Boa tarde de novo.
Buenas, como
disse o Breno, no documento SÓ A LUTA IMPEDIRÁ A CATASTROFE, nós fazemos a nossa
formulação programática e estratégica tomando como ponto de partida o fato de que vivemos
uma crise sistêmica do capitalismo em todo o mundo.
A última
crise sistêmica mundial teve seu epicentro entre 1914 e 1945.
Foram trinta
anos de caos global.
Duas guerras
mundiais, uma crise econômica geral, o nazifascismo, várias revoluções socialistas,
duas delas vitoriosas e decisivas para compreender os dias de hoje: a de 1917, na
Rússia e a de 1949, na China.
Aquela crise
sistêmica global abriu uma janela para que o Brasil desse início a um ciclo de
industrialização, de urbanização e de modernização que QUASE nos converteu em
uma potência mundial.
Paradoxalmente,
este processo não foi impulsionado pelo conjunto da classe dominante.
Embora a
classe dominante tenha sido a maior beneficiária, ela geralmente se opôs a grande
parte das medidas que resultaram no desenvolvimento do país e que quase nos
converteram em uma potência mundial.
Quase nos
converteram, porque desde os anos 1970 o capitalismo alterou o seu padrão global
e o Brasil não apenas não acompanhou isso, como desde então vem regredindo.
Cresceu,
nesse período, a distância entre o Brasil e os líderes mundiais, em
praticamente todos os indicadores.
Desde 1980
até 2020, são 40 anos.
E nestes 40
anos, apesar das lutas, apesar das resistências, apesar das interrupções, apesar
das tentativas de reverter o processo, o que prevaleceu é a DESINDUSTRIALIZAÇÃO
e, de maneira geral, o DESFAZIMENTO de tudo o que de positivo se fez a partir
de 1930.
Foi essa a
obra de Collor.
Foi essa a
obra de Fernando Henrique.
E é essa a
obra, agora, de Bolsonaro.
Que, claro,
precisa ser mais violento do que os antecessores, porque se trata não apenas de
tentar fazer o Brasil voltar a 1920, mas também se trata de tentar destruir o
maior obstáculo a essa onda reacionária: a classe trabalhadora, a esquerda como
um todo e em especial o Partido dos Trabalhadores.
Não se
trata, é bom dizer, de um projeto destrutivo adotado apenas pelo cavernícola, por
seu clã, pelos fundamentalistas, pela
coxinhada de classe média, pelo oligopólio da mídia, pela cúpula das forças armadas
e de outras instituições de Estado.
Se trata TAMBÉM
disso.
Mas se trata
PRINCIPALMENTE de um projeto da classe capitalista “brasileira”, associada aos
interesses das potências estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos.
Muita gente ainda
se choca com isto, fica meio que inconformada com esta atitude dos nossos
capitalistas.
Eu não.
Eu acho absolutamente
lógico e coerente o que eles estão fazendo.
Primeiro, porque
não é de agora. Nossa classe dominante se constituiu assim. Ela é descendente mental
e as vezes descendente física dos mais brutais “colonizadores”, dos senhores de
escravos, dos coronéis do latifúndio.
A burguesia
paulista, aliás, a mais reacionária fração da burguesia brasileira, gosta de
dizer que tem sangue bandeirante na veia, sangue de salteadores e de
assassinos.
Segundo,
porque a atitude apátrida e antissocial deles faz sentido, se considerarmos do ponto
de vista dos lucros, da acumulação de riqueza por parte dos que sobrevivem e se
dão bem no processo.
Terceiro, e
principalmente, porque a alternativa é muito perigosa para eles.
A
alternativa qual seria?
Primeiro, não
aceitar o papel de fornecedor de máterias-primas para as potências e de consumidor
de produtos industrializados fabricados por estas potências. Mais que isso, a alternativa
é buscar converter o Brasil e a região num dos polos do mundo.
Acontece que
tomar esta decisão implica, por um lado, em chocar com os interesses das potências.
Por outro lado, implica em tomar medidas PROTECIONISTAS. Pois como é óbvio,
existe um excesso de capacidade produtiva no mundo e durante um certo tempo
será mais barato comprar lá fora do que produzir aqui dentro. Implica, ademais,
em reconstruir nossa base industrial, produtiva e tecnológica, e construir um
mercado nacional e regional para nossa atual e futura capacidade produtiva.
Um mercado
de massas, massas que devem ter sua capacidade de consumo ampliada. Mas
principalmente um mercado de bens públicos: levar a todo o Brasil energia
elétrica, cabeamento ótico, ferrovias e hidrovias; reurbanizar nossas cidades,
atender a 100% das necessidades de saneamento, moradia, transporte e
equipamentos públicos.
A produção
destes e de outros bens públicos, combinada com a ampliação do consumo de bens
privados, é o que pode tornar-se o carro-chefe da reindustrialização nacional.
A classe
dominante brasileira não tem o menor interesse em um projeto desta natureza, não
apenas porque ele levaria a um choque com os interesses dos Estados Unidos e de
outras potências, mas também porque ele implicaria em empregar produtivamente o
conjunto da população brasileira, gerando
uma elevação nos salários e – dada a natureza da dinâmica descrita –
levando a uma redução nos lucros dos capitalistas.
Redução
direta, por conta de mais empregos e salários, mas também redução indireta,
porque políticas de Bem-Estar Social terão de ser financiadas através da adoção
do imposto progressivo sobre a renda e grandes propriedades, da tributação dos
milionários e das grandes heranças.
Vale destacar
que tudo isso pressupõe redefinir o lugar do agrário e do agrícola em nossa
economia, pois o único jeito disto tudo ocorrer de maneira virtuosa é se tivermos
soberania alimentar, o que exige ampliar muito a produtividade da pequena e da
média propriedade rural, ampliando e barateando significativamente a produção
de alimentos.
O que me
leva a lembrar que, se tivermos êxito num projeto de desenvolvimento desta
natureza, haverá uma ampliação da pequena e até da média empresa capitalista,
tanto no campo quanto na cidade.
O que não é problema,
pois o nosso problema não é com o capitalismo de pequeno porte, nosso problema
real advém dos monopólios e oligopólios, transnacionais ou não.
Como esses
setores monopolistas e oligopolistas são a verdadeira classe dominante, não
virá deles nenhuma iniciativa nesse sentido.
É por isso,
entre muitos outros motivos, que um processo de desenvolvimento nacional, como
o que defendemos, exige colocar o Estado no comando. Não o atual Estado, não o
Estado criado, organizado e controlado por esta classe dominante de merda que
temos, mas um Estado de outro tipo, que consiga por exemplo colocar o oligopólio
financeiro privado sob real controle público.
Aliás, os
que gostam de falar da China atual e os que gostam de falar do New Deal,
deveriam estudar o que foi feito com o setor financeiro nesses dois casos. E refletir se é possível fazer uma transformação profunda
na sociedade brasileira, sem revolucionar o setor financeiro brasileiro,
neste caso desfazendo o que os neoliberais fizeram nos anos 1980 e 1990.
Aliás,
sempre me espanta como o lado de lá é audacioso NO FAZER – as privatizações foram
uma expropriação contrarrevolucionária – e como o lado de cá é tímido ATÉ NOS
PLANOS.
Como é
óbvio, nós estamos diante de uma dupla tarefa: a de redefinir a estrutura de
propriedade e a de redefinir a estrutura de poder no Brasil. É nesse plano estratégico
que deve ser colocado o tema de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A classe dominante
brasileira, como já dissemos, não tem interesse em nada disso. Ela prefere se manter
na condição de sócia menor do capitalismo mundial. E faz muito bem em agir
assim, pois seguir o caminho oposto implicaria em correr riscos numa luta
contra o imperialismo e exigiria abrir mão de poder e de riqueza em favor da maioria
do povo brasileiro.
Quem tem
interesse real, quem não tem a perder e só tem a ganhar com uma alternativa
democrática e popular de desenvolvimento, é a classe trabalhadora.
Claro que para
viabilizar esta alternativa, a classe trabalhadora tem que construir a disposição
e os meios organizativos e políticos para viabilizar esta transformação.
E a
disposição inclui chamar as coisas por seu nome.
Um projeto
de transformação desta magnitude, que relocaliza o Brasil no mundo, que é
comandado pela classe trabalhadora, num contexto de crise sistêmica do capitalismo
global, pode ser chamado de vários nomes: soberano, desenvolvido, sustentável,
igualitário, democrático, popular, inclusivo etc etc.
Mas o único
nome que sintetiza adequadamente os desafios postos é o nome de SOCIALISMO.
O lado de cá
pode ter dúvidas a respeito. Há quem, aferrado a uma noção ultrapassada, ache
que socialismo é apenas o de tipo soviético, estatalcentrico. Há quem, ressuscitando
o “etapismo”, diga que primeiro temos que tomar medidas democráticas e populares
e só depois temos que tomar medidas socialistas. Há, também, quem argumente com
a correlação de forças, como se esta fosse uma variável idônea quando se
discutem temas de médio-longo prazo. E há, finalmente, os que deixaram de ser
socialistas e por isso rejeitam o termo.
O lado de cá
pode ter muitas dúvidas a respeito. Eu diria que, hoje, grande parte da
esquerda brasileira não concorda com o ponto de vista que expressamos aqui.
A meu favor,
a nosso favor, tenho a dizer que o lado de lá – a classe dominante -- não tem
dúvida nenhuma. Sabe que num país tão desigual, tão dependente, tão
conservador, atender aos interesses das maiorias converte-se mais cedo ou mais
tarde, em uma ameaça a ordem capitalista como um todo. E por isso a classe dominante
reage preventivamente.
Mas se é
assim, e é assim, seria prudente preparar a nossa tropa para enfrentar a
rebordosa. E saber qual a natureza da guerra que estamos enfrentando.
Chamar de socialismo
é, portanto, não apenas uma denominação cientificamente adequada a natureza da
transformação proposta, como é a denominação politicamente adequada, para nos
preparar para o que virá pela frente e, aliás, para que compreendamos porque eles
são tão violentos, mesmo quando a gente se comporta de maneira tão republicana
e, eu diria, domesticada.
Obrigado.
Esse texto precisa ser destacado como ponto chave de qualquer debate a partir da publicação dele.
ResponderExcluir"Socialismo ou barbárie." - István Mészáros.