Hoje 28 de janeiro vai ocorrer um debate, organizado pelo PT Campinas, sobre o tema “federações partidárias”.
Para fazer este debate, é fundamental conhecer i/ a lei que criou as “federações” e ii/ a regulamentação aprovada pelo TSE.
A lei nº 14.208, de 28 de setembro de 2021 diz o seguinte:
Art. 11-A. Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária.
§ 1º Aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária.
§ 2º Assegura-se a preservação da identidade e da autonomia dos partidos integrantes de federação.
Alguém pode perguntar: como pode ao mesmo tempo “atuar como se fosse uma única agremiação” e “preservar a identidade e autonomia dos partidos integrantes”.
Este problema é o grande nó prático de uma federação. E no fundo revela a intenção real de alguns dos defensores da federação: manter a coligação, com nova fachada.
O PT, é bom lembrar, trabalhou pelo fim das coligações.
Voltemos à lei: ela diz ainda o seguinte: II – os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados por, no mínimo, 4 (quatro) anos.
Se não der certo, problemas, pois a lei diz: § 4º O descumprimento do disposto no inciso II do § 3º deste artigo acarretará ao partido vedação de ingressar em federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário.
Tem gente no PT dizendo: fazemos uma federação agora e depois mudamos a lei. De fato, sempre é possível mudar a lei, mas contar com isso é um alto risco. Além de revelar o desejo oculto de alguns: fazer uma coligação, com outro nome.
A lei diz também o seguinte: a decisão de integrar uma federação deve ser tomada pela maioria absoluta dos votos dos órgãos de deliberação nacional de cada um dos partidos integrantes da federação.
No PT está se considerando tomar esta decisão em uma reunião do Diretório Nacional. Ou seja: uma decisão que afetará a vida do Partido em cada município do país será adotada pelo DN, com pouquissimo debate.
A lei diz ser necessário um “programa” e “estatuto comuns da federação constituída” e também “ata de eleição do órgão de direção nacional da federação”.
O tal estatuto “definirá as regras para a composição da lista da federação para as eleições proporcionais”.
Fácil, certo?
Definir em alguns meses (março de 2022, pelo menos hoje a data é essa) um programa, um estatuto, uma direção e regras para compor chapas de candidaturas.
Detalhe: § 8º Aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes.
Veremos mais adiante que este item resulta em problemas graves.
Como se pode perceber, há muitas lacunas e contradições e insuficiências na lei.
E por isso o TSE aprovou uma “regulamentação”.
Isto em si é algo muito grave, pois na prática o TSE assumiu as vestes de legislador, mais um passo no sentido de judicializar a política.
Exemplo: “9. A necessidade de fixação de marco temporal uniforme para habilitar partidos e federações a participar do pleito motivou, ainda, decisão por mim proferida em 08.12.2021, na ADI nº 7.021, em que deferi parcialmente a cautelar requerida, apenas para adequar o prazo para constituição e registro das federações partidárias e, nesse sentido: (i) suspender o inciso III do § 3º do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995 e o parágrafo único do art. 6ºA da Lei nº 9.504/1997, com a redação dada pela Lei nº 14.208/2021, bem como (ii) conferir interpretação conforme a Constituição ao caput do art. 11-A da Lei nº 9.096/1995, de modo a exigir que, “para participar das eleições, as federações estejam constituídas como pessoa jurídica e obtenham o registro de seu estatuto perante o Tribunal Superior Eleitoral no mesmo prazo aplicável aos partidos políticos”.
“Suspender o inciso”...
O texto do TSE afirma ainda: “Segundo o caput do novo art. 11-A da Lei nº 9.096/1995, ‘dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária’. Compete ao TSE, portanto, regulamentar o registro das federações e tratar de aspectos práticos indispensáveis para operacionalizar sua atuação”.
Vejam a sutileza: a lei fala que cabe ao TSE fazer o registro e o TSE interpreta isto como o poder de regulamentar o registro e também como o poder de ”tratar de aspectos práticos indispensáveis para operacionalizar sua atuação".
Os aspectos práticos citados pelo TSE são: (i) o procedimento de registro das federações, após registro civil como associação e obtenção de CNPJ; (ii) as regras mínimas relativas à estrutura da federação; (iii) a harmonização entre a atuação unificada da federação e a preservação da autonomia dos partidos políticos que a compõem; e (iv) a vigência, que será por prazo indeterminado, e os efeitos do desligamento precoce e da extinção das federações.
Por óbvio, as “regras mínimas” e a “harmonização” são aspectos políticos.
A verdade é: o TSE usurpou para si o papel de legislar sobre “questões de grande relevo, como a preservação da autonomia partidária e o impacto das federações sobre a cláusula de desempenho, bem como questões do cotidiano da nova entidade, como a indicação de delegados e a facultatividade do registro de órgãos estaduais, distritais e municipais”.
Entre os aspectos práticos propriamente ditos, há um muito importante: “somente participarão das eleições as federações que tenham registro deferido até 6 meses antes do pleito”.
Como o primeiro turno é no dia 2 de outubro, seis meses antes é 2 de abril. E como o TSE tem que reconhecer a federação, na prática é como se as federações tivessem que se registrar, digamos, até o dia 1 de março.
Prazos curtíssimos, para uma decisão tão impactante.
O TSE também alerta para o seguinte: “o partido que transferir recursos públicos a outro da mesma federação poderá ter suas contas desaprovadas em razão da aplicação irregular desses recursos, o que tornará inócua eventual utilização de uma das agremiações como intermediária para a prática de irregularidades”.
Ou seja: depois de muito lutar para que o TSE não aplicasse, ao DN, as responsabilidades por atos cometidos pelos diretórios estaduais e diretórios municipais do próprio Partido, estaremos agora diante de uma situação ainda pior: poderemos ser responsabilizados por atos cometidos por outros partidos!!!
Mas ainda bem que só faremos federação com partidos 100% cumpridores da lei, como é o caso do PSB de Campinas!!
Isto posto, vejamos algumas outras armadilhas:
(....) A federação deverá ser previamente constituída sob a forma de associação, devidamente registrada no cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede. Adquirida sua personalidade jurídica, a federação apresentará seu pedido de registro ao Tribunal Superior Eleitoral, instruído com os seguintes documentos:
I – a respectiva certidão do Registro Civil de Pessoas Jurídicas;
II – o seu número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ);
III – cópia da resolução tomada pela maioria absoluta dos votos dos órgãos de deliberação nacional de cada um dos partidos integrantes da federação;
IV – exemplar autenticado do inteiro teor do programa e do estatuto comuns da federação constituída, inscritos no cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas;
V – ata de eleição do órgão de direção nacional da federação; e
VI – endereço e telefone de sua sede e de seus dirigentes nacionais, bem como endereço eletrônico para recebimento de comunicações.
Parágrafo único. O estatuto de que trata o inciso IV deste artigo deverá conter regras para a composição de listas para as eleições proporcionais, que vinculará a escolha de candidatos da federação em todos os níveis (Lei nº 9.096/1995, art. 11-A, § 7º).
Art. 3º O pedido será autuado na classe Registro de Federação Partidária (RFP) e distribuído a um relator ou a uma relatora (....)
Seguem-se então os prazos para recursos, oitivas etc.
E aí o caso será levado para “julgamento perante o plenário do Tribunal”.
Se deferido o registro da federação, os partidos que compõem a federação passarão a atuar, em todos os níveis, de forma unificada.
Em todos os níveis: federal, estadual e municipal.
Portanto, embora não seja obrigatório, podem existir direções também estaduais e municipais, bem como regras para compor as respectivas listas de candidaturas etc.
Diz a resolução: “Art. 9º Nos estados, no Distrito Federal e nos municípios, o funcionamento da federação não dependerá de constituição de órgãos próprios, bastando que exista, na localidade, órgão partidário de algum dos partidos que a compõem. Parágrafo único. Havendo a constituição de órgão estadual, distrital ou municipal da federação, é facultada sua anotação no SGIP, bem como o credenciamento de delegados, em número equivalente ao dos partidos políticos”.
Entretanto, salvo se a escolha e o registro de candidaturas municipais e estaduais passarem a ser feitas pela direção nacional da federação, é bastante provável a constituição de direções estaduais e municipais da federação.
Ao mesmo tempo, a resolução do TSE diz o seguinte: Art. 5º O disposto no art. 4º não afeta a identidade e a autonomia dos partidos integrantes da federação, os quais conservarão:
I - seu nome, sigla e número próprios, inexistindo atribuição de número à federação;
II – seu quadro de filiados;
III – o direito ao recebimento direto dos repasses do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, na forma da lei;
IV – o dever de prestar contas; e
V – a responsabilidade pelos recolhimentos e sanções que lhes sejam imputados por decisão judicial.
Entretanto, como já foi explicado, os partidos que integram a federação podem ser responsabilizados por atos cometidos pelos outros.
Além disso, tem um detalhe: “§ 5º Extinta a federação, cessará imediatamente o efeito previsto no § 1º do art. 4º desta Resolução, devendo-se proceder a novo cálculo para a distribuição do Fundo Partidário conforme a cláusula de desempenho em vigor”.
Também está decidido o seguinte: “A federação vigorará por prazo indeterminado, devendo os partidos políticos nela permanecer por, no mínimo, 4 (quatro) anos, contados da data de seu ingresso”.
Fora disto, para entrar ou para sair, é preciso o “deferimento do pedido pelo Tribunal Superior Eleitoral”.
E mesmo se houver deferimento, o artigo 7º diz assim: “O partido que se desligar da federação antes do tempo mínimo previsto no caput do art. 6º desta Resolução ficará sujeito à vedação de ingressar em federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário”.
Ou seja: a história segundo a qual se não der certo, depois a gente pede para mudar a lei, é uma operação de altíssimo risco. Se não der certo, estaremos amarrados.
A resolução do TSE afirma o seguinte: “Art. 11. As controvérsias entre os partidos políticos relativas ao funcionamento da federação constituem matéria interna corporis, de competência da justiça comum, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral para dirimir questões relativas ao registro da federação e das alterações previstas nos arts. 6º e 7º desta Resolução ou que impactem diretamente no processo eleitoral”.
Vejam só: as “controvérsias” serão assunto de competência da justiça comum!
Cabendo a justiça eleitoral interferir “apenas” nos assuntos “que impactem diretamente no processo eleitoral”.
No PT, travamos uma batalha cotidiana com o objetivo de não levar assuntos internos para a justiça. E salvo raríssimas exceções, conseguimos isso.
Alguém tem dúvida acerca do que irá acontecer numa federação? E não será apenas por motivos políticos, mas também criminais, como se pode depreender do já comentado artigo 12 da resolução do TSE:
“II – Havendo transferência de recursos oriundos do FEFC ou do Fundo Partidário entre os partidos que integram a federação, a desaprovação das contas do partido beneficiado, quando decorrente de irregularidades na aplicação daqueles recursos na campanha, acarretará a desaprovação das contas do partido doador”.
Por fim, pergunto:
1/o PT precisa fazer parte de uma federação?
2/em caso positivo, será possível - nos prazos e nos termos estabelecidos legalmente - organizar uma federação com implicações sobre 2022 e sobre 2024, em todos os estados e municípios?
3/em caso positivo, o PSB é um parceiro idôneo para este projeto?
4/em caso positivo, uma decisão desta magnitude pode ser adotada pelo DN? E pode estar sendo negociada sem nem ao menos o DN e a CEN estarem conduzindo as negociações?
A respeito deste tema das negociações, sugiro ler: https://www.pagina13.org.br/as-instancias-nacionais-do-pt-foram-postas-de-quarentena/
Isto tudo posto, algumas opiniões:
i/o PT não precisa de uma federação;
-os partidos que precisam de uma federação são aqueles cujo desempenho eleitoral nas eleições proporcionais é muito baixo
ii/a candidatura Lula não precisa de uma federação
-a candidatura Lula precisa de partidos coligados na campanha majoritária
-isso pode ser conseguido sem federação
-o PSB faz chantagem ao dizer que só vai apoiar Lula se tiver federação
-fazer uma federação sem precisar e com quem te chantageia é duplamente errado
iii/o governo Lula não precisa de uma federação
-precisamos de uma base de apoio no Congresso
-mesmo se houver uma federação, ela não vai eleger 50% mais 1 do Congresso
-e a julgar pela composição atual do PSB (e levando em consideração a migração tucana para este partido) e também considerando as dificuldades na gestão da “minoria” no atual congresso nacional, não há nenhum sinal de que uma federação vá tornar mais fácil a nossa vida no Congresso
iv/se for para fazer federação, tem que ser com base em identidade programática e isto não existe entre o PT e o PSB, nem no plano nacional, nem na maioria dos estados e municípios do país
v/uma federação – nos termos postos, não falando em tese, não pensando em termos ideais, mas levando em consideração a federação que está sendo negociada – vai ter todos os defeitos de uma coligação e não vai ter a única qualidade
-defeitos: vamos transferir votos do PT para os partidos federados e ainda vamos pagar a conta
-a qualidade: as coligações acabavam ao término das eleições. A federação dura no mínimo 4 anos.
Sobre Campinas:
1/já imaginaram termos o PSB de Campinas como partido federado?
2/para além do problema político, temos um problema eleitoral
-como demonstrou o Adriano Bueno, se tivesse havido federação em 2020, teríamos eleito menos vereadores petistas
-ler o texto do Adriano Bueno:
https://www.pagina13.org.br/voce-troca-2-vereadores-do-pt-por-3-do-psb-em-campinas-nao/
Um resumo do texto:
Como seriam as eleições municipais de 2020 em Campinas se a federação PT/PSB/PCdoB estivesse valendo?
No processo eleitoral de 2020 em Campinas o PT elegeu 3 vereadores, o PSB elegeu 4 e o PCdoB elegeu 1
Se PT, PSB e PCdoB estivessem concorrendo como uma federação, o resultado seria bem outro, conforme a tabela abaixo. Seriam 7 vereadores do PSB, 1 do PT e 1 do PCdoB.
Ou seja: de modo geral, a federação elegeria 9 vereadores, 1 a mais do que a simples soma dos três partidos sem a federação (8 vereadores). Mas o PT perderia 2 vereadores e o PSB ganharia 3 (O PL também perderia 1).
3/tem gente que defende a federação “em tese”. Em tese, uma federação com partidos de esquerda poderia ser legal. Mas não é isso que está sendo debatido.
Por fim, por fim mesmo: um dos efeitos da federação é reduzir a renovação interna de nossos mandatários. Pois os partidos vão tender, naturalmente, a fortalecer ainda mais os puxadores de voto, para evitar vazamento de votos em direção aos demais partidos federados.
Resumo da ópera: por diversos motivos, programáticos, pragmáticos, eleitorais e estratégicos, esta federação realmente existente é um péssimo negócio para o PT.
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