Em seguida,
falaram cerca de 20 oradores. A definição de quem seriam os oradores tomou como
base a votação de cada uma das chapas que disputou a composição do Diretório
Nacional, na eleição realizada em novembro de 2019, no sétimo congresso do PT.
Por exemplo: a chapa do DAP teria direito a 1 orador e definiria quem seria
este 1. Outro exemplo: a chapa 220 teria direito a 3 oradores e definiria quem
seriam estes três oradores.
Neste
momento, um integrante do Diretório propôs reduzir o número de falas, dado o
adiantado da hora e outros assuntos que deveriam ser tratados. A posição não
prevaleceu, mas a questão de ordem deixou claro a diferença de critérios
existente no Partido acerca do que é e para que serve a direção nacional.
Afinal, se o DN decidiu dedicar cerca de 4 horas para uma sessão pública de
informes, por quais motivos não poderia dedicar no mínimo outras 4 horas para o
debate político acerca do que fazer?
Vencida a
questão de ordem, teve início a sequência de falas. Estão todas gravadas pela
plataforma; não faço ideia se esta gravação será arquivada e poderá ser
consultada. Foi um debate muito interessante, onde foram explicitadas (como é
comum nos momentos de crise) não apenas as posições imediatas, mas também os
critérios de fundo, históricos, teóricos e ideológicos, adotados por quem é a
direção do maior partido de esquerda do Brasil.
A partir do
que foi dito, farei a seguir alguns comentários, a partir do que disseram
algumas pessoas. Entretanto, como não há uma ata oficial, para evitar
controvérsias acerca do que foi ou não dito, vou falar do milagre, sem contar o
santo (ou santa) responsável.
A pessoa 1
dissertou sobre a diferença entre o papel dos movimentos sociais e o papel do
partido. Segundo ela, os movimentos poderiam falar Fora Bolsonaro, mas o
Partido não deveria. Por qual motivo? Mistério.
Afinal, na
tradição socialdemocrata vigente no início do século XX (e de certa forma
continuada em parte da tradição comunista), também havia uma “divisão de
trabalho” entre partidos e movimento (no caso, na época, o movimento sindical).
Esta tradição incumbia os movimentos de tratar das questões imediatas,
reservando ao Partido as questões políticas mais gerais.
No Brasil de
2020, há quem inverta a lógica: os movimentos estariam autorizados e
estimulados a falar da questão política mais geral, dizendo “Fora Bolsonaro”. Já
o Partido deveria cuidar da solidariedade, das questões econômicas e sociais, sem
pronunciar-se sobre a questão política mais geral.
A mesma
pessoa 1 falou contra o Fora Bolsonaro. Disse que ninguém tem dúvida, que todos
queremos acabar com esse governo, mas perguntou: para que “ficar repetindo”
isso? Exposto assim, o argumento parece pueril, mas vários falaram isso ou algo
parecido na reunião. Por exemplo, vários disseram que todo mundo concordava,
que ninguém discordava, que inclusive eles mesmos falavam Fora Bolsonaro, mas
que o Partido, a instituição, não devia falar.
Há dois
níveis de problema contidos nessa argumentação. O primeiro problema remete à
relação entre a pessoa física e jurídica, entre o público e o privado. A pessoa
física de todos os petistas quer o Fora Bolsonaro, mas a pessoa jurídica de
todos os petistas não quer o Fora Bolsonaro? Uma possível explicação para essa
dissociação é uma espécie de hipocrisia mental, segundo a qual o que se faz ou
se deseja no privado, não se confessa de público. O “detalhe” é que a questão
do governo e do poder não são questões que tenham solução privada. Portanto,
quem exige que o Partido tome posição explicita sobre o tema, o faz porque
efetivamente quer resolver o problema e já. E quem se limita a defender privadamente
a posição, é porque na verdade não quer resolver o problema ou pelo menos não
quer resolver agora.
O segundo
nível de problema contido nesta argumentação envolve o “ficar repetindo”. Se há
algo que tudo mundo aprende, é que “repetir” é essencial para conseguir. A
classe dominante em geral, os bolsonaristas em particular, repetem o tempo todo
suas palavras de ordem, até que viram um mantra, tipo “a culpa é do PT”. Se
queremos mesmo tirar Bolsonaro, é preciso repetir, repetir e repetir isso. E
esta repetição cumpre um papel na acumulação de forças. Dissociar a adoção de
uma palavra de ordem do objetivo de acumular forças, é fazer da acumulação de
forças um marcar passos, pois sem objetivo é impossível acumular.
A pessoa 2,
que falou a favor do Fora Bolsonaro, rebateu a tese dos que falam que o PT não
pode ficar isolado. Lembrou ela que, hoje, a vanguarda do povo fala Fora
Bolsonaro. A CUT e as Frentes falam Fora Bolsonaro. Ao não falar Fora
Bolsonaro, seria o PT que se isola da vanguarda do povo e de parcelas
crescentes do povão.
A mesma pessoa 2 disse que, se Bozo e sua política
continuarem, caminhamos para uma sociedade ainda mais apartada entre miseráveis
e ricos. Este segundo tema é muito interessante, especialmente para os que
alguma vez leram O tacão de ferro, do Jack London. Deter o governo Bolsonaro,
fazer isto já, não é apenas um problema tático, é também um problema
estratégico, pois se este governo chegar até 2022, os danos causados serão
muito mais profundos do que nossa vã imaginação consegue supor.
A pessoa 3
disse que a crise tem nome e endereço: Bolsonaro e seu governo. E não apenas por
conta do Corona, mas devido ao conjunto da obra. O coronavírus aprofunda uma
crise que lhe é anterior. Precisamos, portanto, fazer um ajuste de contas com a
elite. Senão, eles vão continuar implementando o programa ultraliberal. Por
isso o PT deveria dar um passo além. Qual?
Infelizmente,
a pessoa 3, integrante da CNB, não tirou as conclusões de seu raciocínio. Como
ele, é seguro que há outros integrantes da CNB que não tem medo de falar Fora
Bolsonaro. Mas, infelizmente, estes integrantes seguem prisioneiros da turma
Harry Porter, ou seja, dos que confundem Fora Bolsonaro com Avada Kedrava.
Antes que
alguém ache que é um exagero, remeto à pessoa 4, que disse textualmente que “o
povo tem medo de falar em Fora Bolsonaro”. Como já foi dito várias vezes,
apela-se ao “povo” para dizer coisas opostas; e há quem torture pesquisas,
algumas inclusive fraudulentas na origem, para que confirmem suas teses.
No caso da
pessoa 4, o argumento é o seguinte: diante da crise, o povo quer resolver seus
problemas, e acha que tirar o presidente pode piorar ainda mais. Suponhamos que
o povo pense mesmo isto. Qual deve ser o papel de um partido político como o
PT? Deixar o povo acreditando em lorotas? Ou falar a verdade para o povo?
O curioso é
que não temos dúvida que é preciso defender a quarentena total, mas temos temor
de sermos mal compreendidos defendendo o Fora Bolsonaro.
A pessoa 5
disse que “todos queremos tirar Bolsonaro”, mas falar Fora Bolsonaro seria tudo
o que o cavernícola quer, pois isso supostamente permitiria a ele sair do
terreno que lhe seria desfavorável (a crise) e passar a um terreno que lhe
seria favorável (a disputa política aberta). Esta opinião foi esgrimida por
vários oradores. Será mesmo verdadeiro?
Comecemos
pelo começo: se é verdade que Bozo quer o caos, ele está paulatinamente
atingindo seus objetivos. E a perda de apoio registrada até agora é
relativamente pequena, se consideramos o tamanho do caos já criado.
Ademais,
quem teria melhores condições de operar numa situação de generalização do caos?
A esquerda? Ou quem controla o aparato do Estado, especialmente as forças
armadas?
Temo que a
leitura da pessoa 5 seja uma versão ainda-mais-equivocada do conhecido
quanto-pior-melhor. Ou seja: segundo ela, não vamos politizar agora, vamos
politizar depois, quando a situação estiver pior; pois se politizarmos agora,
estaríamos fazendo o jogo dele. Uma outra pessoa (a 6) chegou a dizer que
embora seja até ruim falar isso, nesse momento, mas “há males que algumas vezes
vem para o bem”.
Acontece que
quando fazemos o exame concreto dos fatos, percebemos que quanto pior a
situação fica, mais difícil será começar a construir uma alternativa; temos que
começar a construir a alternativa agora, para poder ter força para executá-la
no momento em que a correlação de forças tornar possível fazer isto.
Aliás, é por
isso que Bozo não se limita a gerar o caos. Ele está fazendo disputa política e
ideológica. Do lado de cá, muita gente reclama da “politização” e da
“ideologização”, como se fosse possível viver numa sociedade polarizada, em
crise profunda, sem que haja também altos níveis de politização e
ideologização. A questão é que se nós não contrapusermos a ele, o que vai prevalecer
será a linha dele (ou de outros setores do bloco dominante).
Outros
oradores foram nesta linha da pessoa 5, a saber, a de dizer que o momento de
politizar não é agora. Que agora é hora de “fazer o que é principal para o
povo”. Segundo esses oradores, o DN estaria dividido entre os que querem
enfrentar a pandemia e os que querem fazer política. Esta dicotomia foi
rebatida por vários oradores favoráveis ao Fora Bolsonaro, que lembraram que
para combater de maneira consequente a pandemia, é preciso também derrotar o
Capitão Corona.
A pessoa 7
defendeu que daqui há “90, 120 dias, não vamos ter mais a pauta do Corona e que
pauta será como gerar empregos, como retomar a economia”. Uma linha de
argumentação similar a adotada pelo companheiro Penildon, em sua fala de
apresentação do texto do Movimento PT, destacando a importância de programas
como o Minha Casa, Minha Vida. Claro que devemos disputar estas e outras
pautas. O problema é que não estamos no governo. Sem estar no governo, a nossa
capacidade de materializar nossa “pauta” é reduzida. Assim, volta a questão é:
aguardaremos 2022 ou lutaremos para antecipar a disputa do governo? Feliz 2022
ou Fora Bolsonaro?
A tese da
pessoa 7 e de outras é similar a tese defendida por Alckmin em 2005: vamos
deixar Lula e o PT sangrarem. Já sabemos o que ocorreu em 2006.
Paro por
aqui. As pessoas citadas, mais os textos apresentados no início da reunião, dão
uma ideia de quais foram os argumentos esgrimidos contra e a favor do Fora
Bolsonaro. Dos contrários, destaco: 1/o momento não é agora, 2/porque a
correlação ainda não é favorável, 2/porque a prioridade é lutar contra a
pandemia, 3/porque isto é fazer o jogo do Bolsonaro; 4/porque não está claro
como se materializaria o Fora Bolsonaro.
Curiosamente,
este quarto argumento foi pouco usado, talvez porque o manifesto assinado por
Haddad e Gleisi defendam a renúncia, que de todas as alternativas, é a mais
problemática, primeiro porque depende de Bolsonaro e, segundo, porque desemboca
em Mourão presidente.
Aliás, chega
a ser bizarro que o DN e a CEN se reúnam, recusem o Fora Bolsonaro; a
presidenta do Partido e nosso candidato a presidente em 2018 assinem um
manifesto pela renúncia; reúne-se de novo o DN e recusa o Fora Bolsonaro. É
como se fossem mundos alternativos, tornando dispensável haver coerência entre
o que se faz num e noutro.
Concluído o debate,
se discutiu como votar e, depois de certo remereme, foram a voto 5 resoluções: 1/a
do DAP (montar uma comissão para construir uma resolução comum), 2/a do Repensar
o PT, 3/a da secretaria-geral, 4/uma resolução unificando AE+Avante+DS+EPS+MS+Todas-as-lutas,
5/a da CNB.
Como
explicamos no início, não havia 5 posições, mas 3: comissão, Fora Bolsonaro e
não-Fora. Não sei explicar as razões que levaram Repensar o PT a não apoiar a
resolução unificada das tendências da chamada esquerda petista. Mas é fácil
entender as razões que levaram Paulo Teixeira a manter o texto da secretaria
geral.
A saber: no
PT, Paulo Teixeira integra uma tendência chamada Resistência Socialista, que
votou em Gleisi Hoffmann para presidenta do PT e, graças a isso, ganhou a
secretaria geral do partido. Já na bancada do PT na Câmara dos Deputados, Paulo
Teixeira e outros parlamentares da Resistência fazem parte de um bloco
intitulado “Esquerda Petista”, da qual fazem parte alguns parlamentares
independentes, mais os parlamentares vinculados às tendências AE+Avante+DS+EPS+MS.
No 8 de
abril, de noite, estas tendências e seus parlamentares fizeram uma reunião e
combinaram votar unidos no dia 9, em torno de uma resolução comum pró Fora Bolsonaro.
Esta resolução comum pode ser lida no www.pagina13.org.br
Paulo
Teixeira não participou da reunião da noite de 8 de abril, não assinou a
resolução comum. O texto da Geral, que na verdade era o texto da Resistência,
não falava em Fora Bolsonaro. Politicamente, nesta questão Teixeira está
alinhado com a CNB. Mas se ele retirasse o texto (supostamente) da Geral e
votasse no texto da CNB, isso ficaria explícito e causaria muitos danos
políticos.
O resultado da
votação foi: Repensar, 1 voto; DAP, 3 votos; Geral, 8 votos; EM DEFESA DA VIDA
FORA BOLSONARO, 24 votos; CNB+MPT+Ruas e redes, 48 votos. Mas se agruparmos os
que acham que a situação exige que o PT
fale abertamente em por fim a este governo, o resultado é 28 x 56.
Votaram,
portanto, 84 pessoas. Nove membros do Diretório não estavam presentes na hora
da votação. E houve uma abstenção. De quem? De Lula.
Lula não
quis dar sua opinião de mérito, antes do debate e antes da votação. E quando
terminou, fez uma fala que constituiu um verdadeiro anticlímax. Pois, ao
contrário do que disse matéria publicada na Folha de S. Paulo, o discurso feito
por Lula no final da reunião não foi de apoio à resolução aprovada.
Registre-se:
não se pode dizer que Lula apoiava o Fora Bolsonaro. Ele chegou até a brincar
que não tem mais idade para isso. Mas se pode dizer que ele não considerou
suficiente a resolução aprovada pelo DN. Suas palavras foram de que, mesmo após
a ótima reunião, o ótimo debate, a resolução aprovada democraticamente e a qual
ele se submetida, o discurso do partido continuaria “truncado”, que a radicalização
levaria a acontecer muita pressão “de baixo para cima”, que o partido devia
estar “aberto para evoluir”, que não devíamos nos “impressionar” com pesquisas,
que na hora de falar a respeito da posição do PT, mesmo após a resolução, “vamos
sentir falta do que fazer com o Bolsonaro”, que está seguirá sendo uma “discussão
recorrente”, que Bozo é “incivilizado”, que a posição aprovada nos deixa de “perna
manca”.
Anticlímax
total. Os derrotados saíram da reunião comemorando. E totalmente decididos a
seguir defendendo o Fora Bolsonaro.
A resolução final?
Ainda não vi publicada, portanto não é possível comentar o que nela estaria escrito.
Um último
comentário: na sua fala final, entre outros assuntos e além do que foi citado,
Lula defende que precisamos “emitir moeda”. Um assunto sobre o qual precisamos
debater urgentemente. Mas a questão é: esta e qualquer outra medida exige
nacionalizar o oligopólio financeiro privado. Mas este não é assunto para uma
sessão da tarde.
(sessão da tarde)
Nenhum comentário:
Postar um comentário