Em 2013,
quando comemoramos 10 anos de chegada à presidência da República, o tom
predominante em nosso Partido era de extremo otimismo.
Um exemplo deste
otimismo é o livro Um salto para o futuro, escrito por Luiz Dulci e lançado em
março daquele ano. Sua leitura deixa claro como era difícil, naquela época,
apontar e muito mais difícil debater a sério os problemas, as deficiências, as
dificuldades, as ameaças que pairavam sobre nós e que desabaram sobre nossas
cabeças pouco tempo depois.
Desde então,
cinco anos passaram por debaixo da ponte. Mas parece que foi muito mais tempo. Tanto
é assim que agora, quando o PT está comemorando seus 38 anos de fundação, o
clima é totalmente diferente daquele otimismo. Predominam os debates acerca da
possível prisão de Lula, da cassação de sua candidatura e da própria legenda do
PT, assim como a respeito da perseguição contra inúmeras lideranças petistas,
tudo isto no contexto das contrarreformas.
A discussão
não é mais sobre o “salto para o futuro”, mas sim sobre o regresso ao passado,
através da “ponte” construída pelos golpistas. Predomina não o otimismo de
2013, mas o pessimismo, mesmo quando disfarçado de realismo.
O curioso é
que, tanto hoje quanto naquela época, segue igualmente difícil travar o debate sobre
nossos problemas e como superá-los. Num e noutro caso, um dos maiores
obstáculos para o debate é o senso comum do curto prazo.
Por senso
comum de curto prazo, nos referimos, por exemplo, às palavras de um candidato à
presidente nacional do PT no PED de 2013: primeiro eleger a Dilma, depois discutir a
alteração de rumos.
A recusa em debater,
já em 2013, a necessária mudança de rumos contribuiu para que nosso terceiro
mandato ziguezagueasse entre três posições: a) repetir a dose do que fora feito
no segundo mandato de Lula, b) tentar enfrentar os inimigos sem plano nem
organização e c) fazer um choque ortodoxo.
Mas o
desastre não bastou para curar: hoje o senso comum de curto prazo continua
aí, fazendo com que grande parte do PT não pense noutra coisa senão as eleições
de 2018. E, muitas vezes, precisamente numa determinada campanha, transformando
nosso partido numa somatória de micropartidos, cada qual envolvido com sua
campanha.
Antes que alguém
diga, vale esclarecer: o PT deve e precisa ter fortes candidaturas a
governador, a senador, a deputado federal e estadual nas eleições de 2018.
O problema
não reside nisto, mas no seguinte: mesmo supondo que o PT tenha um ótimo
resultado nas eleições de 2018, inclusive elegendo Lula presidente da República,
isso não teria as mesmas implicações que teve em 2002, 2006 e 2010. Desta vez,
se ganharmos, o lado de lá agirá como em 2014 e continuará operando na frequência
golpe; e fará de tudo para impedir nossa posse e para sabotar de
maneira violenta nosso governo.
Contra isso,
não basta ter uma política eleitoral exitosa. É preciso ter outra
linha política, acompanhada de níveis de organização e mobilização totalmente
diferentes dos que tivemos até hoje.
O mesmo
raciocínio vale para o caso de uma derrota total ou parcial nas eleições de 2018:
o que virá depois disso não serão menos, e sim mais ataques violentos. Contra
os quais adiantarão muito pouco as posições institucionais que tivermos
conquistado em 2018, especialmente se estas posições tiverem sido conquistadas
numa linha de “respeito à ordem” e “conciliação de classe”.
Basta ver, para
comprovar isto, o reduzido papel que nossos governos de estado jogaram e seguem
jogando na luta contra o golpe. Aliás, vale lembrar que entre 1990 e 2002, nossos
governos estaduais foram mais úteis na luta contra o neoliberalismo exatamente
ali onde predominava uma concepção mais radical de enfrentamento politico.
Portanto, não
se está dizendo que ter posições institucionais seja inútil. O que se está
dizendo é que a “utilidade” estratégica dos nossos mandatos aumenta ou diminui
muito, a depender da linha política e do nível de organização extra-institucional
do partido e do conjunto da classe.
Não há quem
fale contra a necessidade de outra linha politica. Nem quem discorde da
necessidade de mudar profundamente os métodos de funcionamento do conjunto da
esquerda. Aliás, “retomar o trabalho de base” está virando um chavão.
Mas há uma distância
enorme e evidente entre o discurso e a prática. Em parte isto ocorre por inércia,
noutros casos por falta de imaginação e/ou de experiência, mas principalmente
porque um pedaço importante do nosso partido simplesmente não tirou todas as
consequências do que ocorreu em 2016 e segue acreditando na possibilidade de
mudar o país sem impor uma derrota profunda à classe dos grandes capitalistas
brasileiros.
O que há de
fundamental para ser dito a respeito, no que diz respeito a nossa atitude
frente ao grande capital, está no seguinte texto: https://www.pagina13.org.br/sobre-a-condenacao-de-lula/
A
dificuldade de compreender o papel da classe dos grandes capitalistas não é um
problema cognitivo. Não é que as pessoas “não entendam”. O problema é de outra
natureza: existe um setor do Partido, assim como existe um setor na classe
trabalhadora, que não considera necessário impor uma derrota profunda à classe dos
grandes capitalistas. Pelo contrário, acham que o caminho de “derrotar
profundamente” nossos inimigos de classe é, além de inviável, prejudicial aos
nossos objetivos de curto e médio prazo: seria como o ótimo utópico virando
inimigo do bom possível.
Daí provém,
igualmente, a indiferença ou até repulsa destes setores a qualquer referência
ao socialismo – e sua predileção por palavras de ordem tipo “nação”, “soberania”,
“Estado” e “desenvolvimento”.
Em última
análise, é aquela postura que está por detrás das políticas de aliança com
forças de direita e centro-direita, por detrás das ilusões republicanas nas
instituições do “Estado democrático de direito”, por detrás das atitudes que
não tomamos contra o oligopólio da mídia. No fundo, no fundo, tudo remete a um
problema de classe, mais exatamente de como tratar a classe dominante.
No passado
recente, a hegemonia do pensamento conciliador não colocou em risco nossa
sobrevivência no curto prazo. Pelo contrário, no curto prazo aquela atitude pragmática
pode até ter contribuído, em alguns casos, para nosso crescimento institucional.
Entretanto, no médio prazo, sabemos quais foram suas consequências.
Na atual
conjuntura e no futuro visível, entretanto, a hegemonia do pensamento conciliador
pode levar a desdobramentos catastróficos para o PT, não apenas no médio, mas também
no curto prazo. Não apenas devido a decisões politicas no sentido estrito, mas também
porque sua influência contribui para que não adotemos mudanças urgentes em nossas
políticas de organização e mobilização de massa.
Quando
falamos de medidas urgentes, estamos nos referindo a ações práticas que busquem
dar conta do que é comentado a seguir.
Em primeiro
lugar, como resultado do veloz desmonte daquilo que de positivo foi feito entre
2003 e 2016, estamos vendo aparecer uma nova configuração social da luta de
classes, diferente daquelas em que atuamos na maior parte dos últimos trinta
anos. Como lidar com esta “nova” situação, em particular com a “nova” classe
trabalhadora?
Em segundo
lugar, em parte como desdobramento da ofensiva do capital contra nós, em parte resultado
dos métodos utilizados para derrotar o PT, estamos vendo aparecer uma “nova
normalidade” institucionalidade, diferente daquela a que nos acostumamos desde
1988. Como atuar nesta “nova” institucionalidade?
Em terceiro
lugar, as operações da direita para destruir o PT, assim como as tentativas que
várias esquerdas fazem de “superar” o PT, estão atingindo seu clímax e sua
combinação pode levar a uma situação que não vimos em nenhuma das eleições
presidenciais, desde 1989 até 2014. Que linha adotar frente a isto?
Em quarto
lugar, as transformações acima relacionadas estão tornando cada vez mais
difícil a vida interna do Partido, seja por dificuldades materiais, seja por
perda de capacidade de mobilizar parcela de nossa base social (que, entretanto,
pode seguir votando em nós), seja por esgarçamento das relações entre os
diferentes setores do Partido, seja por insuficiência dos nossos instrumentos. Neste último caso, assistimos à crescente terceirização, para movimentos e também
para outras organizações políticas, de ações que deveriam ser feitas pelo nosso
partido. Que medidas organizativas adotar frente a tudo isto?
Parte do que
deveria ser feito, em nossa opinião, está aqui descrito: https://www.pagina13.org.br/para-enfrentar-a-ofensiva-golpista-radicalizar-a-luta-popular/
Nem tudo que
precisa ser feito, poderá ser feito. E pouco do que poderá ser feito, trará
consequências imediatas. Mas começar imediatamente terá, por si mesmo, efeitos positivos
tanto na nossa capacidade de atacar o golpismo, quanto em nossa capacidade de
nos defendermos dos ataques dos golpistas.
Começar
imediatamente contribuirá, também, para impor certos limites à capacidade de
atração de nossos amigos e adversários de outros setores da esquerda, alguns
dos quais estão agindo publicamente como aqueles herdeiros que esperam a morte
do parente para ficar com um pedaço do espólio.
(Um
comentário lateral, válido para alguns, não para todos: quanto mais tentam
disputar o espólio, mais ficam parecidos com aquilo que criticam e mais se
condenam a repetir de forma piorada e acelerada os erros que cometemos e que hoje
estamos chamados a corrigir. Sem falar dos que não percebem que uma eventual destruição do PT arrastaria atrás de si toda a esquerda. Mas para quem acredita que o PT pode ser "ultrapassado pela esquerda", estes alertas soam tão oportunistas quanto, antes, soavam os alertas de que haveria um golpe.)
Já foi dito
que tudo o que é vivo um dia morre; e todos os vivos morrem um pouco a cada
dia, sem nunca ter certeza de quanto resta pela frente. Feita esta ressalva, não
há nenhuma razão para que o PT não sobreviva por muito tempo ainda.
Vejam o caso
do Partido Comunista e também o caso do Partido Trabalhista. Um fundado em
1922, outro em 1945. Ambos seguem por aí.
A questão
relevante, claro, não é saber se o PT sobreviverá, mas como
ele sobreviverá, com qual influência social e com que linha política.
Nenhuma
destas questões está dada de antemão. Variáveis internacionais e nacionais vão incidir
nisto, a começar pelos desdobramentos da luta atualmente em curso entre o
grande capital e a classe trabalhadora.
Mas uma
coisa é certa: o que quer que ocorra nos próximos anos, incluindo aí as
modificações na própria classe trabalhadora, esta continuará necessitando de um
partido de classe, de massas, socialista e revolucionário.
Se nós que somos militantes do PT não
formos capazes de solucionar e superar as dificuldades atuais, será muito mais
difícil para as futuras gerações.
Se, pelo
contrário, formos capazes de alterar nossa linha política, nossa política de
organização e mobilização da classe trabalhadora, nosso legado às futuras
gerações não será um problema, mas uma solução: o Partido dos Trabalhadores.
Seremos
capazes? Parte importante da resposta saberemos nos próximos dias, semanas e meses. A nossa reação frente a uma possível ordem de prisão contra Lula, assim como nossa postura frente às
eleições de 2018 terão, para o futuro do PT, um significado similar ao que tiveram a nossa postura frente ao Colégio Eleitoral e frente à Constituição de 1988.
Portanto, mesmo sabendo que até isso pode ser desrespeitado pelo golpismo, aproveitemos bem os próximos dias de Carnaval, sabendo que depois (ver ressalva em negrito acima) viveremos, nós e nosso aniversariante de 38 anos, momentos inesquecíveis.
Sobre momentos passados
A fundação
do Partido dos Trabalhadores ocorreu no dia 10 de fevereiro de 1980.
Mais
detalhes sobre o ocorrido naquela data estão disponíveis no seguinte endereço: http://csbh.fpabramo.org.br/blog/1980-nasce-o-pt-voce-sabe-quem-estava-no-colegio-sion
Desde 1980,
a trajetória do PT mereceu todo tipo de análise, vinda de amigos e inimigos.
Parte desta
análise está em obras citadas aqui: https://fpabramo.org.br/2014/02/03/fpa-lanca-bibliografia-do-pt-para-download-gratuito/
Meu ponto de
vista a respeito está no livro A metamorfose: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/EspacoAcademico/article/view/37001/19157
A história
do PT pode ser dividida em quatro grandes momentos:
-de 1980 a
1989, quando predominou a luta contra a ditadura e contra a transição
conservadora;
-de 1990 até
2002, marcado pela luta contra o neoliberalismo;
-de 2003 até
2016, tendo como variável principal a presidência da República;
-desde 12 de
maio de 2016, quando fomos empurrados para a oposição.
Em cada um
destes períodos, o PT adotou diferentes programas, estratégias, táticas,
modelos de organização interna e métodos de relação com a classe trabalhadora e
o conjunto da população.
A transição
entre um momento e outro sempre foi acompanhada de uma crise interna.
Por exemplo:
a disputa sobre a própria afirmação do PT, entre 1980 e 1983; a disputa de
rumos entre “moderados” e “radicais”, ocorrida entre 1990 e 1995; a a disputa de rumos ocorrida entre 2002 e 2005;
e a disputa atualmente em curso, sobre qual deve ser a linha política do PT
frente ao golpe.
Uma análise
da luta interna entre 1990 e 1995, bem como entre 2002 e 2005, pode ser lida
aqui: https://issuu.com/pagina13/docs/resolucoes_ii_congresso_da_ae__1_
O PT foi uma decepção para povo brasileiro.
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