(texto em debate, sujeito a emendas e correções)
Comemoração e luta!
A direção nacional da Articulação de Esquerda,
reunida dia 27 de outubro, realizou um balanço do segundo turno das eleições de
2014 e opinou sobre quais devem ser as ações imediatas do campo
democrático-popular e do governo Dilma Rousseff no sentido de consolidar a
vitória e garantir um segundo mandato superior. O texto abaixo contém um resumo
do que foi debatido e constitui um roteiro para discussão no Partido dos
Trabalhadores e também junto ao conjunto da esquerda política e social que
apoiou a reeleição da presidenta no segundo turno.
1.O povo brasileiro, a classe trabalhadora, o campo
democrático-popular e a esquerda socialista conseguiram reeleger Dilma Rousseff
para presidir o Brasil até 31 de dezembro de 2018.
2.Nossa vitória foi comemorada por todos os setores
democráticos, progressistas e de esquerda, no mundo e particularmente na
América Latina e Caribe.
3. Comemoração por mais uma vez termos conseguido
derrotar a direita, o oligopólio da mídia, o grande capital, seus aliados
internacionais. Comemoração, porque este resultado foi obtido no fundamental
graças à consciência de classe de importantes parcelas do nosso povo, à
mobilização em grande medida espontânea da velha e da nova militância de
esquerda. Comemoração, porque a campanha confirmou que o Partido dos
Trabalhadores conta com duas grandes lideranças populares: o ex-presidente Lula
e a presidenta Dilma.
4.Nas eleições de 2014, estava em jogo não apenas a
continuidade e a possibilidade de aprofundamento de um processo iniciado em
2002, com a eleição de Lula. Estava em jogo, também, impedir ou não o
retrocesso.
5.É importante reafirmar que a oposição encabeçada
por Aécio Neves foi portadora das piores práticas e políticas: o
machismo, o racismo, a xenofobia, a intolerância, o preconceito, o ódio, a
saudade da ditadura militar, o neoliberalismo, a submissão às potências
estrangeiras.
6.Passada a eleição, esta oposição segue atuante,
questionando o resultado eleitoral, defendendo a divisão do país, ameaçando a
normalidade institucional, buscando chantagear o governo eleito para que adote
o programa dos derrotados.
7.Por isto, não basta comemorar a reeleição da
presidenta Dilma Rousseff. É preciso tomar as medidas necessárias para que ela
faça um segundo mandato superior ao atual.
8.É com este objetivo que devemos desencadear um
amplo processo de balanço das eleições 2014.
9.Estudar o comportamento das classes sociais no
processo eleitoral; a atuação do campo democrático-popular; o jogo dos setores
conservadores; o papel dos partidos políticos, da “terceira via”, dos
movimentos sociais; a batalha da cultura e da comunicação; os resultados das
eleições estaduais e parlamentares, entre outras variáveis: tudo isso é
essencial para que a esquerda construa uma nova estratégia e um novo padrão de
organização e atuação, indispensáveis se quisermos não apenas seguir
governando, mas principalmente seguir transformando o Brasil.
10.Não basta administrar bem, fazendo mais e
melhores políticas públicas. É preciso construir hegemonia cultural e fazer
reformas estruturais, com destaque para a reforma política e para a Lei da
Mídia Democrática. Para atingir estes objetivos, tanto o PT quanto o conjunto
da esquerda devemos aprender a incorporar as energias, a militância, o ânimo
alegre e combativo que foi às ruas, especialmente no segundo turno da campanha
eleitoral. Também é preciso compreender os motivos e os mecanismos
político-culturais que levam parcelas dos setores médios e da classe
trabalhadora a tomarem atitudes reacionárias e a votarem na candidatura dos
ricos e poderosos.
11.Para que Dilma faça um segundo mandato superior
ao atual, será necessário desencadear um amplo processo de organização e
mobilização destes milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas não
apenas para apoiar Dilma Rousseff, mas principalmente para defender nossos
direitos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem estar social, ao desenvolvimento,
à soberania nacional.
12.As eleições de 2014 reafirmaram a validade de
uma ideia que vem desde os anos 1980: para transformar o Brasil, é preciso
combinar ação institucional, mobilização social e organização partidária,
operando uma verdadeira “revolução cultural” no modo de fazer politica das
classes trabalhadoras.
13.O Partido dos Trabalhadores, como principal
partido da esquerda brasileira, está convocado a encabeçar este processo de
mobilização cultural, social e política. Que exigirá, repetimos, renovar nossa
capacidade de entender, de compreender, a sociedade brasileira, a natureza do
seu desenvolvimento capitalista, a luta de classes que aqui se trava sob as
mais variadas formas, cores e sabores.
14.As eleições mostraram que o PT possui raízes
profundas no povo, na classe trabalhadora, entre as mulheres, entre negros e
negras, na juventude. Mas também evidenciaram nossas imensas debilidades. A
consciência de classe e a generosidade de amplas parcelas do povo brasileiro
nos deram mais uma oportunidade de corrigir estas debilidades. Não temos o
direito de desperdiçá-la.
15.O Partido dos Trabalhadores tem a obrigação de
realizar um balanço profundo e sólido do processo eleitoral, que sirva de base
para uma orientação política global para o período 2015-2018.
16.Realizar um balanço desta natureza demandará um
certo tempo, necessário para analisar variados aspectos, consolidar os dados
mensuráveis, ouvir as distintas opiniões, produzir uma reflexão à altura do
processo extraordinariamente rico que vivemos, só comparável à campanha de
1989.
17.O 5º Congresso do Partido dos Trabalhadores deve
converter-se neste processo de diálogo entre o Partido e estes milhões que
foram às ruas defender a reeleição de Dilma Rousseff. Um diálogo tanto com os
petistas quanto com aqueles que não são do PT e que criticam, sob diferentes
ângulos, nosso Partido.
18.Cabe ao Diretório Nacional do PT, convocado para
os dias 28 e 29 de novembro de 2014, aprovar uma agenda congressual que preveja
debates abertos a toda a militância que se engajou em defesa da candidatura
Dilma, bem como um momento final que possibilite a síntese e o salto de
qualidade tão necessários para que o Partido seja capaz de, tanto quanto
superar seus problemas atuais, contribuir para que o segundo mandato de Dilma
seja superior ao primeiro.
19.Porém, certas medidas, impostas pela realidade
internacional e nacional, mas principalmente pela atitude golpista da oposição,
precisam ser tomadas imediatamente, não podem esperar pelo 5º Congresso.
20.Embora o candidato da oposição tenha aceitado a
derrota, o bloco conservador age como se não tivesse perdido as eleições.
Ademais, como resultado do que faz o oligopólio da mídia “todo santo dia”, mas
também em decorrência do que fizeram Serra em 2010 e Aécio em 2014, o “gênio
saiu da garrafa”: não apenas nas redes sociais, mas ao vivo e em cores, a extrema-direita
saiu do armário, cresceu no parlamento e está empesteando o ambiente com todos
os preconceitos e atitudes violentas.
21.A oposição de direita fala que o país está
dividido, com o claro objetivo de impor o programa dos derrotados e debilitar a
autoridade da presidenta. A “tese” da oposição de direita não resiste aos fatos
e à observância dos costumes. Vitória é vitória, mesmo que por um voto. E Dilma
Rousseff teve 54.477.479 votos, mais de três milhões a frente de Aécio. Os
brasileiros são brasileiros, não importa em que estado vivam. A oposição foi
derrotada no Nordeste, mas também em Minas Gerais e no Rio de Janeiro, a tal
ponto que a maior parte dos votos de Dilma Rousseff veio do Sudeste e Sul
somados. Os partidos que apoiaram a reeleição de Dilma têm maioria no Congresso
Nacional. E o resultado das urnas demonstra que a maioria do eleitorado defende
a continuidade e o aprofundamento das mudanças iniciadas em 1º de janeiro de
2003.
22.A postura da oposição de direita, portanto, não
decorre da análise dos fatos e dos costumes. Decorre simplesmente do seguinte:
o bloco conservador não aceita que tenhamos vencido a quarta eleição
presidencial seguida, apesar de tudo que fizeram contra nós. O bloco
conservador treme de indignação frente às grandes possibilidades de o campo
democrático-popular avançar nas suas conquistas e vencer também as eleições
presidenciais de 2018.
23.É preciso que tenhamos isto claro: para os donos
do poder, é simplesmente inaceitável a continuidade da ampliação do bem-estar
social, das liberdades democráticas e da soberania nacional. Frente à quarta
derrota presidencial consecutiva, eles fazem e farão de tudo para que a
presidenta implemente o programa dos derrotados; para tentar sabotar o novo
governo; para buscar desestabilizar a institucionalidade democrática; para nos
derrotar em 2016 e 2018. Sua estratégia pode ser resumida em duas palavras:
reação permanente.
24.Não basta constatar isto, muito menos atribuir
ao governo estrito senso a solução, pois já aprendemos que o espaço de atuação
do governo depende em parte da mobilização social. Para contribuir nisto,
defendemos que o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores:
25. Organize uma grande festa popular no dia da
segunda posse da presidenta Dilma Rousseff;
26.Antecipe para o primeiro trimestre de 2015 o 5º
Congresso do PT.
27. Procure dar organicidade ao grande movimento
político-social que venceu o segundo turno das eleições presidenciais. Partidos
e setores de partidos, movimentos sociais, trabalhadores da cultura e
intelectualidade democrática devem ser convidados a compor uma grande frente
onde possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia,
seja em defesa das reformas democrático-populares.
28.Inicie a construção de um jornal diário de
massas e de uma agência de notícias, articulados a mídias digitais
(inclusive rádio e TV web), com ação permanente nas redes sociais, que sirvam
de retaguarda e de instrumento do campo democrático-popular na batalha de
idéias. E integre esta ação de comunicação política com o amplo movimento
cultural que está em curso neste país e que foi tão importante no segundo
turno.
29.Relance a campanha pela reforma política e pela
mídia democrática, contribuindo para que o governo possa tomar medidas
avançadas nestas áreas e para sustentar a batalha que travaremos a respeito no
Congresso Nacional.
30.Participe ativamente das decisões acerca das
primeiras medidas do segundo mandato, em particular sugerindo medidas claras no
debate sobre a política econômica. É preciso incidir numa das principais
disputas em curso, presente durante toda a campanha e também após a vitória, entre
os que defendem a retomada do crescimento via ajuste fiscal e corte nos gastos
públicos contra aqueles que defendem retomar o crescimento através da redução
da taxa de juros e a adoção imediata de políticas industrializantes e de
investimentos para a elevação da produção. É preciso ter claro que só um salto de
qualidade no desenvolvimento fornecerá as bases materiais indispensáveis para
sustentar a mobilização popular, recuperar apoios perdidos e isolar a oposição
de direita.
31.Reafirme o compromisso do PT com a seguinte
plataforma:
a) a reforma política, através de uma Constituinte
exclusiva seguida de uma consulta oficial à população, para que esta referende
ou não as decisões da Constituinte;
b) democracia na comunicação, com a Lei da Mídia
Democrática e a implantação das principais resoluções da Conferência Nacional
de Comunicação de 2009;
c) democracia representativa, democracia direta e
democracia participativa, para que a mobilização e luta social influencie a
ação dos governos, das bancadas e dos partidos políticos. O governo precisa dar
continuidade à participação social na definição e acompanhamento das políticas
públicas e tomar as medidas para reverter a derrubada da Política Nacional de
Participação Social, objeto de um decreto presidencial cancelado pela maioria
conservadora da Câmara dos Deputados no dia 28 de outubro de 2014;
d) a agenda reivindicada pela Central Única dos
Trabalhadores, onde se destacam o fim do fator previdenciário e a implantação
da jornada de 40 horas sem redução de salários;
e) o compromisso com as reformas estruturais, com
destaque para a reforma política, as reformas agrária e urbana, a
desmilitarização das Polícias Militares;
f) salto na oferta e na qualidade dos serviços
públicos oferecidos ao povo brasileiro, em especial na educação pública,
com reformas pedagógicas e curriculares no ensino básico, médio e
universitário; no transporte público; na segurança pública e no Sistema Único
de Saúde, sobre o qual reafirmamos nosso compromisso com a universalização do
atendimento e o repasse efetivo e integral de 10% das receitas correntes brutas
da União para a saúde pública;
g) ampliar a importância e os recursos destinados
às áreas da comunicação, da educação, da cultura e do esporte, pois as grandes
mudanças políticas, econômicas e sociais precisam criar raízes no tecido mais
profundo da sociedade brasileira;
h) proteção dos direitos humanos de todos e de todas.
Salientamos a defesa dos direitos das mulheres, a necessidade de criminalizar a
homofobia, o enfrentamento dos que tentam criminalizar os movimentos sociais. Afirmamos
o compromisso com a revisão da Lei da Anistia de 1979 e com a punição dos
torturadores. Assim como com a reforma das polícias e a urgente
desmilitarização das PMs, cuja ineficiência no combate ao crime só é superada
pela violência genocida contra a juventude negra e pobre das periferias e
favelas;
i) total soberania sobre as riquezas nacionais, entre
as quais o Pré-Sal, e controle democrático sobre as instituições que
administram a economia brasileira, entre as quais o Banco Central, a quem
compete entre outras missões combater a especulação financeira que está por
detrás das candidaturas da oposição de direita.
32.O Partido dos Trabalhadores considera que são
medidas políticas e diretrizes programáticas desta natureza, amplas,
envolventes, de natureza mais social que institucional, que farão a diferença
nos próximos quatro anos. E que garantirão nossa vitória em 2018. Hoje, como já
foi dito, contamos com duas grandes lideranças populares. Mas o mais importante
é que contamos com uma força social imensa, a qual, para além das pessoas e dos
governos, ganhou capacidade de defender autonomamente seus direitos e
interesses.
33.Os números confirmam aquilo que nossa análise
política indicava, há tempos: uma eleição duríssima, vencida no segundo turno
graças à mobilização e ao voto da militância de esquerda, graças à confiança e
a consciência de classe de importantes setores do povo brasileiro, graças à
disposição de debater política, demarcar projetos, apontar perspectivas de
futuro e assumir compromisso com mudanças mais profundas.
34.As eleições de 2014 foram um momento marcante da
luta de classes que atravessa toda a sociedade brasileira. Quem anda pelas ruas
do Brasil percebe que o debate político não se interrompeu no dia 26 de
outubro. A grande burguesia demonstrou estar decidida a derrotar o PT e o campo
democrático-popular. A maioria dos chamados setores médios atuou com o mesmo
propósito, com ainda maior agressividade. Nossa vitória foi garantida pelo
apoio que recebemos da classe trabalhadora.
35.Tivemos êxito exatamente porque nossa campanha,
a partir de 13 de agosto, deixou clara a existência de dois projetos
antagônicos, apelou para a mobilização dos setores populares, democráticos e
socialistas. Sem esta mobilização, não conseguiríamos derrotar o bloco
antagonista, que dispunha de meios superiores, em particular do oligopólio da
comunicação. Oligopólio inconstitucional, cujo desmonte é uma das condições
para o aprofundamento da democracia no Brasil. A reforma política,
especialmente a proibição do financiamento empresarial, é outra das condições.
36.É bom que se diga que nosso êxito eleitoral foi
facilitado pelo comportamento hegemônico da oposição. Tanto a campanha de
Marina quanto a campanha de Aécio foram rapidamente “sequestradas” pelos
setores mais conservadores. Exemplos didáticos disto: 1) o recuo da primeira no
apoio à agenda LGBT e sua adesão à tese de independência do Banco Central; 2) a
escolha, pelo segundo, de Armínio Fraga como ministro da Fazenda. Ao dar
garantias ao “Deus mercado” e ao adotar explicitamente o discurso de “acabar
com a raça do PT”, ambos deixaram claro o que realmente estava em jogo: não
mudar, mas sim retroceder.
37.Derrotamos o retrocesso, mas, vendo em
perspectiva histórica, nem em 2006, nem em 2010 o campo conservador esteve tão perto de
recuperar a Presidência da República. Por isto, tão fundamental quanto
compreender e criticar os métodos dos inimigos é perceber nossas debilidades e
erros.
38.É o caso da opção preferencial pela
mudança sem ruptura, cujo pressuposto é fazer concessões aos inimigos. Tal
opção só conduz ao êxito se, com o passar do tempo, os inimigos deixarem de ser
tão inimigos. Mas na vida real, apesar das concessões, os inimigos se tornaram
ainda mais inimigos. E graças às concessões que fazemos/fizemos, eles não
apenas mantiveram, como também ampliaram os meios de que dispõem para agir
contra nós. Ao mesmo tempo, certas concessões que fazemos/fizemos dividem nosso
campo, nos impedem ou pelo menos reduzem nossa capacidade de ganhar amigos e
fortalecer nosso lado. Como resultado, há uma tendência ao fortalecimento deles
e ao enfraquecimento nosso. O que em algum momento resultará em nossa derrota
total.
39.É o caso da opção preferencial pela ascensão
por meio do consumo. Se não for acompanhada de fortes investimentos em
outro tipo de educação e de cultura, combinados com uma forte democratização da
comunicação e com uma reforma política, a ascensão via consumo acabará
ampliando as fileiras de setores que podem se voltar contra os valores da
esquerda. Recorde-se a informação segundo a qual 70% dos beneficiários do
ProUni declararam-se contrários ao Bolsa-Família. Por outro lado, a ascensão
por meio do consumo é insustentável no longo prazo, pois a melhoria da vida “da
porta para dentro da casa” não apenas gera a percepção de que a vida estaria
piorando “da porta da casa para fora”, como também reforça um padrão de
investimentos que deixa em segundo plano a oferta de bens públicos e de
infraestrutura.
40.É o caso, ainda, da equivocada defesa de um “país de classe média”, quando nosso
objetivo é, na verdade, construir um país onde a classe trabalhadora viva cada
vez melhor, com mais democracia e bem estar social. Isto significa adotar um
desenvolvimentismo democrático-popular, ou seja: forte crescimento, com
ampliação da nossa capacidade industrial e tecnológica, alicerçado em reformas
estruturais, na ampliação da democracia e do bem-estar social.
41.É o caso da incompreensão dos motivos pelos
quais o PSDB e o oligopólio da mídia mantêm forte hegemonia sobre algumas
regiões do país e sobre alguns setores sociais. Sobre isto, o estratégico estado
de São Paulo deve ser objeto de uma análise especial. Claro que há erros
imensos cometidos pelo Partido e pela esquerda, que ajudam a compreender os
resultados eleitorais de 2014. Mas não se trata apenas de um problema de tática
eleitoral, de política de alianças, de escolha de candidatura, de linha de
campanha, da atitude das bancadas parlamentares e das direções partidárias.
Ainda que nos espante a falta de autocrítica por parte de alguns, é claro que
coincidimos com as críticas feitas acerca da incapacidade política e burocratização
de certas direções, bem como acerca dos danos causados pelas acusações de
corrupção. Mas nada disto, tomado isoladamente, explica o que já se
convencionou chamar de “Tucanistão”.
42.Em nossa opinião, assim como parte importante dos setores
médios reage à ascensão social dos setores populares, de forma semelhante o
estado mais rico da federação reage ao desenvolvimento dos estados mais
empobrecidos da federação. Hegemonia de classe e hegemonia regional são parte
de um mecanismo integrado, que nosso Partido e nosso governo devem entender,
para poder incidir sobre ele, recuperando apoios perdidos junto aos
trabalhadores e setores médios. O que depende, além de medidas políticas, de
desenvolvimento, crescimento, industrialização e ampliação da produtividade, em
bases democrático-populares.
43.Por fim, é preciso compreender o recado que
estas eleições deram ao nosso Partido dos Trabalhadores.
44.Desde 1989, o PT polariza as eleições
presidenciais. Nas sete eleições presidenciais realizadas desde então, perdemos
3 e vencemos 4. Mas esta de 2014 foi a eleição mais difícil já disputada por
nós, em que ganhamos enfrentando um vendaval de acusações não apenas sobre
nossa política, mas sobre nosso partido. Não nos comove que a direita nos
acuse de organização criminosa, de aparelhismo e de acomodação as benesses do
poder. Mas nos importa que acusações deste tipo sejam aceitas como verdadeiras
por camadas do povo, inclusive por setores que votam em nós. Neste sentido, o
Partido tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana, sua independência
frente ao Estado, e ser muito mais proativo no enfrentamento das acusações de
corrupção, em especial no ambiente dos próximos meses, em que setores da
direita vão continuar premiando delatores. Faz parte desta atitude mais
proativa lutar pela investigação, julgamento e punição dos malfeitos dos
corruptores, dos tucanos e seus aliados.
45.Como em todas as eleições, perdemos e ganhamos
governos estaduais, cadeiras no Senado, na Câmara dos Deputados e nas
Assembléias estaduais. Mas observando o “conjunto da obra”, especialmente
considerando a evolução eleitoral desde 2002, é claro que há uma inflexão para
baixo, soterrando o discurso triunfalista que falava em ampliação geral das
bancadas e governos. Discurso triunfalista, aliás, que falava também que os
adversários eram “anões políticos”; que venceríamos a eleição presidencial no
primeiro turno; que venceríamos por ampla margem no segundo turno; que
elegeríamos muitos novos governadores, inclusive elegeríamos simultaneamente os
governos de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Discurso triunfalista que
não encontrava correspondência na direção da campanha, especialmente na
política de alianças, cujos limites e incoerências ficaram mais do que
evidentes, até para os seus defensores. Aliás, a oposição de direita conta com
o apoio de setores importantes do que se denomina de “base parlamentar do
governo”.
46.Ao mesmo tempo que se passa tudo isto com o
nosso Partido, o que houve no segundo turno demonstrou que a quase totalidade
da esquerda e do campo democrático-popular tem consciência de que a derrota do
PT seria a derrota do conjunto da esquerda; e que nossa vitória seria a vitória
do conjunto das forças democráticas e progressistas. Na prática, setores da
esquerda que romperam com o PT foram levados a aceitar a correção de nossas
afirmações quanto ao papel histórico do PT. O voto de esquerda teve papel
decisivo no resultado do segundo turno. Mas isto só terá continuidade e
consequência se adotarmos uma nova estratégia e padrão de funcionamento; se
dermos continuidade à linha de politização, polarização e mobilização que
marcou a reta final das eleições de 2014; se adotarmos outra tática frente à
militância social em geral e frente à militância de outros partidos de
esquerda.
47.De imediato, isto exige que nossa tática para
2016 e 2018 seja construída tendo como aliado preferencial não o PMDB, mas sim
esta esquerda política e social que foi às ruas garantir nossa vitória. Precisamos
organizar uma Frente Popular, unificando os partidos de esquerda e os
movimentos sociais, numa coalizão estratégica para disputar o comando do
Estado. Não será um movimento fácil, pois temos o PMDB na vice e com grande
influência num Congresso Nacional ainda mais conservador do que em anteriores
legislaturas. Mas é um movimento necessário, pois não haverá vitória sem
mudança e não haverá mudança tendo o PMDB como aliado prioritário. Aliás, como
suposto aliado prioritário, pois a maior parte do PMDB já opera contra nós há
anos.
48.Cabe construir outro tipo de governabilidade,
que dependa menos das maiorias no Senado e na Câmara dos Deputados, e que
dependa mais dos movimentos sociais e do apoio na sociedade como um todo. Mas
para que isto não seja um gesto inconsequente, precisamos de força. E só
teremos força, se nosso Partido souber apoiar o governo, sem confundir-se com
ele, sem adotar uma postura subalterna, passiva, burocrática, apagada. Se
deixarmos de ser aquele partido cuja direção aceita que seu papel seja
terceirizado, inclusive para “técnicos” que muitas vezes esquecem que nossa
vitória nas urnas depende sempre da sinergia com as ruas, que nas ruas está o
elemento fundamental, não nos dez minutos de horário eleitoral gratuito, escassos
diante das quase vinte e quatro horas diárias de que dispõem nossos adversários
na mídia hegemônica, para martelar suas ideias e alcançar “corações e mentes”
da população.
49.Um governo democrático não pode financiar com recursos
públicos nenhuma gangue de delinquentes midiáticos. As pichações e o lixo
jogado em frente à sede da Editora Abril, embora tenham sido úteis à
manipulação midiática da direita, nada representam frente ao vandalismo brutal
que o oligopólio comete cotidianamente contra a democracia brasileira. Por
isto, quem corretamente acha que a Justiça não deve ser feita com as próprias
mãos, deve fazer uso do poder de Estado para combater o crime organizado
midiático.
50.Não devemos temer dizer que o Brasil está diante
de um impasse histórico. Nem a direita, nem a esquerda estão satisfeitas com a atual
institucionalidade. Nós, que defendemos a democracia, sustentamos que a solução
passa por uma Constituinte, por plebiscito e referendo, por uma reforma
política que abra caminho para um parlamento mais democrático, capaz de aprovar
reformas estruturais. A direita, que não tem compromisso com a democracia,
questiona o resultado eleitoral, alimenta discursos golpistas, propõe uma
contrarreforma eleitoral, recusa a saída constituinte. O impasse alimenta a
inaceitável judicialização da política e cria um ambiente de crispação cada vez
maior entre direita e esquerda.
51.Não será fácil construir uma saída para este
impasse histórico, que nos leve em direção a um Brasil democrático-popular e
socialista. Não será fácil, especialmente porque não é assunto que dependa de
retórica, mas sim de persistente construção. Mas uma coisa é certa: como nosso
coração valente, a saída é vermelha e está no lado esquerdo do peito.
A direção nacional da tendência petista Articulação
de Esquerda
Brasília, 27 de outubro de 2014