quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Marta: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa





Me convidaram para uma entrevista, cujo tema era "Marta vice de Boulos".

Declinei.

Quem pode falar melhor sobre isso é, pela ordem: a direção municipal do PT de São Paulo capital, a direção estadual e nacional do Partido, os respectivos Grupos de Trabalho Eleitoral e, claro, Boulos e o PSOL.

Há bons argumentos a favor de Marta como vice, entre os quais se destaca a lembrança positiva acerca de seu governo, quando ela foi prefeita de São Paulo. 

Embora também haja quem diga que esta lembrança era muito mais forte em 2016, ocasião em que Marta foi candidata a prefeita (pelo MDB) e ficou em quarto lugar, com pouco mais de 10% dos votos. 

Mas isso são coisas do tempo em que ela dizia que Fernando Haddad era o “pior prefeito de São Paulo”. 

Enfim, muita água passou debaixo da ponte desde 2019 e, claro, é positivo que Marta vote, apoie e inclusive queira participar de candidaturas de esquerda.

Acontece que, para ser vice de Boulos, Marta precisa estar filiada a algum Partido que apoie a candidatura de Boulos.

Não é o caso do MDB, partido ao qual ela se filiou ao sair do PT, inclusive participando até há pouco do governo Nunes, atual prefeito de São Paulo capital e um dos adversários de Boulos.

Há várias alternativas de partidos aos quais Marta poderia se filiar. Mas, segundo consta, ela prefere voltar para o PT.

Direito dela, compreensível aliás...

Mas para que Marta volte ao PT, não basta o apoio de quem quer que seja, mesmo que esse alguém seja o presidente da República e principal liderança do Partido. 

Segundo o estatuto do PT, cabe uma decisão formal a respeito, decisão que compete à direção do Partido.

Salvo engano, diz o estatuto o seguinte: "A filiação de líderes de reconhecida expressão, detentores de cargos eletivos ou dirigentes de outros partidos deverá ser confirmada pela Comissão Executiva Estadual e, no caso de mandatários ou mandatárias federais, pela Comissão Executiva Nacional". 

"Excepcionalmente, (...), é facultada a filiação perante o Diretório Estadual ou Nacional, que deverá ser aprovada pela maioria absoluta de seus respectivos membros".

Tendo em vista a relevância nacional do caso, defendo que a decisão seja tomada pelo Diretório Nacional, mesmo que sob a forma de recurso.

E defendo que a direção não aceite a filiação. 

O motivo principal é o seguinte: Marta traiu seu eleitorado e seu Partido, ao participar do golpe contra Dilma. 

Detalhes aqui: Marta vota pelo impeachment e fala em governo de "união nacional (jornalggn.com.br)

Outro motivo: o voto de Marta contra os trabalhadores, na reforma trabalhista. 

Detalhes aqui: Reforma Trabalhista Como Votaram os Parlamentares (spbancarios.com.br)

Para além disso, cabe lembrar que ela saiu do PT, em 2015, alegando constrangimento com as acusações de corrupção. 

Detalhes aqui: “Constrangida” por escândalos de corrupção, Marta deixa o PT (terra.com.br)

E, para não dizer que não falei de flores, tem o episódio registrado na foto que ilustra este post.

Lembrando sempre que uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Uma coisa é ser vice de uma chapa apoiada pelo PT ou mesmo ser vice de uma chapa encabeçada pelo PT.

Outra coisa é aceitar no Partido quem fez o que fez. Certas violências não merecem perdão, nem absolvição. Com certeza, não se deve trazer de volta para a casa partidária quem praticou tamanha violência.


ps. sou obrigado a lembrar desses fatos, porque se colocou em discussão a volta dela para o PT. Se a discussão fosse apenas sobre a vice, a discussão teria tomado outro rumo. Afinal, uma coisa é ter alguém como vizinho, outra coisa é dividir a mesma casa.

ps. o excesso de velas põe fogo na igreja. O excesso de pragmatismo pode acabar com a saúde do pragmático.




terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Marta e o PT

Só para registro: existem opiniões diferentes sobre o efeito eleitoral de Marta como vice de Boulos. Seja como for, Marta poderia ser vice de Boulos, sem estar filiada ao PT. Mas, segundo consta, essa seria uma condição estabelecida por ela. Como é óbvio, tambem existem opiniões diferentes sobre Marta voltar ao PT. Defendo que o assunto seja levado a voto no Diretório Nacional do PT e, assim sendo, votarei contra. O motivo principal é: senadora eleita pelo PT, Marta traiu seu eleitorado e seu Partido, votando a favor do golpe contra Dilma. Desconheço que ela tenha feito alguma autocrítica a respeito. E, em qualquer caso, não vejo porque trazer de volta para casa quem praticou tamanha violência. Quem não lembra, leia: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/06/28/politica/1467121513_144398.html?outputType=amp Entendo quem acha que São Paulo vale uma missa. Mas tudo tem limite.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

O PCO, aliado objetivo de Bolsonaro?



De vez em quando o Diário da Causa Operária critica as posições defendidas pelo PT, inclusive as posições defendidas pelas tendências petistas, entre elas a Articulação de Esquerda.

O caso mais recente foi o artigo Tome veneno, você não morrerá! • Diário Causa Operária (causaoperaria.org.br)

Nesse artigo, o DCO critica as opiniões contidas no texto Um ano da intentona fascista de 8 de janeiro | Página 13 (pagina13.org.br)

O artigo começa fazendo um resumo das posições expressas pelo texto acima. Em seguida, o texto reconhece que “a concepção de que o 8 de janeiro foi um ato golpista frustrado é majoritária nas tendências do PT e até na esquerda em geral”. Ato contínuo, o texto do PCO critica os que apresentam “os golpistas de 2016 e 2018” como protetores da democracia. Afinal, segundo o PCO, os golpes de 2016 e 2018 “estabeleceram um regime político golpista” que foi parcialmente derrotado nas eleições de 2022, mas “ainda persiste nas instituições estatais, como Congresso e STF”.

Isto é verdade. Houve mesmo uma mudança (parcial) de regime, que (ainda) não foi revertida. Mas qual é a decorrência que devemos tirar desse fato?

Uma decorrência que o PCO tira, segundo entendemos, é a de tratar tudo como farinha do mesmo saco. Os golpistas de punho de renda e os golpistas de extrema direita seriam igualmente golpistas e, portanto, não se poderia fazer alianças com uns contra outros.

De fato, são todos golpistas. Mas isto não quer dizer que sejam iguais. 

Nem quer dizer que não se possa nunca, por razão de princípios, fazer alianças com uns contra outros. 

Cabe lembrar, aliás, que eles todos fizeram alianças contra nós (entre 2016 e 2018) e depois brigaram entre si, durante o governo Bolsonaro, a ponto do mesmo STF que permitiu a vitória de Bolsonaro e passou o pano em parte de seus crimes, ser tratado por Bolsonaro como inimigo principal.

Que eles brigam entre si, é inegável. O que fazer quando isso acontece? 

Sobre uma situação dessas, o Diário da Causa Operária afirma que “é inconcebível que as manifestações da extrema-direita de 12/12/2022 e 08/01/2023, tivessem condições objetivas ou consenso da burguesa para tomada do poder. Essas manifestações evidentemente foram práticas de desgaste do futuro governo Lula”.

O uso do termo “inconcebível” é engraçado. 

Hoje, um ano depois que a batalha foi travada e ganha, o engenheiro de obra feita chega e diz: esta batalha nunca seria perdida, pois é “inconcebível” que o inimigo pudesse vencer. 

Ainda bem que o companheiro Lula não pensou assim, no dia 8 de janeiro de 2023. Afinal, caso Lula tivesse pensado como o PCO, caso não tivesse feito nada, ou caso tivesse feito a coisa errada (chamar uma GLO), o “inconcebível” poderia ter se tornado realidade e o golpe poderia ter se tornado vitorioso.

 Claro que derrotar o golpe (ou, para ser mais exato, derrotar a intentona, que foi o primeiro estágio do golpe) é diferente de derrotar o golpismo. 

Para derrotar a intentona de 8 de janeiro, bastou a repressão policial. Mas para derrotar o golpismo, não basta a repressão policial. Nem bastam as instituições, onde há forte presença do golpismo.

No dia 8 de janeiro, foi possível a derrota da intentona, entre outros motivos, porque houve uma aliança entre a esquerda (menos o PCO, pelo visto) e parte da direita, inclusive parte dos golpistas de 2016 e 2018. 

Por isso, também, as instituições de Estado não agiram “como um só homem”. Setores da polícia apoiaram a marcha golpista, mas assim que houve a intervenção, setores da polícia reprimiram a intentona. 

O PCO tem certa dificuldade de entender isto e se pergunta: “as polícias estavam com o golpe ou contra ele?” A resposta é: parte estava de um lado, parte estava de outro, parte estava neutra; foi a decisão de intervir que decidiu o jogo contra os golpistas.

Sobre o STF, o PCO pergunta: “O STF, que essencial nos golpes de 2016 e 2018, o ministro Alexandre de Moraes, que no durante as eleições de 2022, supervisionou o andamento do processo e permitiu toda uma ação da PRF em favor de Bolsonaro até o horário próximo do término do pleito, estava de que lado?”

Em nome da verdade dos fatos, nas eleições de 2022 o ministro Alexandre Moraes não operou a favor de Bolsonaro. E ele era, tanto quanto a esquerda, um dos alvos principais da intentona de 2023. Isso não torna o Xandão um herói das massas, não o converte em alguém de esquerda, não o faz ser confiável nem perdoa suas atitudes nos golpes anteriores.

Aliás, abre colchetes: no fundo, no fundo, a lógica do PCO parece muito a lógica de alguns setores moderados da esquerda: ou se é 100% amigo, ou se é 100% inimigo. No lugar deste maniqueísmo, preferimos reconhecer que o lado de lá, embora tenha unidade estratégica, tem divisões táticas. Fecha colchetes.

A seguir, o artigo do jornal do PCO afirma o seguinte: “Temos que reformular a afirmação final da nota, apenas a mobilização popular independente classe, da burguesia e imperialismo, pode derrotar o golpismo”. 

Que o PCO é uma tendência externa do PT, é fato conhecido; mas não sabíamos que este fato os havia feito chegar ao ponto de achar que podem “reformular a afirmação final da nota”... dos outros.

Brincadeiras a parte, o fato é: golpe é uma coisa, golpismo é outra. Cada golpe tem sua história, suas motivações, sua dinâmica. A intentona de 2023 fazia parte de uma tentativa de golpe. Foi derrotada. 

A derrota da intentona não derrotou os que a intentaram, nem eliminou a influência do golpismo na classe dominante brasileira. Derrotar um golpe é possível de várias formas, inclusive com a participação de setores da classe dominante. Derrotar o golpismo só é possível derrotando a classe dominante, que na sua maioria é antidemocrática.

Mas daí não deduzimos a tese segundo a qual, enquanto não derrotamos "o golpismo", não devemos fazer nada contra os golpes concretos, não devemos defender as liberdades democráticas, não devemos defender as garantias etc. Esta postura maximalista não tem nada, absolutamente nada que ver com o marxismo.

O DCO considera que até agora “nenhum golpista real foi punido”. Isso é parcialmente verdadeiro. Certamente estamos de acordo, como dissemos na nota da AE, que é preciso punir os financiadores, os beneficiários, os fardados etc. Entretanto, o PCO não para por aí e, como antes, a partir de uma premissa parcialmente correta, chega a uma conclusão estapafúrdia.

A conclusão é: “Enquanto o regime se conserva como tal, os golpistas não serão punidos, apenas esses pobres coitados serão sacrificados para retirada de direitos democráticos da população com o apoio conveniente da esquerda pequeno-burguesa”. Traduzindo: ou tudo, ou nada. Enquanto não derrotamos "o regime", nada pode ser feito. 

Até aí, estaríamos diante de um esquerdismo normal. Mas o PCO não é adepto de um esquerdismo normal. Isto porque, ao mesmo tempo em que defende os “pobres coitados”, o PCO também passa o pano em Bolsonaro.

O raciocínio começa assim: a “maioria das polícias, das forças armadas, do judiciário, do Congresso, estão com a direita e extrema-direita”, “quase totalidade agentes dos poderes estatais estão envolvidos nos golpes”; logo os únicos que serão presos serão os pequenos, os grandes vão escapar.

Até aí, parece aquela conclusão do tiozão do zap, para quem nada nunca muda, politica é tudo igual etc. Mas o corolário desse raciocínio do PCO é defender Bolsonaro.

No texto citado isso não aparece. Mas noutros textos e lives, esta defesa é explícita.

Vide a manchete: “A perseguição a Bolsonaro e o PL da Globo. Setores da esquerda apoiam perseguição política contra Bolsonaro e fortalecimento do aparato repressivo, ao mesmo tempo em que se aliam à Rede Globo e outras instituições golpistas”.

Esta manchete está aqui: A perseguição a Bolsonaro e o PL da Globo • Diário Causa Operária (causaoperaria.org.br)

Não admira que o PCO seja citado positivamente por integrantes da famiglia. Por exemplo:

VÍDEO: Bolsonaro cita Rui Costa Pimenta, do PCO, para se defender da inelegibilidade | Revista Fórum (revistaforum.com.br)

Por fim, uma observação sobre o ato do dia 8.

O texto da AE diz o seguinte: “Felizmente, apesar de não haver convocatória oficial da parte do Diretório Nacional do PT, diversos movimentos sociais, entidades e organizações – como as Frentes e a Central Única dos Trabalhadores, além de diretórios do PT e de outros partidos em todo o país – estão convocando atividades para marcar o dia 8 de janeiro de 2024. Destaca-se, como é óbvio, a atividade convocada pelo governo federal, que apesar de sua natureza ampla e institucional, está sendo atacada de maneira furiosa pela extrema-direita. Isto demonstra que – embora várias das atividades previstas para o dia 8/1 estejam sendo convocadas em nome da “unidade nacional em defesa da democracia” – muito ainda deve ser feito para que o golpismo seja efetivamente derrotado.

Com base nesse e noutros trechos, o DCO diz o seguinte: “Para a AE, as manifestações convocadas pelo PT e parte da esquerda para o dia 8 de janeiro de 2024, são uma “unidade nacional em defesa da democracia”. E prossegue assim: “Objetivamente, a comemoração da “derrota da intentona golpista” da AE, acaba sendo a comemoração da perseguição e prisão de pobres. (...) Dessa forma, fica evidente que o ato “Democracia Inabalada” serve apenas para fortalecer a política persecutória do Estado burguês. Em outras palavras, essa parte da esquerda que convoca essa ato, esta dizendo a população para tomar um veneno conhecido (conviver lado a lado com golpistas), alegando que não haverá danos.”

O texto é confuso e carrega a mão, mas além disso contém duas barbaridades. 

Simplesmente não é verdade que, "objetivamente, a comemoração da 'derrota da intentona golpista' da AE, acaba sendo a comemoração da perseguição e prisão de pobres.

E tampouco é correto dizer que "o ato “Democracia Inabalada” serve apenas para fortalecer a política persecutória do Estado burguês".

Sei que tem gente que não gosta de mediações, mas os raciocínios acima exageram um pouco, digamos assim. 

Não vejo como apresentar os atos da esquerda, em comemoração à derrota da Intentona fascista, como comemoração da perseguição e prisão de pobres. 

E embora ache que a democracia brasileira precisa ser "abalada" em favor do povo, embora ache que um ato de frente amplíssima esteja longe de ser o necessário, não consigo enxergar como se pode dizer que ele sirva "apenas para fortalecer a política persecutória do Estado burguês".

Por último: as posições do PCO o convertem, na prática, em aliado objetivo de Bolsonaro. 

Agindo assim, o PCO rapidamente ocupará o lugar do PSTU, como "a esquerda que a direita gosta". 

Ao gosto da direita, mas também ao gosto dos setores moderados da esquerda, pois posições estapafúrdias desse tipo são um prato cheio para quem pretende desqualificar as posições da esquerda. Felizmente, o episódio da defumação de Borba Gato serve como antídoto.

Para quem não lembra, tá aqui: Valter Pomar: Rui Pimenta e Borba Gato


Afinidades eletivas entre Aldo Rebelo, o PCO e o general Mourão

Comecemos com Mourão.

No dia 7 de janeiro de 2024, por volta das 22h, a Rádio Jovem Pan levou ao ar uma entrevista com o general Hamilton Mourão.

A entrevista não era nova, foi feita em 16 de outubro do ano passado. Mas o conteúdo segue atualíssimo, pois na entrevista o general-senador apresentava seu ponto de vista sobre o que ocorrera no dia 8 de janeiro de 2023.

A entrevista completa está aqui: https://www.bing.com/videos/riverview/relatedvideo?q=mour%c3%a3o+youtube+jovem+pan+outubro+2023&mid=0436ECEBCEAE56603D940436ECEBCEAE56603D94&FORM=VIRE

Vale a pena ver, especificamente, o trecho que começa aos 28 minutos e 40 segundos.

Lá Mourão diz frases mais ou menos assim: referindo-se ao caminhão que iria explodir o aeroporto de Brasília, afirma que “nossos terroristas são tabajaras, deviam pedir instrução para a turma do Hamas, seria mais eficiente”.

Sobre as manifestações, diz que ocorreram “na hora e local errado”; o certo teria sido fazer “quando o STF pegou e lavou” Lula, seria “aquela a hora de fazer”. Para ele, o 8 de janeiro “foi uma manifestação que começa pacífica e termina numa baderna”.

O corolário é quando Mourão pergunta, retoricamente, que tentativa de golpe de Estado seria essa, “sem bala e sem defunto, sem força armada? Isso não existe, não morreu ninguém”.

Abre colchetes: não morreu ninguém, porque deu errado. E deu errado, entre outros motivos porque o presidente não caiu na armadilha de convocar uma GLO. Nesse caso teria “força armada”, “bala” e “defunto”. Fecha colchetes.

A linha de Mourão, em toda a entrevista, mais especificamente neste trecho, é desvalorizar o ocorrido no dia 8 de janeiro. Não teria sido uma intentona que pretendia desdobrar em golpe, mas apenas uma manifestação que desdobrou em baderna.

Noutro momento da entrevista, Mourão desanca o STF. Sobre isso voltaremos a falar logo mais.

Passemos ao Aldo Rebelo.

No dia 8 de janeiro, Aldo Rebelo deu uma entrevista ao Poder 360.

Aldo Rebelo foi candidato a vice-presidente na chapa encabeçada por Ciro Gomes, faz parte da rede instituída em torno do General Villas Boas e foi durante muito tempo – não sei se continua – alguém muito estimado pelo Ricardo Cappelli, que no momento está respondendo pelo Ministério da Justiça.

A íntegra da entrevista está aqui: Golpe é “fantasia” para legitimar polarização, diz Aldo Rebelo (poder360.com.br)

Nessa entrevista, Aldo diz o seguinte: “É óbvio que aquela baderna foi um ato irresponsável e precisa de punição exemplar para os envolvidos. Mas atribuir uma tentativa de golpe a aquele bando de baderneiros é uma desmoralização da instituição do golpe de Estado”.

Não sei se foi uma falha de edição ou um ato falho do entrevistado, mas é impagável ler esta preocupação em não desmoralizar a instituição do golpe de Estado. Ou seja: golpe de Estado seria algo mais nobre do que a “baderna” de 8 de janeiro.

Nessa mesma entrevista, Aldo também critica o STF, lembrando o papel do Supremo na destituição de Dilma, ato que ele denomina de “erro histórico”. Segundo Aldo, “atribuir ao STF a responsabilidade de protetor da democracia é dar à Corte uma função que ela não tem nem de forma institucional, nem política”.

Abre colchetes: Mourão, na entrevista já citada, reclama que o estado de Direito foi rasgado no país, entre outros motivos porque – sempre segundo Mourão – no julgamento dos envolvidos no dia 8 de janeiro se teria eliminado o devido processo legal, inclusive as três instâncias e o princípio do juiz natural. Fecha colchetes.

Vejamos agora o PCO

Segundo o Brasil 247, em notícia publicada dia 5 de janeiro de 2024, o presidente do PCO, Rui Costa Pimenta, teria dito o seguinte: "A meu ver, não houve tentativa de golpe de estado".

E num artigo de 6 de janeiro, o Diário da Causa Operária afirma que o ato “contra o golpe de Estado” - organizado em Brasília por iniciativa do Presidente Lula - “se parece muito como um preparo de golpe de Estado”.

Segundo o mesmo artigo, “a falsa campanha contra o bolsonarismo, dirigida pelo STF, e levada a cabo por todo esse bloco da direita tradicional, tem como um de seus principais objetivos o aumento da repressão, principalmente da censura”.

E um dos pretextos desta campanha seriam os “manifestantes que protestaram na Praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2022”.

Quem quiser conferir, pode ler neste texto de 6 de janeiro: https://causaoperaria.org.br/2024/8-de-janeiro-de-2024-vem-ai-um-golpe-de-estado-de-verdade/

Muita coisa poderia e deveria ser dita sobre as opiniões dos três personagens citados acima – Rui, Aldo e Mourão – mas vou me focar numa só: os três minimizam o que ocorreu no dia 8 de janeiro.

Na opinião deles, teria sido apenas manifestação, protesto, baderna.

Dizer o contrário, afirmar que teria ocorrido uma tentativa de golpe, seria manter o “olho no retrovisor”, uma fantasia para “legitimar a polarização” ou para “aumentar a repressão”.

Tentativas fracassadas são mesmo difíceis de classificar. Se tivesse dado certo, ninguém teria dúvida.

Tentativas interrompidas também são difíceis de classificar. Se tivesse durado mais tempo, não haveria motivo para dúvida.

Mas como foi interrompido no início, sempre há espaço para uma discussão séria sobre como classificar o ocorrido. Exemplo de discussão séria pode ser lida aqui: Militares atuaram e se omitiram em 8 janeiro, diz historiador (apublica.org)

Entretanto, não é por nenhum motivo aceitável que os cavernícolas negam que a intentona de 8 de janeiro de 2023 fazia parte de uma operação golpista. Vale dizer que os motivos cavernícolas são da mesma natureza que os motivos dos tucanos, quando negam que o impeachment contra Dilma foi um golpe.

A questão é, no fundo, bem simples: assumir que foi golpe é reconhecer que praticou um crime. E, por tabela, criminosos são os que não fizeram nada, os que foram cúmplices, os que estimularam.

Que Mourão faça isso, óbvio.

Que Aldo faça isso, também óbvio, tendo em vista o giro ideológico que ele vem fazendo desde que encontrou José Bonifácio no alto da goiabeira.

Mas que o PCO faça isto, não é tão óbvio, ao menos para quem ainda se ilude com as credenciais da referida organização.

Sobre isso, falaremos noutro texto, onde comentaremos o artigo abaixo: Tome veneno, você não morrerá! • Diário Causa Operária (causaoperaria.org.br)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sábado, 6 de janeiro de 2024

Um ano da intentona fascista de 8 de janeiro

No dia 8 de janeiro de 2023, milhares de pessoas atacaram os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, todos situados na Praça dos Três Poderes, em Brasília (Distrito Federal).

Tais pessoas, em sua grande maioria, vieram marchando – sob proteção da polícia do Distrito Federal – desde um acampamento situado defronte ao quartel-general do Exército, também em Brasília. Ali estavam reunidas, há várias semanas.

Acampamentos similares existiam por todo o país, com a cobertura de parte da mídia, com financiamento de parte do empresariado, com o apoio de parte das forças armadas e de segurança, com o estímulo e direção da extrema-direita, encabeçada pelo Cavernícola número 1.

O 8 de janeiro foi uma versão ampliada do ocorrido no dia 12 de dezembro de 2022, dia da diplomação de Lula, quando criminosos atacaram prédios públicos, incendiaram carros e protestaram.

O dia 12 de dezembro foi um ensaio. O plano do dia 8 de janeiro era levar o presidente Lula a decretar uma operação de Garantia de Lei e Ordem, dando na prática às Forças Armadas a cobertura legal para realizar um golpe.

A operação não teve êxito, antes de mais nada porque o presidente Lula não caiu na armadilha, interveio na segurança pública do Distrito Federal e reprimiu os golpistas com a polícia – como se deve fazer, pois Forças Armadas não são para intervir na política interna do país, nem para cuidar da segurança pública.

Um ano depois daquele 8 de janeiro, muita água passou por debaixo da ponte. E desde então até hoje, segue existindo muito debate sobre o ocorrido e muita disputa sobre o que fazer para que não se repita.

Na nossa opinião, há três questões essenciais: subordinar as forças armadas ao poder civil; punir todos os golpistas, a começar pelo cavernícola-em-chefe, pelos comandantes militares e empresários financiadores; e tomar medidas que façam com que a maioria organizada do povo seja a nossa principal linha de defesa das liberdades democráticas.

Mobilizar o povo, para comemorar a derrota da intentona golpista, foi um dos motivos pelos quais a tendência petista Articulação de Esquerda defendeu que o Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores – reunido no dia 8 de dezembro de 2023 - convocasse, para o dia 8 de janeiro de 2024, um conjunto de atividades para marcar 1 ano da fracassada tentativa golpista. Infelizmente, a resolução do DN, divulgada no dia 12 de dezembro, não incluiu esta convocatória.

E não incluiu por motivos que cabe, aos que foram contrários, explicar. Lembrando que todos sabíamos, em dezembro de 2023, que o presidente da República estava decidido a realizar no dia 8 de janeiro de 2024 uma cerimônia oficial em defesa da democracia.

Felizmente, apesar de não haver convocatória oficial da parte do Diretório Nacional do PT, diversos movimentos sociais, entidades e organizações – como as Frentes e a Central Única dos Trabalhadores, além de diretórios do PT e de outros partidos em todo o país – estão convocando atividades para marcar o dia 8 de janeiro de 2024.

Destaca-se, como é óbvio, a atividade convocada pelo governo federal, que apesar de sua natureza ampla e institucional, está sendo atacada de maneira furiosa pela extrema-direita. 

Isto demonstra que - embora várias das atividades previstas para o dia 8/1 estejam sendo convocadas em nome da “unidade nacional em defesa da democracia” – muito ainda deve ser feito para que o golpismo seja efetivamente derrotado.

Entre o que resta por fazer, reiteramos a necessidade da imediata demissão do ministro da Defesa. Como atestam as recentes declarações do próprio presidente da República, declarações amplamente divulgadas pela grande imprensa, o atual ministro é, na melhor das hipóteses,  um incapaz; e na pior das hipóteses, um cúmplice ativo do golpismo. Um novo ministro da Defesa é peça essencial para alcançarmos a indispensável subordinação das Forças Armadas ao poder civil.

Reiteramos, também, a necessidade de punir todos os envolvidos na intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, a começar pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, pelos comandantes militares que protegeram os acampamentos golpistas, aos empresários que financiaram a mobilização criminosa, a todos que dela participaram, diretamente ou indiretamente.

Reiteramos, igualmente, a necessidade de combater a influência do golpismo junto a setores populares, através de políticas de desenvolvimento com bem-estar social. Só derrotando o neoliberalismo, derrotaremos a extrema-direita.

Por fim, mas não menos importante: a defesa das liberdades democráticas não pode ficar dependente das chamadas instituições. Só o povo, consciente, organizado e mobilizado, pode derrotar o golpismo.

Por isso, conclamamos à mais ampla participação nas atividades do dia 8 de janeiro de 2024!

Golpismo nunca mais!


A executiva nacional da tendência petista Articulação de Esquerda

6 de janeiro de 2024 

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

Haddad, parla algo...

Recomendo ler e estudar com atenção a íntegra da entrevista dada pelo companheiro Fernando Haddad ao jornal O Globo, publicada no dia 2 de janeiro de 2024.

Eu já havia lido uma parte, aquela em que Haddad fala acerca do que ele chama de day after. Agora, li a íntegra da entrevista. E, de conjunto, a entrevista me lembrou uma história que Marilena Chauí me contou, acerca de Massimo D´Alema. Mas isso deixo para o final.

A entrevista começa com o jornalista lembrando as prioridades do Ministério da Fazenda em 2023 – “reforma tribuária e novo marco fiscal” – e perguntando quais seriam as prioridades em 2024.

Hadadd diz serem muitas medidas em andamento: “regulamentar a reforma”, “cumprir o arcabouço”, “diminuir a volatibilidade do dólar”, “mercado de seguros”, “marco das garantias” etc.

O jornalista pergunta se a reforma do Imposto de Renda também está na agenda. 

Lembrado deste detalhe, Haddad responde que “está”. Defende tributar mais a renda, diminuir o peso da tributação sobre o consumo, mantendo um “efeito neutro sobre a carga tributária total”. E, claro, “tudo com transição, para que não seja de um ano para o outro, seja diluído no tempo”.

O jornalista insiste: “a ideia é tributar quem ganha mais com uma nova faixa de cobrança do Imposto de Renda?”

Haddad responde que “não chegamos nesse ponto da formulação, acabamos de aprovar a reforma do consumo”. E agrega uma explicação genial, vinda de quem acabara de criticar o status quo (ou seja, a sobrecarga sobre o consumo, que afeta os mais pobres). 

Reproduzo a explicação: “O desafio de aprovar em 2024 a reforma do IR é que, como temos eleições municipais, há um problema de janela, que vai ter que ser avaliado pela política. A regulamentação do consumo pecisa ser votada primeiro, até porque em 2026 ela já entra em vigor”.

A pergunta que não quer calar é: porque mesmo aceitamos fatiar a reforma, fazendo primeiro a parte que a elite aceitava e deixando para depois a parte que a elite refuga e buscará evitar? A resposta é óbvia. Sendo assim, por qual motivo a surpresa? 

O jornalista diz que a equipe econômica tem sido criticada por focar em “medidas de arrecadação, sem cortes de despesa”. A resposta de Haddad confirma estarem certas as críticas que setores do PT fazem ao arcabouço fiscal: “Como a despesa vai crescer sempre 30% abaixo da receita, a tendência do gasto é cair como proporção ao PIB”.

Ou seja: num momento histórico em que o país necessita de mais investimento público, Haddad reafirma que vamos reduzir “o gasto” como “proporção do PIB”.

Na sequência, o jornalista afirma que “o bloqueio máximo de R$ bilhões no Orçamento deste ano foi criticado até por aliados”. Sobre isto, a resposta de Haddad é inacreditável.

Aqui faço um reparo, que vale para o que foi dito e para o que ainda será dito: meus comentários são com base na entrevista publicada, portanto com base nas respostas editadas pelo O Globo. Talvez Haddad não tenha disto exatamente o que segue. Mas enquanto não vem o desmentido, vejamos o que foi publicado: “Essa crítica não é a opinião da AGU, não é a opinião da PGFN, não é a opinião do Congresso. Então, não é a opinião de ninguém”.H

Tudo bem dizer que não é a opinião da maioria, tudo bem dizer que os críticos não estão adequadamente posicionados na fila do pão, tudo bem dizer que estão errados. Mas dizer que as críticas ao contingenciamento são de “ninguém” é, simplesmente, barra pesada. Definitivamente, ou bem a edição do Globo pesou a mão, ou bem a Fazenda mexe com a cabeça das pessoas.

O jornalista, talvez por ter ouvido falar acerca das declarações de Lula a respeito do déficit zero, pergunta “qual foi o argumento para convencer o presidente a não mexer na meta fiscal”.  Haddad respondeu o seguinte: “Disse que iria tomar providências em relação a isso”. E para quem não tenha entendido, meu caso, ele lembra que “cartela de antibiótico é de oito em oito horas. Você não toma a cartela inteira para se curar”.

Antibióticos à parte, o problema posto é o seguinte: mantida a meta fiscal, ou bem temos um imenso crescimento da arrecadação, ou bem vamos ter um grande contingenciamento. Ou bem vamos cortar na carne.

A julgar pela resposta dada a seguir, Haddad está pensando também nessa terceira via. 

Perguntado sobre a reforma administrativa de Arthur Lira, Haddad responde que “quando fui candidato a presidente, defendi a reforma”. Acrescenta que o Ministério da Gestão está “elaborando um projeto”. E defende mudar “a natureza dos concursos públicos, o estágio probatório e as regras de progressão na carreira”.

Haddad deixa claro que não concorda com a PEC 32. Mas vale para esta situação o mesmo que valia para a reforma tributária. Alguém acha que este congresso encabeçado por Lira vai aprovar uma reforma administrativa pró-povo? Alguém acha que Lira vai cortar privilégios para ampliar direitos?

Isto posto, a decisão de não mexer na meta fiscal vai colocar o governo na defensiva, neste debate sobre a reforma administrativa.

O jornalista pergunta então sobre a meta de inflação. A resposta de Haddad é que “poderíamos mesmo estar com a taxa Selic “um pouco abaixo da atual”.

Talvez animado com tamanha condescendência de Haddad para com os juros ensandecidos de Bob Fields Neto, o jornalista pergunta: “os diretores que o senhor indicou ao BC tem votado como o presidente Roberto Campos Neto. As críticas a ele foram exageradas?” 

Haddad faz um histórico e conclui dizendo que “a relação institucional da Fazenda com o BC nunca teve problemas. E a do Planalto passou a não ter”.

Não sei se é esta a opinião do presidente Lula. Mas seria terrível se fosse, pois convenhamos: a taxa de juros segue sendo um imenso problema e Bob Fields Neto é um inimigo declarado do nosso programa. Dizer que não temos problemas equivale a compartilhar, em alguma medida, a responsabilidade pelas decisões do presidente do Banco Central.

Mas Haddad parece estar na fase “paz e amor” (com o BC), como se vê pelas mudanças tópicas que ele propõe para um problema nada tópico: o mandato do presidente do Banco Central.

Em seguida vem uma questão acerca da arrecadação e, na sequência, vem a parte da entrevista cujo comentário está disponível no link abaixo.

Valter Pomar: Haddad e o “day after”

Isto posto, posso falar da história contada pela Marilena Chauí. 

Foi numa atividade onde estavam Massimo D’Alema e Zapatero. Numa roda ao final, critiquei a fala de D'Alema. Marilena então contou que, na época em que o Partido Comunista da Itália – cantado em verso e prosa como “o maior partido comunista do Ocidente” - caminhava para o suicídio, D’Alema foi numa reunião com militantes de base. Insatisfeito com o discurso de D’Alema, um dos militantes lhe teria dito algo mais ou menos assim: “D’Alema, parla algo de sinistra!” (ver ps ao final)

Pois bem, ao terminar de ler a entrevista com nosso companheiro ministro da Fazenda, fico com vontade de dizer: Haddad, parla algo sobre desenvolvimento.

Mas como falar de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, defender um calabouço fiscal onde “a despesa vai crescer sempre 30% abaixo da receita”? Como ter desenvolvimento, se “a tendência do gasto [público] é cair como proporção ao PIB”?

Enfim, depois de ter lido a primeira parte da entrevista, cheguei à conclusão de que – como disse o companheiro ministro na segunda parte da sua entrevista ao Globo - nosso problema é mesmo o day after.

Não o day after citado por Haddad.

E sim o day after do calabouço fiscal.

 

 ps.um amigo italiano me informa que a história real seria um pouco diferente do peixe que vendi. Segundo este meu amigo, a frase seria "Dì qualcosa di sinistra....". Essa frase teria aparecido numa película chamada Aprile, de Nanni Moretti. Que, segundo entendi, teria sido o autor da frase, não um militante numa reunião.

 

 

 

 

 

terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Haddad e o “day after”

Ao menos no meu meio, está tendo muita repercussão a entrevista concedida pelo companheiro Fernando Haddad ao jornal O Globo.

Tanta repercussão, que não me restou opção senão ler a dita cuja. Como não sou assinante, nem pude comprar a versão impressa, pedi a uma companheira que me enviasse a versão digital que está disponível. É com base nesta versão (reproduzida ao final) que farei os comentários a seguir.

Segundo Haddad, existiria “consenso dentro do PT e da base aliada” sobre a candidatura Lula presidente em 2026. Embora “consenso” seja uma palavra que dá azar, é verdade que dentro do PT ninguém defenderá outra candidatura. Mas dentro da base aliada, já não tenho tanta certeza. Afinal, se a situação econômica, social e política em 2026 estiver igual ou pior do que a foi em 2022, é possível que alguns “aliados” pulem fora do barco.

Como a pauta do Globo parece ser a de cravar Haddad como "sucessor" de Lula, o jornalista insistiu: “Mas em algum momento o presidente precisará de um sucessor”.

Não sei exatamente o que Haddad respondeu, afinal o que estamos lendo é algo editado pelo Globo. Mas a resposta publicada foi a seguinte: “O Lula foi três vezes presidente. Provavelmente, será uma quarta. Ao mesmo tempo que é um trunfo ter uma figura política dessa estatura por 50 anos à disposição do PT, também é um desafio muito grande pensar o day after. Eu não participo das reuniões internas sobre isso. Mas, excluído 2026, o fato é que a questão vai se colocar. E penso que deveria haver uma certa preocupação com isso. Porque a natureza da liderança do Lula é diferente da de outros fenômenos eleitorais. O bolsonarismo tem uma dinâmica muito diferente”.

A resposta editada tem vários problemas. O que mais me surpreendeu foi, digamos, a inusitada falta de etiqueta. Entretanto, o problema mais grave é reduzir Lula a um “fenômeno eleitoral”, embora “diferente”.

Lula não é um fenômeno “eleitoral”, muito antes pelo contrário. Ele é a principal expressão de um fenômeno político-social: a fortaleza da esquerda brasileira, desde os anos 1970 até hoje.

Graças a esta fortaleza, uma candidatura petista venceu 5 das 9 eleições presidenciais realizadas desde 1989. E uma candidatura petista ficou segundo lugar nas 4 eleições presidenciais que perdemos.

Graças a esta fortaleza, depois de eleger e reeleger Lula, elegemos por duas vezes Dilma presidenta da República. Sem falar que levamos Haddad ao segundo turno, nas condições dificílimas de 2018. E vencemos de novo em 2022.

Como Lula não é um fenômeno “eleitoral”, a chamada “questão sucessória” precisa ser posta, penso eu, em outros termos: o de como fortalecer, do ponto de vista ideológico e organizativo, a classe trabalhadora, as esquerdas, o Partido dos Trabalhadores. Fortalecimento que, obviamente, está diretamente vinculado ao desempenho global do governo federal.

Se tivermos êxito neste fortalecimento, como tivemos em 2010 por exemplo, a denominada “questão sucessória” não será um problema.

Mas se aceitarmos a interpretação que reduz Lula a um “fenômeno eleitoral”, aí entraremos num labirinto sem saída. Entre outros motivos porque, no limite, Lula só tem e só terá um.

Talvez percebendo que Haddad deixou o flanco descoberto, o jornalista do Globo insistiu: “O senhor pensa na possibilidade de um dia ser sucessor do presidente Lula?”

Haddad respondeu que não pensa nisso. E contou ao Globo a versão dele acerca da sua própria escolha como vice, em 2018. Certamente Haddad tem muito mais propriedade para falar daquele momento; quanto a mim, do pouco que presenciei, tenho uma lembrança um pouco diferente.

Lembro, por exemplo, de uma reunião em que foi lida uma carta de Lula. Nesta carta, Lula apontava três nomes em que pensou, para ocupar sua vice: Gleisi Hoffmann, Jaques Wagner e Fernando Haddad.

Salvo engano da minha parte, Lula dizia que ele preferia que Gleisi ficasse na presidência do Partido e, também, informava que Jaques não aceitava ser candidato a vice-presidente da República.

Fica para outra hora contar o que foi dito -ou melhor, o que me lembro ter sido dito - naquela reunião, em que todas as pessoas participantes opinaram acerca do nome sugerido.

Voltemos à entrevista.

O jornalista do Globo, talvez não inteiramente convencido da resposta de Haddad (“não penso nisso”), provocou: O PT aprovou recentemente um documento que fala de ‘austericídio’ (suicídio econômico por políticas de cortes de gastos), de uma corrente encampada pela presidente Gleisi Hoffmann. Quem faz mais oposição hoje ao senhor, o PT ou o ministro da Casa Civil, Rui Costa?

Novamente, não sei qual foi a resposta realmente dada por Haddad. Mas a resposta publicada é questionável, tanto do ponto de vista político, quanto do ponto de vista da etiqueta.

Convenhamos, do mesmo jeito que disse “eu não penso”, Haddad poderia ter dito algo simpático, pelo menos acerca do PT.

Ao contrário disso, Haddad caiu na provocação e (sempre segundo a versão editada) teria dado a seguinte resposta: “Olha, é curioso ver os cards que estão sendo divulgados pelos meus críticos sobre a economia, agora por ocasião do Natal. O meu nome não aparece. O que aparece é assim: “A inflação caiu, o emprego subiu. Viva Lula!” E o Haddad é um austericida. Então, ou está tudo errado ou está tudo certo. Tem uma questão que precisa ser resolvida, que não sou eu que preciso resolver. Não dá para celebrar Bolsa, juros, câmbio, emprego, risco-país, PIB que passou o Canadá, essas coisas todas, e simultaneamente ter a resolução que fala “está tudo errado, tem que mudar tudo”.

Imagino que Haddad não deva ter tempo para ficar, pessoalmente, fiscalizando os cards natalinos divulgados pelos seus “críticos”. Mas não é preciso ser “crítico” para escrever “Viva Lula” e não citar o nome de Haddad. Se alguém tinha a expectativa de que houvesse uma torrente de cards assim, então este alguém “tem uma questão que precisa ser resolvida”. A não ser, claro, que alguém esteja defendendo Haddad como candidato em 2026...

Mas o problema acima é um detalhe. O mais grave mesmo é o seguinte raciocínio: “ou está tudo errado, ou está tudo certo”. Quero crer que Haddad não falou algo tão maniqueísta. Pois é óbvio que não está “tudo certo”, nem tampouco está “tudo errado”, nem na economia. 

Este é o sentido, aliás, da resolução aprovada pelo Diretório Nacional do PT, na sua reunião de 8 de dezembro: uma análise que buscou ser equilibrada e que, se merece críticas é por ter sido demasiado generosa, do meu ponto de vista. 

Mais a respeito da resolução pode ser lido aqui:  Valter Pomar: Saiu no dia 11 a resolução do dia 8

Ou pode ser ouvido aqui: Episódio 356: Análise da resolução do DN e o final do ano de 2023 - Em tempos de guerra, a esperança é vermelha | Podcast on Spotify

Obviamente, quem pensa de forma maniqueísta, atua na base do “pegar ou largar”. Atitude que me lembra um debate ocorrido na época em que Palocci era ministro da Fazenda e o companheiro Mercadante teve a ingrata tarefa de defender a política econômica de então, numa reunião do Diretório Nacional do PT. 

Durante o debate, um cidadão questionou Mercadante mais ou menos assim: “ok, entendi a lógica da taxa de juros ser alta, mas precisa ser tão alta? Precisa ser exatamente esta? Não podia ser alguns pontos menor?”

Tantos anos se passaram e fico com vontade de fazer pergunta semelhante para o companheiro Haddad: precisa ser déficit zero?

O repórter do Globo insistiu: “Mas isso atrapalha de alguma forma?”

A resposta de Haddad, se é que foi essa mesma, merece ser emoldurada. Aqui vai: “Eu fui criticado no MEC, mas virei o melhor ministro da Educação da história do país, depois que deixei o MEC. Melhor prefeito da história de São Paulo, depois que deixei a prefeitura. Tomara que aconteça a mesma coisa agora (como ministro da Fazenda)”.

Não sabia da existência desse ranking. Seja como for, eu também espero que Haddad seja o melhor ministro da Fazenda da história republicana, desde 1889. Mas de nada adianta ganhar o troféu da história e perder as próximas eleições. E o ponto é: o Novo Arcabouço Fiscal, em particular o déficit zero, não contribuem nesse sentido. 

Além disso, ambos – NAF e déficit zero – seguem prisioneiros de uma lógica que não contribui no desencadeamento de um ciclo de desenvolvimento compatível com as necessidades da maioria do povo brasileiro e com as urgências da época em que vivemos.

Depois a entrevista trata das relações de Haddad com Rui Costa, com o companheiro Padilha, com Arthur Lira e com Rodrigo Pacheco. Pulo esta parte da entrevista.

A parte final da entrevista trata da Argentina. Como já disse e volto a repetir, não sei se a entrevista publicada distorceu algo que Haddad disse. Espero que sim, afinal não vejo por qual motivo ter “dúvidas” sobre a “eficácia” de “um pacote ultraortodoxo para a situação que a Argentina enfrenta hoje”, “se o povo vai aguentar e se vai produzir os resultados almejados”.

Talvez a cautela se deva à diplomacia. Mas a situação argentina é dramática. E o trágico é que os erros do peronismo contribuíram, e muito, para a vitória dos austericidas. Como errar faz parte, recomenda-se pelo menos não tentar interditar o debate. 

(sem revisão)


ps das 23h15. acabam de me enviar a entrevista na íntegra, aparentemente tem o dobro do tamanho do texto abaixo. Havendo tempo e motivo, comentarei depois.






 

SEGUE A ENTREVISTA, OU MELHOR, A VERSÃO PARCIAL A QUE TIVE ACESSO

 

PT não pode celebrar resultado e achar tudo errado, diz Haddad

Ministro afirma que partido tem que começar a pensar em sucessor de Lula: 'Excluído 2026, o fato é que a questão vai se colocar'

Aprovação de reformas, boa relação com lideranças do Congresso e números da economia acima do esperado. O desempenho de Fernando Haddad à frente do Ministério da Fazenda o coloca como possível sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na visão de economistas, parlamentares e cientistas políticos.

Indagado sobre o tema em entrevista exclusiva ao GLOBO, Haddad diz que o nome de Lula é consenso no PT para 2026, mas alerta que o partido precisa começar a se preparar para essa transição, porque o problema “vai se colocar” na eleição seguinte.

Ele nega que almeje o posto, diz que disputou a Presidência em 2018 por uma questão atípica, já que Lula estava preso, e rebate com ironia as críticas feitas por petistas em redes sociais à condução da política econômica: “Nos cards de Natal, o que aparece é assim: ‘A inflação caiu, o emprego subiu. Viva Lula!’ O meu nome não aparece. Haddad é um austericida”, afirma.

O senhor teve atuação decisiva para o governo este ano com a aprovação da agenda econômica no Congresso. Muita gente diz que isso o coloca como possível sucessor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como avalia essa ideia?

Acredito que existe consenso dentro do PT e da base aliada sobre a candidatura do presidente Lula em 2026. Na minha opinião, é uma coisa que está bem pacificada. Não se discute.

Mas em algum momento o presidente precisará de um sucessor.

O Lula foi três vezes presidente. Provavelmente, será uma quarta.

Ao mesmo tempo que é um trunfo ter uma figura política dessa estatura por 50 anos à disposição do PT, também é um desafio muito grande pensar o day after.

Eu não participo das reuniões internas sobre isso. Mas, excluído 2026, o fato é que a questão vai se colocar. E penso que deveria haver uma certa preocupação com isso.

Porque a natureza da liderança do Lula é diferente da de outros fenômenos eleitorais. O bolsonarismo tem uma dinâmica muito diferente.

O senhor pensa na possibilidade de um dia ser sucessor do presidente Lula?

Eu não penso. E só passou pela minha cabeça em 2018 porque era uma situação em que ninguém queria ser vice do Lula. E aí, um dia, ele falou: “Haddad, acho que vamos sobrar só nós dois”. Dentro da cadeia. Eu disse: “Pense bem antes de me convidar, porque vou aceitar”. E acabou acontecendo.

Mas era um momento particular. Eu próprio me engajei na sensibilização do Ciro Gomes e do Jaques Wagner para que eles fossem vice. Porque entendia que eram figuras mais consensuais. Sobretudo o Jaques Wagner dentro do PT.

O PT aprovou recentemente um documento que fala de ‘austericídio’ (suicídio econômico por políticas de cortes de gastos), de uma corrente encampada pela presidente Gleisi Hoffmann. Quem faz mais oposição hoje ao senhor, o PT ou o ministro da Casa Civil, Rui Costa?

Olha, é curioso ver os cards que estão sendo divulgados pelos meus críticos sobre a economia, agora por ocasião do Natal. O meu nome não aparece. O que aparece é assim: “A inflação caiu, o emprego subiu. Viva Lula!” E o Haddad é um austericida.

Então, ou está tudo errado ou está tudo certo. Tem uma questão que precisa ser resolvida, que não sou eu que preciso resolver.

Não dá para celebrar Bolsa, juros, câmbio, emprego, risco-país, PIB que passou o Canadá, essas coisas todas, e simultaneamente ter a resolução que fala “está tudo errado, tem que mudar tudo”.

Alguma coisa precisa ser pensada a respeito, mas não tenho problema com isso.

Mas isso atrapalha de alguma forma?

Eu fui criticado no MEC, mas virei o melhor ministro da Educação da história do país, depois que deixei o MEC. Melhor prefeito da história de São Paulo, depois que deixei a prefeitura. Tomara que aconteça a mesma coisa agora (como ministro da Fazenda).

Como o senhor avalia a sua agenda com a da Casa Civil, elas são conciliáveis?

Têm sido. Há debates, às vezes, mais acalorados, às vezes, menos acalorados. Mas há a noção de que primeiro tem um árbitro. Já leva a informação organizada e aguarda o presidente tomar a decisão.

Tem uma pessoa que já comandou o país por oito anos e está completamente apto a arbitrar as divergências. Não considero ruim que haja divergências. É natural.

Mas toda discussão é para organizar a informação da melhor maneira possível para que o governo tome a decisão. A minha experiência é que, quando a informação está bem organizada, o presidente dificilmente erra.

Agora, quando está mal organizada, pode acontecer. Mas, organizando bem, ele dá o caminho.

E a articulação política do governo, o senhor acha que está bem organizada?

No que diz respeito à Fazenda, minha parceria com o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) é antiga. Padilha trabalhou comigo na prefeitura, foi um colega de ministério. E as coisas estão acontecendo.

Não é fácil essa função. Falam que o pior emprego do mundo é o do ministro da Fazenda, mas tem concorrente, que é o do Padilha.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recentemente ficou bravo e reclamou que tinham vazado uma informação do Planalto de que a relação entre vocês não estava tão boa.

Pois é, e nós nos falamos naquele dia. Então, não tinha procedência nenhuma.

O senhor acabou construindo uma relação muito boa com Lira. Como isso aconteceu?

Ela começou bem porque a transição de governo não foi feita pelo Executivo anterior, mas pelo Legislativo. O Executivo sumiu. Foi algo inédito. Tanto Arthur Lira quanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foram fundamentais neste processo.

A relação começou numa situação de crise, em que as pessoas compreenderam o que estava em jogo. Teve um episódio em que estava uma discussão e eu falei: “Nós não estamos discutindo quem vai ganhar o campeonato. Nós estamos discutindo se vai ter campeonato, porque, se a gente não se entender, a gente não chega em junho”.

Era uma situação caótica. Governadores gritando, Bolsa Família fora do Orçamento, calote nos precatórios. A gente tinha R$ 200 bilhões de problema para resolver.

A Argentina passou por uma transição também difícil, e o senhor chegou a demonstrar preocupação com a vitória do candidato Javier Milei. Como vê o início deste governo?

A preocupação não era em relação à política interna da Argentina, que é um país soberano e escolhe democraticamente os seus presidentes. Eu estava preocupado com o Mercosul. E até agora não houve, do meu conhecimento, nenhuma sinalização a esse respeito.

Até porque estávamos, à época, negociando com a União Europeia, tinham muitas coisas encaminhadas que poderiam ser colocadas em risco. Mas tenho dúvidas sobre a eficácia de um pacote ultraortodoxo para a situação que a Argentina enfrenta hoje.

Se o povo vai aguentar e se vai produzir os resultados almejados. Mas é uma preocupação de um observador que deseja o bem do país vizinho. Estou acompanhando à distância e com os filtros, não estou lá vendo medida por medida.