segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Cenário internacional

Sem revisão, texto em debate, subsídio para o debate na reunião da comissão de teses acerca do cenário internacional

Um resumo

1.As principais características do cenário internacional são as crises, as guerras e a instabilidade generalizada.

2.Tais características decorrem do predomínio avassalador do capitalismo, do domínio do capital oligopolista e financeiro, do decorrente aguçamento dos conflitos intercapitalistas e do declínio da potência hegemônica.

3.As políticas neoliberais, hegemônicas em âmbito mundial desde os anos 1990, resultaram numa ampliação da polarização social e política, bem como em agressões imperialistas contra a soberania nacional dos países economicamente mais frágeis.

4.Simultaneamente, cresceu por todo o mundo a resistência contra as políticas neoliberais impulsionadas pelo consórcio formado pelos Estados Unidos, União Europeia e Japão.

5.Esta resistência se expressa de várias formas. É o caso dos BRICS, notadamente a política defendida pela China, Rússia e pelo Brasil durante os governos Lula e Dilma. É o caso, também, dos chamados governos progressistas e de esquerda na América Latina. É o caso, ainda, das lutas políticas e sociais impulsionadas por forças de esquerda que atuam na Europa, África, Ásia e Estados Unidos.

6.A resistência contra o neoliberalismo também assume formas reacionárias. É o caso do fundamentalismo terrorista, inclusive quando constitui uma reação contra o terrorismo de Estado praticado pelos Estados Unidos e seus aliados maiores e menores, entre os quais Israel e Arábia Saudita. É o caso, principalmente, do populismo de direita expresso por Trump e Le Penn, pelas forças fascistas e neonazistas na Ucrânia, Grécia e em diversos países do Leste Europeu, pelos partidos ultraconservadores cuja força eleitoral cresce em todos os países da Europa Ocidental, inclusive os nórdicos conhecidos por seu estado de bem-estar social.

7.Tanto o neoliberalismo quanto o populismo de direita conduzem, por diferentes caminhos, ao agravamento da instabilidade, das crises e das guerras. O “protecionismo” e o “globalismo” de grande potência são diferentes formas que o imperialismo assume e já conduziram o mundo, ao longo do século passado e deste, a inúmeras guerras.

8.Mais uma vez, a sobrevivência da humanidade dependerá fundamentalmente da capacidade de reação da classe trabalhadora, dos setores populares, das forças progressistas, democráticas e de esquerda.

9.Temos pela frente uma luta longa e dura. Mas podemos vencer e precisamos vencer, pois como disse o grande Luís Fernando Veríssimo, cada vez mais fica claro que a alternativa é entre barbárie e socialismo.

O detalhamento

10.Instabilidade, crise e guerra: pode a atual situação internacional ser caracterizada por essas palavras? É evidente que há algo mais em toda parte do mundo, por exemplo: a) defensiva estratégica da classe trabalhadora; b) hegemonia do capitalismo; c) crise do capitalismo; d) declínio da potência hegemônica; e) ascensão de outros polos de poder (como os BRICS); f) disputa entre diferentes vias de desenvolvimento capitalista; g) formação de blocos regionais; g) hegemonia do neoliberalismo em âmbito regional; h) disputa entre diferentes modelos de desenvolvimento nacional e regional; i) vitórias eleitorais e forte protagonismo dos governos progressistas na America Latina até 2006; j) desde então, crescente contraofensiva das forças conservadoras.
11.Mas são os termos nada amigáveis de instabilidade, crise e guerra que se firmam, cada vez mais, nos horizontes nacionais e internacional, mesmo porque, em seu significado, estão intima e irremediavelmente entrelaçados.
12.O cerne da crise está no atual estágio de desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, especialmente nos Estados Unidos e na Europa. Quanto mais se eleva a produtividade do trabalho e, portanto, a extração de mais-valia relativa, mais o capitalismo se enreda em várias de suas tendências estruturais: decréscimo de sua taxa média de lucro; concentração, centralização, exportação, globalização e financeirização dos capitais; redução de emprego de trabalho vivo no processo produtivo; crescente desemprego e pauperização das massas trabalhadoras das sociedades capitalistas; acentuação da natureza de classe do Estado; incompatibilidade crescente entre capitalismo, bem-estar, democracia e soberania nacional.
13.Essas tendências foram acirradas a partir de 2008, com as crises financeiras e econômicas globais, tendo como epicentros os Estados Unidos, a Europa e o Japão. A propagação dessa crise afeta, principalmente, os países que viram seus parques industriais serem desmontados por políticas de “relocalização” de unidades fabris, e/ou concentração na produção de commodities minerais e agrícolas, e/ou disseminação do rentismo como forma de reprodução do capital. O que é comum tanto aos países capitalistas desenvolvidos, quanto àqueles que se subordinaram ao “Consenso de Washington”.
14.Esse processo leva à acumulação, em extratos diminutos da burguesia mundial, da maior parte das riquezas real e fictícia produzidas pelas corporações e sociedades capitalistas. Ao mesmo tempo, faz com que encolha a capacidade social de consumo, ao serem criadas massas de trabalhadores deserdados. Nos Estados Unidos, Europa e Japão, a questão do desemprego, inclusive de trabalhadores qualificados, então considerados parte da “classe média”, se tornou um dos aspectos mais grotescos da crise, em contraste com a riqueza acumulada por 1% a 2% da população.
15.Alguns acreditam que investimentos públicos, como os realizados durante o New Deal de Roosevelt, na crise dos anos 1930, poderiam ser uma solução atual para melhorar as condições sociais dos milhões de desempregados e “excluídos”, produzindo um efeito “dinamizador” sobre a economia e a geração de empregos, contribuindo para superar a crise. Porém, mesmo nos anos 1930, quando tiveram um efeito positivo real como dinamizadores da produção e do emprego, os “investimentos públicos” foram combatidos pelos capitalistas e foram também insuficientes para superar a crise. Foi a guerra, seja por conta da produção bélica, seja por conta da destruição de riquezas acumuladas, seja criando uma nova correlação de forças internacional, que incluiu a Guerra Fria e várias guerras quentes, o que criou as condições para um novo ciclo de crescimento econômico capitalista, que se estendeu até o final dos anos 1960, início dos anos 1970.
16.Os “investimentos públicos”, principalmente quando voltados para resolver “problemas sociais”, representam uma distribuição da mais-valia fora do circuito real do capital. Já o complexo industrial-militar – absolutamente irracional do ponto de vista dos interesses da sociedade como um todo--, é extremamente “mais eficiente” para os fins da acumulação de capitais. Mas a indústria bélica também experimenta – em escala ainda mais acelerada -- as mesmas transformações científicas e tecnológicas do conjunto da “indústria produtiva”, sendo uma das que mais reduz o uso de força de trabalho em seu processo produtivo. Ou seja, que é uma das que mais tende a elevar a produtividade e a mais-valia relativa. E, portanto, uma das que mais tende a níveis muito acelerados de descarte do trabalho vivo, agravando o desemprego e os distúrbios econômicos.
17.Isto ajuda a entender por quais motivos a especulação financeira e o saqueio direto de riquezas assumem crescente importância, a partir do final dos anos 1960. Mas o complexo industrial-militar dos Estados Unidos e da Europa central continuam sendo desenvolvidos como pilares estratégicos. Isto não só para a defesa de seus territórios e sociedades, mas principalmente para a subordinação de outros territórios e sociedades. Estados Unidos e Europa Ocidental necessitam de recursos minerais e energéticos de outros países, assim como de mercados, e áreas de contenção ou de ataque. Não por acaso os Estados Unidos têm mais de 1000 bases militares em todo o mundo, e há muito interferem militarmente em toda parte onde seus interesses estejam, real ou imaginariamente, em perigo.
18.As guerras de Reagan, nos anos 1980, disseminaram-se pela América Central, África e Oriente Médio. As guerras de Bush, nos anos 2000, afetaram ainda mais os já conflagrados Afeganistão e Iraque, devastando grandes regiões. As guerras de Clinton causaram imensas destruições no sul da Europa (antiga Iugoslávia). As guerras de Obama, realizadas por drones, e as de ingleses e franceses, com o emprego de bombardeiros, na África do Norte e no Oriente Médio, destruíram grande parte da Líbia e da Síria, e são responsáveis pelas provocações contra a Rússia, que levaram aos conflitos na Ucrânia, assim como pelo evidente “cerco” de contenção à China, no arco que vai do Japão às Ilhas Spratley.
19.Que Obama -- um serial killer responsável direto por milhares de execuções sem julgamento –- seja tratado como figura simpática e premiado como “Nobel da Paz” é apenas um exemplo mais de linguagem orwelliana.       
20.Os Estados Unidos têm sido o principal agente de geração e difusão do chamado “terror jihadista” por todo o mundo. Eles financiaram e armaram a Al-Qaeda. Depois, financiaram e armaram outros grupos do mesmo tipo para, hipoteticamente, enfraquecer a Al Qaeda, e/ou para derrubar governos que não lhes eram simpáticos, a exemplo da Síria.
21.O resultado mais dramático dessa intervenção imperial nos assuntos internos de outros países, em especial no Oriente Médio, foi o surgimento do Estado Islâmico e a disseminação de grupos terroristas islâmicos por todo o norte da África, por vários países da Ásia, e no próprio interior dos Estados Unidos e de países europeus. Com o agravante de que muitos deles são apoiados, financeira e militarmente, por governos aliados dos Estados Unidos, a exemplo da Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Turquia.
22.Na verdade, os Estados Unidos, depois do fracasso da guerra do Vietnã, e dos desastres de sua intervenção direta no Iraque e no Afeganistão, se esforçam para fazer com que “suas guerras” sejam manejadas por controle remoto e lutadas por outros, inclusive mercenários, conforme vem sendo feito por Obama. O resultado tem sido o armamento contínuo de Estados e grupos que utilizam o terrorismo como uma das principais formas de ação e que, na prática, ao invés de “disseminarem a democracia”, procuram instaurar regimes absolutistas, despóticos e sanguinários, a exemplo do ISIS.
23.Em tais condições, não é qualquer ponto fora da curva que tenha se originado uma dolorosa e mortífera onda de refugiados, oriundos principalmente da África, Oriente Médio e Ásia, tenham se multiplicado grupos terroristas por toda parte, e surgido ou ressurgido, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, correntes políticas semelhantes ao fascismo e ao nazismo.
O caso dos Estados Unidos
24.Em 2008 a crise econômica teve como epicentro os Estados Unidos. Hoje, a crise política mundial também tem seu epicentro lá. A eleição de Donald Trump nas recentes eleições para a presidência dos Estados Unidos é um símbolo dos tempos em que vivemos, no cenário internacional. Quem quer que preste atenção séria às entrevistas e aos discursos de Trump, e os compare ao que dizia o famigerado Hitler, encontrará muitas semelhanças. Como também encontrará muita semelhança entre as massas populares alemãs daquela época, desempregadas e desesperadas, que se deixaram envolver pelo hitlerismo, do mesmo modo que os desempregados e desesperados brancos norte-americanos estão sendo envolvidos pelo “trumpismo”, ou pelo Tea Party norte-americano.
25.Estamos vivendo um momento internacional que se assemelha muito ao ocorrido nos anos 1930. Naquela época, o liberalismo provocou uma imensa crise econômica, desemprego e miséria. Para derrotar a ameaça comunista, o grande capital e a direita tradicional apostaram no populismo de direita. Esta foi uma das causas da ascensão do fascismo na Itália, do franquismo na Espanha, do nazismo na Alemanha. O resultado disto foi a Segunda Guerra Mundial.
26.Uma diferença importante entre aquela época e hoje é que, no lugar da ameaça comunista, temos a excessiva moderação e bom-mocismo predominante nas forças progressistas e de esquerda. Talvez como nunca na história recente, tivesse sido tão necessária a existência de uma alternativa partidária e eleitoral da esquerda nos Estados Unidos. Benny Sanders tinha mais chances de disputar o voto dos setores populares que optaram por Trump, entre outros motivos para rejeitar a candidata “democrata” Hillary Clinton, inicialmente a preferida de Wall Street, cúmplice das políticas neoliberais adotadas pelos governos Clinton e Obama, defensora acérrima do intervencionismo militar dos Estados Unidos.
27.Olhando em perspectiva histórica, a principal surpresa nas eleições americanas foi a vitalidade demonstrada pela pré- candidatura Bernie Sanders, que procurou conquistar os desempregados e desesperados americanos para outra perspectiva. Que isso tenha emergido nos Estados Unidos é algo alentador. No entanto, é preciso reconhecer que ainda falta um longo caminho para que os movimentos sociais e políticos de esquerda daquele país se desenvolvam a ponto de impor outra política, capaz de evitar aventuras militaristas.
Os cenários
28.Só as forças de esquerda, populares e democráticas têm condições de deter a contraofensiva reacionária que empurra o mundo para crises cada vez maiores e nos ameaça com guerras cada vez mais destrutivas.
29.Mas para isto será preciso que a classe trabalhadora e seus representantes políticos percam todas as ilusões em que será possível defender o bem-estar social, defender as liberdades democráticas, defender a soberania nacional e defender uma nova ordem mundial, sem impor uma derrota profunda às forças capitalistas e a seus representantes políticos, sem oferecer uma alternativa nova e radical para o mundo em que vivemos.
30.Nunca o mundo foi tão capitalista quanto é hoje. E é exatamente por isto que nunca o mundo foi tão desigual, conservador e violento. Devemos tirar todas as consequências desta verdade simples: é preciso tirar o socialismo do armário!
31.A crise que o capitalismo enfrenta, desde 2008, pode ser superada de duas maneiras diferentes: ou rebaixando o nível de vida dos trabalhadores, causando catástrofes sociais e ambientais, jogando para a direita o ambiente ideológico e político, empurrando o mundo para a guerra.
32.Ou transformando as riquezas acumuladas nas mãos do capital financeiro em investimento público em ampliação do bem-estar e recuperação do meio-ambiente, jogando para a esquerda o ambiente ideológico e político, desmontando os arsenais militares.
33.Os Estados Unidos, ainda a maior potência do mundo, mas que está vendo sua hegemonia declinar, não tem como construir uma alternativa à crise que vivemos.
34.As forças que causam a crise e que se beneficiam dela são as mesmas que dominam o poder político, econômico, militar e ideológico nos Estados Unidos. É por isto que as ações práticas do governo dos EUA ampliam a crise.
35.Lembremos mais uma vez que aquele país só superou a crise dos 1930 graças à Segunda Guerra Mundial. E quando a Segunda Guerra terminou, o complexo industrial-militar continuou apostando em novas guerras e na corrida armamentista.
36.É por isso que os Estados Unidos operam de maneira agressiva contra os BRICS, especialmente contra a China e a Rússia. Tanto o governo russo quanto o chinês deram vários sinais de que consideravam Hillary Clinton mais perigosa. Mas isto não quer dizer que a vitória de Trump elimine a variável guerra do cenário mundial.
37.Não devemos nos iludir: a dinâmica da crise mundial é mais poderosa e tende a empurrar os EUA em direção à guerra. Quem pode evitar este desfecho?
38.Em primeiro lugar, o povo dos Estados Unidos. O movimento sindical, a intelectualidade de esquerda, os setores democráticos daquele país estão chamados a agir de maneira autônoma frente aos dois grandes partidos do Capital, o Republicano e o Democrata. Em segundo lugar, os povos das demais regiões do mundo.
A situação da América Latina e Caribe
39.Na América Latina e Caribe, desde 2008 estamos sendo vítimas de uma contraofensiva reacionária que vem derrotando os governos progressistas e de esquerda na região.
40.Cada país da América Latina e Caribe tem sua própria história, irredutível e única. Mas quando consideramos a região como um todo, especialmente a América do Sul, percebemos a incidência de algumas características que conformam um contexto comum, produto da luta passada e contexto da luta presente entre as forças sociais e políticas, bem como da luta entre os Estados.
41.Estas características podem ser resumidas assim: 1) toda a região foi, durante vários séculos, colônia de metrópoles europeias e até hoje mantém uma relação dependente e subordinada aos principais centros econômicos do mundo; 2) embora tenha assumido diferentes formas, da escravidão ao assalariamento, o processo de exploração do trabalho na região sempre foi extremamente intenso, com a decorrente desigualdade social; 3) em decorrência da dependência e da desigualdade, as diferentes classes dominantes existentes na região a partir da colonização buscaram sempre restringir ao máximo a participação política e a auto-organização das classes dominadas; 4) como decorrência das anteriores, o enfraquecimento da dominação externa ampliava as possibilidades de desenvolvimento, igualdade e democracia na região, por exemplo no período 1789-1815 (independências) e 1914-1945 (industrialização); 5) portanto, a irredutibilidade das histórias nacionais combina-se com a existência de “ciclos regionais”, em que diversos países experimentam processos com características similares, por exemplo o ciclo populista, o ciclo ditatorial, o ciclo neoliberal e o ciclo de governos progressistas.
42.No ambiente estratégico dos anos 1990, a maioria dos partidos e organizações de esquerda da América Latina e Caribe foi convergindo na prática e também no plano das formulações para uma estratégia que consistia -- malgrado profundas diferenças históricas, sociais, políticas e ideológicas -- em buscar melhorar a vida do povo através de políticas públicas que seriam implementadas a partir de espaços legislativos e executivos conquistados através de processos eleitorais.
43.Tais políticas públicas foram de diferentes tipos (universais/distributivas ou focalizadas/compensatórias) e implementadas com diferentes graus de confronto, negociação e aliança com as “elites” locais e com os “imperialismos”. Em alguns casos, aquelas políticas públicas foram precedidas ou acompanhadas de processos constituintes, que resultaram em reformas importantes e foram acompanhadas de uma retórica radicalizada, embora em nenhum caso tenham implicado em revoluções no sentido clássico deste termo (ou seja, na expropriação econômica e política da classe dominante). Noutros casos, aquelas políticas públicas foram implementadas sem processos constituintes, sem nenhuma tentativa de reforma nas estruturas políticas, sociais e econômicas, no Estado e na relação entre as forças sociais, além de acompanhadas de uma retórica explicita e assumidamente “moderada”.
44.Apesar destas múltiplas e importantes diferenças, havia um núcleo comum, o que permite dizer que estávamos diante de variantes de uma mesma estratégia. Este núcleo consistia, como já foi dito, na implementação de políticas públicas a partir de posições conquistadas através de processos eleitorais. Neste aspecto, esta estratégia e cada uma de suas variantes eram todas elas profundamente diferentes da estratégia adotada – para ficarmos só neste exemplo – pelos que dirigiram a Revolução Cubana de 1959. No caso cubano tivemos a conquista do poder (e não do governo), pela luta armada (não pela via eleitoral), a partir da qual se introduziram não apenas outras políticas públicas, mas sim transformações no padrão de desenvolvimento vigente até então em Cuba, mudanças que incluíram da reforma agrária à transição socialista.
45.Os diferentes protagonistas da estratégia acima descrita -- estratégia adotada especialmente entre 1998 e 2016 pela maior parte da esquerda latino-americana e caribenha -- talvez não estejam de acordo com esta definição, mas podemos dizer que a estratégia adotada nesta região e momento constitui uma modalidade atualizada do que ficou conhecido como “via chilena para o socialismo”, ressalvada pelo menos uma importante diferença: no Chile o tema do socialismo foi destacado explicitamente e desde o primeiro momento, tanto pelo presidente Salvador Allende quanto pelos principais partidos que integravam o governo da Unidade Popular (1970-1973).
46.Como no Chile dos anos 1970, predominou na classe dominante dos países latino-americanos e caribenhos a política de enfrentamento contra os governos progressistas e de esquerda. Utilizou-se de tudo um pouco: oposição política e midiática, sabotagem burocrática e econômica, ações diplomáticas abertas ou encobertas, mobilização de massa e ações subversivas clandestinas.
47.Apesar da oposição da maior parte da classe dominante e de seus representantes políticos, os governos progressistas e de esquerda obtiveram êxito – maior ou menor em cada caso – no que diz respeito a melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades democráticas, afirmar a soberania nacional e ampliar a integração regional.
48.Entretanto, a partir de um determinado momento -- que variou de país para país, mas que em todos os casos ocorreu depois da crise internacional de 2007-2008--, os governos progressistas e de esquerda passaram a enfrentar crescentes dificuldades, que resultaram em perda de apoio popular e no crescimento da oposição de direita, que em alguns casos recorreu ao golpe (Honduras, Paraguai, Brasil) e noutros obteve vitórias eleitorais (Argentina, por exemplo).
49.Aonde a direita voltou ao governo, assiste-se não apenas a um retrocesso social, mas também a um retrocesso econômico e político cujos limites e consequências ainda não estão totalmente claros.
50.Considerando a cronologia dos eventos, pode ser dito que até a crise internacional de 2008, os governos progressistas e de esquerda vinham conseguindo contornar seus limites, contradições e erros. Mas a partir da crise internacional de 2008, a deterioração dos preços das commodities, a dependência financeira e comercial, a força dos oligopólios –especialmente estrangeiros -- e a fraqueza do Estado tornaram cada vez mais difícil a situação, agravando um conjunto de problemas que já vinham se acumulando (fadiga de material, limites da estratégia adotada, timidez nas políticas de integração, políticas macroeconômicas que mantiveram a predominância do setor agroexportador e o peso do setor financeiro etc).
51.Seja onde foi adotada uma variante mais “confrontacionista”, seja onde foi adotada uma variante mais “negociadora”, verificou-se uma deterioração das condições políticas, econômicas e sociais, em parte devido a opções feitas pelos respectivos governos progressistas e de esquerda, mas principalmente porque a classe dominante seguiu controlando os meios econômicos e políticos, assim como dispondo dos apoios internacionais necessários para reagir e criar a deterioração citada.
52.Que tenham mantido estes instrumentos sob seu controle não é um acaso, nem uma concessão indevida, é uma consequência da própria estratégia adotada, que em nenhuma hipótese previa a expropriação parcial ou total de setores das classes dominantes. Note-se que isto vale inclusive para os casos em que houve assembleias constituintes e reformas constitucionais: o fortalecimento dos instrumentos populares e democráticos de intervenção econômica e política estatal convivia com a presença, maior ou menor, dos instrumentos de poder político e econômico da classe dominante.
53.A recente eleição nicaraguense demonstrou que não é inevitável a derrota dos governos progressistas e de esquerda. Porém, a difícil situação da Venezuela, mais a derrota sofrida no Brasil e na Argentina criaram um novo cenário estratégico. O fato de vários governos progressistas existirem e se apoiarem uns aos outros foi uma variável importante para o êxito. A ofensiva reacionária age no sentido oposto.
54.A esquerda latino-americana e caribenha está convocada a deter a ofensiva reacionária, reconquistar os espaços perdidos, alcançar novas vitórias, criar as condições para que a Unasul e a Comunidade de Estados Latinoamericanos e Caribenhos voltem a ter protagonismo no cenário internacional, em favor da paz e de outra ordem econômica e política internacional.
55.A integração da América Latina e do Caribe é variável fundamental para o êxito da estratégia democrático-popular e socialista no Brasil.
O papel do PT e do Foro de São Paulo
56.O Partido dos Trabalhadores tem uma larga experiência internacional, anterior a nossa chegada à presidência da República. Possui amigos – e também militantes-- em todos os continentes, que acompanham com atenção os acontecimentos em nosso país e aguardam informações e diretrizes.
57.Nosso partido é internacionalista por razões programáticas e estratégicas. Programaticamente, porque defendemos um mundo socialista. Estrategicamente, porque as vitórias da classe trabalhadora e das esquerdas contribuem umas com as outras.
58.Nosso internacionalismo é aberto. Mantemos relações com partidos, organizações e militantes das mais diferentes orientações políticas e ideológicas. Mantemos diferentes níveis de cooperação com os que compartilham as premissas do respeito à autodeterminação dos povos, às liberdades democráticas e ao bem-estar social. Não somos, nem aceitamos que ninguém seja “partido guia” ou “modelo” para os demais. Inclusive por isto, ao mesmo tempo que reforçaremos nossa presença em âmbito mundial, não nos filiamos nem nos filiaremos a nenhuma organização que alimente esta pretensão.  
59.A política internacional do PT prioriza a América Latina e o Caribe. Ao mesmo tempo, reforçaremos nossos contatos com os BRICS, com os países africanos e com todos aqueles que são vítimas do imperialismo. Destacamos a defesa do Estado Palestino, da independência do Sahara Ocidental e de Porto Rico, o estabelecimento de relações intensas com os povos, com os movimentos sociais e com os partidos de esquerda do continente africano. Apoiamos as iniciativas que – a partir dos milhões de latino-americanos residentes nos EUA – visam construir um partido de esquerda com força social e eleitoral. E buscaremos contribuir com as forças progressistas, democráticas e de esquerda do Haiti, apoiando a imediata retirada da Minustah.
60.No âmbito da América Latina e Caribe, sem prejuízo de um regionalismo aberto, priorizaremos a construção do Foro de São Paulo, que demonstrou ser um espaço positivo para o diálogo e para a ação comum de forças de esquerda, nacionalistas, populares, socialistas e comunistas. O mínimo denominador comum do Foro de São Paulo é a integração regional, o desenvolvimento soberano, a ampliação do bem-estar social e das liberdades democráticas dos nossos povos.
61.Num contexto de hegemonia capitalista, crise do capitalismo, ampliação das contradições intercapitalistas, conflito entre o bloco liderado pelos EUA contra os BRICS, instabilidade, crise e guerra, a alternativa está em construir um forte movimento internacional, ancorado nas classes trabalhadoras e nos setores populares, que consiga não apenas resistir, mas também conquistar governos, reorientando assim a economia e a politica mundiais. O PT e o Foro de São Paulo, a América Latina e o Caribe, já demonstramos poder dar grande contribuição neste sentido.
62.Nos tempos em que vivemos, capitalismo significa instabilidade, crises e guerras. Nos Estados Unidos e na Europa, as classes dominantes e seus partidos, assim como importantes setores da esquerda tradicional, comprometeram-se com políticas neoliberais e/ou capitularam diante do populismo reacionário. A guerra, sob a forma regional ou mundial, é um risco crescente. Frente a barbárie capitalista, reafirmamos a escolha feita, em 1980, pelo Partido dos Trabalhadores: uma sociedade sem exploração nem opressão, o socialismo.


Sem revisão, texto em debate.

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