(versão não revisada)
1. Desde ontem e durante o dia de
hoje, os setores democráticos e de esquerda estão fazendo um balanço criterioso
das manifestações organizadas pela direita no dia 13 de março.
2. A primeira impressão é: as
manifestações foram mais fortes do que as de 2015, especialmente em São Paulo.
Mas há três senões.
3. Primeiro: continuam sendo manifestações da
chamada elite branca. Não houve engajamento (quantitativa ou qualitativamente expressivo) do povão, que não está nada
satisfeito com a situação, mas tampouco está envolvido na mobilização.
4. Segundo: continuam sendo manifestações
contra. A expulsão de líderes tucanos (como Alckmin e Aécio, chamados
de oportunistas e postos para correr da Avenida Paulista) é um sinal de que não
existe consenso sobre a alternativa pós-impeachment.
5. Terceiro: depois de um ano, depois
de intensa convocatória na mídia, depois de tudo o que ocorreu nas últimas
semanas, havia a expectativa de que as manifestações fossem maiores. Mas
não foram tão maiores assim. A verdade é que, sem o povão, parece que a direita
atingiu o seu limite de convocatória.
6. Importante: não se deduz daí que a
ofensiva deles vai se esgotar.
(Lembrai-vos do Chile de 1973: a
derrota eleitoral da direita gerou a insurreição da burguesia, depois desta o
ensaio de golpe e depois o golpe).
Noutras palavras: eles vão acelerar o
passo, antes que haja refluxo; e vão ter que acertar o jogo nas cúpulas, antes
que o “efeito Moro” se converta numa alternativa que atropele (inclusive conduza à prisão) lideranças
tradicionais da direita.
(A intolerância, o racismo, os apelos
aos militares e o fascismo – com direito a saudações nazis— durante as
manifestações deixam claro o potencial de uma saída populista de extrema direita. Aliás, uma das "curiosidades" do atual momento é esta: a direita apelou às ruas e parte de seus porta-vozes querem fazer acreditar que, num país de 200 milhões, 3 milhões se manifestando são "a maioria". Mas aceitar este critério -- a mobilização das ruas como fiel da democracia-- é um precedente perigosíssimo para a estabilidade da democracia eleitoral burguesa.)
7.Ainda existe espaço para uma reação
dos setores democráticos e de esquerda. Mas é um espaço muito estreito: depende
muito das divergências entre as diferentes frações conservadoras, acerca do que
fazer no day after. E continua dependendo, de nosso lado, da capacidade de
mobilização e de uma reação do governo.
8. A batalha do impeachment não está
perdida, portanto. Mas estamos num momento que pode ser o final e precisamos de
fatos novos para virar o jogo. No fundo me parece ser esta a percepção de companheiros
como Jeferson Miola e Leonardo Boff, a partir da qual defendem que Lula vá para
o ministério de Dilma (ver textos abaixo). Um grande fato novo, portanto, seria
Lula assumir o comando do governo Dilma.
9. O texto de Miola é explícito: segundo
ele, ao assumir um ministério (qualquer um!!!) Lula se converteria em
presidente de fato; ademais, não seria propriamente um governante, mas um tribuno
popular que se moveria pelo país. Ou seja, na interpretação de Miola, Lula
ministro reuniria os atributos do Lula presidente de honra do PT com os
atributos do Lula presidente da República. No papel, muito sedutor. Na vida
real, muito improvável que isto seja possível desta forma, por diversos motivos
que já busquei demonstrar noutro texto, que pode ser lido no endereço a seguir:
http://www.valterpomar.blogspot.com.br/2016/03/lula-alternativas-dificeis.html
10. Sigo pensando o que já escrevi no
texto citado: existe um único cenário em que Lula ministro poderia ser uma boa
alternativa. Este cenário é o de uma mudança na política econômica, com Dilma
aplicando o que decidiu o Diretório Nacional do PT.
(Não apenas mudança na política econômica, como sabe quem assistiu à generosa cobertura que a EBC dedicou ao 14 de março.)
Mas se a presidenta Dilma
se dispuser a mudar de política, então deixarão de existir boa parte dos
motivos citados por Miola para justificar a conversão de Lula em ministro. Num
cenário de mudança de política, seria muito mais vantajoso termos duas frentes
(governo e mobilização social) atuando e atacando em paralelo. E, por outro
lado, se Dilma não se dispuser a mudar de política, colocar Lula no governo enfraqueceria
terrivelmente, do ponto de vista político, nossa capacidade de mobilização.
11. Leonardo Boff apela para outros argumentos. Reproduzo aqui o que ele
diz: O
interesse da nação está acima de sua trajetória política pessoal. Com você na
condução da negociação política, estaremos seguros de que aí estará alguém que,
com autoridade e força de convencimento, ajudará a conduzir a uma solução
política e social que salve a nossa frágil democracia e garanta a continuidade
das medidas sociais humanizadoras. Além do mais, evitará, o que realmente temo,
sangue derramado nas ruas entre grupos que se enfrentam. Isso seria mais um
argumento dos seus opositores para medidas drásticas que implicariam o
afastamento da Presidenta Dilma. E o que é pior, veríamos ameaçada a paz social
que tanto almejamos.
12. Na minha opinião, o companheiro
Leonardo Boff não percebeu (ou não considera adequadamente) que o impeachment
de Dilma não é o único ponto na plataforma dos conservadores. Outro ponto é a
destruição de Lula (via desmoralização, impedimento de concorrer às eleições,
condenação e inclusive prisão) e do conjunto da esqurda, a começar pelo Partido dos Trabalhadores. Trata-se exatamente de destruir a “autoridade e
força de convencimento de Lula”, dinamitar sua “trajetória política pessoal”. Sendo
assim, os setores democráticos e de esquerda precisam perceber que o papel que
Lula pode jogar neste momento não é o de negociar uma paz honrosa com o outro
lado, pelo simples fato de que o outro lado não está disposto a isto. Eles não
querem paz honrosa. Eles querem nossa destruição com requintes de desonra. (E os acenos aparentemente de "acordo", inclusive na versão "semi-parlamentarista", não contradizem isto.) Sendo assim, eles mesmos deixam a Lula uma única alternativa efetiva: a de ajudar a mobilizar
e dirigir o nosso lado para deter a ofensiva conservadora. Capacidade que
estaria politicamente limitada, caso ele virasse ministro, especialmente neste
momento, pelos motivos já citados.
13. A batalha contra o impeachment
não é o único nem o último lance da guerra.
(Na atual conjuntura há mais
elementos de 1954 e 1961 do que de 1964. Neste sentido, sugiro ler: http://valterpomar.blogspot.com.br/2016/03/nassif-as-pecas-que-faltam-no-seu-xadrez.html)
Assim, no xadrez que estamos jogando,
é fundamental que as manifestações de 18 de março sejam poderosas, não apenas
no número, mas principalmente nos recados. Um dos recados deve ser: Lula, o PT,
a CUT, o MST, a UNE, a Ubes, o PCdoB, todas as organizações que integram a
Frente Brasil Popular não se intimidam e vão continuar dirigindo a mobilização
popular. A direção nacional do PT precisa deixar claro que está realmente disposta a isto, inclusive no tocante a exigir mudança na política econômica.
E um segundo recado deve ser: aconteça o que acontecer, não importa a
forma que assuma o golpismo, não haverá nenhum segundo de paz para os
golpistas.
Razões para Lula assumir o governo
Jeferson Miola
A radicalização política atingiu níveis explosivos, e se situa no plano
da histeria e do confronto irracional. Ela coincide e é retroalimentada por uma
brutal crise econômica.
Neste ambiente de radicalização política combinada com crise econômica,
se afiguram inequívocas as incapacidades e os limites do governo Dilma em
oferecer as respostas exigidas pelas circunstâncias.
Todos os atores diretamente implicados no xadrez político trabalham com
distintos cenários para a superação da crise. Todavia, em todos os cenários projetados, a Presidente Dilma
figura marginalmente na equação, e não centralmente.
Este não é um tempo de normalidade. É um tempo singular, especial, que
condensa os acontecimentos complexos originados na guerra contra os avanços
democrático-populares aberta ainda na segunda metade do primeiro mandato da
Presidente Dilma [as tais jornadas de 2013 se situam ali], quando os efeitos da
crise capitalista mundial agudizaram o conflito distributivo no Brasil e
decretaram o fim do modelo “ganha-ganha” e de conciliação de classes, em que os
ricos ficam mais ricos e os pobres menos pobres.
Esta guerra ganhou contornos beligerantes a partir de 26 de outubro de
2014, com a recusa intransigente dos derrotados na eleição presidencial
aceitarem o resultado das urnas. Para conservar seus privilégios e poderes, a
classe dominante se insurge com extraordinária violência e vilania.
O reacionarismo – espectro ideológico liderado pelo PSDB e integrado por
políticos e partidos conservadores, ONGs e movimentos suspeitos financiados
pelo grande capital, mídia oposicionista, setores do Judiciário, da Polícia
Federal e Ministério Público – desfechou uma campanha sistemática e
inteligentemente coordenada de ataque ao Estado de Direito, de regressão
jurídica e democrática e de desestabilização política e econômica do país.
Este momento de histeria e reacionarismo febril da classe dominante só
encontra equivalência histórica nos momentos mais turbulentos da vida nacional:
no período de 1950/1954, que culminou no suicídio do Presidente Vargas; e no
período de 1960 a 1964, que abrange a campanha pela Legalidade liderada pelo
Brizola em 1961 e que culmina no golpe civil-militar que depôs Jango em 1964.
É obrigatório reconhecer que a oposição conseguiu gerar os impasses
atuais devido, em boa dose, a equívocos primários do governo. Por isso o governo – e, é
importante admitir-se, a pessoa da Presidente – infelizmente é percebida mais
como parte da crise do que solução.
A conjuntura adquiriu velocidade supersônica a partir da arbitrariedade
da Operação Lava Jato contra o ex-presidente Lula, no dia 4 de março. Com as
manifestações deste 13 de março, o golpismo deverá subir de patamar.
A classe dominante não conseguiu desferir
o golpe derradeiro em razão de pelo menos dois fatores: [i] a imponderabilidade
em relação aos traumas, conflitos e violência que a quebra da ordem democrática
poderá desatar; e [ii] porque ainda não encontrou uma alternativa, no seu seio,
que ofereça confiabilidade do trânsito para o novo regime político e [principalmente]
econômico que enterre o ciclo lulo-petista iniciado em 2003.
Como dito antes, este não é um tempo de normalidade, é um tempo
singular, especial; de guerra da direita para destruir uma perspectiva
democrático-popular de país. E tampouco é um tempo de previsibilidade; as
coisas podem acontecer sem obediência à lógica mais elementar.
Esta é uma conjuntura que admite medidas
por assim dizer “atípicas”, como, por exemplo, a nomeação de Lula para o
ministério do governo Dilma. Em “tempos normais”, dificilmente se cogitaria uma
hipótese dessas.
A história é feita dos personagens e suas circunstâncias. Nesta
circunstância histórica, Dilma faria um gesto de
enorme transcendência consignando a Lula a condução do governo.
A alegação oposicionista de que o ministério seria um refúgio judicial
para o ex-presidente porque o cargo tem foro privilegiado, é uma leviandade que
desaparece do noticiário no primeiro dia de
trabalho dele percorrendo o país. A direita tenta impugnar a ida dele
para o governo porque quer esterilizá-lo, e assim afastá-lo da arena
fervilhante da luta de classes.
A questão fundamental, portanto, é outra; é saber se esta é, de fato, a
única possibilidade para reverter o quadro dramático e; além disso, saber se na
presente conjuntura existe alternativa capaz de mudar o desenrolar dos
acontecimentos.
Neste momento, o campo democrático-popular está desafiado a resistir e a
reverter a tendência de derrota – que, se consumada, representará uma derrota
cultural de longo prazo não somente do PT, mas do conjunto da esquerda
brasileira e latino-americana.
Lula poderia assumir qualquer posto ministerial, porque sua simples
presença no governo interromperia a ofensiva inercial da direita e inauguraria
uma nova etapa política e uma nova condução econômica, nas bases propostas pelo
Diretório Nacional do PT.
Com sua autoridade moral e força política, Lula poderá ser um fator
novo, capaz de deter o golpismo e recompor a capacidade de iniciativa do campo
democrático-popular. Se ainda tiver tempo para isso.
Se existirem outras possibilidades, mais eficazes, que sejam
empreendidas, e com urgência.
Leonardo Boff e
Márcia Miranda
13 de Março de 2016
Caro
amigo-irmão Lula
Escrevo-lhe
sob a premência da situação política atual e a pedido de muitos amigos comuns.
Direi poucas palavras.
Há o
risco de que as conquistas sociais conseguidas para os mais vulneráveis de
nosso país, graças a suas políticas de inclusão social produtiva, sejam
anuladas e se percam. O projeto da macroeconomia global sob a pressão dos
grupos neoliberais nacionais e internacionais, pode levar ao poder aqueles para
os quais as grandes maiorias são peso morto da história e para às quais há
apenas políticas pobres para os pobres. Esse projeto social do PT, de
seus aliados e também da Igreja da libertação que encontra apoio no amor aos
pobres do Papa Francisco, tem que ser salvo como ponto de honra, como
imperativo ético e como sentido da mais alta humanidade.
Por
isso, sou da opinião de que vc, meu querido amigo-irmão Lula, deve
assumir um cargo de ministro da República. O interesse da nação
está acima de sua trajetória política pessoal. Com você na condução da
negociação política, estaremos seguros de que aí estará alguém que, com
autoridade e força de convencimento, ajudará a conduzir a uma solução política
e social que salve a nossa frágil democracia e garanta a continuidade das
medidas sociais humanizadoras.
Além
do mais, evitará, o que realmente temo, sangue derramado nas ruas entre grupos
que se enfrentam. Isso seria mais um argumento dos seus opositores para medidas
drásticas que implicariam o afastamento da Presidenta Dilma. E o que é pior,
veríamos ameaçada a paz social que tanto almejamos.
Se
por desgraça nada der certo, vc cairia como cai uma árvore imensa, com
dignidade e nobreza.
Com
uma súplica Àquele que conhece todos os destinos dos povos e do nosso, renovo
meu pedido enquanto lhe envio meus melhores votos a vc, à Marisa e a toda a sua
família, de minha parte e da parte de Márcia que muito o admiramos e amamos.