sexta-feira, 6 de junho de 2025

O “momento nervoso” de Edinho

No debate realizado em Recife (PE) entre os candidatos à presidência nacional do PT, eu li em voz alta trecho de uma entrevista publicada pelo UOL dia 4 de novembro de 2022, onde se diz o seguinte:

“(…) o presidente Lula tem que tomar posse no ambiente de estabilidade institucional. Temos que criar as condições para tanto. Eu defendo que se abra um amplo diálogo com as próprias forças que foram derrotadas (…) Isso não é sequer consenso no meu partido, mas é a minha posição. Se existiu uma foto de Fernando Henrique e Lula na transição de 2002, por que nós não podemos construir essa foto agora com Bolsonaro e Lula, mostrando ao país que existe uma transição madura, adulta, dentro de um ambiente democrático? Isso seria um gesto que efetivamente baixaria a temperatura do Brasil (…)”.

Tudo que está acima entre aspas foi dito por Edinho Silva. Que eu saiba, nunca foi desmentido. Mas Edinho não gostou nada de que lembrassem o que ele mesmo disse.

Visivelmente irritado, Edinho respondeu o seguinte: 

“Eu tenho, primeiro, um pacto com a ética partidária. O Valter Pomar não é de hoje que faz diversos ataques a mim. Não responderei a nenhum ataque feito por ele. Nenhum ataque feito por ele. Eu tô aqui pra debater com a militância do PT e assim o farei. E penso que ele deveria ler a entrevista inteira, por ter mais do que uma entrevista que ele pinçou uma frase, a minha história no PT fala mais do que esse tipo de ataque. A minha história dentro do Partido dos Trabalhadores. Por que fui eu, enquanto prefeito, que polarizou com o Bolsonaro na pandemia, polarizei mais inclusive do que governador. Fui eu que chamei a responsabilidade e debati com ele enquanto petista, enquanto liderança do PT. Portanto, a minha história dentro do Partido dos Trabalhadores diz quem é que tá do lado certo da história. Foi em Araraquara que o presidente Lula tava no 8 de janeiro, e foi dentro do meu gabinete que nós construímos naquele momento as medidas corretas pra que a gente derrotasse o golpe de Estado que tava em andamento no Brasil. Foi dentro do meu gabinete na prefeitura de Araraquara. Isso não é discurso. E olha a prefeitura que eu construí, quando eu governei 4x. Portanto, não foi escrevendo tese, foi pondo letra morta no papel, foi construindo quatro governos com orçamento participativo deliberativo, construindo a economia solidária, centro LGBT, casa-abrigo LGB, centro da igualdade racial, casa-abrigo de combate à violência contra a mulher. Essa é a minha história enquanto petista. E que essa minha resposta sirva para todos os demais ataques que ele vai continuar fazendo contra mim.”

Retomo abaixo, com outras palavras, o que eu respondi a Edinho no próprio debate de Recife.

Primeiro: seria mais simples e intelectualmente honesto Edinho admitir que subestimou o golpismo de Bolsonaro. Edinho estava pensando em tirar selfie com o cavernícola, quando a quadrilha estava pensando em tirar a vida de Lula. 

Segundo: não li uma frase “pinçada”, ou seja, tirada do contexto. Basta dizer que na mesma entrevista Edinho  comparou sua proposta de selfie com o que supostamente teria sido feito pelo “ex-chanceler alemão Konrad Adenauer, [que] quando foi empossado, se encontrou com lideranças do nazismo para depois destruir o nazismo. Do ponto de vista histórico, o encontro Lula e Bolsonaro pode ser importante e não significa nenhuma concessão".

Terceiro: Ao contrário do que Edinho diz, Adenauer não destruíu o nazismo. Quem destruiu o nazismo foi em primeiro lugar a URSS. Também ao contrário do que pensa Edinho, durante o governo de Adenauer se fez o possível para reintegrar os nazistas ao sistema político, para que os nazistas ajudassem no combate contra a URSS.


Quarto: a gestão de Edinho em Araraquara certamente tem muitos méritos, sendo especialmente elogiada pelo combate à COVID 19. Aliás, a companheira que esteve à frente daquele combate foi nossa candidata petista à sucessão de Edinho. Acontece que perdemos a eleição. Será que a concepção de “despolarização” defendida por Edinho no trato do bolsonarismo não tem alguma relação com a derrota que sofremos em Araraquara em 2024?

Quinto: de fato tenho feito muitos “ataques” contra as posições e atitudes de Edinho. E vou continuar fazendo, porque - entre muitos outros motivos - considero que um candidato apoiado publicamente pelo Estadão causaria danos imensos ao PT caso viesse a ser eleito. E não adianta Edinho tentar posar de vítima: o que está em jogo não é fulano nem beltrano. O que está em jogo são diferentes concepções estratégicas, que precisamos explicitar.


Sexto: Edinho tem a obrigação ética de explicar à militância petista de onde vieram os mais de 150 mil reais que o DM de Araraquara gastou impulsionando propaganda da campanha de Edinho. Quem prega “transparência” tem a obrigação de explicar de onde veio este dinheiro. E também tem a obrigação de dizer se acha correto um DM fazer campanha desta forma em favor de uma candidatura. Edinho poderia aproveitar para explicar, também, quem está pagando a estrutura profissional de comunicação que está a serviço de sua campanha. Afinal, desigualdade e interferência empresarial no processo eleitoral devem ser combatidas, tanto fora quanto dentro do PT.


Sétimo: Edinho fala dos problemas organizativas do PT como se não tivessem relação direta com a linha política e organizativa implementada por sua tendência, a CNB. Por exemplo: a tutela que governantes e parlamentares exercem sobre os diretórios partidários tem relação direta com uma visão distorcida acerca do papel das disputas eleitorais em nossa estratégia. Outro exemplo: as filiações em massa que até Edinho critica não são obra do Espírito Santo: foram feitas por gente que tem CPF e RG. Se Edinho quisesse ser coerente, deveria rejeitar os votos vindos do que ele mesmo chama de “filiações para controle de aparelho”. Mas não fez nem fará isto, porque nesse quesito seu discurso é demagogia e hipocrisia de palanque, apenas palavras ao vento (versão falada da “letra morta no papel”).


Oitavo: parte da irritação demonstrada por Edinho vem do fato dele se considerar como se já estivesse eleito, como se fizesse um favor ao participar do debate entre candidatos a presidente. Esta soberba faz com ele fique sinceramente indignado quando suas posições são questionadas. É uma versão da muito conhecida “síndrome do cavalo do comissário”.


Por último, mas não menos importante: em Recife Edinho escolheu não apoiar a proposta de ruptura das relações diplomáticas do Brasil com o Estado terrorista de Israel. Aliás, salvo engano, em Recife Edinho escolheu não falar nada sobre a Palestina. O que prova que - ao contrário do que dizem seus críticos - Edinho pode sim se diferenciar de Lula. Nesse caso, infelizmente, Edinho escolheu se diferenciar ficando à direita de Lula, que tem denunciado o genocídio sempre que pode.


Seja como for, faz bem para o PED que haja debate de verdade. Mesmo que alguns não gostem.



Abaixo a transcrição (não revisada) da fala acima comentada de Edinho.


Eu quero, antes de evidentemente debater a questão das filiações… Eu tenho, primeiro, um pacto com a ética partidária. O Valter Pomar não é de hoje que faz diversos ataques a mim. Não responderei a nenhum ataque feito por ele. Nenhum ataque feito por ele. Eu tô aqui pra debater com a militância do PT e assim o farei. E penso que ele deveria ler a entrevista inteira, por ter mais do que uma entrevista que ele pinçou uma frase, a minha história no PT fala mais do que esse tipo de ataque. A minha história dentro do Partido dos Trabalhadores. Por que fui eu, enquanto prefeito, que polarizou com o Bolsonaro na pandemia, polarizei mais inclusive do que governador. Fui eu que chamei a responsabilidade e debati com ele enquanto petista, enquanto liderança do PT. Portanto, a minha história dentro do Partido dos Trabalhadores diz quem é que tá do lado certo da história. Foi em Araraquara que o presidente Lula tava no 8 de janeiro, e foi dentro do meu gabinete que nós construímos naquele momento as medidas corretas pra que a gente derrotasse o golpe de Estado que tava em andamento no Brasil. Foi dentro do meu gabinete na prefeitura de Araraquara. Isso não é discurso. E olha a prefeitura que eu construí, quando eu governei 4x. Portanto, não foi escrevendo tese, foi pondo letra morta no papel, foi construindo quatro governos com orçamento participativo deliberativo, construindo a economia solidária, centro LGBT, casa-abrigo LGB, centro da igualdade racial, casa-abrigo de combate à violência contra a mulher. Essa é a minha história enquanto petista. E que essa minha resposta sirva para todos os demais ataques que ele vai continuar fazendo contra mim. 

Quero dizer a vocês que eu penso que o PT, no seu congresso, tem que enfrentar o debate desse modelo de filiação. Nós queremos filiados no PT, mas não queremos filiações para controle do aparelho. Nós queremos filiados que passem por formação política, que passem por cursos de formação política. Nós queremos filiados que efetivamente nos ajude a construir um projeto de país, que nos ajude a enfrentar os desafios que nós estamos vivenciando. Portanto, um processo de filiação é um processo de construção partidária. É um processo onde nós façamos a escolha de modelo de construção partidária. E por isso que eu quero, no congresso do PT que nós vamos convocar, dar poder de instância nos núcleos de base. Que os núcleos de base tenham poder de instância pra que a gente possa organizar o partido pela base, pra que a gente possa ir pras periferias e organizar a nova classe trabalhadora. E penso que é fundamental, nesse momento da nossa história, onde a democracia representativa entra em crise, onde nós temos o aumento das abstenções em todas eleições, que a gente faça com que o orçamento participativo seja uma proposta defendida pelo PT em todo o continente, em todo o território nacional. Que os nossos vereadores defendam nas câmaras municipais, que onde nós tenhamos prefeitos que a gente faça orçamento participativo deliberativo. Não só saúde e educação, não, deliberativo na sua integralidade. Pra que a gente possa fazer do orçamento participativo efetivamente um processo de disputa e de conscientização da classe trabalhadora. Quero dizer a vocês também como nós devemos incentivar a participação nos conselhos. É fundamental que nós tenhamos presença nos conselhos das políticas públicas. O PT precisa voltar a ocupar o espaço dos conselhos, não só do conselho tutelar, pra que a gente faça da eleição do conselho tutelar apenas mais um espaço de remuneração dos filiados. Não, nós queremos conselhos, todos eles, conselho da saúde, da educação, da segurança alimentar, conselho de segurança pública, conselho direito das mulheres, conselho da igualdade racial. Nós temos que ter presença dos nossos filiados, da nossa militância.


Fim.


Um comentário:

  1. Como dizia aquele rapaz latino americano, "hay que pegar suave, pero sim perder el respecto, jamas"

    Sem amor é impossível vencer a batalha...

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