O Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes. Destes, cerca de 16.269.211 milhões são filiados/as a algum dos 29 partidos políticos registrados junto ao Tribunal Superior Eleitoral. O TSE considera que o MDB tem o maior número de filiados (2.056.415), seguido pelo PT, com 1.676.881. O próprio PT diz que tem 2.959.823 filiados. Esta discrepância entre os dados do Partido e os dados do TSE não apareceu agora. Seja como for, consideramos nesse texto os dados da Secretaria Nacional de Organização (Sorg).
Em 2001, o número de filiados era de 401 mil pessoas. Votaram 221 mil. Em 2005, o número de filiados era de 910 mil. Votaram 314 mil. Em 2007, o número de filiados era de 1 milhão e 86 mil. Votaram 326 mil. Em 2009, o número de filiados era de 1 milhão e 387 mil. Votaram 421 mil. Em 2013, o número de filiados era de 1 milhão 718 mil. Votaram 421 mil. Em 2017, o número de filiados era aproximadamente 1 milhão 765 mil. O número de votantes não conhecemos. Em 2019, o número de filiados de filiados era de 2.339.816. O número de votantes foi 351 mil. Em 2025, votaram 549 mil pessoas, frente a um universo de filiados de 2 milhões e 949 mil. Ou seja: 18,6%. Em 2013, que foi um PED similar ao atual, votaram 24,5% dos 1 milhão e 86 mil filiados. Infelizmente, comprovando a difícil relação entre Pravda e Isveztia, o site do Partido dos Trabalhadores postou que o “PT faz maior PED da sua história com quase 550 mil votantes”. A verdade é mais contraditória; o que o PT faz nenhum outro partido brasileiro é capaz de fazer: meio milhão de filiados votando, em 4.348 municípios brasileiros. Mas dizer que em 2025 realizamos o maior PED da história do PT é acreditar numa ilusão estatística: seja em comparação com o número de filiados, seja em comparação com o número de eleitores e habitantes, o PED de 2009 foi maior.
De conjunto, se forem verdadeiros os números da Sorg, o abstencionismo no PT (não comparecimento, brancos e nulos) é bem maior do que nas eleições tradicionais. Aliás, é triste dizer, mas é verdade: as fraudes também são maiores. O sistema eleitoral do PT tem quase todos os defeitos, mas não tem todas as qualidades do sistema eleitoral tradicional. Uma votação realizada com complicadérrimas cédulas de papel, o processo incluiu filiações industriais, compra de votos, ingerência explícita de pessoas vinculadas a outros partidos, pessoas votando no lugar de outras, voto de mortos, atas adulteradas, abuso de poder econômico, uso da máquina, influência eleitoral das emendas parlamentares, assédio de diversos tipos, intimidação contra fiscais, manipulação das comissões organizadores por parte de determinadas chapas e candidaturas, pequeno ou nenhum debate oficial entre as posições concorrentes, espaço desigual na mídia, inexistência de fundo eleitoral para garantir igualdade de condições etc.
Estes problemas foram abordados em dois textos que a direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda divulgou nos dias 9 e 15 de julho de 2025.
O processo de eleição das direções petistas foi convocado em 4.398 municípios. A secretaria nacional de organização não divulgou, ainda, em quantos o processo efetivamente ocorreu. Mas é conhecido o número de chapas e candidaturas inscritas, que revela o seguinte: na imensa maioria das cidades, prevaleceu chapa única e candidatura única, o que, em muitos casos, é sintoma de debilidade, não de unidade & força. Já nas 27 unidades da federação, prevaleceu a disputa na eleição das respectivas direções estaduais e presidências estaduais.
A maioria das novas direções e presidências eleitas nos estados é controlada por militantes vinculados à tendência denominada Construindo um Novo Brasil (CNB). Também é relevante dizer que, em praticamente todos os casos, a presidência do PT nos estados é ocupada por parlamentares. Não dispomos dos dados relativos aos municípios, mas é provável que prevaleça o seguinte: onde não há disputa, as direções municipais geralmente se alinham politicamente com a respectiva direção estadual, inclusive por uma razão de sobrevivência. O que faz com que a tendência majoritária num determinado estado exerça uma influência bem maior do que seu efetivo tamanho orgânico.
No âmbito nacional, a CNB elegeu o novo presidente nacional e conseguiu maioria absoluta no Diretório Nacional do Partido. Isso não é uma novidade.
Resta saber se esta maioria vai se comportar como um bloco homogêneo. Como se viu na fase inicial do PED, há divergências expressivas dentro da CNB, embora nem sempre em torno das grandes questões da política. Além disso, é preciso ver como se comportarão, além da CNB, as outras tendências que apoiaram Edinho.
É o caso da Resistência Socialista (que teve chapa própria) e da Tribo (grupo atuante principalmente em Minas Gerais, que, em 2019, participou da chapa do Movimento PT e que, em 2025, lançou chapa própria). É importante lembrar que estas duas tendências apoiavam a candidatura de Dandara à presidência do PT de Minas Gerais. E, no Diretório Nacional, a maioria da CNB votou — corretamente — pela impugnação de Dandara, devido à sua inadimplência para com o PT. O ressentimento mútuo gerado terá quais implicações políticas?
Também foram cooptadas por Edinho a maioria das tendências integrantes de uma terceira chapa que disputou o PED 2025, a denominada Campo Popular. Participaram desta chapa e apoiaram Edinho as seguintes tendências: a Esquerda Popular Socialista, a maioria da tendência Novo Rumo, cerca de metade da Socialismo em Construção, sem falar do apoio de pessoas vinculadas ao chamado Movimento Brasil Popular e inclusive de pessoas ligadas à tendência Avante, a única integrante da chapa Campo Popular que oficialmente apoiava outra candidatura e não Edinho.
Em que medida esta aliança eleitoral em torno de Edinho vai significar coesão política em torno da CNB, frente às batalhas que já estão em curso e as que ainda virão pela frente? Difícil responder: se é verdade que Edinho recebeu 73% dos votos válidos, também é verdade que, em 2019, Gleisi Hoffmann foi eleita com 71,5% dos votos e, como sabemos, seu mandato presidencial foi marcado por inúmeras crises.
Disputaram contra Edinho três outras candidaturas, apoiadas por quatro outras chapas: a chapa do Movimento PT apoiou Romênio Pereira; as chapas "Muda PT" e "Diálogo e Ação Petista" apoiaram Rui Falcão; e a chapa da Articulação de Esquerda apoiou Valter Pomar. Somadas, estas quatro chapas elegeram 21 dos 94 membros do Diretório Nacional do PT. Mesmo somando a estes 21 aqueles integrantes da chapa Campo Popular que apoiaram Rui Falcão, o resultado é uma minoria que só conseguirá influenciar naquelas situações em que a maioria se dividir.
Isso vai acontecer? É possível, por uma razão muito simples: a luta política nacional e internacional está seguindo caminhos totalmente diferentes do que foi enunciado na tese apresentada pela CNB e, também, no manifesto da candidatura Edinho. Aliás, neste Brasil e neste Partido, podemos morrer de muita coisa. Menos de tédio.
O que as tendências da chamada esquerda petista farão neste cenário? Isso cabe a cada uma dizer, mas há uma preliminar: quem é a esquerda petista? Na bancada federal, por exemplo, integram a bancada autodenominada de “esquerda” deputados/as vinculados a tendências que total ou majoritariamente apoiaram Edinho. É o caso da Resistência, da EPS, dos Novos Rumos e do Socialismo em Construção. Como no PT ninguém quer ser de “direita”, como o termo é reconhecidamente situacional e como nos estados a situação é muito diversificada, quem apoiou Edinho provavelmente vai continuar se achando “de esquerda”.
Também reivindicam fazer parte da “esquerda petista” as tendências que apoiaram Rui Falcão e Valter Pomar. É o caso de O Trabalho/Diálogo e Ação Petista, Democracia Socialista, Militância Socialista, Avante e Articulação de Esquerda. Algumas dessas tendências disputaram o PED com chapa própria, outras fizeram coligações (a Avante, na chapa Campo Popular; a DS e a MS, na chapa intitulada Muda PT). A impressão que fica quando analisamos os números é que todas tiveram mais votos no PED de 2025 do que tiveram no PED de 2019, mas, ainda assim, vão ocupar menos cadeiras no Diretório Nacional do PT. Delas todas, a única que lançou candidatura própria à presidência nacional do PT no PED de 2025 foi a Articulação de Esquerda. Em 2019, a DS lançou Margarida Salomão, mas, desta vez, preferiu apoiar Rui Falcão. Margarida teve quase 17% dos votos, Rui Falcão cerca de 11% dos votos.
A Articulação de Esquerda também sofreu uma redução. Em 2019, nossa chapa teve 11,3% dos votos no Congresso partidário. Mas isso se deveu ao fato de que, naquela ocasião, a AE fez uma aliança com a Novos Rumos e a EPS. Quando comparado o desempenho da AE propriamente dito, o resultado é o seguinte: em 2019, tivemos 16.012 votos ou 4,9% e, em 2025, tivemos 17.761 ou 3,5% dos votos. Isso levou a uma queda na bancada, de cinco para três membros do Diretório Nacional do Partido, mantendo, entretanto (até agora, pelo menos), uma cadeira na Executiva Nacional do Partido.
A AE realizará seu décimo congresso no final de novembro de 2025 para avaliar estes resultados e debater sua atuação no próximo período. Até o momento, a direção da tendência avalia que o resultado foi uma derrota eleitoral, mas não uma derrota política. Cabe lembrar que a AE se considera uma tendência de opinião e, portanto, entende que tem a obrigação de dizer ao Partido o que pensa, o que em âmbito nacional torna praticamente obrigatório apresentar chapa e candidatura próprias. E a avaliação da direção da tendência é que isso foi feito, diferente de outras tendências, que em âmbito nacional optaram por fazer parte de coalizões e apoiar candidaturas presidenciais de outras chapas. Esta opção, aliás, torna difícil comparar o resultado da AE com o de algumas outras tendências da chamada esquerda petista. Uma comparação indireta será possível quando forem feitas as indicações para compor o Diretório Nacional do PT. Aí veremos, ao menos aproximadamente, o tamanho de cada qual.
E por falar em tamanho, algumas pessoas de outros partidos de esquerda não compreenderam o resultado nacional obtido pelo chamado Movimento PT. Em parte, é desconhecimento acerca do PT realmente existente; em parte, é esnobismo. O PT é um partido de massas. E, num partido desse tipo, faz muita diferença estar presente nos 27 estados unidades da federação, fazer um discurso capaz de dialogar com o senso comum do petismo realmente existente e, claro, exibir um imenso pragmatismo, que permite juntar num mesmo lugar um deputado ligado às mineradoras e militantes que combatem as mineradoras.
E por falar em pragmatismo: o PED de 2025 marcou a estreia oficial, na vida interna do PT, de militantes vinculados a duas organizações aparentadas, o Movimento Sem Terra e o Movimento Brasil Popular, este último oriundo da cisão da chamada Consulta Popular. À primeira vista, tanto nacionalmente quanto na maior parte dos estados, os dirigentes de ambas as organizações decidiram apoiar chapas e candidaturas vinculadas à CNB e à candidatura Edinho. Isso decepcionou bastante quem tinha expectativas de que o discurso de esquerda prevalecente em ambas as organizações carrearia votos e apoios para candidaturas da chamada esquerda petista. É o caso de Rui Falcão, por exemplo, que chegou a divulgar um vídeo de apoio de João Pedro Stédile, mas que, na vida real, não teve o apoio da maioria dos parlamentares ligados ao MST. O fato tem, a nosso ver, uma explicação muito simples: Dostoievski.
Dizia o conhecido romancista russo: se Deus não existe, tudo é permitido. No caso: se não se trata de um partido revolucionário, toda aliança é possível. É por isso, aliás, que pessoas que saíram do PT nos atacando pela esquerda voltaram ao PT com posições supermoderadas, como é o caso de Randolfe Rodrigues e Marcelo Freixo, para ficar apenas nesses dois casos.
Falando em termos mais gerais, grande parte da esquerda brasileira vem se adaptando ao ambiente de pragmatismo, oportunismo e cretinismo parlamentar. Quem não aceita fazer isso, enfrenta um desafio titânico. É nisso que estamos.
Agora entendi onde foram parar os votos do MST...
ResponderExcluirA conta não batia. Obrigado!
https://mst.org.br/2025/07/15/e-prosa-e-pau/
ResponderExcluir