Um conhecido filiado
ao PSOL, cujo nome não vou citar para não arrumar mais confusão, disse uma vez
que “estilo é tudo”.
E ninguém pode negar
que Valério Arcary tenha estilo.
No PT, no PSTU ou no
PSOL, o estilo continua basicamente o mesmo.
Há quem goste, há quem
não goste. Eu acho muito divertido.
Me diverte, por exemplo, o texto que
reproduzo na íntegra ao final, que começa assim: “há duas estratégias em
disputa na oposição a Bolsonaro”, sendo que uma “é defendida pelo PSOL e a
outra por Ciro Gomes”, estando o PT “dividido entre as duas”.
A partir desta
afirmação, seguem alguns parágrafos de argumentação, que terminam assim: “O PT
terá que decidir qual será a sua estratégia. Esse deverá ser a questão de fundo
do 7º Congresso do PT”.
Como a última frase parece
verdadeira, há quem termine a leitura com a impressão de que Valério acertou na
mosca.
Pode até ser, quem sabe.
Mas na minha opinião,
esta impressão é causada pelo estilo de Valério, que neste caso sistematizo por minha conta e risco assim: se causares boa impressão
no começo e no fim, o recheio passará desapercebido.
E qual o recheio, neste caso?
Primeiro: Valério chama
de estratégia a definição sobre como a esquerda deve se comportar frente ao
governo Bolsonaro.
Diz ele: “Uma
estratégia é uma orientação de médio ou longo prazo que escolhe um fim a ser
atingido. Ao longo de um período de defesa de uma mesma estratégia decorrem,
todavia, variadas e diferentes táticas, de acordo com as circunstâncias. As
táticas mudam, a estratégia permanece a mesma. Mas as táticas revelam qual é a
estratégia”.
Se a estratégia é uma orientação
que define um fim, pergunto: qual é o “fim a ser atingido”?
Neste texto, Valério não responde
diretamente, mas sim indiretamente.
Diz ele: “há duas
estratégias em disputa na oposição a Bolsonaro. A primeira tem como projeto
acumular força na resistência, em cada luta, para tentar impedir o governo
Bolsonaro de governar. Ou seja, lutar para impedir que a derrota eleitoral se
transforme em derrota social ou derrota histórica. Lutar sem trégua para
enfrentar o perigo autoritário de que o regime degenere em bonapartismo
militar. Preparar, portanto, as condições para derrotar Bolsonaro e a coligação
reacionária que lhe oferece sustentação nas instituições. Não aceitar o
horizonte das próximas eleições em 2022 como referência estratégica para medir
forças”.
Ou seja: “o fim a ser
atingido” é derrotar Bolsonaro.
O que pode ser lido
assim: o “fim a ser atingido” é recompor o regime democrático-liberal.
Pergunto: será esta a "estratégia", será este "o fim a ser atingido" pela esquerda socialista?
Sigamos: qual seria a outra
estratégia?
Segundo Valério, a
outra estratégia seria a de Ciro Gomes, com “a maioria do PDT e do PSB”, que
teria como objetivo “se posicionar como alternativa eleitoral de
centro-esquerda hegemônica no campo da oposição, deslocando o PT, para as
eleições de 2022”.
Tomo nota da cautelosa falta de opinião, por parte de Valério, acerca de qual seria a posição do PCdoB.
Sigamos: só faz
sentido contrapor a “estratégia” do PSOL e a de Ciro Gomes, se por “estratégia”
se compreender apenas e tão somente como fazer oposição a Bolsonaro.
Trata-se de uma
concepção restrita do que deva ser a estratégia. Ao menos, do que deva ser a estratégia de um partido socialista.
Para fazer uma
analogia, foi um tipo similar de reducionismo que levou uma parte do PT a
pensar a “estratégia” como caminho para o governo, não como caminho para o
poder.
Foi também um reducionismo
similar que fez uma parte da esquerda brasileira abandonar a alternativa democrática,
popular e socialista, convertendo em objetivo estratégico realizar governos
“progressistas”.
Ao reduzir a estratégia
a isso -- qual política adotar na oposição ao governo Bolsonaro -- Valério escorrega
para um segundo equívoco, que acho ser inevitável para quem comete o primeiro.
A saber: fazer da questão
democrática a questão central da estratégia.
Claro que Valério não
é um liberal. Portanto, para ele a questão democrática não se resume às regras
institucionais, eleitorais, legais.
Mas vamos ler o que
ele escreveu: “desta estratégia decorre a defesa de uma “Frente Única” das esquerdas
“em defesa dos direitos da classe trabalhadora”; e também decorre, “em outra
chave, a unidade de ação com todos os partidos que estejam dispostos a defender
as liberdades democráticas”.
Note que há uma “frente”
em defesa dos direitos e a “unidade de ação” em defesa das liberdades
democráticas.
Não sou contra nada disso.
Mas sou contra reduzir a estratégia da esquerda a isto.
Não sou contra apenas por razões de princípio, mas também por razões mais concretas: entendo que no período histórico em que estamos, tanto no plano internacional quanto nacional, não teremos sucesso na luta democrática, na luta nacional e na luta em defesa dos direitos, se não integrarmos estas três lutas entre si e se não integrarmos as três com a luta pelo socialismo.
Por isso, só vejo sentido falar em estratégia se o "fim a ser atingido" for o socialismo.
E falar em socialismo é falar em algo mais do que a “defesa dos direitos da classe
trabalhadora”.
Pois, salvo engano, o
que esta fórmula quer dizer é: defender os direitos econômicos, sociais e
políticos conquistados no período anterior, que estão sendo atacados e
revogados.
Não se trata, portanto,
de lutar por ampliar estes direitos, muito menos refere-se a luta por uma ordem
social distinta da capitalista.
Reafirmo portanto: o “fim
a ser atingido” pela estratégia, tal como Valério apresenta o termo, resume-se
a recompor o status quo ante.
Talvez por isso Valério não
fale acerca de Ciro Gomes algo essencial a ser dito: o projeto estratégico de
Ciro é o nacional-desenvolvimentismo autoritário.
É fundamentalmente por
isso que a política de Ciro frente ao governo Bolsonaro é totalmente diferente
da política adotada pelo PT e pelo PSOL.
O problema de Ciro não está em
subestimar os riscos e ameaças do governo Bolsonaro; o problema dele é que seu
objetivo estratégico é antagônico ao nosso.
E o antagonismo não está apenas ou
principalmente no terreno democrático, está no projeto de longo prazo.
Neste caso, a tática
frente ao governo Bolsonaro é diferente, porque os objetivos estratégicos são
diferentes.
O terceiro equívoco de
Valério tem uma causa mais simples: por razões meio óbvias, ele quer apresentar o
PSOL como polo e o PT como polarizado.
Talvez por conta deste ponto
de partida um pouquinho sectário, Valério não perceba que a disputa existente no PT não diz
respeito apenas a política frente ao governo Bolsonaro.
Existe um outro debate, este sim estratégico no sentido pleno e forte da palavra, ou seja: como lutar pelo socialismo.
O curioso é que, ao não colocar o socialismo sobre a mesa, ao enfatizar a questão democrática, ao resumir a estratégia a como enfrentar o governo Bolsonaro, Valério
adota a mesma linha de argumentação de alguns setores do PT.
E onde está a parte divertida?
A diversão está em que, se Valério continuar
nesta linha de argumentação e algum dia ele vier para o PT (quem sabe?), não estaríamos do mesmo lado.
Seria ótimo: terminarmos de novo juntos no mesmo Partido, o Partido dos Trabalhadores, com Valério na ala direita.
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Há duas estratégias em
disputa na oposição a Bolsonaro. Uma é defendida pelo Psol e a outra por Ciro
Gomes. E o PT está dividido entre as duas. Toda intervenção política séria deve
ser orientada por uma estratégia. Uma estratégia é uma orientação de médio ou
longo prazo que escolhe um fim a ser atingido. Ao longo de um período de defesa
de uma mesma estratégia decorrem, todavia, variadas e diferentes táticas, de
acordo com as circunstâncias. As táticas mudam, a estratégia permanece a mesma.
Mas as táticas revelam qual é a estratégia.
Só é possível atribuir
sentido às diferenças táticas no interior da esquerda se elucidamos a
divergência de estratégia: apoiar Rodrigo Maia ou Marcelo Freixo para a
presidência da Câmara dos Deputados, por exemplo, foi uma divergência tática.
Mas ela obedece a estratégias diferentes. Qualquer organização ou liderança que
age sem estratégia, portanto, de acordo com as pressões do momento, não vai
muito longe, porque é errática, como a biruta de aeroporto. Acompanha as
flutuações dos ventos. Não é possível a representação política sem coerência.
Há duas estratégias em
disputa na oposição a Bolsonaro. A primeira tem como projeto acumular força na
resistência, em cada luta, para tentar impedir o governo Bolsonaro de governar.
Ou seja, lutar para impedir que a derrota eleitoral se transforme em derrota
social ou derrota histórica. Lutar sem trégua para enfrentar o perigo
autoritário de que o regime degenere em bonapartismo militar. Preparar,
portanto, as condições para derrotar Bolsonaro e a coligação reacionária que
lhe oferece sustentação nas instituições. Não aceitar o horizonte das próximas
eleições em 2022 como referência estratégica para medir forças. Desta
estratégia decorre a defesa de uma Frente Única do Psol com o PT, o PCdB, e
todos os partidos de esquerda com as Centrais Sindicais e movimentos populares,
feministas negros, de juventude e LGBT’s em defesa dos direitos da classe
trabalhadora. E, também, em outra chave, a unidade de ação com todos os
partidos que estejam dispostos a defender as liberdades democráticas: justiça
para Marielle, Lula Livre, contra as arbitrariedades autoritárias que ameaçam
as liberdades.
A segunda, liderada por Ciro Gomes, unifica a maioria do PDT e do PSB e tem como objetivo se posicionar como alternativa eleitoral de centro-esquerda hegemônica no campo da oposição, deslocando o PT, para as eleições de 2022. Defendem que o governo Bolsonaro não é uma ameaça ao regime democrático-eleitoral. Bolsonaro e a sua coalizão seriam somente uma alternância “normal” entre governos de esquerda, centro ou direita. Desvalorizam a gravidade do ajuste estrutural que Paulo Guedes pretende realizar com a avalanche de reformas nas relações sociais de trabalho. Não considera real e iminente o perigo do governo de extrema-direita destruir, reacionariamente, o equilíbrio de poder entre as instituições; desvalorizam as ameaças autoritárias; silenciam sobre o tsunami de privatizações, e se calam sobre o espantoso peso dos militares nos ministérios. Por isso, insistem em se colocar como uma oposição que dialoga com o governo para negociar emendas a reformas como a da Previdência Social.
Essas duas estratégias são irreconciliáveis. Elas não impedem que se possa fazer alguma unidade tática. Mas são, fundamentalmente, incompatíveis.
O PT terá que decidir qual será a sua estratégia. Esse deverá ser a questão de fundo do 7º Congresso do PT.
A segunda, liderada por Ciro Gomes, unifica a maioria do PDT e do PSB e tem como objetivo se posicionar como alternativa eleitoral de centro-esquerda hegemônica no campo da oposição, deslocando o PT, para as eleições de 2022. Defendem que o governo Bolsonaro não é uma ameaça ao regime democrático-eleitoral. Bolsonaro e a sua coalizão seriam somente uma alternância “normal” entre governos de esquerda, centro ou direita. Desvalorizam a gravidade do ajuste estrutural que Paulo Guedes pretende realizar com a avalanche de reformas nas relações sociais de trabalho. Não considera real e iminente o perigo do governo de extrema-direita destruir, reacionariamente, o equilíbrio de poder entre as instituições; desvalorizam as ameaças autoritárias; silenciam sobre o tsunami de privatizações, e se calam sobre o espantoso peso dos militares nos ministérios. Por isso, insistem em se colocar como uma oposição que dialoga com o governo para negociar emendas a reformas como a da Previdência Social.
Essas duas estratégias são irreconciliáveis. Elas não impedem que se possa fazer alguma unidade tática. Mas são, fundamentalmente, incompatíveis.
O PT terá que decidir qual será a sua estratégia. Esse deverá ser a questão de fundo do 7º Congresso do PT.
Valério Arcary
Assim como a estratégia proposta por Valério pode ser lida como restrita, a que Pomar propõe é tão ampla, que se torna etérea. Boa sorte em ir aos sindicatos, aos bairros e as comunidades rurais convence-los em construir o socialismo.
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