segunda-feira, 12 de maio de 2025

Andes: resultados e perspectivas



Nos dias 7 e 8 de maio de 2025 aconteceram as eleições do Andes Sindicato Nacional.

Venceu a chapa 1, apoiada pela atual diretoria do Andes, integrada essencialmente por setores do PSOL oposicionista e antipetista.

Em segundo lugar ficou a chapa 4, apoiada por variados setores do PT, setores do PSOL, docentes vinculados a outras organizações e muitos "independentes".

Em terceiro lugar ficou a chapa 2, vinculada essencialmente mas não só à tendência petista O Trabalho.

Por último ficou a chapa 3, vinculada ao PSTU e a outros grupos que geralmente são considerados como de ultra-esquerda.

Na tabela abaixo estão os resultados da eleição de 2025 e de 2023.

VOTOS

TOTAL

CHAPA1

CHAPA2

CHAPA3

CHAPA4

2023

16351

7058

6736

2253

ZERO

2025

14431

6452

2390

2015

3574


Um ponto extremamente negativo para o Andes é o pequeno número de votantes. Aliás, o número de participantes nas eleições do Sindicato Nacional dos docentes vem caindo sistematicamente há vários anos. 

Esta queda parece atingir por igual todos os campos (comparando 2025 com 2023, a queda na votação das chapas 1 e 3 é similar à queda na votação das chapas 2 e 4).

Mas a maior prejudicada pela queda no número de votantes é a oposição. 

Há cerca de 300 mil docentes, dos quais aproximadamente 70 mil são afiliados às Associações Docentes. Se todos estes 70 mil votassem, é muito provável que a oposição vencesse. Como a participação se limita a cerca de 25%, cresce o peso dos militantes profissionais em prejuízo do conjunto da base. E cresce, também, o peso dos aposentados em relação aos professores que estão na ativa. 

A queda do número de eleitores tem relação direta com a política implementada pela atual diretoria, mas também com o impacto contraditório que o governo Lula tem sobre o estado de ânimo do corpo docente, inclusive e principalmente sobre o entusiasmo dos que votaram em Lula no primeiro e no segundo turno de 2022.

Outro ponto importante a destacar é que a chapa vitoriosa é minoritária não apenas entre os docentes, mas também minoritária entre os que votaram. A soma das chapas 2, 3 e 4 é maior do que a votação da chapa 1. 

Mas é verdade, também, que as chapas que considero esquerdistas  (1+3) foram mais uma vez majoritárias no eleitorado.

Um terceiro ponto importante é que o segundo lugar nas eleições de 2025 coube a chapa 4, que quase foi impedida de participar por uma ação combinada das outras três chapas. 

Repetindo de outro jeito: as chapas 1, 2 e 3 tentaram por diversas vezes impedir a inscrição da chapa 4. Usaram e abusaram do jurídico do Andes para tentar privar 3574 docentes do direito de votar na sua chapa preferida.

Embora não seja possível provar, é possível afirmar que a chapa 4 teria um resultado ainda melhor se não tivesse tido que gastar um enorme tempo e energia lutando pelo direito de participar do processo. 

Neste sentido, a chapa 4 teve uma vitória política, entre outras razões por confirmar sua liderança na oposição à diretoria do Andes. Aliás, apesar da perseguição que sofreu por parte das outras três chapas, a chapa 4 demonstrou quem tinha e quem não tinha maioria no antigo movimento Renova Andes.

Mas é preciso colocar esta vitória política da chapa 4 no contexto. A divisão da antiga chapa 2 (tal como concorreu em 2023) obrigou as duas chapas resultantes da cisão (as chapas 2 e 4 que concorreram em 2025) a um grande esforço. E mesmo assim, a soma das chapas 2+4 ficou atrás do resultado obtido pelas chapas 1+3. O que confirma algo óbvio: a eleição do Andes não será ganha na própria eleição. Para ganhar é preciso não apenas organizar tudo com mais antecedência, mas principalmente é necessário ampliar e muito a mobilização das bases do movimento docente em torno das nossas pautas sindicais e político-pedagógicas. 

Seja como for, o resultado que a chapa 4 alcançou nas eleições de 2025 serve como um bom ponto de partida para ações futuras. Mas como já foi dito, o principal não é começar a preparar a próxima eleição. O principal é reforçar o movimento docente aqui e agora. E para isso teremos que saber lidar com as contradições do governo Lula, contradições que não atrapalham o peleguismo vermelho & esquerdista, mas atrapalham demais quem precisa ampliar e muito a participação dos docentes. 



Os jornalões atacam Lula


Prova de que Lula mandou muito bem ao escolher Moscou para comemorar os 80 anos da vitória contra o nazifascismo é a reação histérica dos jornalões.

A respeito, Globo, Folha e Estadão publicaram textos carregados de ódio, bílis e fezes. 

Mas, no meio do besteirol vintage anticomunista, há trechos reveladores acerca do que pensam os intelectuais da classe dominante brasileira.

(Ver ao final a íntegra dos textos que citarei a seguir.)

No texto publicado por O Globo, é dito que "a democracia liberal está ameaçada". Note-se: o que estaria ameaçada é um tipo específico de democracia, a "liberal".

A extrema-direita estaria por toda parte. E além disso haveria "a ameaça do imperialismo militar russo" e os "os riscos da eventual hegemonia econômica da ditadura chinesa". Sem falar do "fogo amigo". Ou seja, os porta-vozes da classe dominante brasileira estão se sentido como aquele cachorro que caiu do caminhão de mudança: não sabem para onde ir.

Neste contexto, reconhece-se que "a celebração do aniversário de 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial" é "simbólica: serve como alerta contra os riscos do extremismo e faz parte da luta da democracia pela sobrevivência". Mas também se diz que "Lula poderia festejar em qualquer lugar —inclusive no Brasil, de onde se ausenta em demasia —, mas escolheu Moscou. Haverá quem diga que faz sentido, já que a antiga URSS era nossa aliada contra o nazismo. Mas o Brasil entrou na guerra por causa dos Estados Unidos e sempre combateu sob o comando de generais americanos. Nunca tivemos contato com os russos".

Cá entre nós, o Brasil entrou na guerra por conta de uma pressão combinada. De um lado, os EUA. De outro lado, a pressão dos setores democráticos e de esquerda no Brasil, inclusive os "russos", quer dizer, os comunistas. Ademais, o fato de nossas tropas estarem submetidas ao comando dos EUA (o que explica parte do comportamento dos generais brasileiros depois da guerra) não elimina uma verdade histórica: a derrota do nazi-fascismo deveu-se em primeiro lugar ao esforço soviético. E, podemos agregar, a derrota do imperialismo nipônico deve-se em primeiro lugar ao sacrifício do povo chinês.

Outro trecho interessante do texto do Globo é o seguinte: "Além disso, a aliança era acidental e incômoda: Alemanha e URSS eram regimes totalitários similares, comandados por ditadores paranoicos e sanguinários. Antes de se unir à luta contra o nazi fascismo, Stálin assinou um pacto de não agressão que permitiu a Hitler iniciar a guerra. A URSS ficou com Finlândia, Repúblicas Bálticas e metade da Polônia — e a ocupação soviética foi tão brutal quanto a alemã. (O governo da Polônia no exílio se aliou aos países ocidentais, não à URSS.)"

De fato, a aliança era incômoda: entre 1933 e 1939, o nazismo tinha muitos simpatizantes nos países europeus, inclusive na França e Inglaterra. E na véspera da guerra, é conhecido o esforço que estes dois países fizeram para empurrar os nazistas contra a URSS. Fizeram isso porque para a classe dominante daqueles países a URSS era percebida como sendo um perigo maior do que os nazistas. Sendo esse o contexto, criticar o Pacto Molotov-Ribbentrop sem falar nada de Munique é de um unilateralismo vergonhoso.

O texto do Globo é a reclamação de que Lula teria "esnobado" Zelenski "por quase dois anos". Citar dois anos e falar de "esnobar" é malandragem pura, como pode constatar que ler isso aqui: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c51pe7vn9y5o

Mas o mais importante do texto publicado pelo Globo é a afirmação segundo a qual "Hitler e Stálin eram parecidos, e Putin se parece com os dois. Não apenas por ser um ditador totalitário que tem o hábito de assassinar adversários, mas também por questões geopolíticas". (....) Só não vê a semelhança, só ignora o risco, quem quer". De fato, só quem quer ignora o "risco" embutido neste tipo de interpretação, acompanhada da seguinte ameaça: "Não é apenas ignorância histórica e estupidez política, é a mais grave agressão diplomática (depois de muitas) às democracias europeias até agora. Ela terá consequências".

Uma última passagem, para concluir: "Lula poderia ir a Moscou a qualquer tempo, mas escolheu este momento simbólico, em que as democracias celebram a vitória contra as tiranias, para confraternizar com Putin, Xi Jinping, Maduro e mais dúzia e meia de liberticidas". O problema, ó X&#@*% que escreveu este texto, é que na derrota da "tirania" nazista, os povos soviéticos e o Exército Vermelho tiveram a primazia.

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Passemos agora para o que disse um editorial da Folha, intitulado "Deferência de Lula a Putin constrange o Brasil" e publicado dia 9 de maio.

Causa vergonha alheia ver um jornal que apoiou a ditadura, tentar agora falar em nome do Brasil. Mas sigamos.

Segundo a Falha de S. Paulo, não haveria "qualquer vantagem estratégica na presença de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cortejo a Vladimir Putin. Sua viagem a Moscou para o beija-mão do autocrata abala a imagem do Brasil, ao permitir a leitura de parcialidade ante o ataque movido pelo russo à Ucrânia".

A Falha esquece que Lula, certo ou errado, criticou a agressão da Rússia contra a Ucrânia. Mas sempre disse que para acabar com a guerra era preciso combinar com os russos. "Parcialidade" é cometida por quem fala em paz, mas evita tratar com os russos.

(Não sei como o Manual de Redação da Folha deixa passar frases como a de que a guerra da Rússia contra a Ucrânia é condenada "pela maior parte das democracias do mundo, com exceção do Brasil". Mas é compreensível: não basta condenar, tem que mandar armas e dinheiro, tem que aplaudir o ditador Zelensky, tem que dizer que a Otan é um ninho de pombos que nada tem que ver com a guerra etc.)

A Falha também esquece que os BRICS são estratégicos para o Brasil, especialmente nesses momentos de guerra comercial e tarifária. Guerra desencadeada pelos Estados Unidos, diga-se.

Um ponto alto do editorial da Falha de São Paulo é a seguinte frase: "O presidente brasileiro posou para a propaganda do regime russo ao lado de líderes autoritários unidos pelo terceiro-mundismo, a doença infantil do anti-imperialismo". A pergunta é: o imperialismo existe? O Sul Global existe? De que lado deve estar o Brasil? Ao lado da Europa onde a extrema-direita cresce e que é cúmplice do genocídio de Israel? Ou ao lado do governo Trump? 

O editorial da Falha diz que Lula, ao ir a Moscou, pode "constranger o Brasil perante a União Europeia, um dos maiores parceiros comerciais e reduto antagonista de Putin após a meia-volta errática de Trump". 

Em se tratando de União Europeia, constrangimento mesmo é ler o seguinte: "Francesca Albanese, relatora especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados, pediu que altos funcionários da União Europeia, incluindo a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e a representante da União Europeia para Relações Exteriores e Política de Segurança, Kaja Kallas, sejam acusadas ​​de cumplicidade em crimes de guerra por seu apoio à campanha genocida de Israel na Faixa de Gaza".

O melhor de tudo, neste editorial da Falha, é ler que "a deferência ao russo não pode ser equiparada ao cultivo de boas relações com o autoritário Xi Jinping. A China, afinal, é outro destino decisivo das exportações nacionais e não move no momento guerra contra uma nação soberana —em que pesem ameaças perenes contra Taiwan".

Primeiro, Taiwan não é uma nação soberana. Segundo, não tem preço ver um "liberal" demostrando que seus princípios democráticos são cotados em dólares. E também em "renminbis".

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Agora vamos ao editorial do Estadão, publicado dia 10 de maio e intitulado "Lula em Moscou: o dia da infâmia".

Segundo o porta-voz dos bandeirantes quatrocentões, "a imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras para ver o desfile de mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia, marcará o dia da infâmia da política externa brasileira."

Dizer que a ida de Lula a Moscou foi um "vexame moral" é, digamos, uma questão de ponto de vista. Afinal, como já foi dito, nossa moral é diferente da deles. Mas dizer que foi um "fiasco geopolítico para o Brasil" é pura ignorância. Como até a Falha percebe, se não for por outros motivos, o mero pragmatismo recomendaria cultivar boas relações com os integrantes dos BRICS, inclusive porque só tem um jeito de acabar com a guerra: combinando com os russos.

Ocorre que o Estadão considera que o regime russo "encarna o que há de mais próximo ao fascismo hoje" (...) A semelhança com as ambições irredentistas de Hitler (...) é óbvia demais para ser ignorada".

 Se for para levar a sério esta afirmação, devemos concluir que o Estadão está fazendo soar as trombetas da terceira guerra mundial. Infelizmente para eles, a vida está muito confusa, como eles mesmos reconhecem ao dizer que "o gesto de Lula também o aproxima do presidente dos EUA, Donald Trump. Ambos têm apreço por autocratas, disputam um lugar no coração de Putin e culpam a Ucrânia por uma guerra de agressão que a Rússia começou".

Um trecho importante do editorial do Estadão diz assim: "Como em todos os governos petistas, Lula conduz uma política externa pautada não por interesses de Estado, mas por taras ideológicas e por sua ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista. Foi assim na aloprada mediação nuclear com o Irã, em 2010. É assim na contemporização sistemática de ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua". 

Ler isto deve decepcionar e muito os amigos do governo e da esquerda brasileira que comemoraram três decisões recentes do governo, a saber, a de retirar o embaixador brasileiro da Nicarágua, a de não reconhecer o resultado das eleições da Venezuela e a de não aceitar a entrada da Venezuela nos BRICS. Afinal, o que o Estadão está dizendo é que não basta ajoelhar, tem que rezar e muito!

Obviamente, o que também está em jogo é 2026. Segundo o Estadão, além de "conspurcar" a "memória dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira", Lula teria jogado "mais uma pá de cal na tal “frente ampla democrática” que o elegeu em 2022, sequestrando aquele pacto cívico para usá-lo como instrumento de autopromoção ideológica".

Tudo isso porque o Brasil, segundo o Estadão, estaria se afastando "dos polos democráticos e reformistas do mundo" e se aproximando "da constelação sombria de regimes autoritários do novo eixo de caos". Nessa hora me dá saudade do agente 86. Pois afinal se há um eixo do caos neste mundo de 2025, sua capital é Washington e sua sucursal é Bruxelas.

Estar em Moscou no dia 9 de maio de 2025 foi um acerto de Lula e da política externa brasileira. O ódio dos jornalões apenas confirma isso.


SEGUEM OS TEXTOS COMENTADOS

 O Globo

Coluna: Lula em Moscou: o lado errado da História

Ricardo Rangel, empresário

08/05/2025

Não é novidade que a democracia liberal está ameaçada. Nunca, desde a derrota do nazifascismo em 1945, a extrema direita esteve tão forte, e ela está por toda parte: Trump, Le Pen, Orbán, Bolsonaro etc. Recentemente, o segundo lugar nas eleições alemãs ficou com a extremista Alternativa para a Alemanha (AfD), e o vencedor teve dificuldade para formar um governo (na última vez em que um cenário parecido ocorreu, em 1930, ele abriu caminho à ascensão de Hitler).

A situação internacional tampouco é fácil. Há a ameaça do imperialismo militar russo, os riscos da eventual hegemonia econômica da ditadura chinesa e o fogo amigo. Trump rasga a Constituição como quem troca de roupa, defende extremistas estrangeiros, desorganiza o comércio internacional.

A celebração do aniversário de 80 anos da vitória na Segunda Guerra Mundial, nesta semana, é simbólica: serve como alerta contra os riscos do extremismo e faz parte da luta da democracia pela sobrevivência. Lula poderia festejar em qualquer lugar —inclusive no Brasil, de onde se ausenta em demasia —, mas escolheu Moscou. Haverá quem diga que faz sentido, já que a antiga URSS era nossa aliada contra o nazismo. Mas o Brasil entrou na guerra por causa dos Estados Unidos e sempre combateu sob o comando de generais americanos. Nunca tivemos contato com os russos.

Além disso, a aliança era acidental e incômoda: Alemanha e URSS eram regimes totalitários similares, comandados por ditadores paranoicos e sanguinários. Antes de se unir à luta contra o nazi fascismo, Stálin assinou um pacto de não agressão que permitiu a Hitler iniciar a guerra. A URSS ficou com Finlândia, Repúblicas Bálticas e metade da Polônia — e a ocupação soviética foi tão brutal quanto a alemã. (O governo da Polônia no exílio se aliou aos países ocidentais, não à URSS.)

De toda forma, se a justificativa para a presença de Lula na Rússia é a antiga aliança com a URSS, como fica a Ucrânia, também ex-república soviética? Qual a justificativa para prestigiar um antigo aliado e insultar o outro? Lula quis reduzir o papelão marcando, em cima da hora, uma visita a Volodymyr Zelensky — isso depois de esnobá-lo por quase dois anos. O presidente da Ucrânia mandou dizer que tem mais o que fazer, classificou a ida de Lula a Moscou como “ato hostil” e cogita reduzir o status diplomático na relação conosco.

A maior parte dos países europeus viveu anos sob ocupação e opressão nazistas, e metade se libertou de Hitler para cair sob a opressão soviética. Hitler e Stálin eram parecidos, e Putin se parece com os dois. Não apenas por ser um ditador totalitário que tem o hábito de assassinar adversários, mas também por questões geopolíticas.

Hitler anexou a Áustria, intimidou as potências ocidentais para lhe darem um pedaço da Tchecoslováquia (depois tomou o país inteiro), invadiu a Polônia e jogou o mundo numa guerra devastadora. Putin anexou a Crimeia e invadiu a Ucrânia, e líderes como Trump e Lula dão a entender que ficará tudo bem se ele ficar com (só) mais um pedaço do país. Só não vê a semelhança, só ignora o risco, quem quer.

Lula poderia ir a Moscou a qualquer tempo, mas escolheu este momento simbólico, em que as democracias celebram a vitória contra as tiranias, para confraternizar com Putin, Xi Jinping, Maduro e mais dúzia e meia de liberticidas. Não é apenas ignorância histórica e estupidez política, é a mais grave agressão diplomática (depois de muitas) às democracias europeias até agora. Ela terá consequências.

Lula, alvo de uma tentativa de golpe de Estado, vive elogiando e defendendo a democracia, mas suas ações contrariam suas palavras. Karl Marx escreveu que o critério da verdade é a prática, e a prática de Lula mostra que sua defesa da democracia é da boca para fora. Só vale em benefício próprio.

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Folha

Editorial: Deferência de Lula a Putin constrange o Brasil

09/05/2025

Não há qualquer vantagem estratégica na presença de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no cortejo a Vladimir Putin. Sua viagem a Moscou para o beija-mão do autocrata abala a imagem do Brasil, ao permitir a leitura de parcialidade ante o ataque movido pelo russo à Ucrânia.

Comemoravam-se 80 anos do Dia da Vitória contra o nazismo, com a entrada do Exército Vermelho em Berlim. O feito militar se deu após a morte de 27 milhões de pessoas da União Soviética na Segunda Guerra Mundial.

O presidente brasileiro posou para a propaganda do regime russo ao lado de líderes autoritários unidos pelo terceiro-mundismo, a doença infantil do anti-imperialismo. Na pretensão de opor à força global dos Estados Unidos, fazem mesuras ao czar de um país que de potência tem só o arsenal atômico.

Lula presenciou não a justa celebração do fim do mais letal conflito da história da humanidade, e sim a glorificação de outro atual, condenado pela maior parte das democracias do mundo, com exceção do Brasil. A guerra de mais de três anos travada pelo gigante nuclear contra a ex-república soviética já causou 1 milhão de mortes, de acordo com estimativas difíceis de verificar.

Ninguém ignora em Brasília que tal agressão foi precedida pela tomada da Crimeia, uma década antes, pelo mesmo Putin. O pretexto para seu expansionismo belicoso seria, desta feita, a iminente adesão ucraniana à Otan.

Na parada militar moscovita, deu-se outra patranha, a de que a Rússia "foi e sempre será uma barreira indestrutível contra o nazismo, a russofobia e o antissemitismo". Em cinismo, Putin se irmana a Donald Trump ao instrumentalizara tragédia do Holocausto de forma mendaz.

O gesto de Lula pode soar diplomático, ao prestigiar uma das nações fundadoras do BRICS, porém serve mais para desqualificá-lo no sonhado papel de mediador entre Rússia e Ucrânia. E, decerto, para constranger o Brasil perante a União Europeia, um dos maiores parceiros comerciais e reduto antagonista de Putin após a meia-volta errática de Trump.

A deferência ao russo não pode ser equiparada ao cultivo de boas relações com o autoritário Xi Jinping. A China, afinal, é outro destino decisivo das exportações nacionais e não move no momento guerra contra uma nação soberana —em que pesem ameaças perenes contra Taiwan.

Lula teria feito melhor ao Brasil se, em vez de participar de convescote com autocratas, cuidasse das articulações políticas em que seu governo, ainda envolvido em um escândalo bilionário, colhe mais derrotas que vitórias.

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Estadão

Opinião: Lula em Moscou: o dia da infâmia

10/05/2025

A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras para ver o desfile de mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia, marcará o dia da infâmia da política externa brasileira

Ao tomar parte nas celebrações do “Dia da Vitória” em Moscou – data em que a Rússia festeja a vitória na 2ª Guerra contra o nazismo alemão e que o autocrata Vladimir Putin usa para fazer propaganda de seu regime tirano –, o presidente Luiz Inácio Lula da Silvas e/ou não um triunfo diplomático ou um gesto de realismo pragmático, mas um vexame moral e um fiasco geopolítico para o Brasil. Ao lado de autocratas de todos os cantos, Lula foi aquilo que os antigos agentes secretos soviéticos chamariam de “idiota útil”: um ocidental deslumbrado e voluntarioso – e descartável após servir às ambições do império russo. 

Em teoria, a participação de um presidente brasileiro nas comemorações do fim da 2ª Guerra poderia significar a celebração da liberdade contra a tirania, da coragem do povo russo, do papel civilizatório da Rússia nas artes, nas letras, nas ciências, ou mesmo uma oportunidade para um estadista astuto tecer alianças diplomáticas num mundo multipolar– e até explorar canais para promover uma paz justa entre Rússia e Ucrânia. Na prática, Lula foi o exato oposto.

O cortejo foi a peça de propaganda fabricada por um regime que encarna o que há demais próximo ao fascismo hoje: uma autocracia que envilece sua nação e oprime seu povo, silenciando a oposição, perseguindo minorias, fraudando eleições para sustentar um líder vitalício adornado por uma iconografia imperial. É também um Estado predador, que desestabiliza governos, invade vizinhos e massacra civis sob a bandeira fraudulenta da “desnazificação”. A semelhança com as ambições irredentistas de Hitler, que invocava a germanidade para saquear territórios da Checoslováquia e da Polônia, é óbvia demais para ser ignorada.

Ironicamente, o gesto de Lula também o aproxima do presidente dos EUA, Donald Trump. Ambos têm apreço por autocratas, disputam um lugar no coração de Putin e culpam a Ucrânia por uma guerra de agressão que a Rússia começou.

Como em todos os governos petistas, Lula conduz uma política externa pautada não por interesses de Estado, mas por taras ideológicas e por sua ambição de ser festejado como vedete terceiro-mundista. Foi assim na aloprada mediação nuclear com o Irã, em 2010. É assim na contemporização sistemática de ditaduras como Cuba, Venezuela e Nicarágua. E é assim também, à custa da credibilidade internacional do Brasil, na relação amistosa com Vladimir Putin, um déspota que reintroduziu a guerra na Europa e exumou a guerra fria, flertando com um conflito mundial nuclear.

Ao celebrar o imperialismo de Putin, Lula, numa só tacada, surrou os princípios constitucionais que regem a política externa brasileira – autodeterminação dos povos, prevalência dos direitos humanos e solução pacífica dos conflitos. Também conspurcou a memória dos combatentes da Força Expedicionária Brasileira que tombaram ombro a ombro com os aliados europeus em nome da liberdade na 2ª Guerra. E jogou mais uma pá de cal na tal “frente ampla democrática” que o elegeu em 2022, sequestrando aquele pacto cívico para usá-lo como instrumento de autopromoção ideológica.

O resultado é que o Brasil se afasta dos polos democráticos e reformistas do mundo e se aproxima da constelação sombria de regimes autoritários do novo eixo de caos. Em vez de se mover com pragmatismo e independência num mundo multipolar, Lula opta por um multilateralismo de fachada, que relativiza regras, desrespeita tratados e consagra a lei do mais forte – justamente a lógica que mais prejudica um país como o Brasil, que não dispõe do poder das armas ou do dinheiro, só da diplomacia, da persuasão e da adesão às normas internacionais para proteger seus interesses.

A imagem de Lula na Praça Vermelha, ladeado por facínoras, assistindo ao desfile de tanques e mísseis que vão massacrar inocentes na Ucrânia e outros povos, marcará na História o dia da infâmia da política externa brasileira, um dia em que o Brasil, sem ganhar rigorosamente nada em troca, arruinou seus princípios republicanos e democráticos, bajulando criminosos de guerra e adulando ditadores por puro capricho do demiurgo petista.

O chanceler paralelo Celso Amorim disse que Lula iria a Moscou como um “mensageiro da paz”. Foi apenas um mensageiro da torpeza.

sábado, 10 de maio de 2025

Lula errou ao ir a Moscou?


Lula errou ao ir a Moscou?

Luís Felipe Miguel acha que sim.

Quem quiser ler a opinião dele, está no link abaixo e também ao final deste texto:

LFM chama de “falsos ingênuos” os que dizem ser justo comemorar a vitória da extinta União Soviética na Segunda Guerra Mundial.

Ingenuidades e falsidades à parte, é “justo” ou não? Devemos ou não comemorar? Da minha parte acho que devemos lembrar sempre do papel da URSS na derrota do nazifascismo.

LFM diz não saber se “realmente existe” um “apagamento da participação fundamental dos soviéticos na luta contra o nazismo”.

Mas logo depois reconhece que tal “apagamento” existe nas “produções da indústria cultural ocidental”, mas questiona que isso exista nos “livros de história”.

Como as massas consomem mais “produções da indústria cultural” do que “livros de história”, LFM responde ele mesmo sua própria questão.

LFM considera que “os 80 anos do fim da guerra são mero pretexto para os festejos de hoje, cujo ponto alto, convém não esquecer, é uma parada militar”.

Não sou entusiasta de militarices, mas se há uma “parada” justa é essa. Afinal, sem o Exército Vermelho, o “homem do castelo alto” poderia não ser ficção.

LFM diz que Putin quer “romper o isolamento em que se encontra desde que invadiu a Ucrânia, há quase três anos e meio”.

Que “isolamento”? “Isolamento” em relação a quem? Quantos e quais países do mundo adotaram sanções contra a Rússia? 

LFM diz que indo a Moscou, “Lula objetivamente endossa a agressão contra os ucranianos”. 
“Objetivamente” isto é a opinião de LFM. A minha é que Lula está levando à prática o que sempre disse: acabar com a guerra exige negociação, inclusive com Putin. 

Quem diz querer acabar com a guerra, mas não quer conversar com Putin é “objetivamente” um “falso”, embora não “ingênuo”.

Boa parte do texto de LFM é uma digressão sobre o “putinismo” & quetais. Não concordo com o conteúdo desta digressão, mas o mais relevante do ponto de vista político é que ela não ajuda a compreender as posições de Lula.

Vale dizer que Breno Altman, Pepe Escobar e outros não pensam a mesma coisa e Lula não pensa o mesmo que eles. Por exemplo: diferente dos citados, Lula condenou a agressão à Ucrânia.

Segundo LFM, “há uma boa parcela de responsabilidade dos EUA na escalada do conflito”. Na verdade, é bem mais que isso: os EUA e a OTAN têm suas digitais no conjunto da obra. Também por isso, criticar Putin e relativizar o papel dos EUA é de um “maniqueísmo” atroz. E, como disse o próprio LFM, o maniqueísmo “quase sempre explica muito mal as realidades com as quais nos deparamos”.

E a realidade é que, na atual situação mundial, nós do Brasil somos BRICS. Isso não significa se “perfilar a Putin”, coisa que Lula não fez. Mas certamente significa que não devemos tratar a Federação Russa como inimiga.

Portanto, minha opinião é oposta a de LFM: Lula não cometeu um erro político indo a Moscou. Pelo contrário, sua presença no Dia da Vitória contribui positivamente para com as relações internacionais do Brasil. E é perfeitamente coerente com a busca da paz, que como já dissemos pressupõe negociar com Putin.

Por último: LFM diz que Lula dá “combustível para a direita”. Penso diferente: neste caso, o que dá “combustível” para nossos inimigos é aceitar suas premissas, como faz em várias questões este texto de LFM.


Segue abaixo o texto criticado

Lula errou ao ir a Moscou.
Os falsos ingênuos dirão que é justo comemorar a vitória da extinta União Soviética na Segunda Guerra Mundial. Recentemente, aliás, os porta-vozes do putinismo no Brasil, como o jornalista Breno Altman, iniciaram uma campanha contra o suposto apagamento da participação fundamental dos soviéticos na luta contra o nazismo.
Não sei se realmente existe tal apagamento – nas produções da indústria cultural ocidental, sim, como sempre, mas também nos livros de história? Seria necessária muita borracha para isso.
Seja como for, os 80 anos do fim da guerra são mero pretexto para os festejos de hoje, cujo ponto alto, convém não esquecer, é uma parada militar. O que Putin quer é romper o isolamento em que se encontra desde que invadiu a Ucrânia, há quase três anos e meio.
Ao ir a seu encontro, Lula objetivamente endossa a agressão contra os ucranianos. Não é preciso ser um expert em política internacional para perceber isso.
Urso lambendo seus filhotes, iluminura do Bestiário de Aberdeen (século XII)
Não é um encontro normal entre chefes de Estado, em que fatalmente se torna necessário trocar afabilidades com todo o tipo de patife. É uma parada militar em um país que a comunidade internacional condena por ter agredido um vizinho.
Quando a guerra entra na discussão, os falsos ingênuos subitamente aderem a teorias sofisticadas. Falam sobre a mistura étnica do Donbass e de outras regiões da Ucrânia oriental, como se conhecessem algo daquilo; citam plebiscitos organizados pela Rússia, como se não fossem fajutos; colocam na conversa a OTAN e a política de cerco adotada pelos Estados Unidos pré-Trump.
Sim, a situação é complexa e há uma boa parcela de responsabilidade dos EUA na escalada do conflito, mas nada disso justifica o apoio a uma guerra de expansão territorial.
Quando a invasão começou e parecia que a Rússia conseguiria um sucesso rápido, motivando aqueles artigos altissonantes do “especialista em geopolítica” Pepe Escobar que são hoje leitura obrigatória nas disciplinas de Teoria e Prática do Vexame em universidades de todo o mundo, não faltaram pessoas à esquerda comemorando alegremente, indiferentes ao sofrimento da população civil.
Quando a coisa encrespou e a resistência ucraniana se mostrou mais forte do que o esperado, teve até quem sugerisse que a Rússia usasse bombas nucleares, para “salvar o mundo de uma terceira guerra mundial”. (Aparentemente, o tuíte depois foi apagado.)
Agora, não se fala nada sobre o fiasco da máquina de guerra russa – que ainda é poderosa o suficiente para evitar uma derrota, mas não consegue alcançar uma vitória.
Os putinófilos de esquerda são, via de regra, neostalinistas. Há uma sobreposição forte entre neostalinismo e simpatia pelo governo Putin.
Acho que tem três fatores que explicam o fenômeno. O primeiro, obviamente, é o maniqueísmo. Uma vez que o imperialismo estadunidense é mau, quem se opõe a ele precisa necessariamente ser bom. Se a OTAN era contra, eu tinha que ser a favor.
E se Zelensky é um oportunista vulgar com simpatias pela extrema-direita, devo aplaudir qualquer um que esteja contra ele.
Deste jeito, a agressão de uma potência com pretensões imperiais deve ser apoiada porque ocorre em oposição a outra potência imperial. Um governante com predisposições fascistas deve ser desculpado porque está em confronto com outro governante fascistoide.
Não sei se vem de fábrica na humanidade, não sei se é produto das narrativas mitológicas com que somos alimentados desde a mais tenra infância, mas o fato é que o maniqueísmo surge quase que espontaneamente. No entanto, ele quase sempre explica muito mal as realidades com as quais nos deparamos.
O maniqueísmo nos dá um lado para o qual torcer, o que parece satisfazer algumas predisposições psicológicas inatas. E, sobretudo, permite que a gente evite confrontar o fato de que, no mundo em que vivemos, muitas vezes a disputa que ocorre não é do mal contra o bem, mas de um mal contra outro.
Não é preciso gostar dos Estados Unidos ou de Zelensky para rechaçar Putin. Isto é tão óbvio que nem precisava ser dito.
Como escreveu Lênin, certa vez: “Imaginem um proprietário de escravos que possuía 100 escravos guerreando contra um proprietário de escravos que possuía 200 escravos, por uma distribuição mais ‘justa’ de escravos. Claramente, a aplicação do termo guerra ‘defensiva’ ou guerra ‘pela defesa da pátria’ em tal caso seria historicamente falsa e, na prática, seria puro engano das pessoas comuns, dos filisteus, dos ignorantes, pelos astutos donos de escravos. Precisamente assim a burguesia imperialista atual engana os povos por meio da ‘ideologia nacional’ e do termo ‘defesa da pátria’ na presente guerra entre senhores de escravos para fortalecer e reforçar a escravidão”.
E a guerra que Putin iniciou, convém nunca esquecer, não é contra Zelensky ou contra a OTAN. De certa forma, eles foram seus primeiros beneficiários. A OTAN ganhou legitimidade na Europa, como proteção contra uma ameaça russa que se mostrava concreta. Recebeu a adesão de países antes refratários a ela, como Finlândia e Suécia. Já Zelensky passou de charlatão a herói da pátria, prolongou seu mandato, ampliou seu poderes.
A guerra é contra o povo ucraniano. É ele que sofre. Mas os putinófilos de esquerda esquecem disso, seja porque se preocupar com os custos humanos é “coisa de pequeno-burguês”, seja porque a adesão ao maniqueísmo os leva a acreditar que todo ucraniano é neonazista.
Algo que guarda semelhança, vejam só, com o discurso sionista que estabelece que qualquer bebê palestino é um “terrorista do Hamas”.
O curioso é que o maniqueísmo deu um tilt com a aproximação entre Washington e Moscou, depois da vitória de Trump (que uma parte da imprensa estadunidense especula que seria um agente do serviço secreto russo). Mas a adoração por Putin já se tornara tão grande que eles preferem absolver o magnata alaranjado, para não romper com seu novo ídolo.
O segundo fator é que Putin tem, em comum com “Koba” (o simpático apelido de Stálin), um desprezo completo por direitos, liberdades, todas estas frescuras liberais que um “verdadeiro revolucionário” deve ignorar.
A lógica é capenga mesmo em seus próprios termos. Ainda que um “verdadeiro revolucionário” devesse desprezar direitos e liberdades individuais, nada garante que alguém vira “verdadeiro revolucionário” só por desprezá-los.
É um pessoal que se diz socialista, mas curte mesmo é um autoritarismo.
Por fim, fortemente vinculado ao anterior, o último fator: o machismo. Putin cultiva a imagem de líder destemido, que bate a mão na mesa, paga pra ver, enfrenta os riscos. A mesma imagem que funda a mítica stalinista.
São “machos”, em suma. E fazer a guerra é a demonstração máxima de sua macheza.
Tenho visto textos de glorificação de Putin, que tentam conectá-lo com o período soviético, que são de enrubescer de vergonha alheia. Sim, ele foi da KGB – que não foi só um escritório de espionagem, mas também uma polícia política e uma usina de torturas, um símbolo do que a União Soviética tinha de pior. Mas sua ideologia, se é que tem uma, é um nacionalismo reacionário, com óbvias pitadas fascistas. Na prática, não se conhece uma medida sua em benefício da classe trabalhadora russa. No espectro político, está na extrema-direita, do ladinho de Trump ou de Bolsonaro.
Ao se perfilar a Putin, Lula não comete apenas um erro político – algo que prejudica as relações internacionais do Brasil e, internamente, dá combustível para a direita. É pior. Ele renega o compromisso com a paz, que deveria guiar nossa política externa.


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Favre: passando o pano no imperialismo europeu

Em 1987, o Instituto Cajamar realizou um seminário dedicado a debater “70 anos de tentativas de construção do socialismo”.

O resultado do seminário pode ser lido aqui: https://fpabramo.org.br/2017/06/19/fundacao-perseu-abramo-reedita-1917-1987-socialismo-em-debate/

Como subsídio para o seminário, a Secretaria de relações internacionais do PT elaborou uma série de pequenos textos, contendo informações sobre a Revolução Russa.

Um dos responsáveis por elaborar estes textos era um cidadão chamado Luís Favre, que salvo engano estava transitando de O Trabalho em direção à Articulação dos 113.

Neste contexto, Favre me propôs que publicássemos juntos um texto acerca da Revolução Russa. Mas o texto nunca saiu, devido a falta de acordo quanto aos fundamentos, digamos assim.

Me lembrei deste episódio, ao deparar com uma postagem do Henrique Carneiro reproduzindo um texto assinado pelo Luís Favre, intitulado “Stalin e o Despreparo da URSS Frente à Invasão Nazista”.

Alguém algum dia vai escrever uma biografia do Favre. Ou pelo menos assim espero. Mas voltemos ao texto, datado de 8/05/2025.

Nele, Favre exibe pequena parte de sua notável erudição. Eu ia arriscar polemizar com algumas afirmações, mas aí deparei com a seguinte frase: “Segundo o Becker Friedman Institute, expurgos ideológicos como os realizados por Stalin prejudicam gravemente a capacidade de dissuasão e a prontidão militar”. 

Isto posto, deixarei para a IA polemizar com os detalhes eruditos do texto de Favre e me concentrarei no seu despropósito: aparentemente foi escrito para colocar Stálin no seu verdadeiro lugar, mas na verdade busca exaltar o papel dos imperialismos europeus.

O próprio Favre reconhece o lugar de Stálin, ao dizer que a vitória soviética não foi "obra exclusiva" dele. Ou seja: não foi exclusiva, mas foi obra dele também. E se faz algum sentido chamar o cidadão de "ditador", então não dá para exagerar a margem de manobra de seus generais. Nem dá para apagar da história os "verdadeiros heróis" do povo, que também lutaram e morreram pela URSS e "por Stalin".

Entretanto, na minha opinião isto tudo é uma homenagem que Favre concede a seu passado de esquerda. O que importa mesmo em seu texto é sua postura frente aos imperialismos europeus.

Favre diz que o mundo da época da Segunda Guerra era “multipolar”. Esquece de dizer que quase todos os “polos” eram imperialistas. Aliás, ele usa o termo “imperialismo” ou “imperialista” unicamente para para falar da Alemanha e do stalinismo. 

Favre lembra do “estalido da guerra novamente no solo europeu”, esquecendo que antes da Segunda Guerra começar oficialmente, tivemos a Guerra Civil na Espanha e a agressão japonesa contra a China.

Favre fala da capitulação de Chamberlain e Daladier frente a Hitler, mas omite um dos objetivos de ambos: empurrar a Alemanha Nazista a atacar a URSS.

Favre reconhece a “centralidade do front oriental”, mas destaca que “a vitória sobre o nazismo foi resultado de uma coalizão global”, uma “conquista coletiva dos povos que se uniram contra a tirania”. O que é verdade, como reconhece aliás o belo vídeo divulgado nesses dias pela mídia russa.

Mas a "centralidade" foi a luta travada na URSS (o eufemismo front oriental é do bilubilu).

O arremate do texto de Favre é o seguinte: “os verdadeiros herdeiros da vitória contra o nazismo são os povos da Europa que, a partir das ruínas da guerra, construíram a paz e a democracia no continente. A União Europeia, com seus 27 países pacificamente unidos em uma entidade comum, é um dos frutos mais notáveis dessa vitória”.

Tem um gap imenso nessa versão da história apresentada por Favre: a chamada Guerra Fria. De toda forma, é realmente notável que a Alemanha tenha conseguido pelo caminho pacífico o que tentou duas vezes através da guerra. E também é notável que só tenha conseguido fazer isso depois que a URSS deixou de existir. 

Mas notável mesmo é que - como me lembrou um amigo - Favre omite o papel da “pacífica União Europeia” e/ou de grande parte de seus integrantes em inúmeras intervenções imperialistas mundo afora, na destruição da Iugoslávia, na cumplicidade com o genocida Estado de Israel, para não falar no apoio ao ditador Zelensky.

Enfim, é Favre.


Segue abaixo o texto comentado acima

Stalin e o Despreparo da URSS Frente à Invasão Nazista.

LF

8/05/2025

Após Chamberlain e Daladier ter cedido a Hitler nos Sudetos, e aceito a anexação da Áustria, em vã tentativa de preservar a paz a custa do direito de povos soberanos, Hitler e o imperialismo alemão ficaram mais à vontade para levar adiante a pretensão de redefinir em seu favor o mundo multipolar da época. A paz não foi preservada por muito tempo e levou ao estalido da guerra novamente no solo europeu.

A Segunda Guerra Mundial, porem, teve início com uma aliança surpreendente entre dois regimes ditatoriais distintos: o de Adolf Hitler e o de Josef Stalin. O Pacto Molotov-Ribbentrop, assinado em 23 de agosto de 1939, foi um tratado de não agressão que incluía protocolos secretos nos quais Alemanha e União Soviética dividiram a Europa Oriental em zonas de influência. Poucos dias depois, Hitler invadiu a Polônia pelo Oeste, e em 17 de setembro, cumprindo sua parte no acordo, o Exército Vermelho invadiu a Polônia pelo leste. Assim, os dois regimes dividiram o país em comum acordo.

Enquanto o Reino Unido e a França declararam guerra à Alemanha em defesa da Polônia, a URSS colaborava com o regime nazista, fornecendo matérias-primas como petróleo, grãos e minerais estratégicos. Com o flanco oriental assegurado, Hitler voltou-se contra França e Inglaterra, "ocidente decadente controlado pelos banqueiros e a mídia judia”. Em 1940, derrotou rapidamente a França e lançou pesadas ofensivas aéreas contra o Reino Unido.

O 1º de Maio de 1941: O Desfile da Vergonha

Em 1º de maio de 1941, uma delegação oficial da Alemanha nazista participou das celebrações do Dia do Trabalho em Moscou, na Praça Vermelha. Oficiais do Terceiro Reich foram recebidos por Stalin e assistiram ao desfile do Exército Vermelho. Esse evento insólito, documentado por registros fotográficos, simboliza o ponto mais alto da colaboração entre os regimes de Hitler e Stalin antes da invasão alemã à URSS, em junho do mesmo ano. Esta colaboração se acompanhou da entrega de comunistas alemães refugiados na URSS para a Alemanha nazista.

Os Expurgos e a Fragilidade Interna da URSS

Entre 1937 e 1938, Stalin promoveu expurgos massivos que dizimaram miles de comunistas e a cúpula do Exército Vermelho. Marechais, generais e milhares de oficiais experientes foram executados ou enviados aos campos de trabalho forçado. O resultado foi um exército fragilizado, desorganizado e sem liderança confiável às vésperas do maior conflito da história soviética.

Segundo o Becker Friedman Institute, expurgos ideológicos como os realizados por Stalin prejudicam gravemente a capacidade de dissuasão e a prontidão militar.

A Espionagem Ignorada: Sorge, Trepper e a Orquestra Vermelha

Mesmo com o aparato repressivo e de inteligência da URSS, Stalin ignorou diversos avisos sobre a iminente invasão alemã. Sua desconfiança paranoica levou a erros catastróficos. 

A rede de espionagem conhecida como Orquestra Vermelha (Rote Kapelle), coordenada por o comunista polonês Leopold Trepper na Europa Ocidental, enviou informações detalhadas sobre os preparativos da Wehrmacht. Um de seus agentes mais valiosos era Willi Lehmann, oficial da Gestapo que repassava dados diretamente à NKVD.

Outro herói do serviço de inteligência soviético foi Richard Sorge, agente do GRU baseado em Tóquio. Sorge conseguiu acesso a informações diretas da embaixada alemã no Japão e alertou repetidamente Moscou sobre a data exata da Operação Barbarossa. Todos os seus relatórios foram desconsiderados. Sorge seria preso em 1941 e executado em 1944, sem jamais ser reconhecido por Stalin em vida. 

Ivan Proskurov, chefe do GRU, também advertiu sobre os riscos de uma traição alemã e foi punido com a demissão e, mais tarde, a execução. Após a guerra, Trepper foi preso pelo NKVD e passou anos detido antes de ser libertado. A negligência de Stalin diante desses alertas custou à URSS milhões de vidas. 

A Tentativa de Stalin de Aderir ao Eixo

No auge da cooperação com a Alemanha nazista, Stalin chegou a explorar a possibilidade de adesão formal da União Soviética ao Eixo junto com Alemanha, Itália e Japão. 

A proposta soviética de ingresso no Eixo, apresentada por Molotov em Berlim (novembro de 1940), revelava a natureza imperialista do stalinismo: não se tratava apenas de uma manobra tática, mas de um projeto concreto de partilha territorial às custas de nações soberanas. Os documentos mostram que Stalin exigia o controle dos Bálcãs, bases no Estreito de Bósforo (Turquia) e influência no Golfo Pérsico - ambições que ecoavam o expansionismo nazista, ainda que sob retórica 'anti-imperialista'. A recusa de Hitler não decorreu de princípios, mas do cálculo de que a URSS, como sócia, seria mais perigosa que como presa. O episódio expõe a hipocrisia de um regime que, enquanto combatia o 'fascismo' na retórica, praticava a realpolitik mais brutal, disposto a sacrificar povos inteiros (como finlandeses, poloneses e bálticos) em seus jogos geopolíticos.

Hitler, desconfiado das ambições soviéticas, considerou a proposta inaceitável e, em segredo, já havia decidido invadir a URSS. O memorando soviético com as condições para entrada no Eixo foi encontrado nos arquivos alemães após a guerra e confirma a tentativa de Stalin de manter a aliança estratégica mesmo diante da crescente tensão.

O Inferno da Invasão e a Resistência Soviética

Em 22 de junho de 1941, a Alemanha rompeu o pacto e invadiu a União Soviética com uma força sem precedentes. A Operação Barbarossa foi um golpe brutal: milhões de soldados soviéticos foram mortos ou capturados nos primeiros meses. As regiões da Bielorrússia e da Ucrânia foram devastadas, e estima-se que a URSS tenha perdido cerca de 27 milhões de vidas durante a guerra. A Ucrânia perdeu 16,3% de sua população, entre civis e militares na luta contra Hitler, a Bielorrússia 25,3%, a Federação Russa 12,7%.

A resistência começou a se consolidar com a Batalha de Moscou, mas o grande ponto de virada foi Stalingrado. De agosto de 1942 a fevereiro de 1943, em combates urbanos de intensidade inédita com a participação da população da cidade, o Exército Vermelho cercou e derrotou o 6º Exército alemão. A vitória, conquistada com enorme sacrifício humano, representou o começo da contraofensiva soviética que culminaria na tomada de Berlim em 1945.

Apesar dos erros catastróficos de Stalin no pré-guerra e nos primeiros meses da invasão nazista, a vitória soviética não foi obra exclusiva do ditador, mas sim dos povos da URSS e de comandantes como Georgy Zhukov, que reorganizaram a defesa após os desastres iniciais. 

Enquanto Stalin hesitava diante dos alertas de invasão, foram soldados, operários, camponeses e mulheres nas fábricas de armamentos que sustentaram o esforço de guerra. A defesa heroica de cidades como Leningrado (sitiada por 872 dias) e Stalingrado (onde combates casa a casa aniquilaram o 6º Exército alemão) foi conquistada com sangue e sacrifício coletivo, não por decreto do Kremlin. 

Os verdadeiros heróis de Stalingrado foram: 

Georgy Zhukov (Coordenador estratégico) – Planejou a contraofensiva (Operação Urano) que cercou os alemães. Aleksandr Vasilevsky (Chefe do Estado-Maior) – Ajudou a elaborar a operação de cerco. Vasily Chuikov (Comandante do 62º Exército) – Liderou a defesa urbana, com táticas de combate próximo que desgastaram os alemães. Nikolai Voronov – Responsável pelo uso maciço de artilharia no cerco. Andrei Yeryomenko e Konstantin Rokossovsky – Comandantes das frentes que executaram o cerco.

Stalin, é verdade, centralizou o poder e usou a propaganda para associar a vitória ao seu culto à personalidade, mas a história real pertence aos milhões que morreram, aos generais que corrigiram seus erros e aos cidadãos comuns que resistiram à máquina de guerra nazista. A narrativa oficial soviética — e, hoje, a da Rússia de Putin — tenta apagar essa complexidade, transformando a guerra em um mito monolítico onde apenas o "líder" importa. 


Assim como Stalin instrumentalizou a vitória para justificar seu culto, Putin hoje distorce a memória da guerra para legitimar invasões como a da Ucrânia em 2022 – traindo os milhões de ucranianos e demais povos da URSS que morreram para derrotar a ideologia expansionista e colonialista que ele agora emula.

Mas os verdadeiros heróis foram aqueles que lutaram não por Stalin, mas apesar dele.

Uma Vitória Coletiva Contra o Eixo

Apesar da centralidade do front oriental, a vitória sobre o nazismo foi resultado de uma coalizão global. Desde 1940, o Reino Unido resistia heroicamente aos bombardeios da Luftwaffe. A liderança de Churchill e o esforço britânico impediram a dominação completa da Europa Ocidental. A entrada dos Estados Unidos, após o ataque a Pearl Harbor, deu nova escala ao conflito. No Norte da África, no Pacífico, na Itália e na França ocupada, os aliados abriram múltiplas frentes de batalha.

A resistência popular nos países ocupados também foi crucial. Partisans na Iugoslávia, sabotadores na França, guerrilheiros na Grécia e na Itália, além de combatentes na Polônia e na China, mantiveram viva a luta contra o Eixo mesmo sob ocupação brutal. 

O Brasil, por sua vez, contribuiu com a Força Expedicionária Brasileira, que combateu na Itália ao lado das forças aliadas . Apolônio de Carvalho, um dos fundadores do PT, foi dos primeiros, na brigada de republicanos espanhóis a entrar em Paris e consolidar o levante parisiense contra os alemães.

8 de Maio: Memória, Alerta e Compromisso

Neste 8 de maio, Dia da Vitória dos Aliados na Europa, recordamos que a derrota do nazismo foi uma conquista coletiva dos povos que se uniram contra a tirania. Foi uma vitória da democracia sobre o fascismo, da solidariedade internacional sobre o ódio nacionalista.

Os verdadeiros herdeiros dessa vitória não são aqueles que hoje exaltam líderes autoritários, que manipulam comemorações para defender a invasão da Ucrânia, que reabilitam Stalin ou aqueles que relativizam Hitler. No caso dos neofascistas da AfD na Alemanha e de outras forças da extrema direita na Europa, são ao mesmo tempo, apoiadores da guerra imperialista de Putin e herdeiros políticos e defensores de Hitler. 

Os verdadeiros herdeiros da vitória contra o nazismo são os povos da Europa que, a partir das ruínas da guerra, construíram a paz e a democracia no continente. A União Europeia, com seus 27 países pacificamente unidos em uma entidade comum, é um dos frutos mais notáveis dessa vitória.

Luis Favre

8 de maio 2025

FOTO: A parada do dia 1 de maio de 1941 em Moscou, na praça Vermelha, com a liderança da URSS presente, em peso, no topo do mausoléu do Lênin. A II Guerra Mundial decorre por quase dois anos, a Alemanha nazista invadiu a metade da Europa e o próprio marechal e comissário popular (ministro) da Defesa da União Soviética, Semyon Timoshenko, cumprimenta calorosamente os representantes do aliado da URSS, os oficiais do Wehrmacht: general Ernst-August Köstring; coronel (mais tarde general, POW dos americanos, em 1945, morreu em 1953) Hans Krebs (que se suicidou 4 anos mais tarde, exatamente no dia 1 de maio de 1945 em Berlim) e outros militares germânicos ao serviço do nazismo alemão. A II Guerra Mundial já decorria por 608 dias.

Cantalice: a direita que a direita gosta

 


Recomendo enfaticamente a leitura do texto de Alberto Cantalice, publicado no Brasil 247 sob o criativo titulo “A esquerda que a direita gosta”.


O referido artigo pode ser lido aqui:

Cantalice começa o seu texto atacando o PT. Mais exatamente atacando o PT dos anos 1980. Segundo Cantalice, tinham razão os que naquela época diziam que o PT seria “a esquerda que a direita gosta”. 

Não sei em que ano o Cantalice entrou no PT. Deve ter sido depois dessa época. Mas isso não deveria impedi-lo de pensar pelo menos no seguinte: será que o suposto ou real esquerdismo do PT dos anos 1980 não teria alguma coisa que ver com nossa transformação, já em 1989, em alternativa de governo?

E, pelo contrário, será que a postura subalterna do do PCB - organização a que Cantalice e Hércules Corrêa (o da foto) pertenciam - não teria algo que ver com a degeneração posterior daquele Partido?

Depois desse começo unilateral, o texto de Cantalice conta sua versão da história do PT até os rachas esquerdistas que desembocaram no PSOL. 
Curiosamente, Cantalice omite todos os rachas pela direita, que causaram tanto estrago quanto os primeiros. Sem falar na conduta inclassificável de Antonio Palocci, personagem que chegou a ser o herói dos Cantalices da vida e que tanto dano causou tanto na época da AP470 quanto na Lava Jato.

Aliás, Cantalice dá tanto destaque para o esquerdismo, que um desavisado que leia seu texto pode concluir que a luta principal do PT no período era contra estes e não contra os neoliberais e a direita em geral.

A estigmatização que Cantalice é historicamente desproporcional mas tem um objetivo óbvio: converter em “esquerdista” e portanto em deplorável qualquer crítica de esquerda à política econômica do governo Lula 3. 

É uma maneira de interditar o debate. Segundo a lógica de Cantalice, ou aceitamos o cardápio inteiro (inclusive déficit zero e Galípolo) ou estaríamos do lado do inimigo.

Trata-se um método que não tem nada de novo. E que Cantalice recorra a ele tampouco me surpreende. 

Mas, como ele mesmo lembra, “o povo é sábio” e os petistas lembram muito bem o preço que pagamos pela política econômica adotada em 2003-2004 e em 2015-2016. 

No primeiro caso, os Cantalices foram derrotados, a política econômica sofreu uma inflexão e conseguimos vencer em 2006, derrotando Alckmin e seus neoliberais. 

No segundo caso, o quinto congresso do PT, realizado em 2015 sob a presidência de Rui Falcão, derrotou quem queria mudar a política econômica. A inflexão veio torta e tarde demais. E que aconteceu depois não foi culpa do esquerdismo, embora este tenha se comportado mal, como sempre aliás.

Tendo em vista este retrospecto, é um direito legítimo e necessário criticar a atual política econômica. E é urgente uma alteração.

Resumo da ópera: a direita brasileira não gosta da esquerda, em nenhuma de suas variantes. Mas percebe a utilidade e usa muito bem tanto o esquerdismo quanto o direitismo, posição que Cantalice tenta defender com veemência.

quinta-feira, 8 de maio de 2025

Galípolo confirma a que veio

A taxa básica de juros subiu de novo, de 14,25% para 14,75%.

Os efeitos econômicos serão os de sempre: desastrosos.

Já os efeitos políticos dependerão, entre outras variáveis, da resposta a uma pergunta simples: era inevitável? 

Se era inevitável aumentar a já absurda taxa de juros, sugiro então trocar a diretoria do BC por um algoritmo: doeria tanto quanto mas pelo menos sairia mais barato.

Mas se o aumento não era inevitável, decorre daí que substituir Campos Neto por Galípolo foi, nesse quesito, trocar seis por meia dúzia: o BC segue sob domínio da especulação.

Não era essa a expectativa de muitas pessoas, quando Galípolo foi escolhido por Lula. 

Algumas destas pessoas devem estar se perguntando: o atual presidente do BC enganou o presidente da República? Ou Galípolo avisou que poderia fazer o que está fazendo e foi escolhido assim mesmo?

Da minha parte não me surpreendo com o que está ocorrendo. Afinal Galípolo é dos que acreditam que a “democracia deve caber dentro da regra econômica”.

A frase está citada aqui: 

Seja como for, a situação é intragável para quem defende ampliar para valer os investimentos públicos: juros altos e déficit zero não rimam com as necessidades urgentes da classe trabalhadora e do desenvolvimento nacional.

Espero que Lula volte de Moscou disposto a escapar do calabouço em que nos meteram. 


terça-feira, 6 de maio de 2025

Jerônimo e a vala


Todo mundo está sujeito a falar merda. O petista que hoje governa a Bahia corre o risco de ter gasto boa parte do estoque de toda uma vida.

Para quem não ouviu, segue o que foi dito no dia 2 de maio, durante uma atividade oficial: “Tivemos um presidente que sorria daqueles que estavam na pandemia, sentindo falta de ar. Ele vai pagar essa conta dele e quem votou nele podia pagar também a conta! Fazia no pacote. Bota uma ‘enchedeira’. Sabe o que é uma ‘enchedeira’? Uma retroescavadeira, bota e leva tudo para a vala”.

Jerônimo voltou atrás, pediu desculpas públicas e esclareceu não pretender matar ninguém. 

Ótimo que tenha feito isto. Entre outros motivos porque “vala” faz parte da linguagem criminosa adotada por agentes de Estado que executam a ilegal pena de morte. Que o governador da Bahia tenha dito a palavra me causa vários sentimentos, menos o espanto, pois como sabemos a PM da Bahia é uma das campeãs daquela modalidade macabra. 

Ademais, cabe atentar para a “dosimetria”, que parece não fazer diferença alguma entre o cavernícola e seus 58 milhões de eleitores. Na declaração dada pelo governador e depois autocriticada, todo o “pacote” deveria ir para a vala. 

Se o governador tivesse dito que cada um deveria pagar sua parte da conta, seria justo desde que não fosse a “vala”. Afinal, é correto responsabilizar politicamente quem votou no cavernícola, pelos crimes por este cometido. 

Mas querer tratar todos do mesmo jeito e explicitar que este jeito seria a “vala” é adotar uma variante da chamada “punição coletiva”, que foi moda no nazismo e segue vigente na Palestina atual, como aliás foi explicitado recentemente pelo CEO da Palantir, empresa cúmplice do genocídio praticado por Israel contra a Palestina.

Já seria muito grave ouvir isso ser dito por um cidadão indignado. Mas quando é dito por uma autoridade tão importante, a coisa ganha outra figura. Se é dito por um petista, mais repercussão negativa ainda, inclusive por alimentar falas cínicas e hipócritas da quadrilha golpista que não perde chance de posar de vítima, embora tenha sido quem efetivamente mandou gente para a “vala”, especialmente na Ditadura mas também na pandemia de COVID 19.

Aliás, este é o único motivo que leva algumas pessoas a dar um “desconto” ao que disse o governador: o cavernícola produz mesmo todo tipo de reação ruim e tira muita gente boa do sério. Ademais, o fascismo precisa mesmo ser combatido com energia máxima. 

Mas, infelizmente, acho que a declaração em certa medida escatológica dada por Jerônimo não passa de demagogia de palanque. Uma expressão criminosa, politicamente estúpida, mas no limite fanfarronice de palanque. Se quisesse mesmo ajudar a “matar politicamente” a extrema direita, o governador deveria começar implementando outro tipo de política, a começar por outro tipo de política de alianças. E não é isso que temos visto da parte do governo da Bahia. Nem agora, nem antes.