sábado, 22 de agosto de 2020

Roteiro da fala no debate com Dilma Rousseff sobre o texto "Só a luta impedirá a catástrofe"

Boa tarde de novo.

Buenas, como disse o Breno, no documento SÓ A LUTA IMPEDIRÁ A CATASTROFE, nós fazemos a nossa formulação programática e estratégica tomando como ponto de partida o fato de que vivemos uma crise sistêmica do capitalismo em todo o mundo.

A última crise sistêmica mundial teve seu epicentro entre 1914 e 1945.

Foram trinta anos de caos global.

Duas guerras mundiais, uma crise econômica geral, o nazifascismo, várias revoluções socialistas, duas delas vitoriosas e decisivas para compreender os dias de hoje: a de 1917, na Rússia e a de 1949, na China.

Aquela crise sistêmica global abriu uma janela para que o Brasil desse início a um ciclo de industrialização, de urbanização e de modernização que QUASE nos converteu em uma potência mundial.

Paradoxalmente, este processo não foi impulsionado pelo conjunto da classe dominante.

Embora a classe dominante tenha sido a maior beneficiária, ela geralmente se opôs a grande parte das medidas que resultaram no desenvolvimento do país e que quase nos converteram em uma potência mundial.

Quase nos converteram, porque desde os anos 1970 o capitalismo alterou o seu padrão global e o Brasil não apenas não acompanhou isso, como desde então vem regredindo.

Cresceu, nesse período, a distância entre o Brasil e os líderes mundiais, em praticamente todos os indicadores.

Desde 1980 até 2020, são 40 anos.

E nestes 40 anos, apesar das lutas, apesar das resistências, apesar das interrupções, apesar das tentativas de reverter o processo, o que prevaleceu é a DESINDUSTRIALIZAÇÃO e, de maneira geral, o DESFAZIMENTO de tudo o que de positivo se fez a partir de 1930.

Foi essa a obra de Collor.

Foi essa a obra de Fernando Henrique.

E é essa a obra, agora, de Bolsonaro.

Que, claro, precisa ser mais violento do que os antecessores, porque se trata não apenas de tentar fazer o Brasil voltar a 1920, mas também se trata de tentar destruir o maior obstáculo a essa onda reacionária: a classe trabalhadora, a esquerda como um todo e em especial o Partido dos Trabalhadores.

Não se trata, é bom dizer, de um projeto destrutivo adotado apenas pelo cavernícola, por seu clã, pelos  fundamentalistas, pela coxinhada de classe média, pelo oligopólio da mídia, pela cúpula das forças armadas e de outras instituições de Estado.

Se trata TAMBÉM disso.

Mas se trata PRINCIPALMENTE de um projeto da classe capitalista “brasileira”, associada aos interesses das potências estrangeiras, especialmente dos Estados Unidos.

Muita gente ainda se choca com isto, fica meio que inconformada com esta atitude dos nossos capitalistas.

Eu não.

Eu acho absolutamente lógico e coerente o que eles estão fazendo.

Primeiro, porque não é de agora. Nossa classe dominante se constituiu assim. Ela é descendente mental e as vezes descendente física dos mais brutais “colonizadores”, dos senhores de escravos, dos coronéis do latifúndio.

A burguesia paulista, aliás, a mais reacionária fração da burguesia brasileira, gosta de dizer que tem sangue bandeirante na veia, sangue de salteadores e de assassinos.

Segundo, porque a atitude apátrida e antissocial  deles faz sentido, se considerarmos do ponto de vista dos lucros, da acumulação de riqueza por parte dos que sobrevivem e se dão bem no processo.

Terceiro, e principalmente, porque a alternativa é muito perigosa para eles.

A alternativa qual seria?

Primeiro, não aceitar o papel de fornecedor de máterias-primas para as potências e de consumidor de produtos industrializados fabricados por estas potências. Mais que isso, a alternativa é buscar converter o Brasil e a região num dos polos do mundo.

Acontece que tomar esta decisão implica, por um lado, em chocar com os interesses das potências. Por outro lado, implica em tomar medidas PROTECIONISTAS. Pois como é óbvio, existe um excesso de capacidade produtiva no mundo e durante um certo tempo será mais barato comprar lá fora do que produzir aqui dentro. Implica, ademais, em reconstruir nossa base industrial, produtiva e tecnológica, e construir um mercado nacional e regional para nossa atual e futura capacidade produtiva.

Um mercado de massas, massas que devem ter sua capacidade de consumo ampliada. Mas principalmente um mercado de bens públicos: levar a todo o Brasil energia elétrica, cabeamento ótico, ferrovias e hidrovias; reurbanizar nossas cidades, atender a 100% das necessidades de saneamento, moradia, transporte e equipamentos públicos.

A produção destes e de outros bens públicos, combinada com a ampliação do consumo de bens privados, é o que pode tornar-se o carro-chefe da reindustrialização nacional.

A classe dominante brasileira não tem o menor interesse em um projeto desta natureza, não apenas porque ele levaria a um choque com os interesses dos Estados Unidos e de outras potências, mas também porque ele implicaria em empregar produtivamente o conjunto da população brasileira, gerando  uma elevação nos salários e – dada a natureza da dinâmica descrita – levando a uma redução nos lucros dos capitalistas.

Redução direta, por conta de mais empregos e salários, mas também redução indireta, porque políticas de Bem-Estar Social terão de ser financiadas através da adoção do imposto progressivo sobre a renda e grandes propriedades, da tributação dos milionários e das grandes heranças.

Vale destacar que tudo isso pressupõe redefinir o lugar do agrário e do agrícola em nossa economia, pois o único jeito disto tudo ocorrer de maneira virtuosa é se tivermos soberania alimentar, o que exige ampliar muito a produtividade da pequena e da média propriedade rural, ampliando e barateando significativamente a produção de alimentos.

O que me leva a lembrar que, se tivermos êxito num projeto de desenvolvimento desta natureza, haverá uma ampliação da pequena e até da média empresa capitalista, tanto no campo quanto na cidade.

O que não é problema, pois o nosso problema não é com o capitalismo de pequeno porte, nosso problema real advém dos monopólios e oligopólios, transnacionais ou não.

Como esses setores monopolistas e oligopolistas são a verdadeira classe dominante, não virá deles nenhuma iniciativa nesse sentido.

É por isso, entre muitos outros motivos, que um processo de desenvolvimento nacional, como o que defendemos, exige colocar o Estado no comando. Não o atual Estado, não o Estado criado, organizado e controlado por esta classe dominante de merda que temos, mas um Estado de outro tipo, que consiga por exemplo colocar o oligopólio financeiro privado sob real controle público.

Aliás, os que gostam de falar da China atual e os que gostam de falar do New Deal, deveriam estudar o que foi feito com o setor financeiro nesses dois casos. E refletir se é possível fazer uma transformação profunda na sociedade brasileira, sem revolucionar o setor financeiro brasileiro, neste caso desfazendo o que os neoliberais fizeram nos anos 1980 e 1990.

Aliás, sempre me espanta como o lado de lá é audacioso NO FAZER – as privatizações foram uma expropriação contrarrevolucionária – e como o lado de cá é tímido ATÉ NOS PLANOS.

Como é óbvio, nós estamos diante de uma dupla tarefa: a de redefinir a estrutura de propriedade e a de redefinir a estrutura de poder no Brasil. É nesse plano estratégico que deve ser colocado o tema de uma Assembleia Nacional Constituinte.

A classe dominante brasileira, como já dissemos, não tem interesse em nada disso. Ela prefere se manter na condição de sócia menor do capitalismo mundial. E faz muito bem em agir assim, pois seguir o caminho oposto implicaria em correr riscos numa luta contra o imperialismo e exigiria abrir mão de poder e de riqueza em favor da maioria do povo brasileiro.

Quem tem interesse real, quem não tem a perder e só tem a ganhar com uma alternativa democrática e popular de desenvolvimento, é a classe trabalhadora.

Claro que para viabilizar esta alternativa, a classe trabalhadora tem que construir a disposição e os meios organizativos e políticos para viabilizar esta transformação.

E a disposição inclui chamar as coisas por seu nome.

Um projeto de transformação desta magnitude, que relocaliza o Brasil no mundo, que é comandado pela classe trabalhadora, num contexto de crise sistêmica do capitalismo global, pode ser chamado de vários nomes: soberano, desenvolvido, sustentável, igualitário, democrático, popular, inclusivo etc etc.

Mas o único nome que sintetiza adequadamente os desafios postos é o nome de SOCIALISMO.

O lado de cá pode ter dúvidas a respeito. Há quem, aferrado a uma noção ultrapassada, ache que socialismo é apenas o de tipo soviético, estatalcentrico. Há quem, ressuscitando o “etapismo”, diga que primeiro temos que tomar medidas democráticas e populares e só depois temos que tomar medidas socialistas. Há, também, quem argumente com a correlação de forças, como se esta fosse uma variável idônea quando se discutem temas de médio-longo prazo. E há, finalmente, os que deixaram de ser socialistas e por isso rejeitam o termo.

O lado de cá pode ter muitas dúvidas a respeito. Eu diria que, hoje, grande parte da esquerda brasileira não concorda com o ponto de vista que expressamos aqui.

A meu favor, a nosso favor, tenho a dizer que o lado de lá – a classe dominante -- não tem dúvida nenhuma. Sabe que num país tão desigual, tão dependente, tão conservador, atender aos interesses das maiorias converte-se mais cedo ou mais tarde, em uma ameaça a ordem capitalista como um todo. E por isso a classe dominante reage preventivamente.

Mas se é assim, e é assim, seria prudente preparar a nossa tropa para enfrentar a rebordosa. E saber qual a natureza da guerra que estamos enfrentando.

Chamar de socialismo é, portanto, não apenas uma denominação cientificamente adequada a natureza da transformação proposta, como é a denominação politicamente adequada, para nos preparar para o que virá pela frente e, aliás, para que compreendamos porque eles são tão violentos, mesmo quando a gente se comporta de maneira tão republicana e, eu diria, domesticada.

Obrigado.

Um comentário:

  1. Esse texto precisa ser destacado como ponto chave de qualquer debate a partir da publicação dele.

    "Socialismo ou barbárie." - István Mészáros.

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