segunda-feira, 9 de maio de 2016

Humberto Costa: entrevista

Definitivamente de tédio não morreremos. Vide as notícias que vem de Brasília, reforçando o ponto de vista dos que acham que a luta só acaba quando termina 


Nossos senadores e senadoras estão sob imensa pressão.

E estão lutando muito, pelo que merecem nossa solidariedade.

Mas solidariedade não inclui concordar com tudo, muito menos omitir críticas.

Discordo de parte importante do que disse o senador Humberto Costa em entrevista publicada hoje pelo jornal Folha de S. Paulo (veja a íntegra da entrevista ao final).

Baseio-me no que foi publicado. Se porventura a Folha omitiu ou deturpou, espero a correção do senador.

Humberto Costa diz que "não reconhecemos a legitimidade desse governo, que usurpou o poder".

Ao mesmo tempo defende que "a nossa oposição seja muito em cima de proposta. Não vamos fazer uma oposição em abstrato, como 'ah, derruba o Temer'."

Eu consigo entender quem considera um governo legítimo e luta para ele chegar ao fim do seu mandato.

Eu consigo entender quem considera um governo ilegítimo e luta para ele terminar o mais rápido possível.

Mas o que dizer de uma posição que considera um eventual governo Temer como ilegítimo mas sugere que não vai lutar pela sua derrubada?

Claro que o senador pode estar querendo dizer que serão as ações concretas de um eventual governo que tornarão possível ter apoio popular na luta pela sua derrubada.

Se for isto, ótimo. 

A entrevista engata o tema anterior com a crítica aos erros do PT.

Humberto fala da adaptação.

Fala do governismo.

Fala das reformas não feitas.

Pois então: nossa conduta frente ao eventual governo Temer não pode ser um condensado dos erros que o próprio Humberto critica.

Talvez Humberto Costa tenha citado e a Folha não tenha publicado, mas faltou falar do "pai" de todos os erros: tentar mudar sem rupturas nem conflitos profundos, uma estratégia baseada na conciliação de classe com o grande capital

Não falar deste erro estratégico e ao mesmo tempo falar da personalidade da presidenta Dilma é uma total falta de proporção.

Humberto Costa diz que "Dilma é uma pessoa que tem uma dificuldade de dialogar, de ouvir, é o perfil dela, com todo o respeito". 

Supondo que fosse assim, pergunto: qual é mesmo a relação que existe entre o golpismo das elites e o humor da presidenta?

Há quem acredite que se a presidenta "dialogasse" mais (pois concessões ela as fez e muitas) com o grande capital, com a direita, com o oligopólio, as coisas estariam qualitativamente diferentes.

Quem acredita nisto não entendeu nada sobre os erros cometidos desde 2003.

E segue acreditando na lábia como o principal instrumento da luta de classes.

Humberto Costa diz que "talvez a gente não tenha sido incisivo o suficiente para fazer mudar a maneira de ela [Dilma] pensar. (....) Nós engolimos muita coisa em nome do governo, de apoiar o governo, de estar do lado do governo, de não criar cizânia para não aproveitarem uma eventual divergência".

Isto é verdade. Mas vale reafirmar: ter calado, ter se omitido, ter apoiado contra a vontade, não é responsabilidade da presidenta. É responsabilidade do Partido. 

Vale lembrar que existia, também, quem concordasse com a política adotada pelo governo neste segundo mandato. Claro, no que depender da memória de alguns, esta política agora só tem "mãe".

Por exemplo: por qual motivo o Partido não aprovou, no Congresso realizado em 2015, o documento proposto pelos petistas que são da direção nacional da Central Única dos Trabalhadores? 

Aquele documento propunha mudanças imediatas na política econômica. 

Política econômica que piorou o humor do povo brasileiro, contra nós. 

Este humor, o humor do povo, é o que interessa efetivamente. 

Quanto ao humor da presidenta, me parece que tem baixa relevância nesta discussão, exceto é claro para quem considera que as "fofocas da corte" são mais relevantes do que as grandes variáveis da luta de classe.

Segundo Humberto Costa, "o que levou a um agravamento da crise foi tornar público aquelas gravações em relação a Lula, a delação do Delcídio do Amaral".

Se isto for verdade (e eu não concordo que tenha esta relevância), é inevitável perguntar: quem foi mesmo que trouxe este cidadão para o PT? Quem votou a favor da filiação dele no DM de Corumbá, no DR de Mato Grosso do Sul? No Diretório Nacional? 

Aliás, quem trouxe Marcos Valério? Quem decidiu colocar Temer como vice?

É óbvio que não se trata de uma pessoa. Havia uma política, que tinha desdobramentos, efeitos colaterais, consequências. Esta política não morreu. Está por aí, desmoralizada, órfã, mal-vista. Mas segue por aí e nosso êxito (ou falta de) na luta contra o golpismo está diretamente vinculado a nossa capacidade de superar esta política em favor de outra.

Por sinal, a entrevista de Humberto Costa conclui dizendo que "Lula não tem nenhuma obrigação de ser o candidato do PT".

O raciocínio é deveras esquisito: Lula "não é um nome que vai se descartar, mas o PT tem que pensar em outras alternativas".

Claro que Lula não tem obrigação e claro que o PT deve sempre pensar em  outras alternativas. Mas penso que a questão está posta em outros termos.

Os golpistas estão fazendo de tudo para impedir que Lula seja candidato nas próximas eleições presidenciais, pois sabem que em determinadas condições de temperatura e pressão, ele é uma candidatura fortemente competitiva e tem chances reais de vitória.

Os golpistas sabem do que estão falando. E não vão se iludir com promessas. Vão fazer de tudo para destruir o ex-presidente, não importa quantas vezes Pedro negue. 

 A campanha é nossa melhor defesa. A alternativa é ficar na defensiva, empenhados quem sabe em disputar eleições municipais e fazer uma "oposição responsável" ao governo Temer. 

Como se já não tivesse ficado claro que podemos nos pintar de ouro, podemos fazer a máxima genuflexão, podemos conceder a última joia da coroa e nada será suficiente para aplacar o ódio e a disposição brutal do lado de lá.







Segue a íntegra da entrevista

ENTREVISTA DA 2ª
'Não vamos incendiar o Brasil', afirma líder do governo no Senado
Folha 
A poucos dias da votação da abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado, o líder do governo na Casa, Humberto Costa (PT-PE), já adota um tom de oposição ao eventual governo do vice Michel Temer.
Em entrevista à Folha, Costa reafirma o discurso de golpe e de que o governo de Temer será ilegítimo. Diz, entretanto, que, na opinião dele, o PT deve evitar oposição radical. "Não vamos incendiar o Brasil", afirma.
O senador, ex-ministro do governo Lula, faz ainda uma autocrítica em relação a erros cometidos pelo partido e pela presidente. "Dilma é uma pessoa que tem uma dificuldade de dialogar, de ouvir. Ela não se adaptou a um modo de fazer política que existe no Brasil."
Folha - Em relação ao Senado, a previsão é de derrota na quarta-feira (11). Há uma esperança de que Dilma volte após o processo ou é irreversível?Humberto Costa - Depois que sai [a presidente] e o cara [Temer] tem a caneta, apoio da mídia, não é muito fácil ela voltar, mas é um cenário novo. Acho que dependerá muito de como vai ser o governo dele, a reação dos movimentos sociais, da sociedade. Como presidente da República, não era o que as pessoas queriam. Quem foi para a rua não foi para tirar Dilma e botar Temer.
Setores do PT e de movimentos sociais defendem um comportamento radical em relação a um governo Temer. O senhor concorda?Primeiro, a gente tem que dizer que vai fazer oposição, não faz nenhum sentido imaginar que o PT vai colaborar com um governo que é fruto de um golpe contra o PT. Não há essa hipótese de sentar para conversar com o Temer. Agora, eu acho que até pelo fato de que o PT foi governo por 12, 13, quase 14 anos, não pode fazer uma oposição como a oposição fez a nós, aquela coisa descompromissada, de quanto pior melhor. Eles vão propor mudar a política do salário mínimo?
Fala-se da possibilidade de Temer procurar o PT para um diálogo após assumir o cargo. Há espaço para isso?Não vejo não. Não vamos incendiar o Brasil, mas não faz sentido isso. O cara fez parte do nosso projeto, do governo, exerceu influência dentro do governo, e, ao mesmo tempo, fez uma aliança com nosso maior adversário para nos derrubar, e isso cria uma situação muito difícil para diálogo.
Não reconhecemos a legitimidade desse governo, que usurpou o poder, não vejo o PT se dispor a sentar com ele. Lógico que não vamos fazer oposição ao Brasil. Ninguém imagina, ou pelo menos eu defendo, que o PT vai propor pauta-bomba, nem fazer jogo de corporativismo.
Mas o PT tinha um comportamento de "Fora FHC" no governo tucano. Não vai repetir com "Fora Temer"?Acho que o PT aprendeu com a experiência de governo. Eu defendo que a nossa oposição seja muito em cima de proposta. Não vamos fazer uma oposição em abstrato, como "ah, derruba o Temer". Se a gente quer avançar, vai ter que ser em cima das visões das concepções.
A presidente Dilma propôs a CPMF. Se Temer tentar aprová-la, como vocês vão agir?Só posso falar por mim, porque o PT vai discutir isso. Temos que denunciar a política que eles faziam antes: "está vendo como estávamos certo?". Entendíamos que, sem novos tributos, você não consegue estabelecer o equilíbrio. Então a oposição que eles fizeram foi hipócrita, irresponsável.
Acho que a CPMF é uma contribuição que afeta menos os mais pobres, mas temos que ver para onde vai isso aí. Pessoalmente acho que a gente pode discutir e aprovar, dependendo para o que seja. Se for para fazer superavit primário, não foi isso que a gente defendeu.
Vocês usam o discurso do golpe, mas onde o governo e a Dilma erraram para chegar a essa situação?Eu acho que tem os erros do PT. Acho que o PT surgiu do ponto de vista político para construir uma nova cultura política num país que sempre foi marcado pelo mandonismo, fisiologismo, assistencialismo. No entanto, o PT, ao chegar ao poder, de certa forma se adaptou à estrutura existente.
Os governos viravam correias de transmissão dos partidos. No caso do PT, o partido virou correia de transmissão do governo, deixou de propor suas políticas, propostas. O partido foi pelo caminho mais fácil, não enfrentou outras coisas. A questão do monopólio da mídia, da democratização dos meios de comunicação.
Mas o governo do PT se envolveu em escândalos de corrupção, como mensalão e Lava Jato. O tesoureiro e o marqueteiro do partido estão presos. Não houve desvio de conduta?Pode existir gente que se beneficiou pessoalmente. Ou gente que, mesmo no interesse do partido, possa ter concordado com algumas práticas que nunca foram as que o PT defendeu. Por isso que digo, do ponto de vista estrutural, a questão é essa. É o PT não ter entendido que tinha que ter patrocinado outro modelo, outra cultura.
Quando o senhor fala PT, fala da presidente Dilma também?Dilma é uma pessoa que tem uma dificuldade de dialogar, de ouvir, é o perfil dela, com todo o respeito. Ela não se adaptou a um modo de fazer política que existe no Brasil. Não estou falando que tinha que fazer qualquer concessão à corrupção, nada disso. Mas no Brasil, nesse modelo de presidencialismo de coalizão, você tem que ter uma relação que tem que conviver e ter ao seu lado gente que pensa e age de maneira diferente.
Tem algumas coisas que são simbólicas na política. Essa coisa de fazer o diálogo, de conversar. Ela não tem esse perfil. É muito diferente de Lula. E infelizmente isso vale muito mais do que a gente pensa.
Mas a culpa não é só da presidente. Existe uma mea culpa da base do governo, não?Acho que talvez a gente não tenha sido incisivo o suficiente para fazer mudar a maneira de ela [Dilma] pensar.
Talvez porque vocês não acreditavam em reverter o cenário e o PT nunca morreu de amores pela Dilma...Nós engolimos muita coisa em nome do governo, de apoiar o governo, de estar do lado do governo, de não criar cizânia para não aproveitarem uma eventual divergência.
A nomeação do Lula para a Casa Civil foi um erro?Acho que foi correto e acho que essa vinda do Lula para o governo deveria ter acontecido há muito mais tempo. Na verdade, o que levou a um agravamento da crise foi tornar público aquelas gravações em relação a Lula, a delação do Delcídio do Amaral. Eu diria que Michel Temer tem que agradecer 50% a Eduardo Cunha e 50% a Sérgio Moro [juiz da Lava Jato] por ele ser presidente agora.
O senhor é investigado pela Lava Jato. Indo para a oposição, não teme o aprofundamento das investigações?Para mim, não. Há um ano e dois meses uma investigação foi aberta contra mim. Já foram ouvidas dezenas de pessoas, não conseguiram provar nada contra mim, não consigo entender por que esse inquérito não termina.
Lula é nome do partido para as eleições de 2018?
Lula não tem nenhuma obrigação de ser o candidato do PT. Tem toda condição política de dizer que não quer. Foi presidente duas vezes, elegeu a sucessora duas vezes. Ele não tem obrigação.
Lógico que uma pessoa que depois de sofrer o bombardeio que sofreu, ainda hoje ter percentuais nas pesquisas de opinião que são maiores que outros, não é um nome que vai se descartar, mas o PT tem que pensar em outras alternativas.
Uma alternativa seria aliança?Até o momento não vejo um nome que desponte no campo da esquerda com capacidade de ganhar, mas tem gente boa aí na área, você pega um cara como o Fernando Haddad [prefeito de São Paulo], se ganhar a eleição em São Paulo, vai se tornar um nome nacional, principalmente num momento de dificuldade.
Um nome que respeito na esquerda é o Ciro Gomes, mas não é o perfil que vejo para ganhar. Marina Silva não vejo no campo da esquerda.

Um comentário:

  1. Olá, Prof. Valter Pomar.

    Discordo de seu pensamento, mesmo assim li seus últimos artigos.

    Percebo que o Sr. não menciona os casos de corrupção desenfreada
    creditados aos membros do PT.
    Respeitosamente sugiro que o Sr. escreva algo sobre isto.

    Abc.

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