domingo, 22 de junho de 2014

Sobre crítica do Jones Makaveli

O texto "Sobre a lenda de que a classe dominante e o imperialismo são oposição ao PT" é um bom exemplo dos equívocos da "oposição de esquerda".

O texto citado, de autoria de Jones Makaveli, pode ser encontrado no endereço http://www.diarioliberdade.org/brasil/batalha-de-ideias/49358-sobre-a-lenda-de-que-a-classe-dominante-e-o-imperialismo-s%C3%A3o-oposi%C3%A7%C3%A3o-ao-pt.html

Segundo o texto, é uma grande mentira dizer que "o grande capital, setores médios, a direita, o oligopólio da mídia e os governos imperialistas estão tão irritados com o governo Dilma”. 

Afinal, diz o texto, "o grande capital é parceiro e apoiador dos governos do PT. Podemos demonstrar isso de várias formas, seja através da política macroeconômica que manteve no essencial a orientação neoliberal (o tripé macroeconômico, etc.), seja nas políticas de fortalecimento do capitalismo monopolista de Estado através do BNDS, seja através das várias privatizações e desnacionalizações, seja através das doações de campanha ao PT etc. É preciso ser muito governista para afirmar que o grande capital é contra o petismo".

Acontece que esta "demonstração" não demonstra o que pretende.

Vejam: mesmo que fossem 100% verdadeiros, os primeiros exemplos (política macroeconômica, ação do BNDES, privatizações e desnacionalizações) não demonstrariam que o grande capital é um "apoiador" dos governos do PT. 

Demonstrariam, tão somente, que o governos federal é "apoiador" do grande capital.

Quanto ao quarto exemplo (as doações de campanha ao PT) demonstram apenas que as grandes empresas buscam "influenciar" todas as candidaturas, inclusive, mas não apenas as do PT. 

Em resumo: a "demonstração" apenas demonstra algo de que ninguém discorda: que os governos do PT aplicam políticas que, em maior ou menor sentido, beneficiam setores do grande capital.

Mas se é assim, por qual motivo (ver texto http://valterpomar.blogspot.com.br/2014/06/nem-todo-escravo-tem-mentalidade-da.html) o grande capital anda "irritado" com o PT e com o governo Dilma? 

Na minha opinião, porque nas condições atuais, ao grande capital não bastam "políticas". Simplificando a questão: o grande capital quer sangue, ou melhor, deseja expressivo desemprego e redução de salários. 

Makaveli também afirma ser "outra grande mentira" dizer que "setores médios são contra o PT". 

Vejamos como ele tenta demonstrar isto:

"Temos que esclarecer de agora que pensar as classes sociais de forma monolítica, sem sua divisão e frações, é um erro brutal. Fazendo um breve histórico, as camadas médias do Brasil foram esmagadas pela crise econômica durante a ditadura empresarial-militar no final dos anos 70 e anos 80; pressionadas as camadas médias formaram uma das principais bases de oposição à ditadura. Foram fundamentais na formação do PT. Durante todos os anos 80, 90 e parte dos anos 2000 os funcionários públicos qualificados, pequenos comerciantes com alta escolarização, artistas, professores universitários, operários e intelectuais formaram a principal base eleitoral e social do PT. André Singer no seu livro "Os sentidos do Lulismo" mostra que até 2006 quanto maior a escolaridade e renda (até dez salários mínimos) maior eram os votos no PT. A maioria dos setores médios sai da ditadura com uma postura progressista e de esquerda, durante os anos 90 vemos o início de um processo de realinhamento político-eleitoral, com grande parte dos setores médios assumindo posturas conservadoras e escolhendo o PSDB como sua principal porta voz (não custa lembrar, para ilustrar a argumentação, que Fernando Collor foi eleito com grande quantidade de votos dos pobres e subproletários, já Lula teve amplos votos nas camadas médias, na eleição de 1989). Singer argumenta que a partir de 2006 várias camadas médias se afastam do PT (ele explica os porquês disso no livro) e os trabalhadores pobres, que recebem até três salários mínimos, passam a ser a principal base eleitoral do PT. Mas isso não significa que os setores médios, em bloco, sejam hoje conservadores. A votação de Heloísa Helena para presidente da república em 2006, as estimativas de voto que tinha Ciro Gomes nas eleições de 2010, a votação de Marina Silva também em 2010, a votação de Marcelo Freixo em 2012 e vários outros processos eleitorais mostraram que vários setores médios continuam de esquerda e progressista. É notório para qualquer mero observador do processo eleitoral que existe uma franja ampla de votos para candidatos de esquerda não radical. Aliás, nos próprios partidos de esquerda hoje a maioria dos militantes são de classe média. PCB, PSTU, PSOL, Levante Popular, PCR, MEPR, UV, etc. têm majoritariamente militantes de classe média. Se não na renda, no "capital cultural". Pessoas pobres que são universitárias, consomem e têm uma vivência cultural dos setores médios (como o autor dessas linhas)".

O que é dito no parágrafo acima confirma que os setores médios estão irritados com o PT. Aliás, se reconhece que "grande parte dos setores médios" assume "posturas conservadoras" e "escolhe o PSDB" como "principal porta-voz". E mostra que outra parte dos setores médios constitui a base social da "oposição de esquerda". Ambas segmentos estão "irritados" com o PT, confirmando a "grande mentira" que supostamente queria criticar.

Makaveli contesta, igualmente, minha afirmação segundo a qual a direita anda "irritada". Segundo ele, a "maioria da direita, seus principais nomes, está no governo do PT. Não é de todo à toa que dizem que o Brasil não tem oposição. O PT usa um verniz de esquerda e engloba os principais nomes da direita brasileira e das oligarquias regionais no seu governo". 

Desde 1994 até 2014, a disputa presidencial tem sido resolvida no confronto entre PSDB e PT. Mesmo quando derrotadas, as forças encabeçadas pelo PSDB obtém, no segundo turno, cerca de 4 de cada 10 votos. Esta é a base social da oposição de direita no Brasil. Os que "dizem que o Brasil não tem oposição" vivem noutro país.

É óbvio que existe um setor da direita que apoia e participa das candidaturas e do governo federal, seja com Lula, seja com Dilma. Por isto, é adequado sempre falar de "oposição de esquerda" e de "oposição de direita".

Qual a novidade? A novidade é que neste último período setores importantes da direita que estavam apoiando o governo, deslocaram-se para a oposição. Um dos frutos disto é a aliança Eduardo Campos/Marina Silva. Este deslocamento (e a irritação política) tem bases sócio-econômicas, por exemplo a já citada (a burguesia quer mais desemprego e menos salários), assim como a reação conservadora de parcela dos setores médios contra a ampliação da capacidade de consumo de setores populares.

Não se deve confundir a fotografia com o filme. O filme é o deslocamento crescente da direita rumo à oposição.

Vejamos agora a questão da mídia: 

"Pomar também afirma que os oligopólios de mídia fazem oposição ao PT. Isso me parece certo, mas não é porque o PT faz um governo de esquerda, mas sim porque na disputa para ser gerente da ordem burguesa o PT é preterido em relação a outros partidos, como o PSDB".

Não me lembro de ter escrito que Dilma "faz um governo de esquerda". E não seria o caso de perguntar por qual motivo, mesmo não fazendo um governo de esquerda, o PT é "preterido" na "disputa para ser gerente da ordem burguesa"??? 

Finalmente, Makaveli considera que "beira ao ridículo" afirmar que o "imperialismo está irritado com o PT". Mas, novamente, seu argumento não confirma sua tese.

Vejamos: "a afirmação de que o imperialismo está irritado com o PT é outra mitologia política que beira ao ridículo. Apenas para dar um exemplo de o quanto o governo do PT é agressivo com o imperialismo. Quando foi descoberto que a NSA espionava o Brasil, a presidente e várias estatais, Dilma fez um discurso muito inflamado em uma reunião da ONU. Só. Não tomou mais nenhuma medida. Alguns meses depois anuncia uma cooperação da Policia Federal e do Exército Brasileiro com as forças de segurança dos EUA para fazer "segurança" durante a Copa do Mundo. Com as mesmas forças que estavam espionando a presidente e as estatais. Grande oposição ao imperialismo; algo quase bolchevique!"

Noutro trecho, afirma-se que o governo federal usa "uma retórica de integração, em vários momentos age contra o imperialismo dos EUA, mas não toma medidas efetivas de integração na esfera da comunicação, tecnologia, segurança militar, cooperação econômica, etc". 

O autor não percebe que ele comete, aqui, o mesmo equívoco que comete quando fala da relação entre o governo e o grande capital, a saber: ele "demonstra" que o governo faz concessões ao imperialismo, mas não trata da postura do imperialismo frente ao governo brasileiro e frente ao PT.

Ironicamente, comete o mesmo equívoco de setores da direita do PT, que pensam mais ou menos assim: já que fazemos concessões para eles, a direita, o oligopólio, o grande capital e o imperialismo vão nos tratar bem. Analogamente, setores da "oposição de esquerda" acham que se o governo Dilma faz concessões, então os beneficiários destas concessões devem agir com reciprocidade.

A questão é: não existe tal reciprocidade. Ao menos neste momento, não há concessão ou moderação que faça a maior parte do grande capital, o oligopólio e o imperialismo preferirem o PT aos partidos burgueses.

Na direita do PT também existe um setor importante que acha que a “oposição” que "muitos setores burgueses aparentemente mostram contra o governo do PT não passa de jogo político". 

Vale dizer que concordo parcialmente que "não podemos avaliar a política burguesa pelas declarações da burguesia ou pelas declarações de veículos de imprensa como a Revista Veja. (...) Enfim, não se vai entender a política da burguesia através das colunas da Revista Veja e congêneres e dos discursos ideológicos da burguesia de menos estado, mercado perfeito, etc".

Por qual motivo concordo parcialmente? Porque o discurso do oligopólio é parte integrante do comportamento da burguesia. Mas para ter uma visão de conjunto, é preciso ir além do discurso, avaliando por exemplo os investimentos da burguesia. E nos últimos anos, apesar dos subsídios, estímulos e tudo o mais, o grande capital não está investindo a altura. E por qual motivo? Porque no atual cenário internacional, os níveis de emprego e de salário existentes no Brasil converteram-se num grande problema para eles.

Um último comentário: segundo Jonas Makaveli, "é óbvio que sempre pode piorar. Mas seguindo essa lógica deveríamos ter apoiado o governo Bush ou mesmo o governo do FHC, afinal, também podia ter vindo coisa pior".

De fato, a situação sempre pode piorar. Mas em termos de lógica, acho difícil achar algo pior do que a argumentação acima. 

Convenhamos: nenhum setor da esquerda, em nenhum lugar do mundo, considerou apoiar Bush (ou as candidaturas republicanas que vieram depois). O problema foi o oposto: as ilusões nas candidaturas e nos governos "Democratas". 

Só mais recentemente, nos Estados Unidos (e na Colômbia), colocou-se para alguns setores a questão de votar no mal menor, em Obama contra o Tea Party, em Santos contra o uribismo. 

No Brasil de 1994 e 1998, esta questão do "mal menor" não se colocou. Naquelas eleições presidenciais, a esquerda teve candidato contra FHC: Lula, do PT. 

Já no segundo turno das eleições presidenciais de 2006 e 2010, a "oposição de esquerda" se impôs este dilema e, nos dois casos, seus principais candidatos (Heloísa Helena e Plínio de Arruda Sampaio) preferiram não apoiar as candidaturas petistas. 

Agora, num segundo turno das eleições presidenciais de 2014, numa disputa entre Dilma e a candidatura da direita, a "oposição de esquerda" fará o quê?




4 comentários:

  1. Mais tarde te escrevo resposta, Pomar. Abraços.

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  2. O Pomar, você tem que disputar seu partido pra valer. O problema continua sendo governos petistas não sendo de esquerda.

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  3. Sturt: vcs tinham que deixar esse debate acadêmico e falar duro como faziam Lênin e Stálin. Xinguem, insultem, quero ver sangue!

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  4. Minha resposta, Pomar: http://makaveliteorizando.blogspot.com.br/2014/06/debatecom-valter-pomar-minha-treplica.html

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