Acabo de receber um texto assinado pelo companheiro Josias Gomes, intitulado "A defesa dos 12: a PEC, a correlação de forças e a fragilidade do Congresso".
Para começo de conversa, lembro que não são 12, são 14. Afinal, o Valmir Assunção e o João Daniel ajudaram a garantir o voto secreto.
Isto posto, quero começar concordando totalmente com Josias, no seguinte: "a esquerda deve continuar firme na luta contra a PEC da Anistia, contra a PEC da Blindagem e contra todas as iniciativas que representam retrocessos democráticos. Mas não pode desperdiçar energia em autofagia. O alvo precisa ser a extrema-direita — e não os próprios companheiros de luta".
Mas para que seja possível seguir adiante, há uma pergunta singela que deve ser respondida: os catorze (e quem mais pensa como eles) aprenderam a lição? Ou o ocorrido pode voltar a ocorrer, a qualquer momento?
Lendo o texto do companheiro Josias e a declaração por ele citada, atribuída à companheira Gleide, minha conclusão é que o ocorrido pode voltar a ocorrer. Motivo pelo qual se faz necessário, infelizmente, gastar tempo debatendo o que aconteceu.
Para dar um exemplo de que o ocorrido pode voltar a ocorrer, cito uma passagem do texto do Josias.
Segundo Josias, o voto dos 12 (14) deputados estaria em "aparente contradição com a linha majoritária do partido e com a orientação clara da esquerda, liderada por Lula". Ou seja: o voto dos 12 parece contraditório, mas isso seria apenas uma aparência.
Josias nos convida a "olhar para além da superfície".
Ou seja, quem critica a contradição entre a linha do Partido e o voto dos 12 (14) estaria incorrendo em superficialidade.
Segundo Josias, "o voto não foi motivado por conveniência pessoal ou por adesão às teses conservadoras. Ele nasceu de um ambiente de negociações tensas, em um cenário político no qual a correlação de forças no Congresso é profundamente desfavorável ao campo popular".
Sinceramente, por tudo que sei, não tenho a mesma certeza de que não exista absolutamente nenhuma conveniência pessoal ou adesão às teses conservadoras.
Acho que alguns dos nossos se adaptaram demais ao modus vivendi do parlamento.
Mas concordo com Josias que - havendo ou não outros motivos - a discussão de fundo é sobre qual deve ser nossa tática num ambiente hostil.
Sobre isto, Josias explica quem controla o Congresso e afirma que, nesse tabuleiro, "cada votação envolve táticas de sobrevivência".
Exatamente neste ponto reside a divergência: nossa tática não pode ter como único parâmetro o que ocorre no Congresso, pois se fizermos isso, a batalha estará perdida de antemão.
Nossa tática deve ter um olho no gato e outro no peixe, ou seja, deve levar em conta a necessidade de ter o melhor resultado positivo possível dentro do Congresso e, ao mesmo tempo, deve levar em conta a necessidade de contribuir para alterar a correlação de forças na sociedade e, assim, futuramente, alterar a correlação de forças no próprio Congresso.
Ademais, nossa tática deve levar em conta que a direita não é confiável e que, portanto, certos acordos são inócuos, prejudiciais, inúteis, desacumulam, pois em troca dos 12 (14) votos não ganhamos absolutamente nada em troca. E, como sabemos, o pior tipo de pragmatismo é aquele que não tem resultados.
Em boa medida foi isso o que ocorreu no caso das prerrogativas/anistia.
Os 12 (14) parecem ter acreditado que votando na PEC das Prerrogativas, conteríamos ainda que parcialmente a tramitação da PEC da Anistia para golpistas.
O resultado foi outro, diferente do supostamente pretendido: i/o Centrão não cumpriu sua parte do acordo e ii/comprometemos a imagem do Partido.
Resumindo: frente ao fato (a correlação de forças é ruim) não existe uma única tática (a que Josias chama de "sobrevivência").
E a tática que os 12 (14) adotaram foi, como a vida demonstrou, errada. Errada, entre outros motivos por ser diferente da tática que vínhamos adotando desde o episódio do IOF, tática que leva em crescente conta a necessidade de mobilizar a população.
Não se trata, portanto, de uma "aparente" contradição. Se trata de uma contradição. A maioria (da bancada e do Partido) escolheu um caminho e os 12 (14) escolheram outro. Os 12 (14) poderiam estar certos? Em tese, poderiam. Mas a vida demonstrou muito rapidamente que estavam errados.
Josias dedica parte de seu texto a falar da fragilidade de Hugo Motta. Chega a dizer que ele é "um deputado sem densidade política, fraco como suco de raspa de gelo, tutelado pelos interesses mais atrasados do Parlamento", que falta “adulto na sala”, falta "liderança capaz de arbitrar, construir consensos e dar equilíbrio institucional".
Depois de ler tudo isso, me pergunto qual foi mesmo o motivo que levou a bancada do PT a votar neste cidadão para presidente da Câmara. Mas aí eu lembro não ser propriamente verdade que "falte liderança capaz de arbitrar". Essa liderança existe: Arthur Lira. E tem arbitrado contra nós, detalhe que os 12 (14) esqueceram ao acreditar num péssimo acordo.
Com base na tese de que existe um "vazio de comando", Josias afirma que "cada voto se transforma em um dilema: ou ceder parcialmente para impedir retrocessos ainda piores, ou assumir o risco de ser atropelado por uma maioria hostil".
Pois bem: neste caso concreto, a vida demonstrou que teria sido melhor ser "atropelado" e travar a disputa na sociedade, do que "ceder parcialmente" em troca de absolutamente nada, atrapalhando nossa disputa na sociedade.
Mas esta escolha pressupõe acreditar mais na tática da mobilização social. Nem sempre é possível adotar esta tática; nem sempre ela tem êxito imediato, capaz de alterar a votação; mas existem situações (como esta das prerrogativas e da anistia) onde existe condição de mobilizar e onde a pressão popular pode ter êxito.
Ademais, há questões onde é preferível perder a ceder. Este é o caso, precisamente, da PEC da bandidagem. Josias afirma que este nome é um apelido dado pela mídia. Não sei se o apelido veio daí. Mas considero que ele é adequado ao conteúdo, especialmente no item do voto secreto, que foi aprovado graças aos 8 votos de petistas.
Não acho que caiba usar meias palavras nesse caso: nossos oito deputados foram decisivos para aprovar uma medida que, na atual situação, ajuda a proteger bandidos.
Por tudo isso, acho inadequado apresentar o voto dos 12 (14) como "gesto amargo". Claro, deve ser "amargo" ver as redes sociais inundadas de críticas, como aconteceu com todos os que votaram. E tenho certeza de que também é "amargo" ter que responder por qual motivo os deputados do nosso partido fizeram o que fizeram.
Mas chamar de "gesto amargo" passa a impressão de que os 12 (14) se sacrificaram pelo bem comum. E não foi isso o que aconteceu.
O governo liberou. O Partido não recomendou o voto. A bancada mandou votar contra. Os 12 (14) fizeram o que fizeram porque quiseram. E de boas intenções o inferno está cheio.
O importante mesmo é o seguinte: se a situação no Congresso é mesmo a descrita por Josias, se a intenção dos 12 (14) era mesmo "salvar pautas sociais prioritárias" e "manter canais de negociação abertos", se estes parlamentares acham que cabe a eles decidir seu próprio voto numa questão tão central, então qual a garantia de que não vão fazer de novo?
Na minha opinião, a preços de hoje, ao menos no caso dos que não reconheceram de público o erro, a garantia é nenhuma.
Josias reconhece que a "indignação da militância é legítima e necessária", mas a forma como ele defende o gesto dos 12 (14) contribui para que o problema não seja resolvido e que possa voltar a ocorrer.
Na minha opinião, passar o pano no gesto dos 12 (14) contribuiu para que, ao menos até agora, não tenha saído nenhuma nota da executiva nacional do PT convocando os atos de 21 de setembro e fechando questão no Senado.
Por fim, registro positivamente que Josias em nenhum momento atribui a postura dos 12 (14) a algum tipo de "orientação" que eles teriam recebido sabe-se lá de onde. Cá entre nós, todos estamos sujeitos a cometer erros. Mas nenhum de nós pode agir como o Homer Simpson, segundo o qual "a culpa é minha e eu coloco ela em quem eu quiser".
No caso, a culpa é todinha dos 12 (14). Não do Partido, nem da bancada.
Segue abaixo o texto comentado
A defesa dos 12: a PEC, a correlação de forças e a fragilidade do Congresso
O episódio recente da votação da chamada PEC das Prerrogativas — apelidada pela mídia de PEC da Impunidade — gerou forte indignação popular, inclusive entre setores progressistas. Doze deputados do PT votaram favoravelmente, em aparente contradição com a linha majoritária do partido e com a orientação clara da esquerda, liderada por Lula.
Mas para compreender esse gesto, é preciso olhar para além da superfície. O voto não foi motivado por conveniência pessoal ou por adesão às teses conservadoras. Ele nasceu de um ambiente de negociações tensas, em um cenário político no qual a correlação de forças no Congresso é profundamente desfavorável ao campo popular.
O peso da correlação de forças
O Congresso atual é controlado por uma maioria sólida formada por PL, PP, União Brasil e Republicanos, partidos da extrema direita e da direita fisiológica. Essa maioria tem imposto sua pauta e, sobretudo, bloqueado avanços sociais. Projetos fundamentais como a isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil, a redução na conta de luz, a taxação das apostas e dos super-ricos e o novo Plano Nacional de Educação estão sendo sistematicamente travados.
Nesse tabuleiro, cada votação envolve táticas de sobrevivência. A aprovação da PEC das Prerrogativas foi apresentada como um mal menor diante da possibilidade ainda mais grave da tramitação da PEC da Anistia, que significaria blindar golpistas e legalizar retrocessos democráticos profundos.
A fragilidade da presidência da Câmara
O problema se agrava pela fragilidade da presidência da Câmara. Hoje, a cadeira é ocupada por Hugo Motta, um deputado sem densidade política, fraco como suco de raspa de gelo, tutelado pelos interesses mais atrasados do Parlamento. Falta “adulto na sala”. Falta liderança capaz de arbitrar, construir consensos e dar equilíbrio institucional.
Essa fraqueza permite que a agenda seja sequestrada pela extrema-direita, que pauta o que deseja e sufoca os projetos de interesse do povo. Nesse vazio de comando, cada voto se transforma em um dilema: ou ceder parcialmente para impedir retrocessos ainda piores, ou assumir o risco de ser atropelado por uma maioria hostil.
O gesto amargo dos 12
Foi nesse contexto que se deu o voto dos 12 deputados do PT. Um gesto amargo, como definiu Gleide Andrade, tesoureira nacional do partido. Deputados como Odair Cunha e Jilmar Tatto reconheceram que a escolha foi dolorosa, mas orientada pela tentativa de salvar pautas sociais prioritárias. Merlong Solano, do Piauí, foi além: pediu desculpas públicas e admitiu o erro, mas explicou que sua intenção era manter canais de negociação abertos — ainda que em terreno minado pela extrema-direita.
Não se trata de romper com os princípios históricos do PT, mas de enfrentar o dilema entre dois retrocessos possíveis. Foi uma tática que não deu certo, mas que deve ser analisada dentro do quadro de forças desproporcional que caracteriza o Congresso de hoje.
Quem é o verdadeiro inimigo?
A indignação da militância é legítima e necessária. Mas é preciso cuidado: transformar essa indignação em ataques internos apenas fragiliza o campo progressista. A direita e a extrema-direita já se aproveitam desse episódio para posar de guardiãs da moralidade — justo elas, com históricos marcados por corrupção, conluio com o crime organizado e vínculos escusos com a Faria Lima e esquemas criminosos.
Os verdadeiros inimigos não são os 12 deputados do PT. São os que querem anistiar golpistas, blindar corruptos e desmontar a democracia brasileira.
Conclusão: unidade e maturidade política
O episódio mostra o tamanho do desafio: governar com uma maioria hostil, uma presidência da Câmara frágil e uma oposição radicalizada. Isso exige maturidade política e clareza estratégica.
A esquerda deve continuar firme na luta contra a PEC da Anistia, contra a PEC da Blindagem e contra todas as iniciativas que representam retrocessos democráticos. Mas não pode desperdiçar energia em autofagia. O alvo precisa ser a extrema-direita — e não os próprios companheiros de luta.
O gesto dos 12 deve ser visto pelo que foi: uma tática, amarga e frustrada, mas que nasceu do esforço de evitar um mal maior. O momento exige unidade, porque a disputa real não é entre nós. É contra uma direita que quer transformar o Congresso em bunker de impunidade e bloquear qualquer avanço popular.
Josias Gomes, militante do PT e Deputado Federal.
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