Uma parte da esquerda está debatendo com paixão os rumos da eleição paulistana. Os motivos são vários e óbvios, dada a importância do resultado eleitoral na maior cidade do país. Mas para além dos motivos nobres, existem outros, nem tanto.
Entre os que
são de esquerda, mas não são petistas, há o legítimo desejo de superar o PT no maior
eleitorado do país. Desejo que é compartilhado pela direita, que não de hoje estimula
alternativas que pretendem superar a influência do petismo nos setores
populares. Quem não lembra da capa da IstoÉ em que um flamejante Ciro Gomes
expulsa Haddad e Gleisi do paraíso???
A novidade, desta
vez, é a quantidade de petistas que estão cedendo à pressão. Alguns, por
cansaço de material (cansaço que levou um bom número a só se manifestar agora, pouco
ou nada participando no momento em que era possível construir outro rumo para a
tática e para a chapa do PT nas eleições municipais). Outros, por não se verem
moralmente obrigados a respeitar uma decisão adotada num diminuto colégio eleitoral,
por apertada diferença. Há os que rejeitam o candidato, por variados motivos,
que em alguns casos cresceram depois do anúncio do vice, que muitos de nós
esperávamos que ampliasse a diversidade de gênero e étnica da chapa. Mas o que me parece ser a razão fundamental
do crescimento do número de petistas e simpatizantes capturados pelo discreto
charme da chapa Boulos-Erundina é de natureza político-eleitoral.
O fato é que as pesquisas (tanto as pesquisas
profissionais, quanto aquela “pesquisa” individual que cada um de nós faz todo
dia) são até agora negativas. Não negativas apenas para o PT, mas para a
esquerda como um todo. Cresce a chance de a esquerda ser excluída do segundo
turno das eleições de São Paulo capital. Assim, influenciados por estas pesquisas,
muitos petistas olham para Boulos, na crença de que ele seria capaz de ir além
de seu eleitorado atual (que os dados das pesquisas oficiais indicam estar concentrado nos setores
médios de esquerda) e chegar ao segundo turno.
Não compartilho
desse olhar, nem dessa crença. Mas antes quero lembrar que não voto em São
Paulo capital, mas em Campinas, onde temos uma chapa PT-PSOL encabeçada pelo
PT. Lembro, também, que lutei até o limite formal (no meu caso, um recurso ao Diretório
Nacional do PT para que o companheiro Haddad fosse convocado a assumir a candidatura a prefeito).
Entretanto, se estivesse em São Paulo, eu estaria fazendo campanha pelo PT (e, portanto,
pela chapa Jilmar-Zaratini, com zero de chance de votar em qualquer outro
partido ou candidatura). Entre outros motivos, porque nesse tipo de questão não coloco em primeiro plano
as pesquisas, nem os cenários eleitorais.
Sou petista
e não passa pela minha cabeça a hipótese de “cristianizar” uma candidatura
petista. E fico deveras impressionado com a leveza com que alguns fazem isso, talvez
por não perceber a relação que existe entre a destruição das liberdades
democráticas e o desmonte (por dentro ou por fora) dos partidos de esquerda.
Entretanto, mesmo
quando estudo as pesquisas, assim como os cenários eleitorais, não consigo me
convencer do raciocínio feito pelos petistas que estão, na prática, apoiando
Boulos. Apoiando ou "deixando apoiar", como fazem muitas lideranças e até
candidaturas a vereador. Para explicar o porquê, gostaria de apresentar dois
cenários.
Cenário 1. O PT mantém a candidatura, mas parte
de sua militância e de seu eleitorado migram para a candidatura do PSOL. Boulos
cresceria (não se sabe quanto), mas a divisão do eleitorado da esquerda faria
com que a disputa de segundo turno fosse resolvida entre as candidaturas de
direita. Os que pensam assim deduzem, por óbvio, que não basta fazer campanha
por Boulos, seria preciso também fazer campanha contra Tatto, para fazer com
que quase todo o seu eleitorado migrasse para Boulos. Ou seja: partindo da tese de que
deveríamos unificar a esquerda, acabam desembocando numa operação de sangrar o PT. Se o
cenário político geral estivesse favorável à esquerda, poderia ser feio, mas
ainda assim poderia dar certo. Mas num cenário político geral tão difícil para
a esquerda, não consigo compreender como, de uma operação autofágica deste
tipo, possa resultar uma vitória da esquerda.
Cenário 2. O PT retira sua candidatura a prefeito
e orienta seu eleitorado a votar na candidatura do PSOL. Do ponto de vista
prático, o PT deixaria de ter espaço de TV e rádio. Mesmo que houvesse alguma
redistribuição, isso não ampliaria significativamente o tempo reduzido de TV&Rádio
da candidatura de Boulos, nem seus recursos financeiros. Portanto, tudo
dependeria da campanha militante. De qual militância? A do PSOL, a da esquerda
em geral e, principalmente, dependeria da campanha da militância do PT!!! Esta militância
(supostamente) não estaria disposta a se engajar por Tatto, mas (supostamente) compareceria
para fazer campanha por Boulos, movida (supostamente) pelo entusiasmo provocado
pela unidade da esquerda e pela possibilidade de levar Boulos ao segundo turno.
Os que
pensam assim, no fundo reconhecem que a militância e o eleitorado do PT existem
e têm força suficiente para levar uma candidatura ao segundo turno, mas
acrescentam dois senões: 1/desde que não seja uma candidatura do PT e/ou 2/desde
que não seja a candidatura Tatto.
O primeiro
senão é parente daquele sustentado por Ciro em 2018. Mas, e o segundo senão? Será que o
problema é o Tatto? Se tirarmos o Tatto, tudo se resolveria?
Como é
público, eu não apoiei a candidatura Tatto na disputa interna; e defendi, no Diretório
Nacional do PT, que Haddad fosse convocado para ser candidato. E acho que a
campanha vem subestimando os problemas.
Apesar disso, considero inacreditável qualquer raciocínio que subestime a força
da direita na cidade de São Paulo, que subestime o conservadorismo de uma
parcela do eleitorado, que subestime a força do próprio PT, imputando todos os
nossos problemas e dificuldades às características de quem foi escolhido para
ser o candidato do PT.
Como é
óbvio, a esquerda pode ir ao segundo turno das eleições em SP capital, ou por conta
da força orgânica, da capilaridade, da presença real; ou por conta do voto de
protesto; ou por uma combinação de ambos motivos.
O PSOL tinha
e tem todo o direito de achar que pode atingir este objetivo, o que passa necessariamente
por atrair eleitores que, em 2016 e 2018, votaram no PT. Aliás, vamos lembrar
que o PSOL paulistano nunca propôs uma aliança com o PT.
O PCdoB
também tem todo o direito de achar que pode atingir este objetivo, sozinho (igual
ao PSOL, o PCdoB tampouco procurou fazer uma aliança com o PT na capital). Assim
como é compreensível que o PCdoB lance candidatura própria a prefeito na
capital paulista, para contribuir na defesa da sobrevivência futura do Partido,
em parte ameaçada pelos rigores da legislação.
E o PT? O PT
não teria o direito de lutar por reconquistar o voto de quem já votou nele? O
PT não poderia defender sua sobrevivência? Considero espantoso que militantes
do PT tenham dúvida a respeito, exigindo do PT algo que não exigem dos demais
partidos, as vezes sob o pretexto de que o PT é um grande partido e por isso deveria “demonstrar
grandeza”, desconsiderando ou subestimando o processo de cerco e aniquilamento
que está em curso contra o PT.
Tal atitude,
vinda inclusive de importantes petistas, é um sinal dos tempos, é certamente um sinal de
uma justa preocupação com as consequências de mais uma vitória eleitoral da
direita em SP capital, mas –em alguns casos – também é um sinal de que a insistência em uma
estratégia esgotada começa a causar danos colaterais, incluindo engolir alguns
dos espertos que a defendem.
Explico: entre
1989 e 2014 o PT apostou grande parte de suas fichas no acúmulo eleitoral. E
pouco a pouco começou a acreditar que sua força eleitoral derivava principalmente
dos votos obtidos na última eleição (e do desempenho de seus mandatos). Colocando
em segundo plano o que constitui a força real do Partido, a saber: a força
organizada na classe trabalhadora, inclusive no terreno da cultura política.
Em 2014,
depois de quatro derrotas eleitorais presidenciais seguidas, a classe dominante
decidiu mudar de estratégia e foi para o golpe. Golpe que foi vitorioso, entre outros motivos, porque, além das ilusões republicanas, ao longo de anos se subestimou a necessidade de organizar nossa base social. Desde então, o PT está
diante de uma disjuntiva: ou adotar uma nova estratégia, ou insistir na
estratégia antiga. Desta segunda alternativa, decorrem as ilusões na “frente
ampla”. Mas decorre, também, o efeito meio déjà-vu, a ilusão de que se poderia fazer
tudo de novo do mesmo jeito, mas agora resultando em algo diferente. Um dos problemas é que
o PT realmente existente, duramente atingido pelo golpe e tudo-o-mais, tem
dificuldade de fazer-tudo-de-novo-do-mesmo-jeito. Mas, ao invés de reconhecer isso,
parcela do petismo insiste nas velhas fórmulas. Em alguns casos, fazendo alianças
com partidos de direita, inclusive bolsonaristas.
Mas, paradoxalmente,
no caso de São Paulo, alguns enxergam que a velha fórmula seria materializada na
candidatura do PSOL, ilusão para a qual contribui bastante a presença de
Erundina na chapa encabeçada por Boulos, assim como contribuem – não posso
provar, mas estou convicto disto – os ensinamentos de Stanislavski.
Do meu ponto
de vista, de quem defende enfaticamente a necessidade de outra estratégia, considero
que a essa altura do campeonato, a pressão pública de setores da esquerda contra o PT em São Paulo é um desserviço, não apenas para o PT, mas para toda a esquerda.
Pois se é verdade que não haverá nova estratégia, sem a construção de uma frente de
esquerda; também é verdade que não haverá frente de esquerda, sem o PT, contra o PT ou apesar do PT.
Noutras cidades, mais por iniciativa do PT do que de outros partidos, foi possível construir a unidade da esquerda. Noutros lugares, apesar da iniciativa e disposição do PT, a unidade foi parcial (é o caso da cidade do Rio de Janeiro). Na maioria das cidades, entretanto, a unidade da esquerda não se materializou no primeiro turno.
O fato é que a unidade da esquerda é
essencial, mas uma frente não pode ser imposta artificialmente, nem a “golpes de mídia”;
além do que, a vida não acaba em 2020, muito menos no primeiro turno. Sendo preciso compreender que a construção de uma nova estratégia para toda a esquerda brasileira é uma tarefa de médio prazo, que inclui a defesa, a reorientação estratégica e a revitalização orgânica do Partido dos Trabalhadores.
Isto posto, o
risco de uma derrota catastrófica em São Paulo (e noutras cidades importantíssimas)
existe. E, salvo a alternativa que já foi rechaçada pela direção nacional do
Partido dos Trabalhadores, só vejo um caminho para tentar evitar esta catástrofe: fazer uma campanha
pela esquerda, de classe, politizada, que demarque com Bolsonaro, com Doria,
com Covas, com a direita, com a classe dominante. Se fizermos isso, podemos
conseguir não apenas uma vitória política, mas também eleitoral. Com o perdão
do trocadilho infame, num certo sentido será necessário que Jilmar tenha muito pouco tato.
Excelente! Acho que acertou na mosca e com muito tato! Vou repassar. abs
ResponderExcluirTexto excelente! Boa análise!
ResponderExcluirQue texto mais lúcido! Obrigada!
ResponderExcluiré só fazer uma pesquisa que deixe o cara na frente de uma urna. Ai vc vai ver que o PT tem no mínimo 15% na capital. Imagina com o Lula na campanha de TV. O legal seria a militância levar a palavra de seu candidato aos isentões e indecisos, mas o foco da galera é culpar o PT. A chapa dos sonhos não chega nem no segundo turno? Culpa do PT. Review 2018.
ResponderExcluirBem pontuado. Porém não é Cirinho coroné não. É Guilherme Boulos do MTST !
ResponderExcluirTem meu respeito, ainda mais qdo abdicou da candidatura a presidência para apoiar Haddad, agora vou retribuir o apoio do ano retrasado.
mas ele não abdicou. ele participou do primeiro turno e ficou atrás do Cabo Daciollo
ExcluirConcordo com Tatto em ser candidato e ganhar a eleição no segundo turno. Vamos mandar pra pqp petistas e esquerdistas de Merda. Não crescem e inviabilizam o processo. Vai fazer campanha bando de idiota.
ResponderExcluirSempre votei em candidatos do PT em eleições majoritárias. A campanha de demonização do Pt de 2016 foi devastadora e a extrema direita foi vitoriosa. O antipetismo foi arrasador. Diante desta conjuntura, o que ficou foi a figura de luta e resistência do Lula. Ele aglutina a esquerda em geral. Portanto, o PT vai além do Lula, e, por sua vez o Tato não exerce esse pape. Daí, é ter claro que o antepetismo não vem dos outros partidos de esquerda, mas de um projeto da extrema esquerda e é muito forte ainda hoje. Por isso, nessa conjuntura vamos votar Boulos/Erundina, que representam uma força maior de vencer a direita e at8 mesmo o antipetismo.
ResponderExcluirCorrigindo: o Lula vai além do Pt.
ExcluirO projeto da extrema direita
O PT paulista colocou Tatto como candidato numa altivas carente de democracia. Errou. E continua errando ao seguir com esse nome que, absolutamente, não agrega. 3 candidatos abriram mão de suas candidaturas por PADILHA. A direção do PT deveria enxergar e considerar isso, agindo com mais respeito à militância. Eu não voto em Tatto. Assim como muitos petistas. Assim como nunca votarei em José Américo, notório antidilmista.
ResponderExcluirA visão pueril de um esquerdopata, esqueedofrênico, que ainda acredita nos devaneios.e na ufanista democracia petista. Pobre Zé.
ResponderExcluirSou petista, fundador e filiado. Luiza Erundina passa ilesa pelas suas responsabilidades e práticas personalistas nefastas que a levaram a abandonar o PT. Quem é mais velho sabe do que falo. Boulos montou com o seu aparelho MTST o bunker ao lado do estádio do Corinthias para espinafrar a Copa e o governo petista, com apoio amplo de Globo, ESPN e quetais. Na abertura do evento um VTNC foi consequência lógica. Mais detalhes sobre ambos, basta abrir o Google e clicar.
ResponderExcluirO "espólio" do PT e o sumiço de Lula é o grande objetivo da direita, que estes idiotas esperam compartilhar. Vão se fuder, ao final, fudendo com o que ainda resta de Brasil. E os ditos "blogueiros de esquerda" passam pano e alisam a cabeça dos oportunistas, que assim como a direita se julgam no direito de exigir que o PT que por 3 vezes administrou SP abra mão já no primeiro turno para apoiar dois suspeitos e um partido que fugiu do "mensalão", saindo do PT, e foi apoiar depois Sério Moro e a sua Lava Jato. Esta é a realidade.