sexta-feira, 24 de abril de 2020

Moro: qual a diferença entre um rato e um rato?

O pronunciamento de Moro, ex-juiz e agora ex-ministro, merece ser estudado com atenção.

Estudado, especialmente, pelos estudantes de artes tragicômicas.

Em primeiro lugar, porque o referido é um grande artista.

Contribuiu para um golpe de Estado contra uma presidenta honesta.

Garantiu a condenação e a prisão de um inocente.

Foi, assim, fundamental para a eleição de um bandido.

Aceitou ser nomeado ministro “da justiça e segurança pública” de uma quadrilha.

Durante sua gestão como ministro, não incomodou nenhum dos bandidos que o cercavam.

E agora pede demissão por que não aceita “interferência política” na nomeação do Diretor Geral da Polícia Federal?

E ainda afirma que tem uma biografia a zelar??

Rule of law???

Há muitas coisas a dizer, sobre a performance recém concluída do referido.

Falemos, por enquanto, do momento mais engenhoso: a referência aos governos petistas.

Disse que naqueles governos, que ele considera corruptos, não houve interferência política na Polícia Federal.

Por tabela, sugeriu que o cavernícola estaria se comportando pior do que a petralha.

Ocorre o seguinte: o cavernícola interferiu na PF e no MJ, com várias finalidades, entre as quais podemos citar a) proteger os crimes de seu clã, b) facilitar as negociações de uma nova maioria congressual, c) ter maior controle sobre a Polícia Federal nos “tempos de guerra” etc.

Alías, um ponto alto da interferência foi a nomeação do próprio Moro, que manipulou o processo judicial para interferir nas eleições de 2018 (um exemplo disto foi citado na coletiva à imprensa: a obstrução da justiça contra o habeas corpus de Lula). 

O que o "presidente" fez e faz, portanto, não pode ser denominado de "interferência política". 

O que o cavernícola fez e faz é manipulação criminosa.

Já a presidenta Dilma Rousseff e o presidente Lula deixaram de interferir na PF e no MJ, quando isto era necessário para defender a democracia e o Estado de Direito contra um golpe em marcha.

Foram prisioneiros de um republicanismo ingênuo. 

A comparação feita por Moro não cabe, portanto.

Mas precisava ser feita, porque o ex-juiz precisa reconstruir sua imagem, agora como anti-petista e pós-bolsonarista.

Seja para 2022, seja a qualquer momento, pois sua saída do ministério aumentará a pressão contra o governo Bolsonaro.

Curiosamente, a coletiva é muito reveladora do esforço que o ex-juiz fez para continuar no ministério.

Assim, só os acontecimentos poderão confirmar ser ou não verdade que certo tipo de animal abandona navios, porque percebe com antecipação que estão a afundar. E saberemos também (aproveitando a dica de meu colega Demétrio) se o rato é mais ou menos perigoso que antes. 

Seja como for, espero que não passe pela cabeça de ninguém convidar o referido para compor uma destas frentes amplas de salvação nacional de que se está a falar tanto.

Afinal, grande artista ou não, um rato continua sendo um rato. 
















domingo, 19 de abril de 2020

Gleisi Hoffmann e as Forças Armadas


Já manifestei à companheira Gleisi Hoffmann e ao conjunto dos integrantes do Diretório Nacional do PT que considero um grave erro a referência feita, na mensagem acima reproduzida, às Forças Armadas.

É correto exigir que o Congresso, o STF e até o Ministério Público reajam.

Mas não é correto propor, convidar, convocar ou conclamar as Forças Armadas a agir politicamente.

Não podemos naturalizar nem legitimar uma ação ilegal.

Ademais, as Forças Armadas já estão agindo, há tempos. E não em defesa da democracia. 

Queremos que eles se afastem da política, não que atuem a nosso convite, nem mesmo a convite dos chamados poderes!!

E aguardamos que nosso Partido dos Trabalhadores se manifeste oficialmente pelo Fora Bolsonaro e Mourão, seu governo e suas políticas.








quinta-feira, 16 de abril de 2020

Tarso Genro e a “salvação nacional”


Primeiro foi o pedido de renúncia.

Depois veio o comentário de Flávio Dino, sobre Mourão assumir e ficar até 2022.

E agora, finalmente, apareceu a fórmula completa: “praticamente” uma frente de “salvação nacional”.

A ideia está na entrevista concedida hoje, 16 de abril, pelo companheiro Tarso Genro ao jornal Folha de S.Paulo.


O raciocínio de Tarso, ao menos sua versão publicada, é o seguinte: 

“Nossa frente hoje é praticamente de salvação nacional. E estão incluídas todas as forças que entendem que não haverá política, democracia e Estado se a pandemia vencer. O elemento agregador hoje da estratégia política é a favor de uma disciplina social de isolamento e apoio irrestrito a todos os governadores e prefeitos, seja do partido que forem, que estejam a favor da estratégia de enfrentamento do flagelo sanitário. Esta é a questão chave”.

Talvez em nome desta “questão chave”, Tarso elogia Dória, um governador que estaria "atuando bem em relação a questão da pandemia”; embora faça ressalvas acerca de sua postura frente a democracia.

Mas o que seria “atuar bem” em relação a pandemia?

Vários dos setores que estão a favor da quarentena social, também estão a favor de tirar direitos do povo, como aconteceu recentemente, na votação da MP 905, verdadeira reforma trabalhista plus.  E como também aconteceu na autorização para que o BC compre títulos podres de instituições financeiras em dificuldades.

Se o “elemento agregador da estratégia” da esquerda é ser a favor de uma “disciplina social de isolamento”; se devemos dar apoio “irrestrito” a todos, “seja do partido que forem”, desde que defendam a “estratégia de enfrentamento do flagelo sanitário”; resta a Tarso explicar como devemos lidar com o detalhe de que parte desses “sanitaristas de última hora” também está a favor de aprovar, no meio do flagelo, medidas que aprofundam a desigualdade social e que, por tabela, reduzem a capacidade dos trabalhadores de enfrentar a pandemia.

Dória, por exemplo, aplica uma política de combate à pandemia que está muito longe de ser eficaz, essencialmente porque ele apoia (e, no que está ao seu alcance, também implementa) medidas de política econômica e social que ajudam, objetivamente, no espalhamento do vírus.

A impressão que tenho é que o efeito “bode na sala” faz com que certas pessoas estejam dispostas a aceitar qualquer coisa, desde que não Bolsonaro, mesmo que para isso tenham que abandonar até mesmo a lógica.

Acontece que “qualquer coisa” não vai aumentar o tamanho da sala, ou melhor, não vai aumentar nosso êxito, nem no combate a pandemia, muito menos no combate a cada vez mais catastrófica situação social e econômica.

Além da “salvação nacional”, Tarso apresenta na entrevista à Folha outra ideia muito importante: a de que o mecanismo do impeachment só deve ser utilizado no momento em que tivermos certeza de que temos maioria.

Na prática, o que significaria isto? 

Que a esquerda só deve dar andamento a um pedido de impeachment depois que a direita – que é maioria no Congresso – estiver apoiando o impeachment??

Mas se for assim, não há dúvida nenhuma de que o impeachment resultante será um instrumento útil apenas para o lado de lá. 

A “certeza de ganhar” se converte, na prática, em passividade; o que favorece os setores de direita que, eventualmente, poderiam votar contra Bolsonaro.

Mas se nossa postura for de passividade, o que é mesmo que levaria estes setores de direita a arriscar afastar o cavernícola? 

Talvez eles se arriscassem devido a nossa própria passividade, pois ela deixaria claro, para a direita, que não vamos nem mesmo tentar aproveitar a situação criada por um impeachment, para quem sabe devolver o governo federal ao povo.

Concorre para esta minha interpretação a resposta que Tarso dá para outra questão feita pela Folha, sobre se um impeachment depois do outro não seria problemático.

Tarso obviamente descarta a questão, mas agrega que se tem impeachment, então é porque teria “uma maioria social e política suficientemente articulada para manter a estabilidade democrática do país depois”.

Obviamente isto não é verdade em relação ao impeachment da Dilma. Não houve manutenção da estabilidade democrática do país depois do golpe. Pelo contrário.

Mas o que Tarso diz foi relativamente verdadeiro em relação ao impeachment do Collor. E, pelo visto, é um cenário parecido aquele, o que Tarso está desenhando para um hipotético impeachment de Bolsonaro. 

A saber: uma “maioria social e política” que garantiria a "estabilidade democrática do país". 

Na época de Itamar, concedeu-se aos neoliberais a tranquilidade para gestar o plano Real e a candidatura FHC. Agora, no contexto de um hipotético governo de "salvação nacional" pós-Bolsonaro, tenho até medo de pensar o que, ou quem, se gestaria. 

Lógico que quem pensa assim, pode ter o apreço que quiser pelo cidadão, mas não vai defender a centralidade de “uma eventual candidatura do Lula”.

Pois, a preços de hoje, falar de Lula candidato é dar um sinal claro de que não cogitamos embarcar num pacto de "salvação nacional" com golpistas e ultraliberais.

Há outros aspectos interessantes na entrevista concedida por Tarso, por exemplo sua "resposta", quando a Folha o lembra que ele defendeu o Fora FHC em janeiro de 1999. 

Mas a melhor passagem é quando ele diz que é um “quadro da esquerda”, mas tem "acordo com o que diz o Financial Times. É muito estranho.”

Na verdade, Tarso está sendo modesto. Pois há coisas muito mais estranhas entre o Céu e a Terra.


sexta-feira, 10 de abril de 2020

Diretório Nacional: a sessão da tarde, continuação!


 A apresentação dos projetos de resolução demorou mais ou menos 1 hora (10 falas de 6 minutos cada). Espremendo os textos, havia três posições: 1) defender a vida e Fora Bolsonaro, 2) defender a vida sem Fora Bolsonaro, 3) montar uma comissão para produzir uma síntese sobre o que falar.

Em seguida, falaram cerca de 20 oradores. A definição de quem seriam os oradores tomou como base a votação de cada uma das chapas que disputou a composição do Diretório Nacional, na eleição realizada em novembro de 2019, no sétimo congresso do PT. Por exemplo: a chapa do DAP teria direito a 1 orador e definiria quem seria este 1. Outro exemplo: a chapa 220 teria direito a 3 oradores e definiria quem seriam estes três oradores.

Neste momento, um integrante do Diretório propôs reduzir o número de falas, dado o adiantado da hora e outros assuntos que deveriam ser tratados. A posição não prevaleceu, mas a questão de ordem deixou claro a diferença de critérios existente no Partido acerca do que é e para que serve a direção nacional. Afinal, se o DN decidiu dedicar cerca de 4 horas para uma sessão pública de informes, por quais motivos não poderia dedicar no mínimo outras 4 horas para o debate político acerca do que fazer?

Vencida a questão de ordem, teve início a sequência de falas. Estão todas gravadas pela plataforma; não faço ideia se esta gravação será arquivada e poderá ser consultada. Foi um debate muito interessante, onde foram explicitadas (como é comum nos momentos de crise) não apenas as posições imediatas, mas também os critérios de fundo, históricos, teóricos e ideológicos, adotados por quem é a direção do maior partido de esquerda do Brasil.

A partir do que foi dito, farei a seguir alguns comentários, a partir do que disseram algumas pessoas. Entretanto, como não há uma ata oficial, para evitar controvérsias acerca do que foi ou não dito, vou falar do milagre, sem contar o santo (ou santa) responsável.

A pessoa 1 dissertou sobre a diferença entre o papel dos movimentos sociais e o papel do partido. Segundo ela, os movimentos poderiam falar Fora Bolsonaro, mas o Partido não deveria. Por qual motivo? Mistério.

Afinal, na tradição socialdemocrata vigente no início do século XX (e de certa forma continuada em parte da tradição comunista), também havia uma “divisão de trabalho” entre partidos e movimento (no caso, na época, o movimento sindical). Esta tradição incumbia os movimentos de tratar das questões imediatas, reservando ao Partido as questões políticas mais gerais.

No Brasil de 2020, há quem inverta a lógica: os movimentos estariam autorizados e estimulados a falar da questão política mais geral, dizendo “Fora Bolsonaro”. Já o Partido deveria cuidar da solidariedade, das questões econômicas e sociais, sem pronunciar-se sobre a questão política mais geral.

A mesma pessoa 1 falou contra o Fora Bolsonaro. Disse que ninguém tem dúvida, que todos queremos acabar com esse governo, mas perguntou: para que “ficar repetindo” isso? Exposto assim, o argumento parece pueril, mas vários falaram isso ou algo parecido na reunião. Por exemplo, vários disseram que todo mundo concordava, que ninguém discordava, que inclusive eles mesmos falavam Fora Bolsonaro, mas que o Partido, a instituição, não devia falar.

Há dois níveis de problema contidos nessa argumentação. O primeiro problema remete à relação entre a pessoa física e jurídica, entre o público e o privado. A pessoa física de todos os petistas quer o Fora Bolsonaro, mas a pessoa jurídica de todos os petistas não quer o Fora Bolsonaro? Uma possível explicação para essa dissociação é uma espécie de hipocrisia mental, segundo a qual o que se faz ou se deseja no privado, não se confessa de público. O “detalhe” é que a questão do governo e do poder não são questões que tenham solução privada. Portanto, quem exige que o Partido tome posição explicita sobre o tema, o faz porque efetivamente quer resolver o problema e já. E quem se limita a defender privadamente a posição, é porque na verdade não quer resolver o problema ou pelo menos não quer resolver agora.

O segundo nível de problema contido nesta argumentação envolve o “ficar repetindo”. Se há algo que tudo mundo aprende, é que “repetir” é essencial para conseguir. A classe dominante em geral, os bolsonaristas em particular, repetem o tempo todo suas palavras de ordem, até que viram um mantra, tipo “a culpa é do PT”. Se queremos mesmo tirar Bolsonaro, é preciso repetir, repetir e repetir isso. E esta repetição cumpre um papel na acumulação de forças. Dissociar a adoção de uma palavra de ordem do objetivo de acumular forças, é fazer da acumulação de forças um marcar passos, pois sem objetivo é impossível acumular.

A pessoa 2, que falou a favor do Fora Bolsonaro, rebateu a tese dos que falam que o PT não pode ficar isolado. Lembrou ela que, hoje, a vanguarda do povo fala Fora Bolsonaro. A CUT e as Frentes falam Fora Bolsonaro. Ao não falar Fora Bolsonaro, seria o PT que se isola da vanguarda do povo e de parcelas crescentes do povão. 

A mesma pessoa 2 disse que, se Bozo e sua política continuarem, caminhamos para uma sociedade ainda mais apartada entre miseráveis e ricos. Este segundo tema é muito interessante, especialmente para os que alguma vez leram O tacão de ferro, do Jack London. Deter o governo Bolsonaro, fazer isto já, não é apenas um problema tático, é também um problema estratégico, pois se este governo chegar até 2022, os danos causados serão muito mais profundos do que nossa vã imaginação consegue supor.

A pessoa 3 disse que a crise tem nome e endereço: Bolsonaro e seu governo. E não apenas por conta do Corona, mas devido ao conjunto da obra. O coronavírus aprofunda uma crise que lhe é anterior. Precisamos, portanto, fazer um ajuste de contas com a elite. Senão, eles vão continuar implementando o programa ultraliberal. Por isso o PT deveria dar um passo além. Qual?

Infelizmente, a pessoa 3, integrante da CNB, não tirou as conclusões de seu raciocínio. Como ele, é seguro que há outros integrantes da CNB que não tem medo de falar Fora Bolsonaro. Mas, infelizmente, estes integrantes seguem prisioneiros da turma Harry Porter, ou seja, dos que confundem Fora Bolsonaro com Avada Kedrava.

Antes que alguém ache que é um exagero, remeto à pessoa 4, que disse textualmente que “o povo tem medo de falar em Fora Bolsonaro”. Como já foi dito várias vezes, apela-se ao “povo” para dizer coisas opostas; e há quem torture pesquisas, algumas inclusive fraudulentas na origem, para que confirmem suas teses.

No caso da pessoa 4, o argumento é o seguinte: diante da crise, o povo quer resolver seus problemas, e acha que tirar o presidente pode piorar ainda mais. Suponhamos que o povo pense mesmo isto. Qual deve ser o papel de um partido político como o PT? Deixar o povo acreditando em lorotas? Ou falar a verdade para o povo?

O curioso é que não temos dúvida que é preciso defender a quarentena total, mas temos temor de sermos mal compreendidos defendendo o Fora Bolsonaro.

A pessoa 5 disse que “todos queremos tirar Bolsonaro”, mas falar Fora Bolsonaro seria tudo o que o cavernícola quer, pois isso supostamente permitiria a ele sair do terreno que lhe seria desfavorável (a crise) e passar a um terreno que lhe seria favorável (a disputa política aberta). Esta opinião foi esgrimida por vários oradores. Será mesmo verdadeiro?

Comecemos pelo começo: se é verdade que Bozo quer o caos, ele está paulatinamente atingindo seus objetivos. E a perda de apoio registrada até agora é relativamente pequena, se consideramos o tamanho do caos já criado.

Ademais, quem teria melhores condições de operar numa situação de generalização do caos? A esquerda? Ou quem controla o aparato do Estado, especialmente as forças armadas?

Temo que a leitura da pessoa 5 seja uma versão ainda-mais-equivocada do conhecido quanto-pior-melhor. Ou seja: segundo ela, não vamos politizar agora, vamos politizar depois, quando a situação estiver pior; pois se politizarmos agora, estaríamos fazendo o jogo dele. Uma outra pessoa (a 6) chegou a dizer que embora seja até ruim falar isso, nesse momento, mas “há males que algumas vezes vem para o bem”.

Acontece que quando fazemos o exame concreto dos fatos, percebemos que quanto pior a situação fica, mais difícil será começar a construir uma alternativa; temos que começar a construir a alternativa agora, para poder ter força para executá-la no momento em que a correlação de forças tornar possível fazer isto.

Aliás, é por isso que Bozo não se limita a gerar o caos. Ele está fazendo disputa política e ideológica. Do lado de cá, muita gente reclama da “politização” e da “ideologização”, como se fosse possível viver numa sociedade polarizada, em crise profunda, sem que haja também altos níveis de politização e ideologização. A questão é que se nós não contrapusermos a ele, o que vai prevalecer será a linha dele (ou de outros setores do bloco dominante).

Outros oradores foram nesta linha da pessoa 5, a saber, a de dizer que o momento de politizar não é agora. Que agora é hora de “fazer o que é principal para o povo”. Segundo esses oradores, o DN estaria dividido entre os que querem enfrentar a pandemia e os que querem fazer política. Esta dicotomia foi rebatida por vários oradores favoráveis ao Fora Bolsonaro, que lembraram que para combater de maneira consequente a pandemia, é preciso também derrotar o Capitão Corona.

A pessoa 7 defendeu que daqui há “90, 120 dias, não vamos ter mais a pauta do Corona e que pauta será como gerar empregos, como retomar a economia”. Uma linha de argumentação similar a adotada pelo companheiro Penildon, em sua fala de apresentação do texto do Movimento PT, destacando a importância de programas como o Minha Casa, Minha Vida. Claro que devemos disputar estas e outras pautas. O problema é que não estamos no governo. Sem estar no governo, a nossa capacidade de materializar nossa “pauta” é reduzida. Assim, volta a questão é: aguardaremos 2022 ou lutaremos para antecipar a disputa do governo? Feliz 2022 ou Fora Bolsonaro?

A tese da pessoa 7 e de outras é similar a tese defendida por Alckmin em 2005: vamos deixar Lula e o PT sangrarem. Já sabemos o que ocorreu em 2006.

Paro por aqui. As pessoas citadas, mais os textos apresentados no início da reunião, dão uma ideia de quais foram os argumentos esgrimidos contra e a favor do Fora Bolsonaro. Dos contrários, destaco: 1/o momento não é agora, 2/porque a correlação ainda não é favorável, 2/porque a prioridade é lutar contra a pandemia, 3/porque isto é fazer o jogo do Bolsonaro; 4/porque não está claro como se materializaria o Fora Bolsonaro.

Curiosamente, este quarto argumento foi pouco usado, talvez porque o manifesto assinado por Haddad e Gleisi defendam a renúncia, que de todas as alternativas, é a mais problemática, primeiro porque depende de Bolsonaro e, segundo, porque desemboca em Mourão presidente.

Aliás, chega a ser bizarro que o DN e a CEN se reúnam, recusem o Fora Bolsonaro; a presidenta do Partido e nosso candidato a presidente em 2018 assinem um manifesto pela renúncia; reúne-se de novo o DN e recusa o Fora Bolsonaro. É como se fossem mundos alternativos, tornando dispensável haver coerência entre o que se faz num e noutro.

Concluído o debate, se discutiu como votar e, depois de certo remereme, foram a voto 5 resoluções: 1/a do DAP (montar uma comissão para construir uma resolução comum), 2/a do Repensar o PT, 3/a da secretaria-geral, 4/uma resolução unificando AE+Avante+DS+EPS+MS+Todas-as-lutas, 5/a da CNB.

Como explicamos no início, não havia 5 posições, mas 3: comissão, Fora Bolsonaro e não-Fora. Não sei explicar as razões que levaram Repensar o PT a não apoiar a resolução unificada das tendências da chamada esquerda petista. Mas é fácil entender as razões que levaram Paulo Teixeira a manter o texto da secretaria geral.

A saber: no PT, Paulo Teixeira integra uma tendência chamada Resistência Socialista, que votou em Gleisi Hoffmann para presidenta do PT e, graças a isso, ganhou a secretaria geral do partido. Já na bancada do PT na Câmara dos Deputados, Paulo Teixeira e outros parlamentares da Resistência fazem parte de um bloco intitulado “Esquerda Petista”, da qual fazem parte alguns parlamentares independentes, mais os parlamentares vinculados às tendências AE+Avante+DS+EPS+MS.

No 8 de abril, de noite, estas tendências e seus parlamentares fizeram uma reunião e combinaram votar unidos no dia 9, em torno de uma resolução comum pró Fora Bolsonaro. Esta resolução comum pode ser lida no www.pagina13.org.br

Paulo Teixeira não participou da reunião da noite de 8 de abril, não assinou a resolução comum. O texto da Geral, que na verdade era o texto da Resistência, não falava em Fora Bolsonaro. Politicamente, nesta questão Teixeira está alinhado com a CNB. Mas se ele retirasse o texto (supostamente) da Geral e votasse no texto da CNB, isso ficaria explícito e causaria muitos danos políticos.

O resultado da votação foi: Repensar, 1 voto; DAP, 3 votos; Geral, 8 votos; EM DEFESA DA VIDA FORA BOLSONARO, 24 votos; CNB+MPT+Ruas e redes, 48 votos. Mas se agruparmos os que acham que  a situação exige que o PT fale abertamente em por fim a este governo, o resultado é 28 x 56.

Votaram, portanto, 84 pessoas. Nove membros do Diretório não estavam presentes na hora da votação. E houve uma abstenção. De quem? De Lula.

Lula não quis dar sua opinião de mérito, antes do debate e antes da votação. E quando terminou, fez uma fala que constituiu um verdadeiro anticlímax. Pois, ao contrário do que disse matéria publicada na Folha de S. Paulo, o discurso feito por Lula no final da reunião não foi de apoio à resolução aprovada.

Registre-se: não se pode dizer que Lula apoiava o Fora Bolsonaro. Ele chegou até a brincar que não tem mais idade para isso. Mas se pode dizer que ele não considerou suficiente a resolução aprovada pelo DN. Suas palavras foram de que, mesmo após a ótima reunião, o ótimo debate, a resolução aprovada democraticamente e a qual ele se submetida, o discurso do partido continuaria “truncado”, que a radicalização levaria a acontecer muita pressão “de baixo para cima”, que o partido devia estar “aberto para evoluir”, que não devíamos nos “impressionar” com pesquisas, que na hora de falar a respeito da posição do PT, mesmo após a resolução, “vamos sentir falta do que fazer com o Bolsonaro”, que está seguirá sendo uma “discussão recorrente”, que Bozo é “incivilizado”, que a posição aprovada nos deixa de “perna manca”.

Anticlímax total. Os derrotados saíram da reunião comemorando. E totalmente decididos a seguir defendendo o Fora Bolsonaro.

A resolução final? Ainda não vi publicada, portanto não é possível comentar o que nela estaria escrito.

Um último comentário: na sua fala final, entre outros assuntos e além do que foi citado, Lula defende que precisamos “emitir moeda”. Um assunto sobre o qual precisamos debater urgentemente. Mas a questão é: esta e qualquer outra medida exige nacionalizar o oligopólio financeiro privado. Mas este não é assunto para uma sessão da tarde.


(sessão da tarde)

Diretório Nacional do PT: a sessão da tarde


Pouco depois das 14h30 do dia 9 de abril, teve início a segunda parte da reunião do Diretório Nacional do PT. Conforme combinado ainda na parte da manhã, a reunião começou com 10 falas de 6 minutos cada, feitas por aqueles que haviam apresentado projetos de resolução. Falaram:

1.o companheiro Penildo, apresentando o texto do tendência Movimento PT (MPT);

2.o companheiro Soriano, apresentando o texto da tendência Democracia Socialista (DS);

3.a companheira Lucinha, apresentando o texto da tendência Esquerda Popular Socialista (EPS);

4.o companheiro Quaquá, apresentando o texto da tendência Construindo um Novo Brasil (CNB);

5.a companheira Maria do Rosário, apresentando o texto da tendência Avante;

6.o companheiro Sokol, apresentando o texto do Diálogo e Ação Petista (o DAP não é exatamente uma tendência, mas dele participa a tendência O Trabalho);

7.a companheira Edjane, apresentando o texto da Repensar o PT (nome da chapa que disputou o PED de 2019, por iniciativa de uma tendência intitulada Articulação, da qual faz parte o companheiro Jacy Afonso, presidente do PT DF);

8.eu mesmo, Valter Pomar, apresentei o texto da tendência Articulação de Esquerda (AE);

9.o companheiro Tiago apresentou o texto do agrupamento PT de Todas as lutas (os integrantes deste agrupamento faziam parte, até há pouco, da tendência EPS; hoje estão articulados no PT de todas as lutas, que assim como o DAP não é propriamente uma tendência);

10.o companheiro Paulo Teixeira apresentou o texto da Secretaria Geral.

Sobre o texto da Secretaria Geral, cabe uma explicação. Quando o DN do PT tomou posse, o companheiro Rui Falcão propôs que a Secretaria Geral se encarregasse de apresentar projetos de resolução, para serem debatidos e votados nas reuniões. Vale dizer que estes projetos de resolução da Geral deveriam ser divulgados com antecedência e que deveriam expressar a posição, pelo menos aproximada, da Executiva Nacional (ou seja, não deveriam expressar a opinião pessoal do secretário geral, nem deveriam ser um disfarce institucional do texto da tendência a qual pertence o secretário geral). Pois muito bem: o texto apresentado pelo Paulo Teixeira na reunião de 9 de abril, apesar de assinado pela secretaria geral, foi divulgado no dia 9 de abril, mais exatamente na hora do almoço. E, como se pode constatar da leitura do texto, expressava apenas as posições da tendência Resistência Socialista.

Outra observação, preliminar: além dos 10 textos acima listados, também foram apresentados, ao DN, outros textos e projetos de resolução. É o caso de um texto da Luna Zaratini, do Novo Rumo, que não foi defendido. É o caso de uma proposta assinada por Sonia Braga, da secretaria nacional de Organização, versando sobre o processo de escolha das candidaturas do PT a prefeito e vereador para as eleições de 2020; assim como de um substitutivo a esta proposta de Sonia Braga, substitutivo apresentado pela AE. É o caso, finalmente, de dois pequenos (em tamanho) textos, um divulgado pelo Quaquá e outro por Rui Falcão, anunciados como possíveis emendas ao texto que fosse vitorioso na votação da resolução sobre conjuntura. O texto de Quaquá era assinado pela CNB e pelo MPT, e depois seria também subscrito pelo grupo “Nas redes e nas ruas”. O texto de Rui era subscrito por dirigentes e parlamentares federais vinculados ou aliados às tendências AE, Avante, DS, EPS, Militância Socialista e Todas as Lutas.

Todos os textos citados estão disponíveis no endereço www.pagina13.org.br

A fala que fiz em defesa do texto da Articulação de Esquerda foi gravada e será divulgada no Episódio 55 do poadcast EM TEMPOS DE GUERRA, A ESPERANÇA É VERMELHA. Para quem não gosta de ouvir áudio, segue o roteiro da referida fala.

*
BOA TARDE, COMPANHEIRAS E COMPANHEIROS
EM DEFESA DA VIDA, FORA BOLSONARO E MOURÃO, ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS JÁ
CONCORDAMOS QUE NOSSA PRIORIDADE IMEDIATA É ENFRENTAR A PANDEMIA.
A DISCUSSÃO AQUI É COMO SER CONSEQUENTE NESTA PRIORIDADE.
AS ANÁLISES E AS MEDIDAS DEFENDIDAS PELO PT ENFRENTAM A SABOTAGEM E A OPOSIÇÃO, TOTAL OU PARCIAL:
-DO PRESIDENTE BOLSONARO
-DO GOVERNO BOLSONARO
-DA COALIZÃO GOVERNISTA ULTRALIBERAL
-DOS GRANDES EMPRESÁRIOS, ESPECIALMENTE DO CAPITAL FINANCEIRO
ENTRETANTO, A GRAVIDADE DA CRISE É TAMANHA, QUE HÁ SETORES DE DIREITA QUE APOIARAM BOLSONARO, QUE HOJE O CONSIDERAM COMO UMA PEÇA DEFEITUOSA, QUE PODE COLOCAR EM RISCO A APLICAÇÃO DO PROGRAMA ULTRALIBERAL
QUE SOLUÇÕES QUE ESSSES SETORES  DE DIREITA APRESENTAM?
-TUTELA
-PARLAMENTARISMO INFORMAL
-GOVERNO UNIDADE NACIONAL EM TORNO DE MOURÃO (DEPOIS DE UM EVENTUAL AFASTAMENTO DO CAVERNÍCOLA POR RAZÕES SAÚDE, INFRAÇÃO PENAL, CRIME DE RESPONSABILIDADE, RENUNCIA OU GOLPE)
OS SETORES DE DIREITA QUE SE OPÕEM A BOLSONARO ENFRENTAM DOIS PROBLEMAS
-FORÇA DE BOLSONARO, MILITANTE E ARMADA
-MEDO DA ESQUERDA VOLTAR AO GOVERNO NACIONAL (DO MEDO DA ESQUERDA SURGEM TAMBÉM PROPOSTAS DE ADIAMENTO DAS ELEIÇÕES 2020 E A TENTATIVA DE CASSAÇÃO DA LEGENDA)
POR ISTO O QUE PREVALECE É A TENDÊNCIA DE ACORDO ENTRE ELES
POR ISSO, SE QUISERMOS ALGUMA MUDANÇA REAL, TEM QUE TER MOBILIZAÇÃO POLÍTICA DA ESQUERDA E DOS SETORES POPULARES
-NÃO APENAS PARA DERROTAR AS POLITICAS DE BOLSONARO, MAS POR FIM AO SEU GOVERNO
-NÃO APENAS POR FIM EM 2022, MAS O MAIS RÁPIDO QUE FOR POSSÍVEL, DE PREFERENCIA JÁ
É PARA ISSO QUE SURGIRAM ENTRE NÓS PROPOSTAS COMO:
-A RENUNCIA, MAS ISSO DEPENDE DELE E RESULTARIA EM MOURÃO
-O IMPEACHMENT – E ELE JÁ COMETEU INUMEROS CRIMES DE RESPOSNABILIDADE E SE FOR A VOTO, DEVEMOS VOTAR A FAVOR  MAS O IMPEACHMENT DEPENDE DE RODRIGO MAIA E DA MAIORIA CONSERVADORA E TAMBÉM RESULTARIA EM MOURÃO
-A ALTERNATIVA INSTITUCIONAL MAIS PRÓXIMA DO QUE DEFENDEMOS É A CASSAÇÃO DA CHAPA, COM BASE NA IMPUGNAÇÃO QUE ESTÁ PARADA NO TSE DESDE 2018 E APOIADA PELAS PROVAS LEVANTADAS PELA CPI DAS FAKE NEWS
-A CASSAÇÃO RESULTARIA EM NOVAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS EM 90 DIAS, COMO PREVE O ARTIGO 81 DA CONSTITUIÇÃO
MAS QUALQUER QUE SEJA A FORMA, O IMPORTANTE É O PT SE SOMAR AO MOVIMENTO NACIONAL QUE LUTA PELO FORA BOLSONARO
SIMULTANEAMENTE, CONTINUAREMOS LUTANDO PELA ANULAÇÃO DA CONDENAÇÃO DE LULA E A RECUPERAÇÃO DOS DIREITOS DE LULA
E ARTICULANDO ISSO COM A AÇÃO DAS FRENTES, COM NOSSA CAMPANHA NAS ELEIÇÕES DE 2020 E COM A LUTA EM DEFESA DA VIDA
QUAQUÁ DISSE AQUI QUE O POVO BRASILEIRO NÃO QUER VER A GENTE CENTRADO NA BRIGA POLÍTICA, QUE O POVO NOS QUER VER LUTANDO EM DEFESA DO POVO, DO EMPREGO, DO SALÁRIO
O “POVO” É COMO MINAS GERAIS, SÃO MUITOS
A CUT, AS FRENTES, AS JANELAS DIZEM FORA BOLSONARO
SEJA CMO FOR, EU NÃO TENHO DÚVIDA NENHUMA QUE SOMOS UM PARTIDO POLÍTICO. E UM PARTIDO POLITICO PRECISA APONTAR AO POVO UMA SAÍDA POLÍTICA
E A SITUAÇÃO É EMERGENCIAL
AQUI FOI FALADO EM COLAPSO, TRAGÉDIA, NAS PROXIMAS SEMANAS
FOI DITO QUE BOLSONARO QUER O CAOS
E QUANDO O CAOS VIER, A EXTREMA DIREITA JÁ TEM RESPOSTA
SE NÃO QUISERMOS QUE SEJA TARDE DEMAIS, É PRECISO SE MEXER JÁ
EM DEFESA DA VIDA, FORA BOLSONARO
ESPERO QUE CONSIGAMOS APROVAR ISTO AQUI

*

Em seguida às 10 falas, falaram cerca de 20 companheiros e companheiras. Mas isso é assunto para a próxima seção deste texto.

Diretório Nacional do PT: uma reunião exemplar


No futuro, os historiadores que tiverem acesso à gravação da reunião realizada, no dia 9 de abril de 2020, pelo Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores, provavelmente concluirão tratar-se de um tesouro. Isto porque nesta reunião manifestaram-se, de maneira muito didática, todas as contradições deste que segue sendo o maior partido de esquerda do Brasil.

A reunião foi realizada utilizando uma plataforma denominada zoom, que grava, permite a transmissão de dados para outras plataformas e, dizem, também invade os computadores de quem baixou o aplicativo. A primeira parte da reunião foi transmitida pela TV do PT; a segunda parte foi restrita aos participantes e, claro, a vigilância digital de quem tivesse os meios para tanto.

Na primeira parte da reunião, falaram os governadores Rui Costa da Bahia, Wellington Dias do Piauí, Fátima Bezerra do Rio Grande do Norte; os prefeitos Edinho de Araraquara, Fabiano Horta de Maricá e Ary Vanazzi de São Leopoldo; o senador e ex-ministro da Saúde Humberto Costa e a companheira Eliane Cruz, coordenadora do setorial nacional de  saúde do PT; a companheira Lucinha, secretária nacional de movimentos sociais do PT; também falaram Dilma, Haddad e Lula, tudo isto sob a “ancoragem” da companheira Gleisi Hoffmann, presidenta nacional do Partido dos Trabalhadores.

A fala dos governadores foi uma descrição da tragédia sanitária, social e econômica –não apenas a da que já está em curso, mas principalmente da que está por vir. Rui Costa, por exemplo, disse que caiu 40% a emissão de notas fiscais e que a previsão de queda do ICMS é de 4 bilhões de reais. E relatou um episódio síntese: a tentativa de distribuir 200 cestas básicas terminou em tumulto, com cerca de 5 mil pessoas disputando. Wellington Dias, por sua vez, reconheceu que “demorei muito para entender”, mas hoje percebe que a linha de Bolsonaro é provocar o caos, o que inclui atitudes sórdidas como o confisco, pelo governo federal, de 59 respiradores do governo do Piauí. Fátima Bezerra falou em tragédia, que os estados estão pedindo socorro e alertou que há especialistas falando da necessidade de toque de recolher.

No meio da fala dos governadores, José Guimarães, líder da minoria na Câmara dos Deputados, interveio para relatar o impasse – na sessão virtual do parlamento – exatamente acerca da votação de uma legislação que ajudaria os estados a mitigar suas dificuldades financeiras.

Paremos por aqui o relato, para brevíssimos comentários. Primeiro: os relatos são dramáticos e ainda estamos longe do pico da crise. Pergunta: o que está sendo feito hoje, permitirá enfrentar o sabemos que virá amanhã? Segundo: ajuda a enfrentar o que virá, reclamar do fato do presidente da República estar “politizando” e “ideologizando” o debate, ou melhor seria que nós fizéssemos o inevitável, a saber “politizar” e “ideologizar” também,  mas em sentido diametralmente oposto ao do presidente? Ou seja: se ele opera para manter e ampliar seu poder, não deveríamos nós operar para tirar o cavernícola de lá, antes que seja tarde demais? Terceiro: Camilo, governador do Ceará, não participou da reunião.

Voltemos ao relato da reunião. Depois dos governadores, falaram os prefeitos. Edinho Silva disse que vivemos algo “semelhante a uma terceira guerra mundial”, não apenas no que diz respeito a catástrofe humanitária, mas também no que diz respeito a economia. E a partir deste raciocínio, engatou uma série de afirmações muito interessantes, do tipo: os neoliberais estão na defensiva, o SUS é central para enfrentar a crise, os sinais trocados entre poderes prejudicam a quarentena, a catástrofe é uma oportunidade para defender o papel do Estado prestador de serviços, defensor dos pobres e a solidariedade. A mesma ênfase na solidariedade esteve presente na fala de Fabiano Horta, de Maricá, que agregou uma enfática defesa de que “os informais são a economia real” (embora, como saibamos, parte dos recursos de Maricá provenham dos royalties do petróleo, algo bem real e nada informal). De Ary Vanazzi, destacamos duas ideias: a seguir na atual toada, as prefeituras municipais vão se converter em “massas falidas” e que não haverá “volta à normalidade”.

Paremos novamente o relato (que pode, suponho, ser conferido na página eletrônica do PT, por onde foi transmitida a sessão da manhã do Diretório) e façamos algumas perguntas: 1) como eliminar o contraste de orientações entre os “poderes”, sem tirar da presidência o epicentro da orientação errada? 2) é possível mudar radicalmente a orientação das políticas do Estado, sem mudar sua própria natureza, as classes que o comandam e principalmente a sociedade como um todo? 3) nossa meta é a “solidariedade” ou o socialismo? 4) e, finalmente, mas o mais importante: se não voltaremos à normalidade pré-crise, por qual novo normal devemos lutar? Qual a alternativa sistêmica, que devemos apresentar à esta crise sistêmica?

Voltemos ao relato. O ex-ministro da Saúde e hoje senador Humberto Costa fez uma didática descrição da evolução da pandemia no Brasil. E fez uma apurada crítica dos problemas de gestão e de linha adotados pelo Mister Mandetta (MM), da falta de recursos (22,5 bilhões roubados do SUS pela EC95), dos problemas e furos na política de isolamento realmente existente. Lembrou que a quantidade de testes realizadas no Brasil é irrisória frente às necessidades e frente ao que fazem outros países. Mostrou como a ausência de recursos para os laboratórios públicos de excelência, como a Fiocruz, está por detrás dos atuais problemas. Falou da insuficiência de leitos em geral e de leitos de UTI em particular, assim como de sua desigual distribuição regional e de sua inaceitável repartição entre leitos públicos e privados. Alertou que o pico da crise será entre abril e maio de 2020, havendo estimativas de 44 mil mortos. Comentou sobre o problema da compra de ventiladores mecânicos e da falta de pessoal qualificado. Em resumo, a fala de Humberto, complementada pela fala da companheira Eliane Cruz, apontou em dois sentidos fundamentais: a) nas próximas semanas, haverá um colapso sanitário; b) a gestão Mandetta é parte do problema, naõ parte da solução. Ambos também falaram do tema da cloroquina.

Sobre isto, um único comentário: há anos, um setor do Partido e da esquerda brasileira vem insistindo na tecla de que o tema da Saúde é não apenas estratégico, mas também devia ser parte fundamental de nossa tática política. Mas isso nunca foi consenso dentro do Partido, o que se traduzia por diferentes orientações quanto ao setor privado de saúde, quanto aos recursos para o setor público e quanto a centralidade do tema em nosso programa e plataforma. Hoje, todo mundo se dá conta da importância do SUS. Mas a questão é: estamos todos falando a mesma coisa? Ou no day after continuarão a existir, entre nós, os que regateiam recursos, os que passam a mão na cabeça da medicina privada, inclusive internacional? 

Depois falaram os líderes das bancadas do PT na Câmara e no Senado. Seu relato, reforçado por outros que falaram antes e depois, confirma que o ultraliberalismo continua comandando a cabeça da maioria do Congresso, que a cada volta na esquina busca aprovar (como o Plano Mansueto, a carteira verde e amarela) ou aprova (a compra de títulos podres pelo BC) medidas que fazem parte do programa Bozo-Guedes. Mas também ficou claro que há interpretações diferentes sobre a profundidade, maior ou menor, das diferenças entre o governo e a maioria do Congresso.

Sobre a fala dos dois parlamentares, um comentário acerca do que disse o senador Rogério Carvalho: novos surtos e pandemias virão no futuro. Se isto é verdade, é tudo indica que é, uma coisa é certa: uma sociedade organizada em torno da desigualdade, não é uma sociedade, é um matadouro. E não há solidariedade que resolva isso. O que pode resolver isso é reorganizar a sociedade, agora em torno da igualdade.

As falas finais foram da companheira Lucinha, da executiva nacional do PT, sobre a campanha de solidariedade articulada pelas frentes e movimentos. A esse respeito, recomendamos que se busquem as informações detalhadas na página do PT e das frentes. Depois falaram Dilma, Haddad e Lula.

Dilma Rousseff chamou a atenção para as consequências advindas da duração desta crise; denunciou que faltam testes, porque se houvesse testagem de massa seria impossível não reconhecer a gravidade da crise sanitária; defendeu uma política de reconversão industrial; lembrou que agora há muito neoliberal posando de “keynesiano desde criancinha”; defendeu a ruptura da EC95, a reconversão industrial e a necessidade de proteger os mais frágeis; propôs o anulação da dívida externa dos países mais pobres do mundo, inclusive para contribuiu no combate ao corona nesses países; propôs ações coordenadas no âmbito da América Latina e dos organismos unilaterais; e chamou a atenção que o caminho para crescer depois da crise não é o corte de gastos, pelo contrário. E concluiu falando do tema dos médicos e da água.

Fernando Haddad disse ser um alento ouvir as lideranças do PT, falou contra a politicagem e a ideologização, que o pouco que está sendo de positivo no combate a crise tem como origem o PT e os setores de esquerda. E defendeu que a primeira coisa a fazer é mudar o regime fiscal, convencer a centro-direita e constituir uma frente para salvar o país do governo.

Lula destacou o fato da reunião estar sendo transmitida ao vivo, criticou o atraso na divulgação dos dados da pandemia pelo governo brasileiro, destacou as duas táticas de Bolsonaro (falar do remédio e defender a volta ao trabalho), atacou Guedes e sua política tatcheriana e disse que na parte da tarde daria sua opinião sobre a política.

Sobre este momento final, um único comentário: ou nacionalizamos o setor financeiro, ou todo o resto é papo. Na campanha de 2018, a  maioria do diretório nacional do PT recusou incluir esta proposta no programa de governo de Haddad. E o problema só faz crescer e se tornar mais evidente, a cada dia que passa. O oligopólio financeiro é o setor mais nocivo do grande capital e o maior obstáculo a qualquer política – de curto, médio ou longo prazo – que se queira fazer, seja em benefício do povo, seja em benefício do desenvolvimento nacional. A timidez nesse terreno é o equivalente programático a timidez (digamos assim) que muita gente exibe, na hora de falar o que fazer contra um governo eugenista, miliciano e neofacista. 

Mas isso fica para a sessão da tarde.

(sem revisão)

domingo, 5 de abril de 2020

Marilena Chauí: e os soldados armados?

O sítio www.aterraeredonda.com.br  divulgou, no dia 4 de abril de 2020, um artigo da professora Marilena Chauí.

Intitulado “Quem sabe faz a hora”, o artigo traz as “considerações” de Chauí sobre o Manifesto “O Brasil não pode ser destruído por Bolsonaro”.

O Manifesto foi publicado no dia 30 de março, assinado por Haddad, Ciro e Boulos, por presidentes de partidos e por outras lideranças, mas não por Lula.

Segundo Chauí, o Manifesto é “uma convocação para agirmos no momento oportuno”.

Nisto estou de acordo: é preciso agir, já, imediatamente. Tanto com propostas e ações para defender a saúde, a renda, o salário e o emprego, quanto com propostas e ações para superar em favor do povo a crise política.

Chauí diz que o Manifesto acerta em propor uma frente nacional “contra a irresponsabilidade criminosa de incitação ao homicídio feita por Bolsonaro ao se opor ao isolamento social” e, também, contra sua “demora em tomar providências mínimas para assegurar a vida de milhões de brasileiros, procrastinando a liberação de recursos com querelas sobre MPs e decretos”.

Nisto estou parcialmente de acordo, pois faço a seguinte ressalva: parte dos que criticam a política sanitária de Bolsonaro, apoiam sua política econômico-social. Este sutil detalhe precisa ser lembrado, por exemplo, pelos que elogiam Dória e Mandetta. E pelos que defendem uma frente ampla, geral e irrestrita.

Chaui diz, finalmente, que “o Manifesto acerta ao propor a renúncia de Bolsonaro e não seu impeachment”.

Nisto estou em total desacordo.

A renúncia depende da iniciativa pessoal do cavernícola. E, se acontecer, desembocará na posse de Mourão. Como de pai para filho, a coroa passará para o vice, “antes que outro aventureiro” a pegue para si. O "aventureiro" que eles querem evitar, no caso, é o povo e quem mais o simboliza.

Neste sentido, a renúncia constitui, hoje, o caminho mais simples e rápido para resolver a crise entre eles, sem o povo. E contra o povo, salvo para os que têm alguma dúvida sobre qual seria a política de um eventual governo Mourão.

Claro, em outras condições, a renúncia poderia assumir outro sentido. Por exemplo, se estivesse em curso uma mobilização ao estilo do Chile. Neste caso, a renúncia de Bolsonaro poderia ser a primeira peça do dominó. Mas nas circunstâncias atuais, neste domingo 5 de abril de 2020, a renúncia está sendo articulada como a substituição de uma peça defeituosa, em benefício dos que controlam o jogo.

Chamo a atenção para a declaração -- que até agora eu não vi ser desmentida — do governador Flavio Dino acerca de Mourão assumir até 2022.

Vale dizer: não sou entusiasta do impeachment. Óbvio que o cavernícola cometeu inúmeros crimes de responsabilidade. Motivo pelo qual, se um impeachment fosse a voto, eu recomendaria votar a favor. Mas, de maneira semelhante à renúncia, o impeachment não é a solução institucional mais favorável aos interesses populares, pois desembocaria num governo Mourão. 

(A respeito do que fazer, ler o editorial do jornal Página 13 em https://www.pagina13.org.br/pagina-13-n-210-abril-de-2020/)

O argumento de Marilena contra o impeachment, como está implícito, é diametralmente oposto ao meu.

Marilena diz que o impeachment “acrescentaria à crise atual mais uma crise (longa e de resultado imprevisível) que abriria espaço para divergências e lutas num momento em que a sociedade brasileira clama por clareza de objetivos e de ações”.

Eu, ao contrário, acho que precisamos abrir espaço para “divergências e lutas”, pois senão o que prevalecerá na sociedade brasileira será a “clareza de objetivos e de ações de nossos adversários”. Pois se é verdade que Bolsonaro está em queda, também é verdade que o restante da coalizão golpista, o oligopólio da mídia e as forças armadas passam bem melhor.

Aliás, não vejo como – sem divergências e lutas – materializar parte do que fala a própria Marilena Chauí, no trecho de seu artigo em que disserta sobre “O Mercado”.

Segundo Marilena, com a expansão do coronavírus, “nos meios de comunicação, nos debates políticos, nas falas de governantes e nas redes sociais a palavra ‘mercado’ desapareceu como por um golpe de mágica. Jornalistas, políticos, governantes e cidadãos passaram a empregar duas palavras que haviam sido banidas do vocabulário: economia e Estado. Como conseqüência, de repente, não mais que de repente, o vocabulário da socialdemocracia – controle estatal da economia e políticas sociais – é retomado”.

Em boa medida isto é verdade. Mas não é novidade: em tempos de crise, setores do Capital recorrem à social-democracia para salvar o capitalismo de seus exageros. Motivo pelo qual a esquerda socialista, anticapitalista, que não se limita a social-democracia, não pode perder de vista a conexão entre a tática, a estratégia e o programa, conexão que nos momentos de crise profunda não é uma tese abstrata, mas uma realidade prática.

Também por isso, o “resgate das lutas” e a “unificação da classe” precisam ir além da rejeição a Bolsonaro: também devem se materializar numa rejeição ao conjunto do governo Bolsonaro, aí incluídos Mourão, Guedes e Moro. Neste sentido, mais uma vez, defender a renúncia não é a melhor política.

Marilena conclui seu teto propondo que “se considere a possibilidade de dirigir os fundos partidários para ações emergenciais, de maneira a deixar claro que o Manifesto é político e social. Isso configuraria uma espécie de governo paralelo? Que assim seja”.

Vamos nos entender: os recursos dos fundos partidários são uma gota no oceano de recursos desviados para o setor financeiro e minúsculos frente as necessidades do conjunto do povo, necessidades que só podem ser atendidas por ação do Estado e gravando o Capital. Portanto, dirigir os fundos partidários para ações emergenciais pode ser um gesto simbólico, mas não é uma solução.

Em segundo lugar, devido a uma opção política equivocada que vem desde o início dos anos 1990, o PT abriu mão do autofinanciamento e passou a depender de recursos empresariais (hoje vetados por lei) e dos fundos públicos (partidário e eleitoral). Portanto, dirigir os fundos do PT para ações emergenciais implicará em paralisar a vida do Partido. 

Portanto, um gesto com escassa repercussão prática, mas imensa repercussão política: a asfixia financeira do principal partido da oposição. Já os partidos fáticos da direita continuarão funcionando, a começar pelo partido da mídia e pelo partido das forças armadas. 

Não preciso dizer de quem seria o "governo paralelo", num contexto desses. Aliás, seria governo, mas não "paralelo". Pois podemos divergir acerca do caráter neofascista do bolsonarismo, mas creio que não há divergência sobre a influência dos militares nesse governo. 

A tutela militar não seria menor, caso Mourão assuma a presidência, depois de uma renúncia. O que talvez explique porque o texto de Marilena Chauí disserte sobre "O Mercado", mas não fale nada sobre a tutela militar. 

Na mesma letra de onde Chauí extrai o título de seu artigo, Geraldo Vandré lembra que aos soldados armados, "nos quartéis lhes ensinam uma antiga lição". Qual lição, a Ordem do Dia de 31 de março de 2020 deixou claro mais uma vez. Pegando carona noutro poeta: razão e Mourão são uma rima, mas nunca uma solução.





Segue a íntegra do artigo comentado acima

Considerações sobre o Manifesto “O Brasil não pode ser destruído por Bolsonaro”.

Maquiavel dizia que o verdadeiro político é aquele que, na desordem e no tumulto, sabe discernir o momento oportuno para agir. O Manifesto “O Brasil não pode ser destruído por Bolsonaro” é uma convocação para agirmos no momento oportuno.

Seu acerto é duplo. Em primeiro lugar, por propor agir como uma frente nacional contra a irresponsabilidade criminosa de incitação ao homicídio feita por Bolsonaro ao se opor ao isolamento social (imaginando-se aliado e cópia de Donald Trump, acabou isolado pelo mundo inteiro) e sua demora em tomar providências mínimas para assegurar a vida de milhões de brasileiros, procrastinando a liberação de recursos com querelas sobre MPs e decretos.

Em segundo lugar, o Manifesto acerta ao propor a renúncia de Bolsonaro e não seu impeachment, pois este acrescentaria à crise atual mais uma crise (longa e de resultado imprevisível) que abriria espaço para divergências e lutas num momento em que a sociedade brasileira clama por clareza de objetivos e de ações.

Para não esquecer

Durante os últimos 35 anos, vimos surgir e agir uma personagem que, do Alto e à nossa revelia, decidia os rumos do planeta. Essa personagem foi batizada pelos meios de comunicação e pelos economistas de direita com o nome de “O Mercado”, dotado de onisciência e onipotência.

Onisciência porque, tendo a extraordinária capacidade de auto-regulação racional, sabe sempre e de antemão os rumos corretos e necessários do capitalismo. Onipotência porque possui um poder incontestável de decisão sobre as ações dos Estados e das sociedades e sobre os corações e as mentes dos indivíduos. Como toda divindade fetichista, “O Mercado” tem reações psicológicas: “está nervoso”, “está calmo”, “está de acordo”, “não está de acordo”, “aprova”, “desaprova”, “recompensa”, “pune”. Em suma, o seu “estado de espírito” repercute nas políticas do planeta e na vida cotidiana dos cidadãos. “O Mercado”, como sabemos, é o apelido do capitalismo neoliberal.

Ora, algo curioso vem acontecendo nas últimas semanas com a expansão do coronavírus ou Covid-19. Nos meios de comunicação, nos debates políticos, nas falas de governantes e nas redes sociais a palavra “mercado” desapareceu como por um golpe de mágica. Jornalistas, políticos, governantes e cidadãos passaram a empregar duas palavras que haviam sido banidas do vocabulário: economia e Estado. Como conseqüência, de repente, não mais que de repente, o vocabulário da socialdemocracia – controle estatal da economia e políticas sociais – é retomado.

Exemplifiquemos com o caso do Brasil.

Sem a menor vergonha na cara, agora é feito o elogio do Bolsa Família (aquele programa que era assistencialismo para os preguiçosos, lembram-se?), do SUS (aquele que Mandetta desativou quase por completo, lembram-se?) e muitos apregoam a necessidade da Renda Básica ou da Renda Mínima (sem que Eduardo Suplicy seja mencionado uma única vez nem entrevistado como o incansável campeão dessa idéia). Por sua vez, o “empresário de si mesmo”, os trabalhadores informais, os desempregados e os moradores de favelas e de rua passaram a receber uma nova designação: “vulneráveis”, como se sua vulnerabilidade tivesse surgido por conta do Covid-19 e não da aliança entre “O Mercado” e o governo neoliberal.

É espantoso o descaramento do uso da palavra “solidariedade” por aqueles que controlam ideologicamente a mídia e a política e que, até um mês atrás, se empenhavam do elogio irrestrito à competição e à “meritocracia”. Além disso, com igual descaramento, o governo federal exige que os cientistas das universidades públicas e dos centros públicos de pesquisa tragam rapidamente soluções para aquilo que deixou de ser “histeria” para ser considerado pandemia, sem que se diga que não houve investimento algum nas pesquisas públicas (lembram-se de Bolsonaro afirmando que pesquisa séria só é feita em universidades privadas e Weintraub cortando as bolsas de pesquisa do CNPq e da CAPES?). Exemplos não faltam se lembrarmos tudo o que foi dito e feito desde o golpe contra Dilma e a prisão de Lula.

Em suma, a referência à mudança de vocabulário e à relação com as políticas sociais é feita aqui no sentido de que é preciso resgatar e unificar por meio dos partidos de oposição as lutas e manifestações de movimentos sociais e populares em defesa de direitos que, desde o governo Temer, se espalharam pelo país, mas eram sempre fragmentadas, esporádicas e sobretudo criminalizadas. Insisto na figura dos chamados “vulneráveis” porque, a despeito da ideologia neoliberal sobre a “nova classe média brasileira”, são eles que constituem, na verdade, o que chamo de “nova classe trabalhadora brasileira”, fragmentada e isolada, carecendo de organizações de proteção, desprovida de uma visão social e política que lhe dê um lugar na luta democrática e socialista. Esse resgate de lutas e essa unificação de classe poderão, agora, encontrar eco na sociedade brasileira em sua rejeição a Bolsonaro.

Para nos ajudar a compreender

Penso que o artigo de Harvey “Política anticapitalista na época do Covid19”, é iluminador tanto sobre a situação planetária do capitalismo e da crise do neoliberalismo – combatido de Santiago à Beirute –, bem como sobre o lugar do Covid-19 na luta de classes, ponto que merece nossa maior atenção e pode guiar muitas das ações propostas pelo Manifesto. Harvey traça com firmeza o panorama planetário do neoliberalismo vitorioso, das lutas contra ele e dos efeitos do Covid-19 sobre ele, assinalando a ironia histórica do surgimento de uma perspectiva socialista no centro do mundo neoliberal.

Também considero importante para nossa reflexão e ação, o artigo de Paulo Capel Narvai, “A estratégia da pinça”. Narvai salienta que o que está em jogo não é a pandemia, mas as eleições de 2022. É particularmente significativa sua análise sobre a luta do grupo bolsonarista contra os governadores, que serão responsabilizados pelo péssimo desempenho da economia (o “pibinho” e o “dolão”), e sobretudo sua analise do papel de Mandetta nesse jogo, isto é, do discurso técnico aparentemente oposto ao discurso psicótico de Bolsonaro.

Uma proposta para discussão

Algumas pesquisas, mencionadas por articulistas de A Terra é Redonda e pelo site Brasil 247 indicam que, no Brasil, os mais penalizados pelos efeitos do Covid-19 (tanto do ponto de vista da saúde quanto da subsistência) são exatamente os eleitores dos partidos de oposição, particularmente os de esquerda. Em outras palavras, são aqueles de cujas organizações e lutas nasceram os projetos e programas dos partidos de esquerda, e também aqueles, destroçados pela economia e política neoliberais, que hoje buscam o caminho que define a essência da democracia, qual seja, a criação e garantia de direitos. Os partidos de oposição (esquerda e centro) devem a eles sua presença na política brasileira e por isso faço aqui uma proposta.

O Manifesto, como frente nacional de oposição, apresenta uma lista de ações necessárias a serem exigidas do governo federal, mas essa frente nacional também pode agir diretamente no atendimento emergencial dos que foram os mais atingidos pela destruição dos direitos sociais e por isso são também os mais atingidos, no curto e no longo prazo, pelo Covid19, pois são os que mais dependem dos serviços públicos e das garantias trabalhistas. Proponho que se considere a possibilidade de dirigir os fundos partidários para ações emergenciais, de maneira a deixar claro que o Manifesto é político e social. Isso configuraria uma espécie de governo paralelo? Que assim seja.

04/04/2020 – Publicado originalmente no site 
www.aterraeredonda.com.br