quarta-feira, 9 de abril de 2025

Um partido para tempos de guerra... de tarifas

1/o pano de fundo é a crise sistêmica. A crise sistêmica é vista por alguns como a coincidência de várias crises: ambiental, econômica, social, política, cultural, militar. Esta visão é parcialmente equivocada. A crise é sistêmica não apenas pela coincidência e retroalimentação das várias crises que a compõem. Ela é sistêmica porque está em questão o modo dominante de produção e reprodução da vida na Terra. A crise sistêmica é a crise do capitalismo. Motivo pelo qual a solução sistêmica é superar o capitalismo. Quem fala da crise e não fala de socialismo é cúmplice ativo ou passivo da crise;

2/o centro da crise está no centro do capitalismo: os Estados Unidos. A hegemonia militar, monetária e financeira precisa de base produtiva. E os EUA vem perdendo a liderança produtiva. Isto corrói as bases políticas e ideológicas da hegemonia dos EUA no mundo mas também corrói a hegemonia da classe dominante dos EUA dentro do seu próprio país. A sociedade estadunidense está profundamente dividida e sua classe dominante também está dividida sobre como fazer a América Great Again;

3/dentro das regras do jogo, regras e jogo criados em grande medida pelos próprios EUA, os Estados Unidos seguirão perdendo. Virar a mesa é a única solução lógica para os EUA tentarem recuperar sua hegemonia. Claro que isto pode acelerar a queda. Mas “there is no alternative”. Neste sentido, existe método na aparente loucura de Trump. Existe método e precedente: Nixon, 15 de agosto de 1971. Os EUA rasgaram os acordos de Bretton Woods, boa parte do mundo se curvou e anos depois a Stars & Stripes triunfou na Guerra Fria. Nixon é espelho também, ainda que invertido, para a operação que Trump tenta fazer, de colocar uma cunha entre China e Rússia;

4/contra os EUA que rasgam o multilateralismo e atropelam a globalização, governos e partidos urbi et orbi defendem o status quo ante. Mas a aparência esconde a essência: no mundo real, quem sabe e pode está tomando medidas protecionistas de variados tipos. Quem sabe mas não pode está tentando negociar com os EUA uma redução de danos. Mas há, também, os que acham que sabem: é o caso de uma parte importante da classe dominante brasileira, de seus empregados no mundo das ideias & da política profissional. Em resumo, esta gente acha que o Brasil vai ganhar nas duas pontas: venderá mais para China e EUA;

5/quem acredita isso não entendeu direito a profundidade do que está ocorrendo. Nas expressões “guerra comercial” e “guerra de tarifas”, o essencial está na palavra guerra. Um país rico e desprotegido como somos não será beneficiado por essa guerra: será saqueado. Claro que haverá um setor do empresariado que se beneficiará com isso: como em toda guerra, os capitalistas abutres sairão ganhando. Mas para a imensa maioria da população brasileira, o que nos espera é uma situação muitas vezes pior do que aquela que sucedeu a Grande Guerra de 1914-1918;

6/há alternativa? Óbvio! E o fato de Lula e o PT estarem na presidência pode ser decisivo. Isto se aproveitarmos a janela aberta pela crise para transformar profundamente o país: soberania alimentar, soberania produtiva, soberania energética, soberania digital, soberania militar, soberania científico-tecnológica, soberania ambiental. Tudo aquilo que nossa classe dominante e o capitalismo realmente existente em nosso país odeiam. Tudo aquilo que só as classes trabalhadoras e uma orientação socialista podem viabilizar;

7/qual a disposição do PT e do governo Lula de liderarem uma revolução deste tipo? Hoje, pequena.   Seguimos prisioneiros de uma lógica tradicional de pensar, segundo a qual devemos defender o “sistema” - no caso, o multilateralismo - do ataque trumpista. Que devemos derrotar o trumpismo, nenhuma dúvida. Mas não há como resuscitar o multilateralismo produto da globalização liderada pelos EUA. Quem pensa fazer isso através do acordo Mercosul-União Europeia não percebe – ou finge não perceber - que o pressuposto deste “acordo neocolonial”, palavras de alguém muito importante, é cristalizar o Brasil como nação primário-exportadora. O caminho é outro, a industrialização; e a velocidade deve ser imensa, no espírito dos 50 anos em 5;

8/é nesse contexto que deve ser vista a disputa contra o cavernícola e contra a extrema-direita. Não se trata apenas de uma batalha em defesa das liberdades democráticas. Trata-se de uma disputa em torno do presente e do futuro do Brasil. Bolsonaro, Tarcísio e quetais são a vanguarda do atraso, os porta-vozes do setor mais radical do agronegócio, do capital financeiro e dos interesses imperialistas estadunidenses. Por isso, aliás, há setores da direita gourmet que estão dispostos a um acordo, a uma pacificação, a uma anistia. Pois tirando o bode da sala, podem reunificar a elite em torno do projeto que as unifica: super-exploração da classe trabalhadora, mal-estar social, democracia restrita, dependência externa e subdesenvolvimento;

9/o grande dilema do PT e do governo é como derrotar o neofascismo, sem capitular ao capital financeiro e ao agronegócio. A opção feita até agora – consubstanciada na “frente ampla” com “união e reconstrução” – não conseguiu resolver este dilema. Se nada for feito de diferente, podemos ganhar a eleição presidencial de 2026, mas correndo o risco de ganharmos em condições piores do que as de 2022. O que reduziria as chances de um segundo mandato superior e de novas vitórias eleitorais. A solução aventada – uma frente ainda mais ampla, com mais e melhor reconstrução e alguns acenos à transformação, como é o caso da cobrança de mais impostos sobre os ricos – até agora não se demonstrou suficiente para mudar qualitativamente a situação. E, acima de tudo, é incapaz de lançar as bases de outro modelo de desenvolvimento, que é o que realmente importa, pois ganhar eleições deve ser um meio nesta perspectiva e não um fim em si;

10/é preciso admitir que não se trata de um problema de fácil solução. As regras do jogo institucional favorecem as duas direitas – a extrema e a gourmet – e prejudicam a esquerda. Uma saída é jogar em vários tabuleiros ao mesmo tempo. De um lado o governo deve fazer o que precisa ser feito para proteger o país da crise mundial, a começar por abandonar o arcabouço em que nos metemos. De outro lado, o Partido deve coordenar uma ofensiva de organização, conscientização e mobilização popular. E ambos, Partido e governo, cooperarem em tarefas decisivas. Um exemplo: uma campanha nacional de sindicalização. Hoje, temos 60 milhões de votos mas não temos 10 milhões de sindicalizados. O Brasil será muito diferente se cada eleitor nosso for também vinculado a um sindicato. Assim como será muito diferente se cada um de nossos eleitores aderir não apenas a um candidato, mas a um projeto alternativo de sociedade;

11/há dois pressupostos para que isso dê certo: pensamento estratégico e disposição de luta. O Partido está contaminado pela lógica eleitoral, segundo a qual “estratégia” é pensar nas eleição subsequente. É preciso resgatar o pensamento estratégico, que inclui uma noção muito simples: para mudar o país não basta ter o PT na presidência, para transformar o Brasil é preciso que a classe trabalhadora conquiste o poder. E nada disso se fará sem grandes lutas, sem grandes enfrentamentos. A classe dominante, especialmente seu braço de extrema-direita, sabe perfeitamente disso: dedica-se com afinco a ocupar territórios, construir aparelhos, dominar instituições, ganhar eleições, conquistar corações e mentes em defesa do capitalismo. E não tem medo de polarizar conosco, numa lógica mental típica da guerra fria. Há quem acredite que o melhor jeito de enfrentar isso é desmontando a polarização. Talvez por isso o manifesto de um dos candidatos à presidência do PT tenha 1244 palavras e nenhuma delas seja “socialismo”. Ontem os alérgicos à polarização falavam em “virar a página do golpe”; amanhã, não tenhamos dúvida, serão capazes de defender anistia para os golpistas;

12/Somos a favor do fim da polarização, mas da seguinte forma: através do esmagamento, da destruição, da derrota da extrema-direita. Como temos dito  desde 2015, entramos numa época em que se faz necessário um partido para tempos de guerra. Essa é uma das questões de fundo que precisamos debater no processo de eleição das direções partidárias, que concluirá no dia 6 de julho de 2025. Sem responder a estas e outras questões políticas, não conseguiremos superar nossas dificuldades organizativas. Afinal, organização é política concentrada; logo, política errada desorganiza;

13/No mundo, na região e no Brasil, não há nenhuma dificuldade intransponível. Desafios e ameaças existenciais já foram enfrentadas e superadas no passado, podemos fazer o mesmo hoje e no futuro. Mas para isso é preciso oferecer uma alternativa sistêmica para a crise sistêmica. A crise profunda que vivemos é mais uma prova de que o capitalismo ameaça a sobrevivência da humanidade e empurra parte importante da população mundial para o sofrimento físico e mental. A solução sistêmica para a crise está no socialismo. O PT precisa voltar a falar disso, entre outros motivos porque acreditar que é possível construir um futuro melhor é essencial para fazermos do Brasil um país soberano, com bem-estar social, liberdades democráticas e desenvolvimento. Precisamos voltar a falar de socialismo e, principalmente, precisamos voltar a lutar pelo socialismo.

(texto não revisado)

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