Sem revisão, texto em debate, subsídio para
o debate na reunião da comissão de teses acerca do cenário internacional
Um resumo
1.As principais
características do cenário internacional são as crises, as
guerras e a instabilidade generalizada.
2.Tais características
decorrem do predomínio avassalador do capitalismo, do domínio do capital
oligopolista e financeiro, do decorrente aguçamento dos conflitos
intercapitalistas e do declínio da potência hegemônica.
3.As políticas
neoliberais, hegemônicas em âmbito mundial desde os anos 1990, resultaram numa ampliação
da polarização social e política, bem como em agressões
imperialistas contra a soberania nacional dos países economicamente
mais frágeis.
4.Simultaneamente,
cresceu por todo o mundo a resistência contra as políticas neoliberais
impulsionadas pelo consórcio formado pelos Estados Unidos, União Europeia e
Japão.
5.Esta
resistência se expressa de várias formas. É o caso dos BRICS, notadamente a política
defendida pela China, Rússia e pelo Brasil durante os governos Lula e Dilma. É
o caso, também, dos chamados governos progressistas e de esquerda na América
Latina. É o caso, ainda, das lutas políticas e sociais impulsionadas por forças
de esquerda que atuam na Europa, África, Ásia e Estados Unidos.
6.A resistência
contra o neoliberalismo também assume formas reacionárias. É o caso do
fundamentalismo terrorista, inclusive quando constitui uma reação contra o
terrorismo de Estado praticado pelos Estados Unidos e seus aliados maiores e
menores, entre os quais Israel e Arábia Saudita. É o caso, principalmente, do
populismo de direita expresso por Trump e Le Penn, pelas forças fascistas e
neonazistas na Ucrânia, Grécia e em diversos países do Leste Europeu, pelos
partidos ultraconservadores cuja força eleitoral cresce em todos os países da
Europa Ocidental, inclusive os nórdicos conhecidos por seu estado de bem-estar
social.
7.Tanto o
neoliberalismo quanto o populismo de direita conduzem, por diferentes caminhos,
ao agravamento da instabilidade, das crises e das guerras. O “protecionismo” e
o “globalismo” de grande potência são diferentes formas que o imperialismo
assume e já conduziram o mundo, ao longo do século passado e deste, a inúmeras
guerras.
8.Mais uma vez,
a sobrevivência da humanidade dependerá fundamentalmente da capacidade de
reação da classe trabalhadora, dos setores populares, das forças progressistas,
democráticas e de esquerda.
9.Temos pela
frente uma luta longa e dura. Mas podemos vencer e precisamos vencer, pois como
disse o grande Luís Fernando Veríssimo, cada vez mais fica claro que a
alternativa é entre barbárie e socialismo.
O detalhamento
10.Instabilidade, crise e guerra: pode a atual
situação internacional ser caracterizada por essas palavras? É evidente que há
algo mais em toda parte do mundo, por exemplo: a) defensiva estratégica da
classe trabalhadora; b) hegemonia do capitalismo; c) crise do capitalismo; d)
declínio da potência hegemônica; e) ascensão de outros polos de poder (como os
BRICS); f) disputa entre diferentes vias de desenvolvimento capitalista; g)
formação de blocos regionais; g) hegemonia do neoliberalismo em âmbito
regional; h) disputa entre diferentes modelos de desenvolvimento nacional e
regional; i) vitórias eleitorais e forte protagonismo dos governos
progressistas na America Latina até 2006; j) desde então, crescente
contraofensiva das forças conservadoras.
11.Mas são os termos nada amigáveis de instabilidade,
crise e guerra que se firmam, cada vez mais, nos horizontes nacionais e
internacional, mesmo porque, em seu significado, estão intima e
irremediavelmente entrelaçados.
12.O cerne da crise está no atual estágio de
desenvolvimento das forças produtivas do capitalismo, especialmente nos Estados
Unidos e na Europa. Quanto mais se eleva a produtividade do trabalho e,
portanto, a extração de mais-valia relativa, mais o capitalismo se enreda em
várias de suas tendências estruturais: decréscimo de sua taxa média de lucro; concentração,
centralização, exportação, globalização e financeirização dos capitais; redução
de emprego de trabalho vivo no processo produtivo; crescente desemprego e pauperização
das massas trabalhadoras das sociedades capitalistas; acentuação da natureza de
classe do Estado; incompatibilidade crescente entre capitalismo, bem-estar, democracia
e soberania nacional.
13.Essas tendências foram acirradas a partir de
2008, com as crises financeiras e econômicas globais, tendo como epicentros os
Estados Unidos, a Europa e o Japão. A propagação dessa crise afeta,
principalmente, os países que viram seus parques industriais serem desmontados
por políticas de “relocalização” de unidades fabris, e/ou concentração na
produção de commodities minerais e
agrícolas, e/ou disseminação do rentismo como forma de reprodução do capital. O
que é comum tanto aos países capitalistas desenvolvidos, quanto àqueles que se
subordinaram ao “Consenso de Washington”.
14.Esse processo leva à acumulação, em extratos
diminutos da burguesia mundial, da maior parte das riquezas real e fictícia
produzidas pelas corporações e sociedades capitalistas. Ao mesmo tempo, faz com
que encolha a capacidade social de consumo, ao serem criadas massas de
trabalhadores deserdados. Nos Estados Unidos, Europa e Japão, a questão do
desemprego, inclusive de trabalhadores qualificados, então considerados parte
da “classe média”, se tornou um dos aspectos mais grotescos da crise, em
contraste com a riqueza acumulada por 1% a 2% da população.
15.Alguns acreditam que investimentos públicos,
como os realizados durante o New Deal
de Roosevelt, na crise dos anos 1930, poderiam ser uma solução atual para
melhorar as condições sociais dos milhões de desempregados e “excluídos”, produzindo
um efeito “dinamizador” sobre a economia e a geração de empregos, contribuindo
para superar a crise. Porém, mesmo nos anos 1930, quando tiveram um efeito
positivo real como dinamizadores da produção e do emprego, os “investimentos
públicos” foram combatidos pelos capitalistas e foram também insuficientes para
superar a crise. Foi a guerra, seja por conta da produção bélica, seja por
conta da destruição de riquezas acumuladas, seja criando uma nova correlação de
forças internacional, que incluiu a Guerra Fria e várias guerras quentes, o que
criou as condições para um novo ciclo de crescimento econômico capitalista, que
se estendeu até o final dos anos 1960, início dos anos 1970.
16.Os “investimentos públicos”, principalmente
quando voltados para resolver “problemas sociais”, representam uma distribuição
da mais-valia fora do circuito real do
capital. Já o complexo industrial-militar – absolutamente irracional do ponto
de vista dos interesses da sociedade como um todo--, é extremamente “mais
eficiente” para os fins da acumulação de capitais. Mas a indústria bélica também
experimenta – em escala ainda mais acelerada -- as mesmas transformações
científicas e tecnológicas do conjunto da “indústria produtiva”, sendo uma das
que mais reduz o uso de força de trabalho em seu processo produtivo. Ou seja,
que é uma das que mais tende a elevar a produtividade e a mais-valia relativa. E,
portanto, uma das que mais tende a níveis muito acelerados de descarte do
trabalho vivo, agravando o desemprego e os distúrbios econômicos.
17.Isto ajuda a entender por quais motivos a
especulação financeira e o saqueio direto de riquezas assumem crescente
importância, a partir do final dos anos 1960. Mas o complexo industrial-militar
dos Estados Unidos e da Europa central continuam sendo desenvolvidos como
pilares estratégicos. Isto não só para a defesa de seus territórios e
sociedades, mas principalmente para a subordinação de outros territórios e
sociedades. Estados Unidos e Europa Ocidental necessitam de recursos minerais e
energéticos de outros países, assim como de mercados, e áreas de contenção ou
de ataque. Não por acaso os Estados Unidos têm mais de 1000 bases militares em
todo o mundo, e há muito interferem militarmente em toda parte onde seus
interesses estejam, real ou imaginariamente, em perigo.
18.As guerras de Reagan, nos anos 1980,
disseminaram-se pela América Central, África e Oriente Médio. As guerras de
Bush, nos anos 2000, afetaram ainda mais os já conflagrados Afeganistão e
Iraque, devastando grandes regiões. As guerras de Clinton causaram imensas
destruições no sul da Europa (antiga Iugoslávia). As guerras de Obama, realizadas
por drones, e as de ingleses e
franceses, com o emprego de bombardeiros, na África do Norte e no Oriente Médio,
destruíram grande parte da Líbia e da Síria, e são responsáveis pelas provocações
contra a Rússia, que levaram aos conflitos na Ucrânia, assim como pelo evidente
“cerco” de contenção à China, no arco que vai do Japão às Ilhas Spratley.
19.Que Obama -- um serial killer responsável
direto por milhares de execuções sem julgamento –- seja tratado como figura
simpática e premiado como “Nobel da Paz” é apenas um exemplo mais de linguagem
orwelliana.
20.Os Estados Unidos têm sido o principal agente de
geração e difusão do chamado “terror jihadista” por todo o mundo. Eles
financiaram e armaram a Al-Qaeda. Depois, financiaram e armaram outros grupos
do mesmo tipo para, hipoteticamente, enfraquecer a Al Qaeda, e/ou para derrubar
governos que não lhes eram simpáticos, a exemplo da Síria.
21.O resultado mais dramático dessa intervenção
imperial nos assuntos internos de outros países, em especial no Oriente Médio,
foi o surgimento do Estado Islâmico e a disseminação de grupos terroristas
islâmicos por todo o norte da África, por vários países da Ásia, e no próprio interior
dos Estados Unidos e de países europeus. Com o agravante de que muitos deles
são apoiados, financeira e militarmente, por governos aliados dos Estados
Unidos, a exemplo da Arábia Saudita, Catar, Emirados Árabes e Turquia.
22.Na verdade, os Estados Unidos, depois do
fracasso da guerra do Vietnã, e dos desastres de sua intervenção direta no
Iraque e no Afeganistão, se esforçam para fazer com que “suas guerras” sejam
manejadas por controle remoto e lutadas por outros, inclusive mercenários, conforme
vem sendo feito por Obama. O resultado tem sido o armamento contínuo de Estados
e grupos que utilizam o terrorismo como uma das principais formas de ação e
que, na prática, ao invés de “disseminarem a democracia”, procuram instaurar
regimes absolutistas, despóticos e sanguinários, a exemplo do ISIS.
23.Em tais condições, não é qualquer ponto fora da
curva que tenha se originado uma dolorosa e mortífera onda de refugiados, oriundos
principalmente da África, Oriente Médio e Ásia, tenham se multiplicado grupos
terroristas por toda parte, e surgido ou ressurgido, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos, correntes políticas semelhantes ao fascismo e ao nazismo.
O caso dos
Estados Unidos
24.Em 2008 a crise econômica teve como epicentro os
Estados Unidos. Hoje, a crise política mundial também tem seu epicentro lá. A
eleição de Donald Trump nas recentes eleições para a presidência dos Estados
Unidos é um símbolo dos tempos em que vivemos, no cenário internacional. Quem
quer que preste atenção séria às entrevistas e aos discursos de Trump, e os
compare ao que dizia o famigerado Hitler, encontrará muitas semelhanças. Como
também encontrará muita semelhança entre as massas populares alemãs daquela
época, desempregadas e desesperadas, que se deixaram envolver pelo hitlerismo,
do mesmo modo que os desempregados e desesperados brancos norte-americanos
estão sendo envolvidos pelo “trumpismo”, ou pelo Tea Party norte-americano.
25.Estamos vivendo um momento internacional que se
assemelha muito ao ocorrido nos anos 1930. Naquela época, o liberalismo
provocou uma imensa crise econômica, desemprego e miséria. Para derrotar a
ameaça comunista, o grande capital e a direita tradicional apostaram no
populismo de direita. Esta foi uma das causas da ascensão do fascismo na
Itália, do franquismo na Espanha, do nazismo na Alemanha. O resultado disto foi
a Segunda Guerra Mundial.
26.Uma diferença importante entre aquela época e
hoje é que, no lugar da ameaça comunista, temos a excessiva moderação e
bom-mocismo predominante nas forças progressistas e de esquerda. Talvez como
nunca na história recente, tivesse sido tão necessária a existência de uma
alternativa partidária e eleitoral da esquerda nos Estados Unidos. Benny
Sanders tinha mais chances de disputar o voto dos setores populares que optaram
por Trump, entre outros motivos para rejeitar a candidata “democrata” Hillary
Clinton, inicialmente a preferida de Wall Street, cúmplice das políticas
neoliberais adotadas pelos governos Clinton e Obama, defensora acérrima do
intervencionismo militar dos Estados Unidos.
27.Olhando em perspectiva histórica, a principal
surpresa nas eleições americanas foi a vitalidade demonstrada pela pré-
candidatura Bernie Sanders, que procurou conquistar os desempregados e
desesperados americanos para outra perspectiva. Que isso tenha emergido nos
Estados Unidos é algo alentador. No entanto, é preciso reconhecer que ainda
falta um longo caminho para que os movimentos sociais e políticos de esquerda daquele
país se desenvolvam a ponto de impor outra política, capaz de evitar aventuras
militaristas.
Os cenários
28.Só as forças de esquerda, populares e
democráticas têm condições de deter a contraofensiva reacionária que empurra o
mundo para crises cada vez maiores e nos ameaça com guerras cada vez mais
destrutivas.
29.Mas para isto será preciso que a classe
trabalhadora e seus representantes políticos percam todas as ilusões em que
será possível defender o bem-estar social, defender as liberdades democráticas,
defender a soberania nacional e defender uma nova ordem mundial, sem impor uma
derrota profunda às forças capitalistas e a seus representantes políticos, sem
oferecer uma alternativa nova e radical para o mundo em que vivemos.
30.Nunca o mundo foi tão capitalista quanto é hoje.
E é exatamente por isto que nunca o mundo foi tão desigual, conservador e
violento. Devemos tirar todas as consequências desta verdade simples: é preciso
tirar o socialismo do armário!
31.A crise que o capitalismo enfrenta, desde 2008,
pode ser superada de duas maneiras diferentes: ou rebaixando o nível de vida
dos trabalhadores, causando catástrofes sociais e ambientais, jogando para a
direita o ambiente ideológico e político, empurrando o mundo para a guerra.
32.Ou transformando as riquezas acumuladas nas mãos
do capital financeiro em investimento público em ampliação do bem-estar e
recuperação do meio-ambiente, jogando para a esquerda o ambiente ideológico e
político, desmontando os arsenais militares.
33.Os Estados Unidos, ainda a maior potência do
mundo, mas que está vendo sua hegemonia declinar, não tem como construir uma
alternativa à crise que vivemos.
34.As forças que causam a crise e que se beneficiam
dela são as mesmas que dominam o poder político, econômico, militar e
ideológico nos Estados Unidos. É por isto que as ações práticas do governo dos
EUA ampliam a crise.
35.Lembremos mais uma vez que aquele país só
superou a crise dos 1930 graças à Segunda Guerra Mundial. E quando a Segunda
Guerra terminou, o complexo industrial-militar continuou apostando em novas
guerras e na corrida armamentista.
36.É por isso que os Estados Unidos operam de
maneira agressiva contra os BRICS, especialmente contra a China e a Rússia. Tanto
o governo russo quanto o chinês deram vários sinais de que consideravam Hillary
Clinton mais perigosa. Mas isto não quer dizer que a vitória de Trump elimine a
variável guerra do cenário mundial.
37.Não devemos nos iludir: a dinâmica da crise
mundial é mais poderosa e tende a empurrar os EUA em direção à guerra. Quem
pode evitar este desfecho?
38.Em primeiro lugar, o povo dos Estados Unidos. O
movimento sindical, a intelectualidade de esquerda, os setores democráticos
daquele país estão chamados a agir de maneira autônoma frente aos dois grandes
partidos do Capital, o Republicano e o Democrata. Em segundo lugar, os povos
das demais regiões do mundo.
A situação
da América Latina e Caribe
39.Na América Latina e Caribe, desde 2008 estamos
sendo vítimas de uma contraofensiva reacionária que vem derrotando os governos
progressistas e de esquerda na região.
40.Cada país da América Latina e Caribe tem sua
própria história, irredutível e única. Mas quando consideramos a região como um
todo, especialmente a América do Sul, percebemos a incidência de algumas
características que conformam um contexto comum, produto da luta passada e
contexto da luta presente entre as forças sociais e políticas, bem como da luta
entre os Estados.
41.Estas características podem ser resumidas assim:
1) toda a região foi, durante vários séculos, colônia de metrópoles europeias e
até hoje mantém uma relação dependente e subordinada aos principais centros
econômicos do mundo; 2) embora tenha assumido diferentes formas, da escravidão
ao assalariamento, o processo de exploração do trabalho na região sempre foi
extremamente intenso, com a decorrente desigualdade social; 3) em decorrência
da dependência e da desigualdade, as diferentes classes dominantes existentes
na região a partir da colonização buscaram sempre restringir ao máximo a
participação política e a auto-organização das classes dominadas; 4) como
decorrência das anteriores, o enfraquecimento da dominação externa ampliava as
possibilidades de desenvolvimento, igualdade e democracia na região, por
exemplo no período 1789-1815 (independências) e 1914-1945 (industrialização);
5) portanto, a irredutibilidade das histórias nacionais combina-se com a
existência de “ciclos regionais”, em que diversos países experimentam processos
com características similares, por exemplo o ciclo populista, o ciclo
ditatorial, o ciclo neoliberal e o ciclo de governos progressistas.
42.No ambiente estratégico dos anos 1990, a maioria
dos partidos e organizações de esquerda da América Latina e Caribe foi
convergindo na prática e também no plano das formulações para uma estratégia
que consistia -- malgrado profundas diferenças históricas, sociais, políticas e
ideológicas -- em buscar melhorar a vida do povo através de políticas públicas
que seriam implementadas a partir de espaços legislativos e executivos
conquistados através de processos eleitorais.
43.Tais políticas públicas foram de diferentes
tipos (universais/distributivas ou focalizadas/compensatórias) e implementadas
com diferentes graus de confronto, negociação e aliança com as “elites” locais
e com os “imperialismos”. Em alguns casos, aquelas políticas públicas foram
precedidas ou acompanhadas de processos constituintes, que resultaram em
reformas importantes e foram acompanhadas de uma retórica radicalizada, embora em
nenhum caso tenham implicado em revoluções no sentido clássico deste termo (ou
seja, na expropriação econômica e política da classe dominante). Noutros casos,
aquelas políticas públicas foram implementadas sem processos constituintes, sem
nenhuma tentativa de reforma nas estruturas políticas, sociais e econômicas, no
Estado e na relação entre as forças sociais, além de acompanhadas de uma retórica
explicita e assumidamente “moderada”.
44.Apesar destas múltiplas e importantes
diferenças, havia um núcleo comum, o que permite dizer que estávamos diante de
variantes de uma mesma estratégia. Este núcleo consistia, como já foi dito, na
implementação de políticas públicas a partir de posições conquistadas através
de processos eleitorais. Neste aspecto, esta estratégia e cada uma de suas
variantes eram todas elas profundamente diferentes da estratégia adotada – para
ficarmos só neste exemplo – pelos que dirigiram a Revolução Cubana de 1959. No
caso cubano tivemos a conquista do poder (e não do governo), pela luta armada
(não pela via eleitoral), a partir da qual se introduziram não apenas outras
políticas públicas, mas sim transformações no padrão de desenvolvimento vigente
até então em Cuba, mudanças que incluíram da reforma agrária à transição
socialista.
45.Os diferentes protagonistas da estratégia acima
descrita -- estratégia adotada especialmente entre 1998 e 2016 pela maior parte
da esquerda latino-americana e caribenha -- talvez não estejam de acordo com
esta definição, mas podemos dizer que a estratégia adotada nesta região e
momento constitui uma modalidade atualizada do que ficou conhecido como “via
chilena para o socialismo”, ressalvada pelo menos uma importante diferença: no
Chile o tema do socialismo foi destacado explicitamente e desde o primeiro
momento, tanto pelo presidente Salvador Allende quanto pelos principais
partidos que integravam o governo da Unidade Popular (1970-1973).
46.Como no Chile dos anos 1970, predominou na
classe dominante dos países latino-americanos e caribenhos a política de
enfrentamento contra os governos progressistas e de esquerda. Utilizou-se de
tudo um pouco: oposição política e midiática, sabotagem burocrática e
econômica, ações diplomáticas abertas ou encobertas, mobilização de massa e ações
subversivas clandestinas.
47.Apesar da oposição da maior parte da classe
dominante e de seus representantes políticos, os governos progressistas e de
esquerda obtiveram êxito – maior ou menor em cada caso – no que diz respeito a
melhorar a vida do povo, ampliar as liberdades democráticas, afirmar a
soberania nacional e ampliar a integração regional.
48.Entretanto, a partir de um determinado momento
-- que variou de país para país, mas que em todos os casos ocorreu depois da
crise internacional de 2007-2008--, os governos progressistas e de esquerda
passaram a enfrentar crescentes dificuldades, que resultaram em perda de apoio
popular e no crescimento da oposição de direita, que em alguns casos recorreu
ao golpe (Honduras, Paraguai, Brasil) e noutros obteve vitórias eleitorais
(Argentina, por exemplo).
49.Aonde a direita voltou ao governo, assiste-se não
apenas a um retrocesso social, mas também a um retrocesso econômico e político
cujos limites e consequências ainda não estão totalmente claros.
50.Considerando a cronologia dos eventos, pode ser
dito que até a crise internacional de 2008, os governos progressistas e de
esquerda vinham conseguindo contornar seus limites, contradições
e erros. Mas a partir da crise internacional de 2008, a deterioração dos preços
das commodities, a dependência financeira e comercial, a força dos oligopólios –especialmente
estrangeiros -- e a fraqueza do Estado tornaram cada vez mais difícil a
situação, agravando um conjunto de problemas que já vinham se acumulando
(fadiga de material, limites da estratégia adotada, timidez nas políticas de
integração, políticas macroeconômicas que mantiveram a predominância do setor
agroexportador e o peso do setor financeiro etc).
51.Seja onde foi adotada uma variante mais
“confrontacionista”, seja onde foi adotada uma variante mais “negociadora”, verificou-se
uma deterioração das condições políticas, econômicas e sociais, em parte devido
a opções feitas pelos respectivos governos progressistas e de esquerda, mas
principalmente porque a classe dominante seguiu controlando os meios econômicos
e políticos, assim como dispondo dos apoios internacionais necessários para
reagir e criar a deterioração citada.
52.Que tenham mantido estes instrumentos sob seu
controle não é um acaso, nem uma concessão indevida, é uma consequência da
própria estratégia adotada, que em nenhuma hipótese previa a expropriação
parcial ou total de setores das classes dominantes. Note-se que isto vale
inclusive para os casos em que houve assembleias constituintes e reformas
constitucionais: o fortalecimento dos instrumentos populares e democráticos de
intervenção econômica e política estatal convivia com a presença, maior ou
menor, dos instrumentos de poder político e econômico da classe dominante.
53.A recente eleição nicaraguense demonstrou que não
é inevitável a derrota dos governos progressistas e de esquerda. Porém, a difícil
situação da Venezuela, mais a derrota sofrida no Brasil e na Argentina criaram
um novo cenário estratégico. O fato de vários governos progressistas existirem
e se apoiarem uns aos outros foi uma variável importante para o êxito. A
ofensiva reacionária age no sentido oposto.
54.A esquerda latino-americana e caribenha está
convocada a deter a ofensiva reacionária, reconquistar os espaços perdidos,
alcançar novas vitórias, criar as condições para que a Unasul e a Comunidade de
Estados Latinoamericanos e Caribenhos voltem a ter protagonismo no cenário
internacional, em favor da paz e de outra ordem econômica e política
internacional.
55.A integração da América Latina e do Caribe é variável
fundamental para o êxito da estratégia democrático-popular e socialista no
Brasil.
O papel do
PT e do Foro de São Paulo
56.O Partido dos Trabalhadores tem uma larga
experiência internacional, anterior a nossa chegada à presidência da República.
Possui amigos – e também militantes-- em todos os continentes, que acompanham
com atenção os acontecimentos em nosso país e aguardam informações e
diretrizes.
57.Nosso partido é internacionalista por razões
programáticas e estratégicas. Programaticamente, porque defendemos um mundo
socialista. Estrategicamente, porque as vitórias da classe trabalhadora e das
esquerdas contribuem umas com as outras.
58.Nosso internacionalismo é aberto. Mantemos relações
com partidos, organizações e militantes das mais diferentes orientações políticas
e ideológicas. Mantemos diferentes níveis de cooperação com os que compartilham
as premissas do respeito à autodeterminação dos povos, às liberdades democráticas
e ao bem-estar social. Não somos, nem aceitamos que ninguém seja “partido guia”
ou “modelo” para os demais. Inclusive por isto, ao mesmo tempo que reforçaremos
nossa presença em âmbito mundial, não nos filiamos nem nos filiaremos a nenhuma
organização que alimente esta pretensão.
59.A política internacional do PT prioriza a
América Latina e o Caribe. Ao mesmo tempo, reforçaremos nossos contatos com os
BRICS, com os países africanos e com todos aqueles que são vítimas do
imperialismo. Destacamos a defesa do Estado Palestino, da independência do Sahara
Ocidental e de Porto Rico, o estabelecimento de relações intensas com os povos,
com os movimentos sociais e com os partidos de esquerda do continente africano.
Apoiamos as iniciativas que – a partir dos milhões de latino-americanos
residentes nos EUA – visam construir um partido de esquerda com força social e eleitoral.
E buscaremos contribuir com as forças progressistas, democráticas e de esquerda
do Haiti, apoiando a imediata retirada da Minustah.
60.No âmbito da América Latina e Caribe, sem
prejuízo de um regionalismo aberto, priorizaremos a construção do Foro de São
Paulo, que demonstrou ser um espaço positivo para o diálogo e para a ação comum
de forças de esquerda, nacionalistas, populares, socialistas e comunistas. O
mínimo denominador comum do Foro de São Paulo é a integração regional, o
desenvolvimento soberano, a ampliação do bem-estar social e das liberdades
democráticas dos nossos povos.
61.Num contexto de hegemonia capitalista, crise do
capitalismo, ampliação das contradições intercapitalistas, conflito entre o
bloco liderado pelos EUA contra os BRICS, instabilidade, crise e guerra, a alternativa
está em construir um forte movimento internacional, ancorado nas classes
trabalhadoras e nos setores populares, que consiga não apenas resistir, mas
também conquistar governos, reorientando assim a economia e a politica
mundiais. O PT e o Foro de São Paulo, a América Latina e o Caribe, já
demonstramos poder dar grande contribuição neste sentido.
62.Nos tempos em que vivemos, capitalismo
significa instabilidade, crises e guerras. Nos Estados Unidos e na Europa, as
classes dominantes e seus partidos, assim como importantes setores da esquerda
tradicional, comprometeram-se com políticas neoliberais e/ou capitularam diante
do populismo reacionário. A guerra, sob a forma regional ou mundial, é um risco
crescente. Frente a barbárie capitalista, reafirmamos a escolha feita, em 1980, pelo Partido dos Trabalhadores:
uma sociedade sem exploração nem opressão, o socialismo.
Sem revisão, texto em debate.
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