer solução de conflito mergulha o país em uma crise imprevisível.

Essa premissa é central para todo o raciocínio posterior. Não significa que, automaticamente, conduzirá as discussões para a racionalidade. Mas será um fator relevante a estimular algumas lideranças mais responsáveis na busca do entendimento.

Grosso modo, há dois grupos trabalhando em saídas mais articuladas para a crise.

No Senado, o grupo formado por Renan Calheiros, José Serra e Romero Jucá, articulando alguma forma de semiparlamentarismo que mantenha Dilma Rousseff na presidência, mas sem governar. Vamos trata-lo de os Parlamentaristas para facilitar a leitura.

Ao largo, o grupo que cerca Lula, insistindo para que assuma um cargo de coordenação no Palácio, mesmo sem ser formal, mas que o transforme em um primeiro-ministro de fato. Chamemos de Lulistas.

Correndo por fora, o grupo do impeachment, com Aécio Neves na ponta. Seriam os Jacobinos.

Finalmente, o grupo do Ministério Público Federal diretamente liderado pelo Procurador Geral Rodrigo Janot. Vamos batizar de Alto Comando, para fugir da confusão corriqueira, de considerar que o comando e a estratégia da Lava Jato estão em Curitiba.

São esses personagens que jogam o jogo atual, cujo ápice serão as manifestações deste domingo.

As formas de jogo político
Para acompanhar o jogo é preciso entender melhor sua natureza.

Não se trata de uma conspiração palaciana, com um comando organizando todas as ações.

Movimentos de opinião pública são operações muito mais fluidas, mais amplas, nas quais se escolhe o momento adequado – o mal-estar econômico – e, se deflagra um conjunto de ações visando estimular as reações populares. A denúncia da corrupção é o mote mais eficaz.

Aberta a porteira, provoca-se o estouro da boiada e abre-se a caixa de Pandora. Há uma sucessão de eventos, alguns aleatórios, outros planejados. A arte da conspiração consiste em controlar os bois guias, os que vão na frente da boiada conduzindo-a. Mas o final sempre é imprevisível, daí a preocupação de Fernando Henrique Cardoso e de quadros do PSDB, recuando na radicalização.

O estouro da boiada foi possível com a parceria montada pelo Alto Comando com a mídia, a entrada dos novos grupos que se apossaram das manifestações (Movimento Brasil Livre, Revoltados Online, provavelmente bancados de fora), e um investigação capaz de gerar fatos jornalísticos diários.

Hoje em dia, quem controla os bois guias é o Alto Comando, através da usina de geração de fatos da Lava Jato, sincronizando com os movimentos da oposição.

Os protagonistas a serem acompanhados são, portanto, os Parlamentaristas, os Lulistas e o Alto Comando. Os Jacobinos de Aécio e a mídia são agentes acessórios – no caso da mídia, fundamental para o sucesso da operação, mas vindo a reboque, sem papel na formulação estratégica,

A dificuldade de definição de estratégias se deve à extrema habilidade de um jogador essencial, o Alto Comando, que conseguiu jogar xadrez escondendo o rei. É uma velha gíria do xadrez: como a vitória consiste no xeque-mate ao rei, se você esconde o seu no tabuleiro, não tem como levar xeque.

Quando os demais personagens entenderem adequadamente o papel do Alto Comando, os erros de estratégia serão minimizados.

Como se organiza o jogo
Se consumado o impeachment de Dilma Rousseff, será um case mundial, provavelmente a mais bem-sucedida estratégia de golpe político das últimas décadas.

Não é o caso de voltar ao tema da geopolítica norte-americana na quadra atual. Maiores dados vocês poderão ler aqui (http://migre.me/tdbtp). A estratégia de desmonte dos grandes grupos nacionais que poderiam se habilitar a algum protagonismo externo pode ser lida aqui (http://migre.me/tdbAZ).

Há duas vertentes para dobrar a espinha do país.

A primeira, que dá o start, é a política de depreciação continuada de tudo que possa despertar o orgulho nacional. Esse trabalho ficou nítido na Copa do Mundo, um exercício tão funesto de derrubar a autoestima que conseguiu espantar das ruas até o orgulho de vestir camisa da Seleção. E isso antes do 7 x 1 e pouco tempo depois do país ter atingido o momento mais alto do seu orgulho, respeitado mundialmente pelos avanços sociais registrados e pela forma como superou a crise de 2008.

A segunda vertente foi o papel do Alto Comando como estrategista central da Lava Jato.

Do lado jurídico, a maneira como a Lava Jato foi montada foi bem explicada pelo advogado Juarez Cirino dos Santos no site Jota (http://migre.me/td3XB).

4. Além de constrangimentos e humilhações aos adversários políticos, a Operação Lava Jato apresenta inúmeras vantagens (...):

- primeiro, os procedimentos investigatórios e os processos criminais são seletivos e sigilosos: seletivos, porque dirigidos contra líderes do PT ou pessoas/empresas relacionadas ao Governo do PT – por motivos ideológicos ou não; sigilosos, porque não permitem conhecer a natureza real ou hipotética dos fatos imputados, fazendo prevalecer a versão oficial desses fatos, verdadeiros ou não;

- segundo, os nomes dos investigados são revelados ao público externo, como autores ou partícipes (por ação ou omissão) das hipóteses criminais imputadas, mediante programados vazamentos de informações (sigilosas) aos meios de comunicação de massa, com efeitos sociais e eleitorais devastadores sobre os adversários políticos dos grupos conservadores;

- terceiro, o espetáculo de buscas e apreensões violentas e de condução coercitiva ilegal de investigados (o ex-Presidente Lula, por exemplo), ou as ilegais quebras de sigilo (telefônico, bancário e fiscal) seguidas de espalhafatosas prisões preventivas (Zé Dirceu ou João Vaccari Neto, por exemplo), geram convenientes presunções de veracidade e de legitimidade da ação repressiva oficial perante a opinião pública.

5. Nesse contexto, a contribuição objetiva da Operação Lava Jato– voluntária ou não, mas essencial para os fins político-eleitorais das classes hegemônicas organizadas no PSDB, no PPS, no DEM e outras siglas – ocorre na forma de contínua violação do devido processo legal, com o espetacular cancelamento dos princípios do contraditório, da ampla defesa, da proteção contra a autoincriminação, da presunção de inocência e outras conquistas históricas da civilização – apesar da reconhecida competência técnico-jurídica de seus protagonistas. A justiça criminal no âmbito da Operação Lava Jato produz a sensação perturbadora de que o processo penal brasileiro não é o que diz a lei processual, nem o que afirmam os Tribunais, menos ainda o que ensina a teoria jurídica, mas apenas e somente o que os dignos Procuradores da República e o ilustre Juiz Sérgio Moro imaginam que deve ser o processo penal. A insegurança jurídica e a falta de transparência dominante na justiça criminal da Operação Lava Jato levou o Ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, a reproduzir antigo conceito de Rui Barbosa: “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário”.

6. Então, entra em ação o grande parceiro da Operação Lava Jato: os meios de comunicação de massa (TV, jornais e rádios),  com informações baseadas nas evidências processuais ou no material probatório obtido nas condições referidas, produzem um espetáculo midiático para consumo popular – e comícios diários de imagens virtuais audiovisuais, impressas e sonoras tomam conta do País, com efeitos psicossociais coletivos avassaladores. As versões, interpretações e hipóteses da justiça criminal da Operação Lava Jato, difundidas pela ação repressiva da Polícia Federal, pelas manifestações acusatórias dos Procuradores da República e pelas decisões punitivas do Juiz Sérgio Moro, produzem efeitos de lavagem cerebral e de condicionamento progressivo da opinião pública, submetida ao processo de inculcação diuturna de um discurso jurídico populista, com evidente significado político-partidário, mas apresentado sob aparência ilusória de uma impossível neutralidade política.

Quando os procuradores paulistas tentaram atropelar a agenda, coube ao Procurador Geral da República Rodrigo Janot articular pessoalmente a estratégia da Lava Jato em relação às trapalhadas cometidas (http://migre.me/tdeQT). E a toda imprensa vocalizar as críticas contra quem poderia comprometer o script inicial, cuidadosamente planejado para chegar a bom termo respeitando as aparências jurídicas.

Do lado político, o Alto Comando opera a partir de Brasília visando criar toda a blindagem jurídica necessária, não apenas junto ao STF, como ao próprio governo e nas redes sociais.

No Twitter, por exemplo, os principais lugares-tenentes de Janot, através de seus perfis pessoais, conduzem uma ampla campanha de esclarecimento e de defesa da Lava Jato. Antes da constatação de que foi um desastre, até as trapalhadas dos procuradores paulistas mereceram esboços de defesa, por parte dos procuradores de Janot.

No STF e no TSE Janot não convalidou nenhuma tentativa de golpe branco.  Consolidou a imagem de legalista junto ao STF e à presidente da República e, com isso, o espaço político para bancar a estratégia central, a Lava Jato. Nenhuma outra iniciativa roubou-lhe o protagonismo. Escondeu o rei e iludiu a rainha quanto aos propósitos republicanos da Lava Jato.

A Lava Jato foi apenas o aríete, atrás do qual montou-se um trabalho sistemático de destruição de todos os símbolos de país.

Nas ruas, movimentos conduzidos pelo MBL e outros vocalizando críticas às políticas sociais.

Na Lava Jato, um trabalho sistemático de destruição das maiores empresas nacionais, não apenas com inquéritos, mas com escracho. Recorreram ao escracho, ao boicote a qualquer acordo de leniência, à perseguição diuturna, com operações seguidas de invasão de sede, exposição de mensagens – até pessoais. A ideia não é punir: é destruir.

O ápice tem sido a tentativa de destruição do símbolo Lula. Qualquer compêndio futuro sobre a infâmia na vida nacional contemplará o que foi feito, até acusações de furto de obras no Palácio.

O Ministério Público Federal é composto por procuradores preparados. Não será necessário muito tempo para que, caindo a ficha do que fizeram, venham à tona os bastidores da operação.

Como foi possível, no entanto, cooptar quase toda a corporação?

A campanha antinacional da Copa e, principalmente, a revelação da enorme rede de corrupção da Petrobras, facilitaram a venda da ideia da destruição da velha ordem, por uma nova ordem, liderada pelo trabalho redentor do Ministério Público.

A velha ordem passou a se resumir a empreiteiras corruptas, cooptando o sistema político e judiciário, e um governo populista que cooptou a população com políticas sociais paternalistas. E não a lenta reconstrução democrática, os avanços civilizatórios (dos quais o próprio MPF foi agente importante), os avanços tecnológicos nas áreas do pré-sal e da defesa, o feito histórico de tirar milhões de pessoas da miséria e reduzir graus históricos de desigualdade. A corrupção foi o álibi para apagar a história recente do país, até a luta pela redemocratização.

Principalmente pesou a visão redentorista de um novo poder se sobrepondo aos demais e salvando o país.

Para avaliar os resultados do jogo, é fundamental esse entendimento sobre a posição do Alto Comando.

As próximas jogadas
Sabendo-se disso, fica mais claro o jogo, embora ainda seja difícil antecipar o resultado final.

Há duas saídas negociadas possíveis, nenhuma tendo Dilma como protagonista.

Saída 1 – O semiparlamentarismo com o PMDB, que tem várias nuances. No regime parlamentarista, cabe ao presidente indicar o primeiro ministro e o gabinete. E ao Congresso aceitar ou rejeitar. Pode-se tentar um parlamentarismo goela abaixo, mas seria regimentalmente complicado.

Saída 2 – semiparlamentarismo com Lula assumindo o papel de coordenador de governo, um primeiro-ministro de fato.

Impasse – qualquer decisão de força, sem consenso, tenderá ao fracasso. Sem um núcleo de poder, qualquer governo que assuma um país dividido ficará refém das forças que o elegeram. Será um ataque ao butim que inviabilizará qualquer tentativa de normalização econômica. Haverá agitação, repressão aos movimentos sociais, caça às bruxas.

Independentemente de pecadilhos ou grandes pecados, um pacto entre os Parlamentaristas e os Lulistas é o único sinal visível de um polo racional na política.

Com Lula à frente, poderiam ser viabilizados acordos, através de uma coordenação dele, como primeiro-ministro de fato, ou em uma transição com um primeiro-ministro negociado entre ambos as partes.

Aí entram as jogadas do xadrez.

Antevendo essa possibilidade, o Alto Comando deflagrou novas operações simultâneas: a ofensiva total contra Lula, o alarido em torno dos presentes recebidos por Lula no exercício do poder; mais uma denúncia contra Renan Calheiros; mais detalhes da delação do senador Delcídio do Amaral, cujo conteúdo era conhecido apenas do Alto Comando e do STF (Supremo Tribunal Federal).

Tem-se, então, duas forças conflitantes. De um lado o Alto Comando apostando tudo no confronto; de outro, forças moderadoras percebendo a possibilidade de uma guerra selvagem, se não se chegar a um entendimento.

A tentativa de acordo passa por ambientes confusos, mas depende fundamentalmente de Renan Calheiros e Lula.

Fator 1 – o STF e o fator Renan.

Os Ministros tendem a privilegiar a responsabilidade institucional. E na vitrine do Supremo, Janot tende a ter bom senso.

Nessa hipótese, Renan poderia ser poupado de atropelos imediatos, em nome da estabilidade política. Aparentemente o foro privilegiado o blindaria contra novas surpresas da Lava Jato. Mas não se descartam vazamentos de delações visando comprometer sua atuação.

Além da nova investida de Janot contra Renan, na próxima 4a feira a oposição tentará pressionar o Ministro Luís Roberto Barroso a rever seu voto em relação ao ritual do impeachment.

Desde que sua esposa foi alvo de ataques baixos, Barroso inibiu-se. As loucuras dos três procuradores paulistas estão diretamente ligadas ao seu recuo na questão da Terceira Instância. Como explicou o promotor Ricardo Blat, o pedido de prisão de Lula visou criar uma "inovação jurisprudencial" depois que os garantistas do Supremo abriram a guarda com a eliminação da terceira instância.

Espera-se que Barroso e demais garantistas se sintam mais fortalecidos. Mas ainda são uma incógnita.

Barroso terá um papel essencial. Se flexibiliza o impeachment, consolida a parceria PSDB-PMDB para derrubar a Dilma, pois nesse caso Michel Temer seria poupado. Se resiste, obriga a um pacto mais amplo e à busca de entendimento.

Fator 2 – O fator PSDB-PMDB.

O acordo semiparlamentarista prejudica Aécio e Alckmin para 2018

No momento, os Parlamentaristas confiam no indiciamento de Aécio Neves para avançar nas tratativas.

Obviamente não levaram em conta o Alto Comando. Se o nome de Aécio não aparecer nas delações de executivos da Andrade Gutierrez, aliás, consolidará a opinião geral sobre a proteção recebida. Mas há a possibilidade de que a abundância de indícios obrigue Janot a mudar de posição.

Alckmin se aproximou de Sérgio Moro através de seu candidato João Doria Jr. Essa aproximação pode ser debitada na conta dos eventos aleatórios, fora do script original. A própria truculência do Secretário de Segurança de São Paulo, Alexandre Moraes, colocando a PM para reprimir uma assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos, é significativa dessa reação a qualquer acordo.

Fator 3 - O fator Lula

Depois de sua fase classe média ascendente – aceitando favores descabidos de empreiteiras – Lula vacila entre encarar a luta ou entrar para a história, como um novo Mandela, preso pela direita. Ótimo! Salva sua biografia à custa do comprometimento de todas as bandeiras que representa.

Se Lula não assumir um protagonismo total no governo Dilma, sua queda será questão de semanas.

Fator 4 - O Alto Comando.

O Alto Comando é integrado por procuradores probos, bem intencionados e iludidos pela visão redentorista. Nâo se descarte a possibilidade de um chamamento ao mundo real, quando avaliarem friamente os desdobramentos da crise atual.

Por enquanto, o cenário mais provável será o do pacto PMDB-PSDB visando apoiar ao impeachment.

Caso fracassarem as saídas políticas, a primeira fase do golpe de1964 será café pequeno. Juízes e procuradores serão liberados para acabar com a raça de tudo que cheire a esquerda.

O país será envolvido em uma guerra fratricida, com um novo governo previamente enfraquecido pela falta de consenso e exposto a ataques ao butim de todos os “vencedores”, de grupos jornalísticos a líderes empresariais e a impolutos de ordem geral que ajudaram a consumar o golpe.

Neste domingo, joga-se o último lance da guerra do impeachment. Se o governo resistir por mais algum tempo e Lula entrar na linha de frente, é possível alguma esperança de normalização democrática.

Leonardo Boff e Jeferson Miola: outro ponto de vista

(versão não revisada)

1. Desde ontem e durante o dia de hoje, os setores democráticos e de esquerda estão fazendo um balanço criterioso das manifestações organizadas pela direita no dia 13 de março.

2. A primeira impressão é: as manifestações foram mais fortes do que as de 2015, especialmente em São Paulo. Mas há três senões.

3. Primeiro: continuam sendo manifestações da chamada elite branca. Não houve engajamento (quantitativa ou qualitativamente expressivo) do povão, que não está nada satisfeito com a situação, mas tampouco está envolvido na mobilização.

4. Segundo: continuam sendo manifestações contra. A expulsão de líderes tucanos (como Alckmin e Aécio, chamados de oportunistas e postos para correr da Avenida Paulista) é um sinal de que não existe consenso sobre a alternativa pós-impeachment.

5. Terceiro: depois de um ano, depois de intensa convocatória na mídia, depois de tudo o que ocorreu nas últimas semanas, havia a expectativa de que as manifestações fossem maiores. Mas não foram tão maiores assim. A verdade é que, sem o povão, parece que a direita atingiu o seu limite de convocatória.

6. Importante: não se deduz daí que a ofensiva deles vai se esgotar.

(Lembrai-vos do Chile de 1973: a derrota eleitoral da direita gerou a insurreição da burguesia, depois desta o ensaio de golpe e depois o golpe).

Noutras palavras: eles vão acelerar o passo, antes que haja refluxo; e vão ter que acertar o jogo nas cúpulas, antes que o “efeito Moro” se converta numa alternativa que atropele (inclusive conduza à prisão) lideranças tradicionais da direita.

(A intolerância, o racismo, os apelos aos militares e o fascismo – com direito a saudações nazis— durante as manifestações deixam claro o potencial de uma saída populista de extrema direita. Aliás, uma das "curiosidades" do atual momento é esta: a direita apelou às ruas e parte de seus porta-vozes querem fazer acreditar que, num país de 200 milhões, 3 milhões se manifestando são "a maioria". Mas aceitar este critério -- a mobilização das ruas como fiel da democracia-- é um precedente perigosíssimo para a estabilidade da democracia eleitoral burguesa.)

7.Ainda existe espaço para uma reação dos setores democráticos e de esquerda. Mas é um espaço muito estreito: depende muito das divergências entre as diferentes frações conservadoras, acerca do que fazer no day after. E continua dependendo, de nosso lado, da capacidade de mobilização e de uma reação do governo.

8. A batalha do impeachment não está perdida, portanto. Mas estamos num momento que pode ser o final e precisamos de fatos novos para virar o jogo. No fundo me parece ser esta a percepção de companheiros como Jeferson Miola e Leonardo Boff, a partir da qual defendem que Lula vá para o ministério de Dilma (ver textos abaixo). Um grande fato novo, portanto, seria Lula assumir o comando do governo Dilma.

9. O texto de Miola é explícito: segundo ele, ao assumir um ministério (qualquer um!!!) Lula se converteria em presidente de fato; ademais, não seria propriamente um governante, mas um tribuno popular que se moveria pelo país. Ou seja, na interpretação de Miola, Lula ministro reuniria os atributos do Lula presidente de honra do PT com os atributos do Lula presidente da República. No papel, muito sedutor. Na vida real, muito improvável que isto seja possível desta forma, por diversos motivos que já busquei demonstrar noutro texto, que pode ser lido no endereço a seguir:

http://www.valterpomar.blogspot.com.br/2016/03/lula-alternativas-dificeis.html

10. Sigo pensando o que já escrevi no texto citado: existe um único cenário em que Lula ministro poderia ser uma boa alternativa. Este cenário é o de uma mudança na política econômica, com Dilma aplicando o que decidiu o Diretório Nacional do PT. 

(Não apenas mudança na política econômica, como sabe quem assistiu à generosa cobertura que a EBC dedicou ao 14 de março.)

Mas se a presidenta Dilma se dispuser a mudar de política, então deixarão de existir boa parte dos motivos citados por Miola para justificar a conversão de Lula em ministro. Num cenário de mudança de política, seria muito mais vantajoso termos duas frentes (governo e mobilização social) atuando e atacando em paralelo. E, por outro lado, se Dilma não se dispuser a mudar de política, colocar Lula no governo enfraqueceria terrivelmente, do ponto de vista político, nossa capacidade de mobilização.

11. Leonardo Boff apela para outros argumentos. Reproduzo aqui o que ele diz: O interesse da nação está acima de sua trajetória política pessoal. Com você na condução da negociação política, estaremos seguros de que aí estará alguém que, com autoridade e força de convencimento, ajudará a conduzir a uma solução política e social que salve a nossa frágil democracia e garanta a continuidade das medidas sociais humanizadoras. Além do mais, evitará, o que realmente temo, sangue derramado nas ruas entre grupos que se enfrentam. Isso seria mais um argumento dos seus opositores para medidas drásticas que implicariam o afastamento da Presidenta Dilma. E o que é pior, veríamos ameaçada a paz social que tanto almejamos.

12. Na minha opinião, o companheiro Leonardo Boff não percebeu (ou não considera adequadamente) que o impeachment de Dilma não é o único ponto na plataforma dos conservadores. Outro ponto é a destruição de Lula (via desmoralização, impedimento de concorrer às eleições, condenação e inclusive prisão) e do conjunto da esqurda, a começar pelo Partido dos Trabalhadores. Trata-se exatamente de destruir a “autoridade e força de convencimento de Lula”, dinamitar sua “trajetória política pessoal”. Sendo assim, os setores democráticos e de esquerda precisam perceber que o papel que Lula pode jogar neste momento não é o de negociar uma paz honrosa com o outro lado, pelo simples fato de que o outro lado não está disposto a isto. Eles não querem paz honrosa. Eles querem nossa destruição com requintes de desonra. (E os acenos aparentemente de "acordo", inclusive na versão "semi-parlamentarista", não contradizem isto.) Sendo assim, eles mesmos deixam a Lula uma única alternativa efetiva: a de ajudar a mobilizar e dirigir o nosso lado para deter a ofensiva conservadora. Capacidade que estaria politicamente limitada, caso ele virasse ministro, especialmente neste momento, pelos motivos já citados.

13. A batalha contra o impeachment não é o único nem o último lance da guerra.

(Na atual conjuntura há mais elementos de 1954 e 1961 do que de 1964. Neste sentido, sugiro ler: http://valterpomar.blogspot.com.br/2016/03/nassif-as-pecas-que-faltam-no-seu-xadrez.html)

Assim, no xadrez que estamos jogando, é fundamental que as manifestações de 18 de março sejam poderosas, não apenas no número, mas principalmente nos recados. Um dos recados deve ser: Lula, o PT, a CUT, o MST, a UNE, a Ubes, o PCdoB, todas as organizações que integram a Frente Brasil Popular não se intimidam e vão continuar dirigindo a mobilização popular. A direção nacional do PT precisa deixar claro que está realmente disposta a isto, inclusive no tocante a exigir mudança na política econômica. 

E um segundo recado deve ser: aconteça o que acontecer, não importa a forma que assuma o golpismo, não haverá nenhum segundo de paz para os golpistas.


Razões para Lula assumir o governo
Jeferson Miola
A radicalização política atingiu níveis explosivos, e se situa no plano da histeria e do confronto irracional. Ela coincide e é retroalimentada por uma brutal crise econômica.
Neste ambiente de radicalização política combinada com crise econômica, se afiguram inequívocas as incapacidades e os limites do governo Dilma em oferecer as respostas exigidas pelas circunstâncias.
Todos os atores diretamente implicados no xadrez político trabalham com distintos cenários para a superação da crise. Todavia, em todos os cenários projetados, a Presidente Dilma figura marginalmente na equação, e não centralmente.
Este não é um tempo de normalidade. É um tempo singular, especial, que condensa os acontecimentos complexos originados na guerra contra os avanços democrático-populares aberta ainda na segunda metade do primeiro mandato da Presidente Dilma [as tais jornadas de 2013 se situam ali], quando os efeitos da crise capitalista mundial agudizaram o conflito distributivo no Brasil e decretaram o fim do modelo “ganha-ganha” e de conciliação de classes, em que os ricos ficam mais ricos e os pobres menos pobres.
Esta guerra ganhou contornos beligerantes a partir de 26 de outubro de 2014, com a recusa intransigente dos derrotados na eleição presidencial aceitarem o resultado das urnas. Para conservar seus privilégios e poderes, a classe dominante se insurge com extraordinária violência e vilania.
O reacionarismo – espectro ideológico liderado pelo PSDB e integrado por políticos e partidos conservadores, ONGs e movimentos suspeitos financiados pelo grande capital, mídia oposicionista, setores do Judiciário, da Polícia Federal e Ministério Público – desfechou uma campanha sistemática e inteligentemente coordenada de ataque ao Estado de Direito, de regressão jurídica e democrática e de desestabilização política e econômica do país.
Este momento de histeria e reacionarismo febril da classe dominante só encontra equivalência histórica nos momentos mais turbulentos da vida nacional: no período de 1950/1954, que culminou no suicídio do Presidente Vargas; e no período de 1960 a 1964, que abrange a campanha pela Legalidade liderada pelo Brizola em 1961 e que culmina no golpe civil-militar que depôs Jango em 1964.
É obrigatório reconhecer que a oposição conseguiu gerar os impasses atuais devido, em boa dose, a equívocos primários do governo. Por isso o governo – e, é importante admitir-se, a pessoa da Presidente – infelizmente é percebida mais como parte da crise do que solução.
A conjuntura adquiriu velocidade supersônica a partir da arbitrariedade da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Lula, no dia 4 de março. Com as manifestações deste 13 de março, o golpismo deverá subir de patamar.
A classe dominante não conseguiu desferir o golpe derradeiro em razão de pelo menos dois fatores: [i] a imponderabilidade em relação aos traumas, conflitos e violência que a quebra da ordem democrática poderá desatar; e [ii] porque ainda não encontrou uma alternativa, no seu seio, que ofereça confiabilidade do trânsito para o novo regime político e [principalmente] econômico que enterre o ciclo lulo-petista iniciado em 2003.
Como dito antes, este não é um tempo de normalidade, é um tempo singular, especial; de guerra da direita para destruir uma perspectiva democrático-popular de país. E tampouco é um tempo de previsibilidade; as coisas podem acontecer sem obediência à lógica mais elementar.
Esta é uma conjuntura que admite medidas por assim dizer “atípicas”, como, por exemplo, a nomeação de Lula para o ministério do governo Dilma. Em “tempos normais”, dificilmente se cogitaria uma hipótese dessas.
A história é feita dos personagens e suas circunstâncias. Nesta circunstância histórica, Dilma faria um gesto de enorme transcendência consignando a Lula a condução do governo.
A alegação oposicionista de que o ministério seria um refúgio judicial para o ex-presidente porque o cargo tem foro privilegiado, é uma leviandade que desaparece do noticiário no primeiro dia de trabalho dele percorrendo o país. A direita tenta impugnar a ida dele para o governo porque quer esterilizá-lo, e assim afastá-lo da arena fervilhante da luta de classes.
A questão fundamental, portanto, é outra; é saber se esta é, de fato, a única possibilidade para reverter o quadro dramático e; além disso, saber se na presente conjuntura existe alternativa capaz de mudar o desenrolar dos acontecimentos.
Neste momento, o campo democrático-popular está desafiado a resistir e a reverter a tendência de derrota – que, se consumada, representará uma derrota cultural de longo prazo não somente do PT, mas do conjunto da esquerda brasileira e latino-americana.
Lula poderia assumir qualquer posto ministerial, porque sua simples presença no governo interromperia a ofensiva inercial da direita e inauguraria uma nova etapa política e uma nova condução econômica, nas bases propostas pelo Diretório Nacional do PT.
Com sua autoridade moral e força política, Lula poderá ser um fator novo, capaz de deter o golpismo e recompor a capacidade de iniciativa do campo democrático-popular. Se ainda tiver tempo para isso.
Se existirem outras possibilidades, mais eficazes, que sejam empreendidas, e com urgência.

Leonardo Boff e Márcia Miranda
13 de Março de 2016
Caro amigo-irmão Lula
Escrevo-lhe sob a premência da situação política atual e a pedido de muitos amigos comuns. Direi poucas palavras.
Há o risco de que as conquistas sociais conseguidas para os mais vulneráveis de nosso país, graças a suas políticas de inclusão social produtiva, sejam anuladas e se percam. O projeto da macroeconomia global sob a pressão dos grupos neoliberais nacionais e internacionais, pode levar ao poder aqueles para os quais as grandes maiorias são peso morto da história e para às quais há apenas políticas pobres para os pobres. Esse projeto social do PT,  de seus aliados e também da Igreja da libertação que encontra apoio no amor aos pobres  do Papa Francisco, tem que ser salvo como ponto de honra, como imperativo ético e como  sentido da mais alta humanidade.
Por isso, sou da opinião de que vc, meu querido amigo-irmão Lula, deve assumir um cargo de ministro da República. O interesse da nação está acima de sua trajetória política pessoal. Com você na condução da negociação política, estaremos seguros de que aí estará alguém que, com autoridade e força de convencimento, ajudará a conduzir a uma solução política e social que salve a nossa frágil democracia e garanta a continuidade das medidas sociais humanizadoras.
Além do mais, evitará, o que realmente temo, sangue derramado nas ruas entre grupos que se enfrentam. Isso seria mais um argumento dos seus opositores para medidas drásticas que implicariam o afastamento da Presidenta Dilma. E o que é pior, veríamos ameaçada a paz social que tanto almejamos.
Se por desgraça nada der certo, vc cairia como cai uma árvore imensa, com dignidade e nobreza.
Com uma súplica Àquele que conhece todos os destinos dos povos e do nosso, renovo meu pedido enquanto lhe envio meus melhores votos a vc, à Marisa e a toda a sua família, de minha parte e da parte de Márcia que muito o admiramos e amamos.