terça-feira, 18 de outubro de 2011

Palocci caiu. O paloccismo cairá com ele?

Este texto foi escrito e divulgado logo após a queda de Antonio Palocci. Não a queda mais recente, mas a outra, no início de 2006.


Antonio Palocci não é mais ministro da Fazenda. No seu lugar, assumiu Guido Mantega, ex-ministro do Planejamento e ex-presidente do BNDES. Ainda não estão totalmente claras quais serão as repercussões disto, na ação do governo, nas eleições de 2006 e no futuro do Partido dos Trabalhadores. Mas uma coisa é certa: é preciso impedir que a direita arme um novo cerco contra o PT e contra o governo Lula.

O destino de Palocci começou a ser traçado no início de 2004, quando estourou o caso Waldomiro Diniz. Isto ocorreu por um motivo óbvio e por outro nem tão óbvio assim.

O motivo óbvio: as investigações em torno de Waldomiro Diniz conduziram a Rogério Buratti e, através deste, a outras pessoas de confiança de Palocci, tanto na administração municipal de Ribeirão Preto (SP) quanto no governo federal.

O motivo não tão óbvio: o caso Waldomiro Diniz enfraqueceu José Dirceu, então ministro da Casa Civil, peça fundamental para garantir o apoio do PT à política econômica e, ao mesmo tempo, um adversário de Palocci na disputa pelo controle do governo.

Dirceu costumava dizer que não defendia outra estratégia, nem mesmo outra política econômica, mas tão somente uma inflexão progressista, nos marcos da mesma política conservadora. Por isto mesmo, o enfraquecimento de Dirceu teve uma repercussão contraditória sobre Palocci: no curto prazo o fortaleceu, pois reduziu a força de seu principal oponente no governo; no médio prazo o enfraqueceu, pois reduziu a força de quem continha eventuais críticas do PT à política econômica.

Este fenômeno contraditório --amplificado, ao longo de 2005, pela queda do ministro da Casa Civil e pelos ataques da direita contra o PT, ataques que pouparam durante grande tempo o ministro da Fazenda-- ajuda a entender o calvário e finalmente o afastamento de Palocci.

Durante o ano de 2005, a equipe de Palocci aproveitou seu fortalecimento para radicalizar na ortodoxia monetarista, como se viu na taxa de juros, no superávit primário, no contingenciamento orçamentário e na defesa da política do déficit zero. Tiveram tanto “êxito” que o crescimento econômico obtido em 2004 não se repetiu em 2005, o que terminou por solapar as bases de sustentação política da equipe palocciana, tanto no governo quanto no PT.

Tão logo o PT rompeu (graças aos 315 mil filiados que votaram no PED) o cerco movido pela direita; e tão logo o governo saiu do corner (com a eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara dos Deputados), armou-se uma ampla aliança para conter Palocci.

Este foi o sentido da batalha travada e vencida, ao menos parcialmente, pela ministra Dilma Rouseff, no final de 2005, com o apoio explícito da nova direção nacional petista e com o discreto estímulo do próprio presidente.

Nos tempos em que Dirceu e Palocci lutavam pelo controle das ações do governo, o fortalecimento de um implicava no enfraquecimento do outro. Nestas circunstâncias, seja por afinidades programáticas, seja por cálculo político, Lula preferiu geralmente apoiar o ministro da Fazenda. Mas após a queda de Dirceu, a situação mudou. Estavam criadas as condições para Palocci ser tratado pelo que era (um ministro indicado pelo Presidente), e não pelo que a mídia dizia dele (“sustentáculo” e “pilar” do governo).

A partir do momento em que o governo acelerou o ritmo da execução orçamentária e de fato recusou a proposta de déficit zero, Palocci começou a perder a utilidade que tinha aos olhos de parte da alta burguesia, pelo menos para aquela que aposta no retorno do PSDB à presidência da República.

Enfraquecido, o ministro da Fazenda já não funcionava tão bem como freio de mão no governo. Este ganhou maior agilidade, alterou em alguns graus o discurso e recuperou a iniciativa, com reflexos positivos sobre a candidatura de Lula à reeleição.

Frente a este quadro, a principal “utilidade” de Palocci, do ponto de vista da oposição de direita, passou a ser outra: a de poder ser transformado em fonte de desgaste para o governo. Noutras palavras: mirar em Palocci para alvejar Lula. Como se sabe, infelizmente, havia matéria-prima de sobra para esta operação de desgaste.

Tomada a decisão de mirar em Palocci, parte da direita e dos grandes meios de comunicação passou a usar, contra o ministro da Fazenda, os expedientes já testados, antes, contra outros membros do governo e da direção do PT.

A mesma mídia e os mesmos políticos de direita que, inicialmente, repercutiram de maneira mais ou menos cuidadosa (tomando como padrão de comparação o que fizeram com José Dirceu, por exemplo) o depoimento de Rogério Buratti, em agosto de 2005; e que elogiaram fartamente a performance do ministro Palocci, na entrevista coletiva que este deu quando das primeiras denúncias, foram mudando de postura.

A fase final da operação contra Palocci foi relativamente rápida: no dia 8 de março de 2006, o motorista Francisco das Chagas Costa depôs na CPI; no dia 16 de março, é a vez do depoimento do caseiro Francenildo Santos Costa; no dia 17 de março, a revista Época publicou o extrato de uma conta do caseiro na Caixa Econômica Federal; no dia 27 de março, Palocci pede afastamento do cargo.

É preciso deixar claro que Palocci não foi derrubado pelos que criticam a sua ortodoxia, mas sim por quem o aplaudiu nos últimos 39 meses, com uma inestimável ajuda dos efeitos de sua política, de seus erros pessoais e daqueles cometidos por alguns “amigos” do ex-prefeito de Ribeirão Preto.

Ao perder o foro privilegiado garantido aos ministros, Antonio Palocci estará diretamente sujeito às decisões da Polícia Federal e Civil, do Ministério Público, da primeira instância da Justiça e de outros organismos, que ameaçam indiciá-lo, com base em acusações diversas, que incluem denúncias de tráfico de influência, corrupção passiva, formação de quadrilha, falsidade ideológica e variadas formas de utilização do aparelho de Estado para fins privados.

Está claro que a oposição conservadora e a mídia, que antes aplaudiam e agora apedrejam Palocci, está armando a situação para colher uma foto, que pretendem utilizar na campanha eleitoral, para tentar vincular o PT e o governo a crimes típicos, é bom dizer, da própria direita.

De toda forma, o que tornou inevitável a queda do ministro não foi nenhuma daquelas acusações, mas sim a quebra de sigilo do caseiro Francenildo, atitude que o senador Aloizio Mercadante, no seu estilo todo próprio, classificou como um desrespeito ao “Estado de Direito”.

Para muitos já estava claro, lá pelo dia 17 de março, que o ministro teria que ser afastado. Num momento positivo para o governo e para a campanha Lula, Palocci se transformara numa fonte de notícias negativas. No que parece ter sido uma última tentativa para permanecer, aliados do ministro tentaram provar que uma testemunha havia sido fabricada pela oposição. Mas o tiro saiu pela culatra.

Neste sentido, o caso teve um desfecho (provisório) pedagogicamente exemplar. De maneira similar a quem achava que podia adotar, impunemente, métodos de arrecadação financeira típicos dos partidos conservadores, os que caem agora parecem ter pensado que uma "pequena ilegalidade" seria tolerada.

Acontece que o famoso ditado --aos amigos tudo, aos inimigos a lei-- não vale para todos. Muito menos para quem já havia se tornado “descartável”, aos olhos de um setor influente da elite, que usa e abusa das mesmas e outras muito piores ilegalidades. Não custa lembrar, aliás, que a violação do sigilo de Francenildo não é a primeira, nem a única, neste processo.

A direita pretende utilizar o desgaste causado pelo afastamento de Palocci, para retomar o cerco contra o governo Lula e contra o PT, bem como para vitaminar a candidatura Alckmin. A possível candidatura de José Serra ao governo de São Paulo está sendo apresentada como parte deste plano.

Segundo o editorial de um jornalão paulista, “o governo Lula e o petismo governista perderam definitivamente a noção de limites institucionais. Que outra concepção de Estado senão a totalitária, em que se esfacelam as fronteiras entre coisa pública e partido, pode gestar tamanha afronta a uma Constituição democrática? (...) Palocci e Matoso saem, mas ambos e o presidente Luís Inácio Lula da Silva devem muitas explicações sobre o ocorrido nesses últimos dias de março”.

O plano é claro –atingir Lula- mas o efeito pode ser o contrário do pretendido. O governo e o PT demonstraram, algumas vezes, agir melhor quando sob intensa pressão. Neste sentido, a indicação de Guido Mantega para substituir Palocci pode ter impacto similar aos efeitos da indicação de Dilma Rouseff para substituir José Dirceu: não uma mudança de estratégia, mas uma inflexão “progressista” ainda que dentro da mesma estratégia.

Neste sentido, a oposição de direita está diante de uma escolha de Sofia. Se não radicaliza, não tem chance de vencer as eleições presidenciais. Se radicaliza, reforça uma dinâmica de polarização política, que tornará cada vez mais difícil, para o governo, manter tucanos comandando a política monetária e fiscal.

Sabendo disso, a mesma direita e a mesma mídia que pediram a cabeça de Palocci, por pretextos “éticos”, pedem também a continuidade do paloccismo, por razões “econômicas”. Segundo outro editorial, “por não ter aplicado as regras heterodoxas de política econômica, por jamais ter atendido às críticas da esquerda mais radical do PT, Palocci deixa o governo aplaudido, como um técnico que soube conduzir um barco que poderia entrar em zona turbulenta ao menor deslize”.

Aplausos muito contidos e seletivos à economia, combinados com ataques à “ética”, à “incapacidade gerencial” e ao “totalitarismo” constituem a agenda que os tucanos querem impor ao debate eleitoral. O seu alvo é Lula. E o “inside man” que, segundo a direita, garantiria a “racionalidade” da política econômica, agora é o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles.

Mas, ao radicalizar na polarização política, a direita põe na mesa, por sua conta própria e risco, a existência de uma contradição entre a vitória de Lula nas eleições de 2006 e a manutenção da política de Henrique Meirelles e seus tucanos boys à frente do Banco Central.

Neste sentido, o pedido de demissão de Murilo Portugal pode ser o sinal de que os tecnocratas tucanos que Palocci abrigava em sua equipe avaliam que é hora de rasgar suas fantasias, desembarcar e assumir posição explícita, ao lado de Alckmin, na batalha eleitoral.

Frente a este quadro, a defesa enfática que alguns petistas fazem do legado do ex-ministro e da continuidade de sua política econômica constituem certamente, além de ecos do passado, uma tentativa de não agravar os efeitos políticos do afastamento e, principalmente, evitar choques especulativas.

Mesmo isso, contudo, não se faz sem contradições. Entre sua posse e o day after, Mantega deu várias declarações enfáticas em favor da política econômica de Palocci (“a mais bem sucedida dos últimos 15 ou 20 anos no Brasil”), chegando a classificar de “sagrado” o superávit primário, para logo depois defender juros “mais civilizados”, provocando um óbvio desconforto no presidente do Banco Central.

A rigor, como disse o novo ministro da Fazenda, a política econômica é do governo, é do presidente da República. E ao presidente, o que interessa, especialmente nesse momento? A escolha de Guido Mantega sinaliza que Lula quer mais desenvolvimento, mesmo que ainda nos marcos de uma estratégia de convivência com a hegemonia do capital financeiro.

Isto pode não ser tudo, pode não ser suficiente, mas certamente é fundamental para evitar o pior (uma vitória tucana em 2006); constituindo também um ponto de apoio para começar a construir o melhor (um segundo mandato com “viés” pós-neoliberal, democrático, popular e quem sabe, socialista).

É claro, contudo, que a gravidade da situação política exige muito mais do que uma inflexão na política econômica. Exige uma ofensiva articulada, um movimento político-social contra o tucanato e a oposição de direita. Só uma tática ofensiva, a começar pelas CPIs, impedirá que se reconstitua o cerco da direita contra o PT e contra o governo. Só esta ofensiva, também, criará as condições para responder a questão posta pelo título deste artigo.

A nós cabe começar esta ofensiva más temprano que tarde, para que de fato 2006 seja o primeiro ano do segundo mandato do presidente Lula.


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