terça-feira, 30 de abril de 2024

Pimenta ataca novamente

Depois de meu texto de 13 de abril, pensei que o cidadão havia encontrado algo mais útil com o que se preocupar. Errei: no dia 29 de abril ele voltou à carga, como se pode ler aqui:   Mais uma vez, Valter Pomar: errar é humano, insistir no erro… | Brasil 247

Para variar, neste texto Pimenta leva o debate para algum lugar distante do ponto de partida, a saber: a liberdade irrestrita de Elon Musk. Lembro deste ponto de partida, pois é essa a polêmica que interessa a imensa maioria das pessoas.

Na minha opinião, nesta polêmica – e em outras assemelhadas – o PCO e Pimenta são aliados objetivos da extrema-direita. Ele ficou chateado com essa minha afirmação, embora me acuse ser um "propagandista incosciente da política do imperialismo".

Aliás, o "estilo" literário de Pimenta é um caso a parte, que o pessoal da teologia conhece muito bem. Neste estilo, afirmações a priori são apresentadas como se prova fossem. Um bom exemplo deste estilo está na seguinte afirmação: “o método marxista (...)consiste em esclarecer as ideias políticas e teóricas à luz do marxismo”. Ou seja: ser marxista é... ser marxista, ideias confirmam ideias. 

Do meu ponto de vista, o chamado método marxista toma a prática como critério da verdade, consiste na análise concreta da situação concreta. E, quando olhamos a prática, uma constatação é: ao defender Elon Musk e vários escrotos do gênero, o PCO e Pimenta se tornam aliados objetivos da extrema-direita; ao sustentar a tese da liberdade irrestrita, o PCO e Pimenta adotam posições similares às dos ultraliberais, às dos anarcocapitalistas et caterva.

Sei que o marxismo é uma tradição ampla, onde há de tudo. Mas acho que o PCO e Pimenta causam um belo prejuízo ao marxismo, quando defendem o que defendem, atribuindo isso ao marxismo.

Vou dar uns exemplos, sacados do texto mais recente cometido por Pimenta.

Segundo Pimenta, “o trabalho de intelectuais e profissionais liberais não é um trabalho proletário”. Na minha opinião, errado. O proletariado moderno engloba todos os setores que vendem a sua força de trabalho em troca de um salário. 

Segundo Pimenta, “a caracterização de partidos e elementos de esquerda como pequeno-burgueses nada tem a ver com se e onde trabalham”. Na minha opinião, errado. Vários elementos influem na caracterização do caráter de classe de uma orientação política. Um desses elementos é a classe ou fração de classe a que pertencem as pessoas que formulam esta orientação. Não é o único elemento, como demonstra o caso sempre citado de Engels. Mas é um dos elementos.  

Pimenta diz, sobre o debate acerca da ditadura do proletariado, que “esse não é o problema colocado pela discussão sobre a liberdade de expressão (irrestrita, porque qualquer outra coisa é censura, ou seja, restrição da expressão). Não estamos na e nem na véspera da ditadura proletária”. Errado. A questão do caráter de classe do Estado, a questão do caráter de classe da democracia, estão postas antes, durante e depois de uma revolução. Ao defender a “liberdade de expressão irrestrita”, sem perguntar para quem, Pimenta e o PCO aderem a uma concepção liberal de democracia.

Pimenta diz que “a política proletária para o longo período de ditadura da burguesia (...) é a luta por reformas sob o capitalismo”. Errado. Posto desta forma reducionista, a política da esquerda revolucionária não se distinguiria da política da esquerda reformista. Acreditar que “a luta pelas reformas (...) é o meio para o objetivo final que é a revolução socialista” é simplificar o problema, roçando o alambrado que no final do século XIX Berstein atravessou de corpo inteiro. Se as coisas fossem como Pimenta diz, a revolução socialista já teria triunfado em todas as partes, pois se há algo que a classe trabalhadora e a maior parte da esquerda fazem é lutar por reformas.

Pimenta diz que “a política marxista para a questão democrática” inclui a “luta pela liberdade de expressão irrestrita, a luta pelo alargamento da democracia burguesa, o que permite um maior escopo de ação para o proletariado e as massas exploradas”. Errado. A luta pelas liberdades democráticas para o proletariado não é igual a luta pela liberdade de expressão "irrestrita" (por exemplo, para Elon Musk). Pelo contrário, a luta pela liberdade dos setores populares implica em restringir as liberdades da classe dominante.

Aqui um detalhe literário: Pimenta sabe muito bem que os teóricos fundadores da tradição a qual ele diz pertencer, sempre apontaram que a democracia tem caráter de classe. Sabe, também, que foi a direita do movimento socialista quem questionou o caráter de classe da democracia, afirmando como alternativa o caráter supostamente “universal” da democracia. Sabedor disto tudo, ele tenta escapar da armadilha que criou para si mesmo dizendo que “direito” é uma coisa maravilhosa e que tudo que não é maravilhoso é “privilégio”. E como ele sabe muito bem que na vida real não é assim, ele tenta sair pela tangente dizendo o seguinte: “a menos que Pomar utilize como definição de direito, a mais reacionária e formalista das definições, ou seja, que tudo o que está escrito na lei é um direito. Contudo, se fosse assim, a ditadura militar brasileira e até o regime hitleriano seriam a personificação do estado de direito”. 

A seguir nessa linha, Pimenta vai acabar defendendo o “estado democrático de direito” como sendo o suprassumo da democracia proletária. 

Aos fatos: tanto o nazismo, quando as ditaduras "normais" e também as "democracias burguesas", têm o seu "estado de direito". O que as diferencia, no plano estritamente político? O quanto de liberdades democráticas são conquistadas pela classe trabalhadora.  

O tema de fundo é que o direito também tem caráter de classe. Não existe “o” direito, não existe “a” democracia. Tudo, absolutamente tudo que existe numa sociedade desigual, ganha sentido a partir desta desigualdade.

Pimenta diz que eu não acredito “em lutar por direitos democráticos sob o capitalismo”, mas acredito “na capacidade da classe operária reprimir… os capitalistas sob o capitalismo. E pergunta: “sendo que o Estado sob o capitalismo é, sendo obrigados a ser tautológicos, o Estado dos capitalistas, quem é que vai retirar o direito dos capitalistas, o PT?” 

Respondo: eu defendo lutar por direitos democráticos, para a classe trabalhadora, sob o capitalismo. E acho possível retirar direitos dos capitalistas, sob o capitalismo. 

Tanto isso é verdade que os capitalistas lutam o tempo todo para revogar a legislação trabalhista, para revogar a legislação previdenciária, para alterar a legislação eleitoral, para ampliar a tutela militar etc. Pois eles sabem que só retirando os direitos da classe trabalhadora, eles podem ampliar os direitos da classe dominante.

Pimenta diz que “os jornais burgueses que foram fechados em revoluções o foram como resultado da própria luta e da atitude contrarrevolucionária da burguesia e não como norma”. Errado. Concordemos ou não com isso, o fato é que em todas as revoluções socialistas, mais cedo ou mais tarde impôs-se a "norma" e os jornais da antiga classe dominante foram proibidos de existir.

Pimenta diz que “por algum motivo misterioso, nosso autor acredita que a restrição da democracia burguesa seria benéfica para os trabalhadores”. Errado. Primeiro, no que eu acredito é outra coisa: acredito que a restrição da democracia para a burguesia seria benéfica para os trabalhadores. Segundo, não há nada de misterioso. Há motivos de sobra para pararmos de chamar de "democracia burguesa" o conjunto das liberdades conquistadas pelo povo contra a burguesia. Afinal, as liberdades arrancadas pelo povo, desde 1789 até hoje, não fazem parte da “democracia burguesa”; foram conquistadas contra a burguesia e contra a “democracia burguesa”.

Pimenta diz que “em regime capitalista, na realidade, qualquer restrição dos direitos democráticos significa amarrar as mãos da classe trabalhadora na luta contra a burguesia”. Errado. Por exemplo: é correto restringir os “direitos democráticos” dos nazistas, dos racistas, dos homofóbicos etc. Claro que Pimenta não concorda e é por isto, entre outros motivos, que ele sai em defesa de tantos escrotos, como por exemplo Elon Musk. 

Para não dizer que não falei de flores, estou de acordo com Pimenta no seguinte: “a classe operária pode e deve utilizar a democracia burguesa, por mais restrita que seja, contra a própria burguesia”. Totalmente de acordo. Por isso, aliás, é que no caso Moraes versus Musk, considero possível apoiar algumas medidas (não todas) adotadas por Moraes. 

Pimenta diz que “o direito é para todos. Se existe liberdade de imprensa, qualquer pessoa pode abrir um jornal”. Haha. Só rindo. Isto não é verdade. Primeiro, pelo motivo que o próprio Pimenta aponta:  a desigualdade geralmente torna o usufruto desse direito um fato limitado ou até mesmo uma ficção”. Segundo, porque não basta “abrir um jornal”: é preciso que os meios de comunicação da classe trabalhadora sejam capazes de competir com os meios de comunicação dos capitalistas. E poderíamos continuar a lista de obstáculos, até concluir que, mesmo quando o direito abstrato parece universal, na prática ele se torna uma “ficção”.

Pimenta sabe disto e chega a cometer a seguinte frase: “não podemos concluir que o direito político seja uma ficção absoluta, apenas relativa”. Ou seja: o tal “direito” que ele vinha elogiando é reduzido à condição de ficção. Relativa, mas uma ficção. E o que isso quer dizer? Que para alguns o tal direito existe, para outros não existe. Portanto, o Tico do Pimenta acaba de demonstrar que o Teco do Pimenta está mentindo, quando fala que “o direito é para todos”.

Pimenta diz que “a liberdade de imprensa, se existe, é real para todos”. Vou desenhar o problema de outra forma: a força das classes, se existem, é real para todos. Mas para que a força de uns seja maior, é preciso que a força de outros seja menor. Ou seja: trata-se de um problema de correlação de forças. Não se trata de saber se é "real" ou não, se trata de perceber que é real para uns em detrimento de outros.

Pimenta diz que “se as liberdades democráticas não significassem nada, nem haveria sentido em se lutar por elas”. Verdade. O problema está em outro lugar, a saber: a ampliação das liberdades democráticas da classe trabalhadora implica em restringir as liberdades democráticas da burguesia. As vezes parece que Pimenta sabe disso, apenas troca as palavras “liberdades democráticas da burguesia” por “privilégios”. Mas ao defender os direitos democráticos de Elon Musk, ele demonstra que não se trata apenas de uma questão de palavras.

Pimenta diz que “para fazer as massas compreenderem o caráter de classe da democracia burguesia é necessário que exista essa democracia, mesmo na forma completamente bastarda e fictícia que temos no Brasil e, portanto, é uma necessidade fundamental que lutemos pela mais ampla e mais irrestrita democracia política sob o capitalismo”. Parcialmente errado. Enquanto existir capitalismo, não haverá a “mais ampla e irrestrita democracia política”. Logo, lutamos por algo que não é realizável nos marcos do capitalismo. Isso porque existe a tal democracia burguesa. Aliás, notem: de repente, caído de paraquedas, aparece a frase “caráter de classe da democracia burguesa”. Ora, se a “democracia” tem “caráter de classe”, então as “liberdades democráticas” também têm “caráter de classe”; logo o que é “irrestrito para alguns” é “restrito” para outros.

Concluindo: Pimenta diz ser ridículo “acreditar que alguma força no mundo seja capaz de restringir o ‘direito de mentir’." Entendo que Pimenta se sinta afetado por isto. E, de fato, seria ridículo achar que é possível eliminar a mentira. Mas não há nada de ridículo em achar que é possível restringir o “direito de mentir”. Dou um exemplo: a justiça eleitoral pode ou não retirar do ar propaganda eleitoral mentirosa? Outra pergunta: os nazistas podem fazer manifestações ou elas devem ser proibidas? Musk pode falar e fazer qualquer coisa?

Termino por onde comecei: nesta questão em tela, o PCO defende posições que a tornam aliada objetiva da extrema-direita. Aliás, como ouvinte da Jovem Pan e observador das redes sociais da extrema-direita, vejo que o outro lado percebe isto. Ademais, considero que o PCO é uma seita, cujo comportamento lembra em alguns aspectos o MR8 do final dos anos 1970. No que vai dar este coquetel explosivo, talvez só o Dugin saberá dizer.


SEGUE O TEXTO COMENTADO

Mais uma vez, Valter Pomar: errar é humano, insistir no erro…

"'Marxismo' de Pomar fica devendo", escreve Rui Costa Pimenta

Valter Pomar volta à carga contra o PCO num texto que revela um certo estado de alienação da realidade. Repete todos os argumentos que refutamos, sem considerar a refutação. Errar é humano, diz o ditado, mas insistir no erro…

Segundo o marxista Pomar, ele não pode ser considerado um pequeno-burguês pois "todos sabemos quem, nesta vida, efetivamente trabalha para ganhar seu pão". Aparte do fato de que o trabalho de intelectuais e profissionais liberais não é um trabalho proletário e deixando de lado a insinuação de que eu não trabalho (outra calúnia, sem justificativa), a caracterização de partidos e elementos de esquerda como pequeno-burgueses nada tem a ver com se e onde trabalham. Aqui, também o "marxismo" de Pomar fica devendo. Mas vamos demonstrar o método pequeno-burguês que Pomar tem usado nesta polêmica: "Pela graça do bom pai, estou viajando e sem tempo para ler, muito menos responder, toda a verborragia que o Rui Costa Pimenta e o PCO andam escrevendo a meu respeito.

Acontece que não consigo resistir ao estilo do referido cidadão, estilo que classifico como de assédio doentio (aliás, este é mais um ponto de contato com a extrema direita, além das já citadas defesas de vários escrotos, de Musk e de Brazão, o convívio com o Movimento Nova Resistência etc.). Novamente, vou deixar de lado grande parte das abobrinhas, inclusive a minha inclusão na "esquerda pequeno burguesa". Durante toda a discussão, Pomar se esforça para tentar diminuir o oponente. O PCO seria uma "seita", defendemos "escrotos", nossas respostas às suas críticas seriam "assédio doentio", etc. São comentários reveladores do caráter pequeno-burguês das concepções de Pomar: ele não pode nunca ficar por baixo e, por esse motivo, procurar desqualificar o adversário, assumindo uma empostação arrogante mesmo que não tenha motivo para isso. Nos artigos anteriores insiste em que somos uma "seita", o que quer que ele entenda por isso, uma vez que nunca explicou, diz que prefere ignorar nossos argumentos porque não seriam merecedores da sua sapiência e do seu precioso tempo e, novamente, sai pela tangente no debate classificando nossas posições de "abobrinhas". Está claro que em momento algum justifica tudo isso. É só para induzir o leitor incauto a acreditar na importância que ele atribui a si mesmo. O fato objetivo é que Pomar escreveu uma meia dúzia de artigos de crítica ao PCO e, ao ser respondido, foi incapaz de refutar um único argumento nosso. Na verdade, nosso grande crime seria responder a críticas sem fundamentação. O método marxista, porém, consiste em esclarecer as ideias políticas e teóricas à luz do marxismo. Não debatemos desopilar o fígado, mas para defender um programa político. Os textos do nosso contraditor estão tão longe desse método como a terra está da lua.

Isto é dito pela pessoa que publica sistematicamente artigos de "crítica" ao PCO sem qualquer provocação da nossa parte. Ao leitor de julgar quem sofre de "assédio doentio". Seria útil que o Sr. Valter Pomar explicasse tanto a nós como aos leitores qual é a razão da sua implicância com uma "seita" que só fala "abobrinhas", particularmente quando esta "seita" tem uma atitude muito correta com o seu partido, o PT. Não procuramos retirar ao militante petista o direito de escrever o que quiser, com a motivação que tiver, mas para esclarecimento do público geral seria importante explicar o que destaca o PCO de vários outros setores da esquerda, inclusive dentro do seu próprio partido, que, na nossa opinião merecem maior empenho crítico.

Novamente, neste artigo, somos apresentados com uma completa incompreensão do caráter da luta democrática: "Segundo Pimenta, 'a única política séria sob a ditadura da burguesia seria a de lutar para ampliar o mais possível os direitos do povo trabalhador, o que obviamente é uma luta contra a burguesia'".

É verdade. E é exatamente por isso que vários marxistas defendiam e seguem defendendo a 'ditadura do proletariado'". Logicamente, porém, esse não é o problema colocado pela discussão sobre a liberdade de expressão (irrestrita, porque qualquer outra coisa é censura, ou seja, restrição da expressão). Não estamos na e nem na véspera da ditadura proletária. Ao contrário, nossa tarefa é a de organizar a classe operária para que ela, diante da eclosão da revolução (que não depende de nós) esteja preparada para dirigi-la. Ora, isso significa que temos que definir qual é a política proletária para o longo período de ditadura da burguesia ou, dito de outra forma, qual é a política segundo a qual essa preparação possa ser realizada. É uma questão simples: é a luta por reformas sob o capitalismo. A luta pelas reformas, políticas e econômicas, é o meio para o objetivo final que é a revolução socialista. Esclarecido esse problema, qual deve ser a política marxista para a questão democrática? Sem dúvida, as reformas democráticas, entre elas a luta pela liberdade de expressão irrestrita, a luta pelo alargamento da democracia burguesa, o que permite um maior escopo de ação para o proletariado e as massas exploradas. Será demais dizer que isso é o be-a-bá do marxismo, que o nosso crítico não compreende este problema elementar e que repete os seus argumentos em entrar no mérito desta consideração?

Se passarmos o tempo respondendo com a ditadura do proletariado aos problemas do presente, logicamente nunca chegaremos à ditadura do proletariado. Pior, tal conduta seria a conduta de um propagandismo estéril e sectário, por falar em seitas.

Tudo aquilo que Pomar fala sobre a ditadura do proletariado tem esse pequeno senão: não estamos na ditadura do proletariado, mas na ditadura da burguesia.

Somos obrigados a explicar novamente que o direito de escravizar não é de fato um direito. Que monopólio do voto pelos homens ou pelos ricos como nos primeiros estágios do regime parlamentar não é um direito, mas um privilégio e uma ditadura, um fato antidemocrático. A menos que Pomar utilize como definição de direito, a mais reacionária e formalista das definições, ou seja, que tudo o que está escrito na lei é um direito. Contudo, se fosse assim, a ditadura militar brasileira e até o regime hitleriano seriam a personificação do estado de direito. Se o nosso contraditor não consegue entender nem mesmo isso, o que podemos fazer?

Pomar diz que não quer censurar os trabalhadores, mas Elon Musk. Quer dizer, ele não acredita em lutar por direitos democráticos sob o capitalismo, mas acredita, pasmem, na capacidade da classe operária reprimir… os capitalistas sob o capitalismo. Sendo que o Estado sob o capitalismo é, sendo obrigados a ser tautológicos, o Estado dos capitalistas, quem é que vai retirar o direito dos capitalistas, o PT?

Uma vez mais, confundindo alhos com bugalhos, o petista esclarece que "censurar os jornais burgueses, fechar os jornais burgueses, impedir a burguesia de mentir para o povo, foi algo comum a todas as revoluções socialistas." Somos novamente obrigados a chamar a atenção para o fato de que não estamos em uma revolução e nem mesmo numa etapa pré-revolucionária. Porém, ressalvamos que os jornais burgueses que foram fechados em revoluções o foram como resultado da própria luta e da atitude contrarrevolucionária da burguesia e não como norma.

Mais confusão: "Pois então: a 'ditadura' que eu pretendo 'restringir' é a ditadura exercida pela burguesia contra a classe trabalhadora. Acontece que essa ditadura é, ao mesmo tempo, uma democracia para a burguesia; a democracia da burguesia é a ditadura para os trabalhadores. Repito: não fui eu quem inventou esse jeito de pensar, quem fez isso foi o Marx, foi o Lenin etc e tal." Quando ouvimos tais explicações terminando com a invocação da autoridade de Marx ou Lênin, chegamos a sentir dó dos grandes marxistas, senão de nós mesmos. Segundo Pomar, num regime capitalista (lembrando sempre que estamos no regime reacionário do Brasil de abril de 2024 e não na futura ditadura do proletariado ou em meio a uma revolução), devemos lutar para restringir… a democracia burguesa! Por algum motivo misterioso, nosso autor acredita que a restrição da democracia burguesa seria benéfica para os trabalhadores. Em regime capitalista, na realidade, qualquer restrição dos direitos democráticos significa amarrar as mãos da classe trabalhadora na luta contra a burguesia. A classe operária pode e deve utilizar a democracia burguesa, por mais restrita que seja, contra a própria burguesia.

É um erro no entanto, pensar que a restrição dos direitos democráticos seja um problema para a própria burguesia. A burguesia de verdade, não a imaginária de Valter Pomar, no entanto, não pensa assim. Quando os direitos democráticos (da democracia burguesa) tornam-se um meio para as massas ameaçarem a sua dominação, a burguesia apela para restrição total dos direitos democráticos burgueses… contra as massas. Quem estiver acompanhando esse debate deve pensar que ninguém nunca viu uma ditadura como o regime militar no Brasil e em outros países.

Pelo aqui exposto concluímos que, se Pomar representa a ala marxista e revolucionária do PT, a situação desse partido está muito mais confusa do que parece e, somos obrigados a dizer, parece já muito confusa.

Pomar insiste: "para ele (para mim, n. do r.) existiria um direito genérico, que ou é restringido para todos, ou é ampliado para todos. Mas na vida real, na sociedade de classes, não funciona assim. Numa sociedade dividida em classes, para ampliar o direito de uns, é preciso restringir o direito de outros." Já demonstramos que o direito, estamos falando logicamente do direito democrático, só se opõe a privilégios e ditaduras, mas aqui ele introduz uma outra novidade: não existe um direito genérico, para todos os cidadãos. Isso é obviamente falso. Do ponto de vista do regime burguês, o direito é para todos. Se existe liberdade de imprensa, qualquer pessoa pode abrir um jornal. Se este direito for restringido pela lei ou arbitrariamente para qualquer setor social, ele torna-se um privilégio e estamos diante de um fato autoritário, ou seja, do abandono total ou parcial do estado de direito. Outra coisa, que parece ser o que pensa o nosso contumaz polemista, é que a desigualdade econômica e social torne o usufruto desse direito um fato limitado ou até mesmo uma ficção. Mas, mesmo desse ponto de vista, não podemos concluir que o direito político seja uma ficção absoluta, apenas relativa.

A liberdade de imprensa, se existe, é real para todos. Pomar, por exemplo, mantém um blogue que é um órgão de imprensa pequeno, mas que existe. Ele está exercendo seu direito democrático e embora com limitações econômicas, ele continua sendo real. É por isso que os marxistas sempre lutaram pela democracia burguesa política em oposição à ditadura. Se as liberdades democráticas não significassem nada, nem haveria sentido em se lutar por elas. Até mesmo para fazer as massas compreenderem o caráter de classe da democracia burguesia é necessário que exista essa democracia, mesmo na forma completamente bastarda e fictícia que temos no Brasil e, portanto, é uma necessidade fundamental que lutemos pela mais ampla e mais irrestrita democracia política sob o capitalismo.

No que diz respeito às liberdades políticas e civis, é absolutamente necessário que sejam absolutas e irrestritas: liberdade de pensamento e de palavra, direito de manifestação, de greve, etc. porque qualquer tentativa de restrição e de limitação desses direitos em nome da "necessidade social", do bom senso, etc. é um avanço da ditadura da burguesia sobre os direitos do povo.

A confusão pomariana é como um novelo de linha, quanto mais se puxa, mas aumenta. Segundo ele, "por óbvio, eu não defendo censura sobre os trabalhadores. Quem defende censura contra os trabalhadores é quem defende o Musk.

Eu, pelo contrário, defendo restringir o direito de mentir do Musk, assim como defendo restringir o direito de mentir dos oligopólios."

Além do ridículo de acreditar que alguma força no mundo seja capaz de restringir o "direito de mentir", quem vai fazer isso? Pomar, enebriado pela cruzada do Sr. Alexandre de Moraes e pelos arroubos totalitários do imperialismo, acredita que seja realmente possível reprimir a classe dominante. Por isso, temos que dizer que o alvo fundamental da campanha pela censura, orquestrada desde Washington, não é Musk, Bill Gates ou outro empresário da Internet, mas as massas do mundo todo que tendem a se rebelar contra os "democráticos" senhores do mundo. Pomar é apenas um propagandista inconsciente da política do imperialismo.

Toda essa enorme confusão política está refletida na política do PT que ignora a fantasia da ditadura e da revolução e adapta totalmente ao atual regime política reacionário, denominado por ele como "a democracia" e não propõe nenhuma reforma política por menor que seja. A ala do Sr. Pomar também não propõe nada nesse sentido e o sonho da repressão da burguesia se transforma numa adaptação passiva ao regime político burguês.

Para concluir, uma palavra aos enfadonhos canceladores que apoiam a confusão de Valter Pomar dizendo que devemos ser cancelados pelo Brasil247. Vocês não têm argumentos para debater e demonstram isso com as costumeiras tiradas grosseiras e ofensivas e como o uso do cachimbo faz a boca torta, quanto mais gritam "cancelamento!" mais se tornam incapazes de argumentar. Esse é um dos motivos do crescimento da direita no nosso país e no mundo.


quinta-feira, 25 de abril de 2024

A Marinha não quer remoer o passado!!!




Dê a mão, vão querer engolir teu braço inteiro.

O comandante da Marinha escreveu, no dia 22 de abril de 2024, uma carta criticando a inclusão de João Cândido no panteão dos heróis do Brasil.

A seguir os melhores momentos da tal carta, dirigida ao deputado que preside a Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados.

Segundo o comandante, a “Revolta de Marinheiros ocorrida em navios da Esquadra, em 1910”, “constitui para a Marinha do Brasil (MB), fato opróbio da história, cujo estopim se deu pela atuação violenta de abjetos marinheiros que, fendendo hierarquia e disciplina, utilizaram equipamentos militares para chantagear a nação, disparando, a esmo, os canhões de grosso calibre dos apoderados Encouraçados contra a então Capital Federal e uma população indefesa, ceifando a vida de duas crianças, atingidas no Morro do Castelo”.

Não sei o que é mais “abjeto”: a referência demagógica às duas crianças cuja vida teria sido ceifada pelos disparos “a esmo” de “canhões de grosso calibre” ou o que vem a seguir.

“Mister rememorar dentre as reivindicações apresentadas por manifesto de rebelados ao Governo brasileiro: o aumento de salários; a exclusão de Oficiais considerados - por eles - indignos de servir à Marinha; e regime de trabalho menos exigente. Notável, então, entender que, além do justo pleito pela revogação da prática repulsiva do açoite, buscavam, deliberadamente, vantagens corporativistas e ilegítimas”.

Óbvio que para um Almirante de Esquadra é totalmente inaceitável que reles marinheiros demandem “vantagens corporativas”, afinal todos sabemos que estas são restritas a altos oficiais. Oficiais que continuam incapazes de compreender o seguinte: o fato de em 1910 continuar existindo a “prática repulsiva do açoite” é justificativa em si mesma suficiente para que os “canhões de grosso calibre” fossem dirigidos contra os “oficiais indignos”.

Acontece que, para o comandante da marinha, os castigos físicos eram apenas um “erro”, um “equívoco” indigno.

Parece incrível ler isto em 2024, mas está aqui: “Os castigos físicos levados a cabo nos navios, prática inaceitável, sob perspectiva alguma, e absolutamente incompatível com os caros preceitos morais observados pela sociedade contemporânea, foram reconhecidos, posteriormente, como equivocados e indignos, e os insurgentes, inclusive, anistiados. Porém, resta notável diferença entre reconhecer um erro e enaltecer um heroísmo infundado.”

Erro é ter nomeado este comandante. Açoite é crime, é prolongamento da escravidão. Aliás, quantos altos oficiais são negros?

Por qual motivo o comandante da Marinha não quer “remoer o passado”? 

Ele mesmo diz: “incluir, no Livro de Heróis da Pátria, João Cândido Felisberto ou qualquer outro participante daquela deplorável página da história nacional, quando o patrimônio público foi destruído e o sangue de brasileiros inocentes derramado, seria o mesmo que transmitir à sociedade e, em particular, aos militares de hoje a mensagem de que é lícito recorrer as armas que lhes foram confiadas para reivindicar suposto direito individual ou de classe”.

Seria cômico, não fosse cínico. 

Na República Velha, nas condições antidemocráticas então vigentes, era “lícito” recorrer às armas para combater as desigualdades e injustiças. Aliás, foi isso que fizeram os tenentes e a Revolução de 1930. “Ilícito” foi fazer isso em 1964. 

O Comandante da Marinha manifesta, ainda, que a Força Naval não “vislumbra aderência da atuação de João Cândido Felisberto na Revolta dos Marinheiros com os valores de heroísmo e patriotismo; e sim, flagrante que qualifica reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro”.

E esbanja sua hipocrisia ao criticar a atitude de “enaltecer passagens afamadas pela subversão, ruptura de preceitos constitucionais organizadores e basilares das Forças Armadas e pelo descomedido emprego da violência de militares contra a vida de civis brasileiros é exaltar atributos morais e profissionais, que nada contribuirá ao pleno estabelecimento e manutenção do verdadeiro Estado Democrático de Direito”.

Desmedido é o comandante da Marinha interferir no trabalho legislativo.

Espero sinceramente que o senhor Marcos Olsen seja melhor marinheiro que historiador. 

Mas o presidente Lula, por respeito à história das lutas do povo brasileiro, precisa demitir este senhor do cargo de Comandante da Marinha.


ps. vale a pena ouvir o áudio disponível no link abaixo, onde se lembra que a ditadura censurou a música "O mestre-sala dos mares". Como se vê, os filhotes da ditadura seguem todos aí. Mas nós também seguimos aqui. E não vamos deixar esquecer jamais nossas lutas, mesmo que inglórias. 



 

segunda-feira, 22 de abril de 2024

PT: divagações sobre o papel da secretaria-geral

Na China, o Estado é poderoso.

E quem está no centro do poder de Estado? 

Na China, é o Partido Comunista.

E quem dirige o Partido?

Na China, é o Comitê Central, dentro dele o Politburo, dentro do Politburo a Comissão Permanente, que tem como núcleo o secretário-geral.

O secretário-geral é o presidente da China.

Não é secretário-geral porque é presidente.

É presidente porque é secretário-geral.

Quem é o presidente do PCCh? Ninguém: na China atual, o Partido não tem presidente.

Quem é o tesoureiro do PCCh? Não sei. Deve ter, mas nunca ouvi falar.

Na esquerda brasileira, a coisa é toda muito diferente.

Aqui o presidente da República tem grande influência sobre o principal Partido da esquerda, sendo inclusive seu presidente de honra.

Aqui os partidos têm presidente, inclusive por imposição da legislação.

Aqui as pessoas que ocupam a tesouraria têm imenso poder, assumindo muitas vezes o papel de “primeiro-ministro” das direções partidárias, no que parece ser uma transposição do que ocorre em parte do movimento sindical.

Um exemplo: desde 1995, a tendência atualmente majoritária no Diretório Nacional do PT nunca abriu mão de um único cargo: a tesouraria. Todos os demais cargos já foram ocupados por pessoas de outras tendências. A tesouraria, nunca!

E a secretaria-geral? No caso do PT, José Dirceu foi o último secretário-geral ao “estilo chinês” que tivemos. Desde 1995 até hoje, todos os demais secretários-gerais tiveram que lutar muito para definir seu espaço.

Alguns tiveram mais êxito nessa luta, outros menos. 

E tem aqueles que nem lutam por isso. Vá entender, mas assim é.

Se juntarmos esse fato com o predomínio crescente, tanto das bancadas parlamentares, quanto dos governantes “por sobre” as direções partidárias, temos como resultado uma crescente estatização do Partido.

Não “o Partido mandando no Estado”, mas “o Estado mandando no Partido”. 

Dito de outro jeito e exagerando um pouco, é como se quem controlasse as verbas, controlasse o Partido. Não seria “a política no comando do dinheiro”, mas - para usar uma imagem imperfeita, mas não falsa - “o dinheiro no comando da política”. 

Ou isso muda, ou não tem como terminar bem.



sexta-feira, 19 de abril de 2024

Ficção sobre pesos e medidas

que segue é ficção. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.

Um cara dá seguidas declarações públicas que desgastam o Partido.

Nada acontece com ele.

Um segundo cara passa anos servindo aos inimigos.

Este segundo cara é refiliado, sem prestar contas do que fez. Em sua defesa, é dito que “o partido não tem o hábito de pedir autocrítica de ninguém!”

Pano rápido.

Um terceiro cara é acusado de ter cometido um crime que ele não cometeu.

Pedem que ele peça desculpas.

A pressão pela “autocrítica” não tem êxito, mas contribui para enfraquecer a defesa.

O mesmo filme está se repetindo agora. Com direito a ligações, pressões e até “chantagem”.

Por quais motivos se adotam diferentes pesos e medidas??

Por um lado, resulta da influência da “teoria” segundo a qual o ataque não seria a melhor defesa.

Também contribuem para a reprise os interesses menores, os amigos errados e os “especialistas” em marketing, que sempre aparecem nessas  horas.

Além disso tem uma tara antiga, segundo a qual - dependendo do teu gênero, idade e etnia - você é culpada, mesmo sem culpa.

Portanto, deve pedir desculpas por existir.

Sabedora disto, a direita escolhe seus alvos especialmente entre aqueles cuja carne Elza Soares cantou.

Noves fora tudo isso, sempre lembrando que este texto é mera ficção, o bom senso manda cerrar fileiras na defesa da acusada da hora. Entre outros motivos porque não se ganha uma guerra fazendo aquilo que os inimigos querem que façamos.

Aventuras do PT na China (última parte, por enquanto)


Em Shangai, são 22h00 de 19 de abril de 2024. Logo mais regressa ao Brasil a delegação do PT que está em visita à China. Viemos via Frankfurt, voltaremos via Qatar.

A "delegação de alto nível", como foi denominada pelos anfitriões, era para ter tido 30 integrantes, depois foi reduzida devido a desistências de última hora, bem como por pessoas que tiveram que regressar antes do término, tendo chegado ao final da visita com a seguinte composição: Romênio Pereira, Monica Valente, Valter Pomar, José Airton, João Maurício, Saulo Dias, Maria Isabel, Miguel Ângelo, Carlos Veras, Carlos Zaratini, Ricardo Campos, Maria Isolda, Laura Sito, José Ronaldo, Macaé Maria, Helder Salomão, Cícero Balestro, Vitor Silveira, Debora Pereira, Jean Mark, Danilo Veloso e Liliam Borges. 

No último dia da visita, além das atividades fenícias e de turismo, a delegação visitou um centro comunitário e o respectivo comitê de base do Partido. Também houve uma reunião bilateral onde se combinaram os próximos passos, como por exemplo a vinda de professores chineses para uma atividade de formação sobre a história e funcionamento do PCCh, sobre o funcionamento do governo chinês e da planificação, sobre a iniciativa do Cinturão e Rota.

Aliás, do ponto de vista chinês, esta talvez seja a grande questão: se o Brasil vai se integrar à Iniciativa. Seguramente este será o grande tema a ser debatido, quando das visitas que Celso Amorim e Geraldo Alckmin farão à China nos próximos meses. Lembrando que, em novembro de 2024, será a vez de Xi Jinping visitar o Brasil.

De volta ao Brasil, cada integrante da delegação terá o desafio de digerir a experiência e transmitir, ao seu círculo de relações, as impressões que teve. O programa Janela Internacional, da TV FPA, entrevistará quem se disponha. A Fundação também buscará publicar os textos de balanço que sejam produzidos.

O grande desafio, entretanto, transcende conhecer a China e o PCCh. O grande desafio é transformar o Brasil. Deste ponto de vista, a visita a China ajuda a perceber o papel que podem jogar, na transformação profunda de um país, a vontade política, a ação coletiva, a perspectiva de longo prazo.

A "correlação de forças" não era favorável, quando o Partido Comunista da China foi criado, em 1921, por 13 delegados, representando 58 pessoas, num país com 300 milhões de habitantes. A "correlação de forças" também não era favorável, em inúmeros outros momentos da história da China. Mas, adotando a postura de transformar a correlação de forças, as forças sociais encabeçadas pelo PCCh conseguiram - com avanços e recuos, vitórias e derrotas, erros e acertos - fazer da China o que ela é hoje.

Para nós, do Brasil e da esquerda brasileira, é fundamental aprender com essa disposição de não se prostrar diante das dificuldades, de não transformar a correlação de forças momentânea num obstáculo definitivo e, principalmente, de não adotar a mediocridade como meta e parâmetro.

Nosso país tem enormes possibilidades. Enquanto os capitalistas dos setores financeiro e primário-exportador forem dominantes, essas possibilidades seguirão sendo apenas isso: possibilidades. Também por isso, o PT e o conjunto da esquerda brasileira não podem aceitar o papel de gestores do status quo. É preciso disposição de transformar profundamente o país, investir pesadamente no bem-estar social e no desenvolvimento. Quero crer que a delegação de alto nível decolará, logo mais, com esta ideia na cabeça, ainda que com diferentes opiniões acerca de como fazê-lo.

Terminamos por aqui a parte pública desta série de textos. Quanto a parte privada, ou seja, os relatos reservados da excursão, estes serão publicados proximamente, claro que em javanês.






quinta-feira, 18 de abril de 2024

Aventuras do PT na China (parte 10)

 

A comitiva do PT que está em visita a China está agora em Shangai. Como em todas as outras cidades, fomos hospedados num hotel de primeira categoria. O que só está sendo possível porque a parte chinesa está pagando, assim como pagaram as passagens de avião, os deslocamentos internos e as refeições. 

O hotel de Shangai fica na parte da cidade outrora ocupada pelos franceses. Quem não lembra, aqui vai: desde a Guerra do Ópio (1840), os chineses foram militarmente derrotados por diversas vezes. E, ao final de cada guerra, uma das imposições dos vencedores era ocupar – com direitos de extraterritorialidade – cidades, pedaços de cidade, portos etc. Na prática, era como se uma parte do território da China fosse considerado território francês, ou britânico, ou russo, ou austro-hungaro, ou germânico, ou estadounidense, ou japonês. Não uma embaixada, mas quarteirões e quarteirões.

No caso de Shangai, na denominada “concessão” francesa, ficou famosa uma placa posta na entrada de um parque público: não são admitidos cachorros e chineses. Hoje, no mesmo lugar onde estava a escandalosa placa, está um impressionante museu da história da cidade.

E por falar em coisas impressionantes, a China é o paraíso dos trem bala, das gruas em operação, dos viadutos floridos, dos museus e show-rooms. 



Em todas as cidades e em todas as empresas que fomos, há um amplo espaço onde se conta a história da respectiva instituição, entremeada sempre com a história do país. E com direito a generoso espaço para as decisões do Partido Comunista e – no caso das cidades que visitamos – para o pensamento de Xi Jinping. Por exemplo: os investimentos se fazem em todos os países, mas os empresário tem nacionalidade e precisam ser patriotas.

Tanto museus quanto showrooms usam técnicas “da hora”. E isto está ligado, como é óbvio, ao esforço que os chineses seguem fazendo no sentido de modernizar e desenvolver o país.

Curiosamente, uma pesquisa nas redes geralmente atribui esta iniciativa ao camarada Xi ou ao camarada Deng, mas na verdade desde pelo menos 1964 o PCCh vem perseguindo as "quatro modernizações": da agricultura, da indústria, da defesa, da ciência e tecnologia. 

A rigor, o que a China segue fazendo – em 2024 – é implementar o programa da Nova Democracia, formulado no início dos anos 1940 por Mao e aprovado pelo Partido. Que tenham havido zigue-zagues e delays imenso não altera a existência de um fio de continuidade. A China moderna não é obra de Confúcio, mas sim da revolução e da tradição marxista. Fato que os chineses reiteram o tempo todo, aliás.

O desenvolvimento das forças produtivas é apresentado, sempre, em combinação com a planificação. No Museu da Cidade de Xangai, por exemplo, há planos urbanos que vão até 2050 e além...

Vale dizer que nos apresentaram Shangai como uma cidade “jovem”, com “apenas” 600 anos, mais ou menos. Jovem, mas fundamental na história chinesa. Foi em Shangai que o PCCh foi fundado, exatamente dentro de uma “concessão”. Foi também em Shangai que nasceu Li Peng, que saiu do comando da cidade para o primeiro posto do Partido Comunista da China, logo depois do Incidente de Tianamen (ou, na versão dos críticos, o “massacre da praça da paz celestial”.

Em 2004, a delegação do PT foi levada a conhecer Pu Dong, uma antiga vila de pescadores, convertida em pólo de desenvolvimento científico-tecnólogico. Em 2024, a delegação foi levada a conhecer Yangshan, um novo distrito industrial, também construído a partir do zero e hoje convertido numa cidade com 450 mil residentes e 150 mil trabalhadores. 

Não tem nada que ver com os distritos industriais existentes no Brasil. Trata-se de uma cidade, com todas as comodidades e, também, com muitas belezas paisagísticas e arquitetônicas,

A maior parte da construção de Yangshan transcorreu nos últimos 5 anos, entre 2019 e 2024; hoje há cerca de 400 empresas atuando lá.  É em Yangshan (cuja tradução seria “pingo dágua”, devido a um imenso lago artificial construído no local) que fica o talvez maior porto de águas profundas do mundo. Lá visitamos uma fábrica de chips (Versilicon) e uma fábrica de robôs (Siasun). Também por lá fica uma fábrica da Tesla, com 28 mil trabalhadores.

Sim ladys and gentleman, a Tesla está na China, com direito a presença do sindicato e de uma célula do PCCh. Elon Musk, pelo visto, tem critérios mais elásticos do que se depreende, quando se observa sua campanha pela “liberdade irrestrita” do X no Brasil.

O PCCh tem, no distrito de Yangshan, 4.300 militantes. Cerca de 10% daqueles 4.300 são o que chamaríamos, no Brasil, de “profissionalizados”. Mas a maioria desses profissionalizados tem tarefas públicas, não apenas internas e organizativas. O chefe do Partido no distrito, por exemplo, responde pelo desenvolvimento global do distrito.

O chefe local do Partido, que nos recebeu, tem 58 anos, entrou no Partido em 1990. Quase desistiu, porque o processo de seleção é muito rigoroso, as vezes dura 5 anos. Ele acrescentou o seguinte: é muito difícil entrar no Partido e é muito difícil voltar ao Partido, caso a pessoa tenha saído por vontade própria ou se sido expulsa.

Como se pode constatar, é uma situação "quase igual" a como funciona um certo partido latino-americano. Pano rápido, voltaremos depois com mais um relato.

ps. este texto foi postado duas vezes. Na primeira vez, com o título errado. Foi um ato falho. Aventuras de um chinês na China é um texto do Júlio Verne, publicado em 1879 e, no meu caso, lido nos anos 1970.

ps2. nos anos 1970, Pedro Pomar esteve na China, para um encontro com Chu Enlai (ver foto abaixo), com o objetivo de informar sobre a Guerrilha do Araguaia. O tradutor deste encontro, um cidadão chamado Guo, também contribuiu na tradução de duas outras visitas - feitas por Wladimir e Rachel Pomar - no início dos anos 1980, sendo uma delas a primeira visita oficial do PT à China. Pois bem: Guo -que aparece na foto abaixo - está com seus oitenta e tantos anos e manda lembranças para os amigos brasileiros.









terça-feira, 16 de abril de 2024

O plano é tirar Haddad do páreo?

Ainda é cedo para discutir cenários de 2026. Muita água vai passar embaixo da ponte. Inclusive muita água suja, como se pode constatar vendo as previsões relativas ao resultado das eleições municipais de 2024.

Isto posto, a preços de hoje, a depender do cenário, a direita e a extrema-direita têm vários presidenciáveis, desde o cavernícola e sua consorte, até alguns governadores.

E a esquerda? Há também vários nomes, o principal dos quais é o próprio Lula. Outro dos nomes era o Haddad. Era. Pois, pelo visto, está em curso um plano para tirar Haddad da lista de opções para 2026. Plano que conta com a ativa participação do próprio ministro da Fazenda.

Explico: desde 1989 até 2022, o único ex-ministro da Fazenda que se elegeu presidente foi outro Fernando, o Henrique. Mas o fez cavalgando o Plano Real. No médio prazo, o Real causou um desastre macroeconômico. Mas, no curto prazo, foi um valioso ativo eleitoral.

Pois bem: podemos ter divergências sobre qual será o efeito de médio prazo da política que está sendo conduzida pelo ministério da Fazenda, encabeçado por Haddad. Mas está cada vez mais evidente que, no curto prazo, seus efeitos não serão eleitoralmente positivos, nem em 2024, nem em 2026.

Detalhes a respeito estão espalhados em inúmeros textos de análise do arcabouço fiscal, o mais recente dos quais - acerca da PLDO 2025 - eu reproduzo ao final. Como se poderá constatar, confirmam-se as previsões de que, para fechar as contas, a Fazenda vai pressionar pela revogação dos pisos constitucionais da saúde e da educação.

Para além das implicações éticas, políticas, econômicas, sociais e estratégicas deste tipo de proposta, não apenas sobre o governo e sobre o Partido, mas também sobre a história pessoal (e o currículo lattes!!!) de quem promove este tipo de barbaridade, há algo mais imediato: alguém acha que uma candidatura de esquerda se elegerá, tendo como bandeiras o déficit zero e a responsabilidade fiscal?

A situação me lembra um conto que li, em que um ministeriável disse para um presidente recém-eleito algo mais ou menos assim: "voce vai entregar para mim o ministério da tesoura e vai entregar para fulano o ministério do tijolo?" 

Enfim, a política fiscal do governo Lula, além de errada em si mesma, pelos motivos explicados noutros textos, tem como efeito político imediato reduzir o leque de opções eleitorais do PT para 2026. Se este é o plano, dá dando certo.

Alguém poderá dizer: "mas tem 2030!" É verdade, tem 2030. Mas no ritmo em que as coisas estão indo, com as duas direitas fungando no nosso cangote, em 2030 a esquerda corre o risco de não estar muito bem de saúde.

Como fez em 2006, o governo precisa mudar o rumo de sua política econômica. Há pressões e movimentos nesse sentido, como se percebe no caso da recente decisão sobre as metas do primário. Mas se isso for feito sem romper com as premissas do arcabouço fiscal, o resultado final será cortar na carne. 

Claro, sempre esta a opção de contar com a sorte. Algo pouco prudente, na atual situação política do Brasil e do mundo.


Segue a análise referida acima.

David Deccache no X: "Comentários preliminares sobre o PLDO de 2025 e a ameaça ao piso da saúde. Ao dar uma primeira olhada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, minha reação foi de completa incredulidade. Nas projeções fiscais do PLDO para os gastos com saúde (obrigatórios com… https://t.co/n3ctCryhrp" / X (twitter.com)

Comentários preliminares sobre o PLDO de 2025 e a ameaça ao piso da saúde. Ao dar uma primeira olhada no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2025, minha reação foi de completa incredulidade. Nas projeções fiscais do PLDO para os gastos com saúde (obrigatórios com controle de fluxo), o governo parece pressupor o fim do piso constitucional já a partir de 2025. Isso confirma e ratifica as declarações recentes da equipe econômica, que se opôs publicamente aos atuais mínimos constitucionais para saúde e educação, conquistas históricas do nosso povo. Para que as projeções e/ou projetos do governo apontados no texto se concretizem de fato, é necessário que uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) seja aprovada no Congresso ainda neste ano, revogando os atuais pisos constitucionais da saúde e da educação. Portanto, nada está perdido. Ainda. O PLDO revela intenções claras do governo de promover um declínio contínuo nos gastos com saúde de 2025 a 2028, representando um retrocesso flagrante em comparação com o modelo atual. Para 2024, a projeção de gastos começa em R$ 153,4 bilhões e segue uma trajetória de queda anual, atingindo R$ 148 bilhões em 2028 (a preços de 2024). Essa redução é ainda mais drástica para essa variável específica que o congelamento imposto durante a gestão Temer, configurando uma verdadeira trajetória de 'derretimento', conforme descrito na tabela 7 do PLDO 2025. Em decorrência da contínua e deliberada deterioração relativa dos gastos com saúde, o governo prevê diminuir a proporção desses gastos em relação ao PIB de 1,33% em 2024 para 1,15% em 2028 (tabela 6). É importante ressaltar que o anúncio deste projeto ocorreu no mesmo dia em que foi divulgada uma suposta parceria entre o governo e o Congresso para a aprovação de uma PEC que visa estabelecer um piso para aumentar os gastos com as Forças Armadas de 1,2% do PIB para, no mínimo, 2%. Há também a promessa de redução do tamanho do Estado como um todo em proporção ao PIB. O diagnóstico do governo é claro: considera que o Brasil gasta muito com saúde, educação e demais áreas públicas. Portanto, pretende construir uma economia com mais mercado e menos Estado. Concretamente, promete reduzir os gastos primários totais de quase 19,63% do PIB em 2023 para 17,85% em 2028 (PLDO 2025, p. 146). Um trecho curioso do PLDO é quando o governo menciona que pretende realizar uma ampla revisão de gastos com o seguinte objetivo: "O processo de revisão de gastos no âmbito do Poder Executivo federal surge como uma resposta estratégica e proativa a três desafios: (1) reduzir a pressão das despesas obrigatórias, que têm previsão de crescimento, por força legal e de movimentos sociodemográficos (...)." Sinceramente, é razoável para um governo progressista atuar para reduzir despesas que tendem a crescer para acompanhar o aumento da demanda da população por um determinado serviço? Como a população brasileira está envelhecendo, por exemplo, há obviamente pressão para a ampliação com gastos em saúde. Diante deste cenário a atitude sensata é atuar para reduzí-los? Antecipando-se às críticas, o governo defende que os cortes de gastos serão compensados por um 'aumento de eficiência'. Naturalmente, argumentam que o cerne dos problemas na saúde e educação reside na eficiência. Segundo essa lógica, reduzindo os salários dos professores e dos profissionais de saúde, a eficiência, por consequência, aumentaria. Detalhe: embora o governo, por motivos óbvios, não mencione explicitamente saúde e educação como alvos diretos das revisões, as tabelas anexadas e o Relatório de Projeções Fiscais do Tesouro deixam claro essa intenção. O relatório revela que foram realizados estudos visando a retirada de mais de R$ 500 bilhões dessas áreas até 2033. Diante deste cenário de contração fiscal dos gastos e investimentos públicos, como o governo pretende gerar crescimento econômico nos próximos ? (i) Contração fiscal expansionista e... progresssista. Baseados em suposições sem evidências, apostam que a reforma tributária e a contração fiscal reduzirão significativamente 'a tal taxa neutra de juros' (p. 123). Esta hipótese neoliberal, amplamente falha e ridicularizada por fartas evidências históricas, é hoje criticada até pelo FMI. Apenas os mais ardorosos defensores do neoliberalismo ainda sustentam a tese de uma contração fiscal expansionista. Até Alberto Alesina, o arquiteto dessa teoria, agora admite suas falhas. Contudo, o governo promete que dessa vez a contração fiscal vai funcionar tão bem que além de ser expansionista será progressista, algo que será inédito na história do capitalismo. (ii) As chamadas medidas microeconômicas, principalmente a ampliação da facilidade do sistema financeiro em executar garantias de devedores, como carros, casas e afins. Prometem que isso também reduzirá juros. A Febraban apoia efusivamente a medida que ela mesmo construiu e garante que os juros no Brasil são altos porque o nosso povo fica dando muita volta nos pobres bancos. (iii) Citam medidas de incentivo ao investimento privado, especialmente ambientais, como o chamado Plano de Transformação Ecológica. Será o mercado salvando o meio ambiente da destruição que ele mesmo gera. (iv) Consideram que a suposta inovação do programa de hedge cambial para reduzir o risco do especulador externo vai atrair investimentos. Prosseguem com um espetáculo de platitudes neoliberais, tão familiares aos discursos dos tucanos ao longo das décadas. Entretanto, não posso terminar esse texto sem mencionar algo que me chamou bastante atenção: a curiosa aposta na ampliação da dívida externa. Aqueles minimamente familiarizados com a economia brasileira entendem bem o risco de trocar dívida emitida na nossa própria moeda por dívida em dólares e outras moedas fortes. No entanto, para o governo, parece não haver diferença alguma. Vejam esse trecho de uma matéria assinada pelo Tesouro Nacional: "A emissão reforça o papel importante da dívida externa em termos de alongamento de prazo, diversificação de indexadores e da base de investidores (...)" Por fim, o governo conclui no PLDO que é a austeridade fiscal que vai matar a fome e a insuficiência de serviços públicos no Brasil: "Políticas fiscais bem elaboradas, dentro de um arcabouço que prima por responsabilidade fiscal, podem mitigar os problemas sociais que assolam a população brasileira, como a fome, a oferta ainda insuficiente dos serviços públicos e as desigualdades."



O problema de Pimenta não é comigo

Pela graça do bom pai, estou viajando e sem tempo para ler, muito menos responder, toda a verborragia que o Rui Costa Pimenta e o PCO andam escrevendo a meu respeito.

Acontece que não consigo resistir ao estilo do referido cidadão, estilo que classifico como de assédio doentio  (aliás, esta é mais um ponto de contato com a extrema direita, além das já citadas defesas de vários escrotos, de Musk e de Brazão, o convívio com o Movimento Nova Resistência etc.).

Novamente, vou deixar de lado grande parte das abobrinhas, inclusive a minha inclusão na "esquerda pequeno burguesa". Até porque todos sabemos quem, nesta vida, efetivamente trabalha para ganhar seu pão.

Me restrinjo, portanto, ao ponto que deu origem a este debate: a liberdade de expressão "irrestrita", argumento que Pimenta utiliza para defender Musk.

Segundo Pimenta, "a única política séria sob a ditadura da burguesia seria a de lutar para ampliar o mais possível os direitos do povo trabalhador, o que obviamente é uma luta contra a burguesia".

É verdade. E é exatamente por isso que vários marxistas defendiam e seguem defendendo a "ditadura do proletariado". Ditadura do proletariado que eles definiam como sendo democracia para o proletariado e ditadura para a burguesia. Ou seja: para ampliar a democracia para uns, é preciso restringir a democracia para outros. 

Não fui eu que inventei esta maneira de expor o problema, foi Marx, foi Lênin e outros menos dotados. 

Por analogia, para ampliar os direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos negros, é preciso restringir ou até mesmo eliminar por completo os direitos do senhor de escravos, do patrão e do patriarca, do Roberto Marinho et caterva, incluindo na quadrilha o Musk e o Brazão.

No tratamento do tema "democracia", Pimenta adota um jeito de pensar que não é marxista, é liberal. 

Para ele existiria um direito genérico, que ou é restringido para todos, ou é ampliado para todos. Mas na vida real, na sociedade de classes, não funciona assim. Numa sociedade dividida em classes, para ampliar o direito de uns, é preciso restringir o direito de outros. 

Para desenhar: não tem jeito de ampliar os direitos das mulheres, sem restringir os direitos quase absolutos dos homens. Não tem jeito de ampliar os direitos dos negros e negras, sem restringir os direitos quase absolutos dos brancos. Não tem jeito de ampliar os direitos da classe trabalhadora, sem restringir os direitos quase absolutos dos burgueses. 

Por óbvio, eu não defendo censura sobre os trabalhadores. Quem defende censura contra os trabalhadores é quem defende o Musk. 

Eu, pelo contrário, defendo restringir o direito de mentir do Musk, assim como defendo restringir o direito de mentir dos oligopólios. Aliás, censurar os jornais burgueses, fechar os jornais burgueses, impedir a burguesia de mentir para o povo, foi algo comum a todas as revoluções socialistas. 

Isto posto, tenho dúvida se Pimenta lê o que ele assina. Vejam a seguinte frase: "Em resumo, Pomar prova que os direitos democráticos restringem a ditadura e o arbítrio e que, portanto, é preciso lutar por eles, porque são uma luta contra a ditadura do capital". 

Pois então: a "ditadura" que eu pretendo "restringir" é a ditadura exercida pela burguesia contra a classe trabalhadora. Acontece que essa ditadura é, ao mesmo tempo, uma democracia para a burguesia; a democracia da burguesia é a ditadura para os trabalhadores. Repito: não fui eu quem inventou esse jeito de pensar, quem fez isso foi o Marx, foi o Lenin etc e tal. 

Portanto, o problema de Pimenta não é comigo, é com os fundadores do marxismo. Agora, repito: do ponto de vista do povo brasileiro, que não é marxista, o problema real é que o PCO está defendendo posições que objetivamente favorecem a extrema-direita. 

Poliana me diz que isto tem um lado positivo: poderíamos propor ao PCO que ofereça asilo para uma determinada pessoa. Mas isso já são outros quinhentos.


Segue abaixo o texto criticado 

Valter Pomar: por que a esquerda pequeno-burguesa defende a censura

"Com a censura, a classe dominante está destruindo os direitos democráticos da classe operária", escreve Rui Costa Pimenta em resposta a Valter Pomar

A réplica de Valter Pomar à nossa matéria de resposta a ele neste órgão revela com toda a clareza por que a esquerda pequeno-burguesa não defende os direitos democráticos do povo e apoia a censura.

Segundo Pomar, "Pimenta, do PCO, reclama que eu não refutei seus argumentos. (..) A bem da verdade, eu os desconsiderei, exceto um: a `liberdade de expressão irrestrita`".

"Desconsiderei", aqui, é um eufemismo para "não sei o que dizer a respeito". Alguns podem acreditar que estou apenas utilizando a mesma tática de Valter Pomar de desclassificar o contraditor para evitar entrar no debate de ideias, mas não é assim. Explico.

A esquerda pequeno-burguesa em geral e Pomar em particular nada entende sobre as questões da democracia política. Acreditam que "numa sociedade de classes, não existe liberdade 'irrestrita'". Este raciocínio, que é uma verdade relativa nos levaria a acreditar que restringir ainda mais a liberdade, seria bom. A falta de lógica é indicativa de que o autor não sabe do que está falando.

O problema com Valter Pomar é, portanto, que ele não sabe o que é democracia burguesa e menos ainda o programa marxista em relação a ela.

Para um marxista é óbvio que a única política séria sob a ditadura da burguesia seria a de lutar para ampliar o mais possível os direitos do povo trabalhador, o que obviamente é uma luta contra a burguesia.

Pomar mostra de maneira mais clara a sua ignorância da questão democrática ao dizer que "é óbvio que ampliar o direito das mulheres restringe o poder até então absoluto dos homens". O problema dessa afirmação é óbvio para um marxista: o poder absoluto dos homens não é um direito, mas uma ditadura, um privilégio antidemocrático, assim como acabar com a escravidão e dar ao escravo todos os direitos de cidadania não é restringir o "direito" de escravizar porque escravizar não é um direito democrático. Ele repete esse absurdo ao dizer que "dar ao povo o 'direito de falar' - se for para valer - significa 'tirar' da classe dominante o 'monopólio da fala', exercido através do controle empresarial dos grandes meios de comunicação".

Monopolizar alguma coisa também não é um direito democrático. Ao contrário, o monopólio é um sinônimo de ditadura. Se Pomar entende que sob o monopólio da burguesia sobre os meios de comunicação, a liberdade de expressão seria apenas uma mentira e não um direito limitado pelo poder econômico da classe dominante, isso também não invalida a luta pela mais ampla liberdade de expressão; isso significa que esse direito somente será exercido totalmente quando a burguesia for expropriada. Certamente restringir esse direito, não trará senão prejuízo para os trabalhadores.

Em resumo, Pomar prova que os direitos democráticos restringem a ditadura e o arbítrio e que, portanto, é preciso lutar por eles, porque são uma luta contra a ditadura do capital. Qualquer censura somente poderá ser exercida pela classe dominante, pela classe que domina o Estado, a burguesia, e isso significa que, com a censura, a classe dominante está destruindo os direitos democráticos da classe operária.