Esta é a segunda parte da entrevista que concedi ao Página 13. Será publicada no início de março, juntamente com a primeira parte, que já foi divulgada.
O Brasil conta com uma grande população
de jovens. Parte importante desta juventude viveu apenas os governos do PT no
país. Quais são os desafios do Partido em relação ao diálogo com as lutas
destas novas gerações, em sua maioria trabalhadora?
Para
responder estas questões, eu sinto necessidade de distinguir, pelo menos para
fins didáticos, o que é desafio estritamente do PT, daquilo que é desafio
digamos nacional, do Brasil. Como se dizia antigamente, o PT tem o desafio de
conquistar os corações e mentes das novas gerações. Claro que parcelas da
juventude vão se manter apolíticas, assim como outras parcelas vão adotar
posições de centro-direita. Mas o PT pode conquistar a maior parte da
juventude, que é filha da classe trabalhadora. Hoje, em termos relativos está
ocorrendo o contrário: estamos perdendo espaço, para a direita e para a
despolitização. O desafio de conquistar a juventude para o PT não é única, nem
exclusivamente um desafio da juventude petista. É um desafio de todo o PT, que
precisa fazer duas ações articuladas, de natureza político-cultural e
ideológica. Uma ação é reafirmar nossa dimensão de movimento político-social,
com presença na batalha cultural de comunicação e educacional. Não podemos
aceitar como irreversível nossa conversão em um partido tradicional,
convencional, eleitoral, meramente institucional. A outra ação é reafirmar
nosso compromisso com o socialismo, com o anticapitalismo, com a construção de
outro mundo. As duas ações, combinadas, tornarão o PT um partido amigável para
a juventude de esquerda e evitarão a proliferação desta praga que é o
jovem-burocrata, o jovem-velho, que copia desde novinho as práticas dominantes
na política brasileira. Isto que falei até agora diz respeito aos desafios do
PT para consigo mesmo. Mas o PT tem desafios mais amplos, que dizem respeito à
implantação de políticas públicas que garantam bem-estar social e futuro para a
população jovem que existe no Brasil. Trata-se de ter políticas públicas que
formem gerações com alto compromisso social e com alto nível educacional,
técnico, tecnológico, produtivo. Lembrando que o futuro visível precisa ser de
jornadas menores de trabalho e com entrada mais tardia no processo produtivo. Infelizmente,
por conta do massacre de jovens das periferias, tantas vezes por obra das PMs,
é preciso lembrar que entre as políticas públicas para a juventude, está a
garantia do direito a vida, além das oportunidades de trabalho, estudo, cultura
e lazer.
Sobre juventude, no PED deste ano
teremos, no mínimo, 20% de jovens e 20% de negros e/ou indígenas nas chapas.
Qual a importância de se garantir este percentual?
O
primeiro a reconhecer é por quais motivos fomos obrigados a estabelecer estas
cotas, assim como as cotas de gênero, nos espaços de decisão. A verdade é que,
se não existirem regras que garantam a pluralidade, nossos diretórios serão
compostos basicamente por homens brancos de meia-idade para cima. Tem quem
critique este tipo de cota, por considerar que a política vem em primeiro
lugar, na hora de compor as direções, e que há o risco das cotas serem
preenchidas de maneira burocrática, formal. Este risco existe, mas também é
verdade que, na ausência das cotas, entre duas pessoas com as mesmas posições
políticas, muitas vezes se priorizava os homens brancos de meia-idade...
Portanto, vejo as cotas como positivas, sempre lembrando que elas só vão servir
ao nosso projeto se houver um amplo esforço de ampliar a presença, no Partido,
de indígenas, de negros, de jovens e de mulheres. E não apenas ampliar a
presença, mas qualificar por meio da formação política e do exercício de
atividades dirigentes. Embora, cá entre nós, esta necessidade de qualificação
também se aplique aos tais homens brancos e de meia idade.
Este ano também será o primeiro PED com
a regra de paridade entre homens e mulheres. O que isto muda no processo de
eleições diretas?
É
como eu disse antes, a exigência de cotas aproxima o Partido da realidade
social que temos e da realidade política que queremos. Se as mulheres são em
torno da metade da população, elas deveriam constituir a metade do Congresso
Nacional e dos demais postos eletivos do Brasil, e do mundo, certo? E se o PT
defende isto para a sociedade, nada melhor que darmos o exemplo em casa. Claro que isto
criará dificuldades para algumas chapas, especialmente naquelas cidades ou
estados nos quais o percentual de mulheres filiadas é relativamente baixo; e
onde o machismo imperante reprime a presença mais ativa das mulheres na
política. A aprovação da paridade é uma conquista das mulheres e sua implementação
é um desafios de todos nós. Mas isto, como diria um grande filósofo campineiro,
faz parte.
A presidente Dilma sancionou a Lei de
Cotas nas Universidades Públicas Federais. Qual é a sua opinião a respeito das
cotas universitárias?
É
a mesma opinião que tenho a respeito das cotas em geral. Sem políticas
afirmativas, a desiguldade sobreviverá eternamente. Claro que as políticas
afirmativas, assim como as chamadas políticas compensatórias, não podem ser
para sempre, pois isto significaria que a desigualdade prossegue. Mas na
situação em que estamos no Brasil, ou adotávamos cotas ou as universidades
públicas federais continuariam reproduzindo a exclusão. E um projeto
democrático-popular para o Brasil precisa se apoiar em uma geração
universitária proveniente principalmente dos setores excluídos.
Ainda sobre educação, tramita no
Congresso Medida Provisória que trata da destinação dos 100% dos royalties de
petróleo para educação. Voce é favorável a isto? No que esta medida favorece e
muda a educação pública?
Eu
sou favorável. Em minha opinião, se não revolucionarmos a cultura, a
comunicação e a educação, vamos dar com os burros nágua, como país, como esquerda e como partido. Veja, não sou
adepto daquele discurso segundo o qual é a educação que muda tudo blá blá blá.
O que muda é a luta política, é a consciência organizada e mobilizada. A
questão é que para termos dezenas de milhões conscientes, organizados e
mobilizados, é preciso mudar completamente o funcionamento da educação pública,
da comunicação social e da indústria cultural. E isso exige dinheiro,
investimento público maciço. Mas este investimento deve servir para implantar
outro projeto pedagógico, outro projeto educacional. E, é bom lembrar, projeto
educacional de massas que não envolva a cultura e a comunicação não é de
massas. Claro que há setores na direita e mesmo na esquerda que não tem muito
interesse em debater a questão deste ponto de vista. Taí o PNE ainda pendente
de aprovação para confirmar isto que digo.
Qual é o grande diferencial do PT
perante os demais partidos de esquerda no Brasil?
Bom,
esta pergunta é uma pegadinha clássica, pois é óbvio que como filiado desde
1985 e como dirigente nacional do PT desde 1997, eu só posso responder coisa
boa acerca do Partido. Mas antes de falar da parte boa, deixa eu insistir em
algo que já disse na primeira parte desta entrevista. O PT não pode viver do
seu passado glorioso, nem dos êxitos do presente. Nossa sobrevivência, nossa
utilidade para a classe trabalhadora brasileira, depende de sermos capazes de
articular a solução dos problemas do presente, com a construção de um futuro
diferente. E não está garantido que consigamos fazer isto. É uma luta cotidiana
contra os hábitos e costumes da política tradicional, contra a influência da
direita e do grande capital, contra a acomodação e a adaptação que afeta cada
um de nós. Isto posto, eu acho que o grande diferencial do PT está em termos
conseguido construir e manter um partido de esquerda, popular, de massas, com
forte raiz entre os trabalhadores e trabalhadoras. E isto é produto de opções
políticas. Fizemos isto nos anos 80, radicalizando, enquanto alguns partidos de
esquerda apostaram na conciliação com a transição democrática. Fizemos isto nos
anos 90, quando não abrimos mão de ser, ao mesmo tempo, oposição ao
neoliberalismo e alternativa de governo. E seguimos fazendo isto depois de
2003, quando não abrimos mão de ser partido e de governar. Claro que, com o
passar dos anos, acumulam-se também fatores negativos. Por exemplo, se
dependesse de alguns setores, o PT deixaria de existir como Partido e se
tornaria apenas governo. Embora, é verdade, também haja setores muito
minoritários que gostariam de ver o PT fazendo oposição a seu próprio governo.
Outro exemplo: se o PT continuar dependente do financiamento privado
empresarial, nossos vínculos com a classe trabalhadora podem se tornar apenas
eleitorais: deixaremos de ser o Partido da classe trabalhadora e nos
converteremos em partido que busca o voto dos trabalhadores, como fazem outros
partidos.
Para além do financiamento público de
campanha, que outras medidas devem ser tomadas para uma profunda reforma
política?
Bom,
se é para ser profunda, precisa ampliar o controle social sobre o Estado. Exige
estabelecer o primado de uma pessoa, um voto, que hoje é amplamente
desrespeitado na composição do Congresso Nacional. Exige acabar com o Senado ou
pelo menos eliminar seu poder revisor e legislador sobre temas não federativos,
além de reduzir mandatos para quatro anos e eliminar a figura do suplente. Uma
reforma política profunda exige, ainda, formalizar mecanismos de participação
popular, consulta popular e controle social sobre o Executivo, em seus três
níveis. Exige, também, democratizar o judiciário, o único dos três poderes
poderes que não se submete nem ao sufrágio popular nem a mecanismos de controle
social. Do ponto de vista mais eleitoral, reforma política para valer implica
em financiamento público exclusivo para campanhas eleitorais, criminalizar o
financiamento privado empresarial, adotar o voto em lista fechada e a paridade
na composição das listas, assim como o fim das coligações proporcionais. Salvo
engano, acho que estas posições coincidem, ao menos em grande parte, com o que
o PT já deliberou a respeito.
Em sua opinião, uma Constituinte
exclusiva para fazer a reforma política é viável?
Não
sei se é viável, mas certamente é indispensável. O atual Congresso nunca fará
uma reforma política profunda, pelo simples motivo de que uma reforma deste
tipo afeta as bases de poder de quem hoje é maioria no Congresso. Por donos,
refiro-me não apenas aos parlamentares ideologicamente de centro-direita, que
são maioria no Congresso, mas principalmente aos que pagam as contas das
campanhas deles. Por outro lado, uma reforma política não pode ser feita por
gente que logo em seguida vai disputar eleições com base nas regras que acabou
de elaborar. Por isto tem que ser Constituinte exclusiva. Agora, se olharmos o
tema de um ponto de vista mais amplo, podemos dizer o seguinte: a construção de
um Brasil democrático-popular exige uma profunda mudança nas instituições e um
bom e conhecido jeito de fazer isto é através de uma Assembléia Constituinte.
Venezuela, Equador e Bolívia tiveram as suas, e mesmo no Chile de hoje já há
quem fale da necessidade de uma. Agora, será viável? Aí se trata de um problema
de correlação de forças, que pelo menos hoje não está pra peixe. Mas na vida e
na história tem tanta coisa que parecia inviável e que se tornou viável, não é
verdade?
Falando em correlação, vamos aos aliados.
Dos partidos de esquerda que estão na base do governo (PCdoB, PDT e PSB), dois
- o PSB e o PDT - têm se distanciado ou por vezes adotado uma postura
independente. Existe risco destes dois partidos não estarem conosco em 2014?
Claro
que existe. Aliás, acho que só estivemos coligados ao mesmo tempo com os três
partidos citados, no primeiro turno das eleições de 1994 e 2010. Isto posto,
acho que devemos trabalhar para que eles estejam conosco no primeiro ou no
segundo turno de 2014. E acho que devemos construir uma aliança mais orgânica
entre os partidos da esquerda brasileira, algo meio parecido com o que é a
Frente Ampla do Uruguai. Mas o tempo conspira contra esta possibilidade. Voce
não pode pedir ao PT que abra mão de sua hegemonia. E tampouco pode pedir aos
aliados que abram mão de seu direito de buscar tornar-se hegemônicos. Por outro
lado, no mundo real a burguesia opera, a direita opera, e neste momento o PSB
está sendo seduzido para lançar candidatura presidencial. E há setores do PSB
decididos a fazer isto. Pessoalmente, a preços de hoje, eu diria que Eduardo
Campos é candidato presidencial. Se será candidato em outubro de 2014 é outra
história.
Que partidos avalia que deveriam ser
prioritários no nosso arco de alianças?
Na
prática, estamos condenados a tentar repetir em 2014 a aliança PT-PMDB, com os
demais partidos da atual base do governo. Agora, o tema é que esta aliança e
este tipo de governabilidade está esgotada e tornou-se um perigo – pensem no
que significa ter Temer como vice, Eduardo Alves à frente da Câmara, e, no
Senado, Renam presidindo, para citar só estes três. Nossa preocupação, hoje, é
tripla. Por um lado, impedir que esta aliança federal implique em concessões
nas campanhas estaduais ou, ao inverso, devemos trabalhar para ampliar a
presença do PT nos governos estaduais e senadores eleitos em 2014. Por outro
lado, construir as bases de uma governabilidade social, que compense a
deterioração crescente da governabilidade institucional, que na minha opinião
vai se complicar crescentemente, agora e depois de 2014. E em terceiro lugar,
recompor o chamado bloco democrático-popular, entre partidos, movimentos e
intelectualidade. Um dos grandes erros cometidos desde 2003 foi confundir e
priorizar as alianças táticas com partidos de centro-direita, frente à aliança
estratégica com setores político-sociais de esquerda. Este erro, se não for
corrigido, terá como consequência lógica abrirmos mão da cabeça de chapa na
disputa presidencial de 2018.
Uma questão sobre os tucanos:
recentemente o governo do Estado de São Paulo resolveu implantar a internação
compulsória de maneira indiscriminada para dependentes químicos. A medida é
controversa e gerou muitas críticas, o que acha?
Infelizmente,
neste caso tem gente de esquerda que pensa a mesma coisa que o Alckmin. Veja,
eu não sou especialista no tema, sou apenas um curioso mais ou menos informado,
mas acho que a internação involuntária deve ser a exceção da exceção da
exceção. Agora, o que o governo tucano está fazendo é internação compulsória, ou
seja, está transformando em regra o que deveria ser uma exceção cercada de
cuidados médicos e legais. Para mim, a internação compulsória tucana está mais
para medida higienista, sendo totalmente ineficaz como terapia. Ou seja: é uma
medida que não vai resolver a situação de quem é, por exemplo, dependente
extremo do crack. Mas serve como instrumento de luta política, pois o tema das
drogas, tanto do consumo quanto do tráfico, se presta a todo tipo de
manipulação por parte de um setor da direita.
A grande imprensa repercutiu pouco a
reeleição no Equador do Correa e a volta de Chavez à Venezuela, ao mesmo tempo
que repercutiu muito a passagem da blogueira cubana Yoani Sánchez pelo Brasil.
O que voce pode nos dizer a respeito?
A
reeleição do Correa confirmou uma tese: em todos os países que a esquerda
ganhou a partir de 1998, ela segue ganhando pelo voto. E os únicos casos em que
fomos derrotados, foi através de golpe: Honduras e Paraguai. A volta de Chavez,
para além dos aspectos humanos envolvidos, ajudará a confirmar aquela tese: com
a presença do presidente venezuelano no país, será mais fácil eleger seu
sucessor, Nicolás Maduro. Quanto à blogueira, eu acho ela uma fraude, para a
qual não se deveria ter dar muita importância, nem muita atenção. Ela se apresenta
como vítima do governo cubano, e tentou posar de vítima da suposta intolerancia
da esquerda aqui e noutros países. Minha recomendação a quem acredita nesta
lenda, como parece ser o caso do senador Suplicy, é pedir a blogueira que
revele sua opinião acerca dos Estados Unidos e acerca do bloqueio. Uma cubana
que se preze, seja ou não adepta do governo comunista, não pode silenciar sobre
estes assuntos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário