sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Segunda parte da entrevista ao Página 13


Esta é a segunda parte da entrevista que concedi ao Página 13. Será publicada no início de março, juntamente com a primeira parte, que já foi divulgada.


O Brasil conta com uma grande população de jovens. Parte importante desta juventude viveu apenas os governos do PT no país. Quais são os desafios do Partido em relação ao diálogo com as lutas destas novas gerações, em sua maioria trabalhadora?

Para responder estas questões, eu sinto necessidade de distinguir, pelo menos para fins didáticos, o que é desafio estritamente do PT, daquilo que é desafio digamos nacional, do Brasil. Como se dizia antigamente, o PT tem o desafio de conquistar os corações e mentes das novas gerações. Claro que parcelas da juventude vão se manter apolíticas, assim como outras parcelas vão adotar posições de centro-direita. Mas o PT pode conquistar a maior parte da juventude, que é filha da classe trabalhadora. Hoje, em termos relativos está ocorrendo o contrário: estamos perdendo espaço, para a direita e para a despolitização. O desafio de conquistar a juventude para o PT não é única, nem exclusivamente um desafio da juventude petista. É um desafio de todo o PT, que precisa fazer duas ações articuladas, de natureza político-cultural e ideológica. Uma ação é reafirmar nossa dimensão de movimento político-social, com presença na batalha cultural de comunicação e educacional. Não podemos aceitar como irreversível nossa conversão em um partido tradicional, convencional, eleitoral, meramente institucional. A outra ação é reafirmar nosso compromisso com o socialismo, com o anticapitalismo, com a construção de outro mundo. As duas ações, combinadas, tornarão o PT um partido amigável para a juventude de esquerda e evitarão a proliferação desta praga que é o jovem-burocrata, o jovem-velho, que copia desde novinho as práticas dominantes na política brasileira. Isto que falei até agora diz respeito aos desafios do PT para consigo mesmo. Mas o PT tem desafios mais amplos, que dizem respeito à implantação de políticas públicas que garantam bem-estar social e futuro para a população jovem que existe no Brasil. Trata-se de ter políticas públicas que formem gerações com alto compromisso social e com alto nível educacional, técnico, tecnológico, produtivo. Lembrando que o futuro visível precisa ser de jornadas menores de trabalho e com entrada mais tardia no processo produtivo. Infelizmente, por conta do massacre de jovens das periferias, tantas vezes por obra das PMs, é preciso lembrar que entre as políticas públicas para a juventude, está a garantia do direito a vida, além das oportunidades de trabalho, estudo, cultura e lazer.

Sobre juventude, no PED deste ano teremos, no mínimo, 20% de jovens e 20% de negros e/ou indígenas nas chapas. Qual a importância de se garantir este percentual?

O primeiro a reconhecer é por quais motivos fomos obrigados a estabelecer estas cotas, assim como as cotas de gênero, nos espaços de decisão. A verdade é que, se não existirem regras que garantam a pluralidade, nossos diretórios serão compostos basicamente por homens brancos de meia-idade para cima. Tem quem critique este tipo de cota, por considerar que a política vem em primeiro lugar, na hora de compor as direções, e que há o risco das cotas serem preenchidas de maneira burocrática, formal. Este risco existe, mas também é verdade que, na ausência das cotas, entre duas pessoas com as mesmas posições políticas, muitas vezes se priorizava os homens brancos de meia-idade... Portanto, vejo as cotas como positivas, sempre lembrando que elas só vão servir ao nosso projeto se houver um amplo esforço de ampliar a presença, no Partido, de indígenas, de negros, de jovens e de mulheres. E não apenas ampliar a presença, mas qualificar por meio da formação política e do exercício de atividades dirigentes. Embora, cá entre nós, esta necessidade de qualificação também se aplique aos tais homens brancos e de meia idade.

Este ano também será o primeiro PED com a regra de paridade entre homens e mulheres. O que isto muda no processo de eleições diretas?

É como eu disse antes, a exigência de cotas aproxima o Partido da realidade social que temos e da realidade política que queremos. Se as mulheres são em torno da metade da população, elas deveriam constituir a metade do Congresso Nacional e dos demais postos eletivos do Brasil, e do mundo, certo? E se o PT defende isto para a sociedade, nada melhor que darmos o exemplo em casa. Claro que isto criará dificuldades para algumas chapas, especialmente naquelas cidades ou estados nos quais o percentual de mulheres filiadas é relativamente baixo; e onde o machismo imperante reprime a presença mais ativa das mulheres na política. A aprovação da paridade é uma conquista das mulheres e sua implementação é um desafios de todos nós. Mas isto, como diria um grande filósofo campineiro, faz parte.

A presidente Dilma sancionou a Lei de Cotas nas Universidades Públicas Federais. Qual é a sua opinião a respeito das cotas universitárias?

É a mesma opinião que tenho a respeito das cotas em geral. Sem políticas afirmativas, a desiguldade sobreviverá eternamente. Claro que as políticas afirmativas, assim como as chamadas políticas compensatórias, não podem ser para sempre, pois isto significaria que a desigualdade prossegue. Mas na situação em que estamos no Brasil, ou adotávamos cotas ou as universidades públicas federais continuariam reproduzindo a exclusão. E um projeto democrático-popular para o Brasil precisa se apoiar em uma geração universitária proveniente principalmente dos setores excluídos.

Ainda sobre educação, tramita no Congresso Medida Provisória que trata da destinação dos 100% dos royalties de petróleo para educação. Voce é favorável a isto? No que esta medida favorece e muda a educação pública?

Eu sou favorável. Em minha opinião, se não revolucionarmos a cultura, a comunicação e a educação, vamos dar com os burros nágua, como país,  como esquerda e como partido. Veja, não sou adepto daquele discurso segundo o qual é a educação que muda tudo blá blá blá. O que muda é a luta política, é a consciência organizada e mobilizada. A questão é que para termos dezenas de milhões conscientes, organizados e mobilizados, é preciso mudar completamente o funcionamento da educação pública, da comunicação social e da indústria cultural. E isso exige dinheiro, investimento público maciço. Mas este investimento deve servir para implantar outro projeto pedagógico, outro projeto educacional. E, é bom lembrar, projeto educacional de massas que não envolva a cultura e a comunicação não é de massas. Claro que há setores na direita e mesmo na esquerda que não tem muito interesse em debater a questão deste ponto de vista. Taí o PNE ainda pendente de aprovação para confirmar isto que digo.

Qual é o grande diferencial do PT perante os demais partidos de esquerda no Brasil?

Bom, esta pergunta é uma pegadinha clássica, pois é óbvio que como filiado desde 1985 e como dirigente nacional do PT desde 1997, eu só posso responder coisa boa acerca do Partido. Mas antes de falar da parte boa, deixa eu insistir em algo que já disse na primeira parte desta entrevista. O PT não pode viver do seu passado glorioso, nem dos êxitos do presente. Nossa sobrevivência, nossa utilidade para a classe trabalhadora brasileira, depende de sermos capazes de articular a solução dos problemas do presente, com a construção de um futuro diferente. E não está garantido que consigamos fazer isto. É uma luta cotidiana contra os hábitos e costumes da política tradicional, contra a influência da direita e do grande capital, contra a acomodação e a adaptação que afeta cada um de nós. Isto posto, eu acho que o grande diferencial do PT está em termos conseguido construir e manter um partido de esquerda, popular, de massas, com forte raiz entre os trabalhadores e trabalhadoras. E isto é produto de opções políticas. Fizemos isto nos anos 80, radicalizando, enquanto alguns partidos de esquerda apostaram na conciliação com a transição democrática. Fizemos isto nos anos 90, quando não abrimos mão de ser, ao mesmo tempo, oposição ao neoliberalismo e alternativa de governo. E seguimos fazendo isto depois de 2003, quando não abrimos mão de ser partido e de governar. Claro que, com o passar dos anos, acumulam-se também fatores negativos. Por exemplo, se dependesse de alguns setores, o PT deixaria de existir como Partido e se tornaria apenas governo. Embora, é verdade, também haja setores muito minoritários que gostariam de ver o PT fazendo oposição a seu próprio governo. Outro exemplo: se o PT continuar dependente do financiamento privado empresarial, nossos vínculos com a classe trabalhadora podem se tornar apenas eleitorais: deixaremos de ser o Partido da classe trabalhadora e nos converteremos em partido que busca o voto dos trabalhadores, como fazem outros partidos.

Para além do financiamento público de campanha, que outras medidas devem ser tomadas para uma profunda reforma política?

Bom, se é para ser profunda, precisa ampliar o controle social sobre o Estado. Exige estabelecer o primado de uma pessoa, um voto, que hoje é amplamente desrespeitado na composição do Congresso Nacional. Exige acabar com o Senado ou pelo menos eliminar seu poder revisor e legislador sobre temas não federativos, além de reduzir mandatos para quatro anos e eliminar a figura do suplente. Uma reforma política profunda exige, ainda, formalizar mecanismos de participação popular, consulta popular e controle social sobre o Executivo, em seus três níveis. Exige, também, democratizar o judiciário, o único dos três poderes poderes que não se submete nem ao sufrágio popular nem a mecanismos de controle social. Do ponto de vista mais eleitoral, reforma política para valer implica em financiamento público exclusivo para campanhas eleitorais, criminalizar o financiamento privado empresarial, adotar o voto em lista fechada e a paridade na composição das listas, assim como o fim das coligações proporcionais. Salvo engano, acho que estas posições coincidem, ao menos em grande parte, com o que o PT já deliberou a respeito.

Em sua opinião, uma Constituinte exclusiva para fazer a reforma política é viável?

Não sei se é viável, mas certamente é indispensável. O atual Congresso nunca fará uma reforma política profunda, pelo simples motivo de que uma reforma deste tipo afeta as bases de poder de quem hoje é maioria no Congresso. Por donos, refiro-me não apenas aos parlamentares ideologicamente de centro-direita, que são maioria no Congresso, mas principalmente aos que pagam as contas das campanhas deles. Por outro lado, uma reforma política não pode ser feita por gente que logo em seguida vai disputar eleições com base nas regras que acabou de elaborar. Por isto tem que ser Constituinte exclusiva. Agora, se olharmos o tema de um ponto de vista mais amplo, podemos dizer o seguinte: a construção de um Brasil democrático-popular exige uma profunda mudança nas instituições e um bom e conhecido jeito de fazer isto é através de uma Assembléia Constituinte. Venezuela, Equador e Bolívia tiveram as suas, e mesmo no Chile de hoje já há quem fale da necessidade de uma. Agora, será viável? Aí se trata de um problema de correlação de forças, que pelo menos hoje não está pra peixe. Mas na vida e na história tem tanta coisa que parecia inviável e que se tornou viável, não é verdade?

Falando em correlação, vamos aos aliados. Dos partidos de esquerda que estão na base do governo (PCdoB, PDT e PSB), dois - o PSB e o PDT - têm se distanciado ou por vezes adotado uma postura independente. Existe risco destes dois partidos não estarem conosco em 2014?

Claro que existe. Aliás, acho que só estivemos coligados ao mesmo tempo com os três partidos citados, no primeiro turno das eleições de 1994 e 2010. Isto posto, acho que devemos trabalhar para que eles estejam conosco no primeiro ou no segundo turno de 2014. E acho que devemos construir uma aliança mais orgânica entre os partidos da esquerda brasileira, algo meio parecido com o que é a Frente Ampla do Uruguai. Mas o tempo conspira contra esta possibilidade. Voce não pode pedir ao PT que abra mão de sua hegemonia. E tampouco pode pedir aos aliados que abram mão de seu direito de buscar tornar-se hegemônicos. Por outro lado, no mundo real a burguesia opera, a direita opera, e neste momento o PSB está sendo seduzido para lançar candidatura presidencial. E há setores do PSB decididos a fazer isto. Pessoalmente, a preços de hoje, eu diria que Eduardo Campos é candidato presidencial. Se será candidato em outubro de 2014 é outra história.

Que partidos avalia que deveriam ser prioritários no nosso arco de alianças?

Na prática, estamos condenados a tentar repetir em 2014 a aliança PT-PMDB, com os demais partidos da atual base do governo. Agora, o tema é que esta aliança e este tipo de governabilidade está esgotada e tornou-se um perigo – pensem no que significa ter Temer como vice, Eduardo Alves à frente da Câmara, e, no Senado, Renam presidindo, para citar só estes três. Nossa preocupação, hoje, é tripla. Por um lado, impedir que esta aliança federal implique em concessões nas campanhas estaduais ou, ao inverso, devemos trabalhar para ampliar a presença do PT nos governos estaduais e senadores eleitos em 2014. Por outro lado, construir as bases de uma governabilidade social, que compense a deterioração crescente da governabilidade institucional, que na minha opinião vai se complicar crescentemente, agora e depois de 2014. E em terceiro lugar, recompor o chamado bloco democrático-popular, entre partidos, movimentos e intelectualidade. Um dos grandes erros cometidos desde 2003 foi confundir e priorizar as alianças táticas com partidos de centro-direita, frente à aliança estratégica com setores político-sociais de esquerda. Este erro, se não for corrigido, terá como consequência lógica abrirmos mão da cabeça de chapa na disputa presidencial de 2018.

Uma questão sobre os tucanos: recentemente o governo do Estado de São Paulo resolveu implantar a internação compulsória de maneira indiscriminada para dependentes químicos. A medida é controversa e gerou muitas críticas, o que acha?

Infelizmente, neste caso tem gente de esquerda que pensa a mesma coisa que o Alckmin. Veja, eu não sou especialista no tema, sou apenas um curioso mais ou menos informado, mas acho que a internação involuntária deve ser a exceção da exceção da exceção. Agora, o que o governo tucano está fazendo é internação compulsória, ou seja, está transformando em regra o que deveria ser uma exceção cercada de cuidados médicos e legais. Para mim, a internação compulsória tucana está mais para medida higienista, sendo totalmente ineficaz como terapia. Ou seja: é uma medida que não vai resolver a situação de quem é, por exemplo, dependente extremo do crack. Mas serve como instrumento de luta política, pois o tema das drogas, tanto do consumo quanto do tráfico, se presta a todo tipo de manipulação por parte de um setor da direita.

A grande imprensa repercutiu pouco a reeleição no Equador do Correa e a volta de Chavez à Venezuela, ao mesmo tempo que repercutiu muito a passagem da blogueira cubana Yoani Sánchez pelo Brasil. O que voce pode nos dizer a respeito?

A reeleição do Correa confirmou uma tese: em todos os países que a esquerda ganhou a partir de 1998, ela segue ganhando pelo voto. E os únicos casos em que fomos derrotados, foi através de golpe: Honduras e Paraguai. A volta de Chavez, para além dos aspectos humanos envolvidos, ajudará a confirmar aquela tese: com a presença do presidente venezuelano no país, será mais fácil eleger seu sucessor, Nicolás Maduro. Quanto à blogueira, eu acho ela uma fraude, para a qual não se deveria ter dar muita importância, nem muita atenção. Ela se apresenta como vítima do governo cubano, e tentou posar de vítima da suposta intolerancia da esquerda aqui e noutros países. Minha recomendação a quem acredita nesta lenda, como parece ser o caso do senador Suplicy, é pedir a blogueira que revele sua opinião acerca dos Estados Unidos e acerca do bloqueio. Uma cubana que se preze, seja ou não adepta do governo comunista, não pode silenciar sobre estes assuntos.

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