segunda-feira, 27 de julho de 2020

A situação e o Partido

A reunião da Direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, realizada no dia 25 de julho de 2020, tomou como ponto de partida um roteiro que, com alterações feitas a partir dos debates travados na referida reunião, segue abaixo. Não se trata, portanto, de uma resolução.

A situação e o Partido

1.Desde março de 2020, portanto há mais de 120 dias, estamos em pandemia. Isto tornou mais difícil o que já era difícil, tornou mais complexo o que já era complexo, acentuando algumas tendências que antes da pandemia considerávamos negativas (por exemplo, a “militância nas redes”, o “ultracentralismo” de certas direções e a redução na mobilização social).

2.Este preâmbulo é necessário, para alertar para o seguinte: por mais esforço que façamos em analisar corretamente a situação, por mais que aprovemos resoluções, aumentou a distância entre o “decidir fazer” e o “fazer acontecer”.

CRISE SISTÊMICA, GEOPOLITICA E ESTRUTURAL

3.Isto posto, começando pelo começo, temos insistido na caracterização geral do período (em escala mundial) como de “crise sistêmica”, para a qual temos que buscar produzir uma “alternativa sistêmica”.

4.Temos insistido também que, para além do conflito geopolítico (especialmente entre China e Estados Unidos), há também uma “crise estrutural” do capitalismo, que teve uma de suas manifestações agudas em 2008 e que, segundo a maior parte das previsões, teria outro pico a qualquer momento.

5.Mas este pico não veio e a pandemia embaralhou todas as cartas.

6.A questão, politicamente muito relevante, é saber quais os “efeitos colaterais” que a crise sanitária produzirá na “crise estrutural”.

7.Cabe lembrar que um dos fenômenos de fundo da “crise estrutural” é que o desenvolvimento das forças produtivas cada vez mais descarta força de trabalho, aumentando a produtividade e a produção, ao mesmo tempo que faz baixar a taxa de lucros e afeta a capacidade de consumo de massas crescentes da população.

8.E o que temos visto, como uma das decorrências da crise sanitária? Mais substituição de trabalhadores vivos por máquinas, mais desemprego estrutural, colocando os próprios capitalistas diante da necessidade de sustentar parte do consumo por outros meios, que não o da massa salarial.

9.A maneira como o capitalismo tenta “resolver” isto (mantendo uma parte da população na miséria absoluta e mantendo outra parte pouco acima deste limiar, graças a “rendas emergenciais”) revela por um lado os limites deste sistema e, por outro lado, coloca o movimento socialista diante de situações que foram descritas, literariamente, por Jack London, onde se fala da difícil relação entre o proletariado e o “povo do abismo”.

10.Olhando em perspectiva, podemos estar diante de dois cenários diferentes:

1/ a pandemia passar, a crise prosseguir e se manifestar em um novo 2008, caso em que a situação sanitária terá sido apenas um hiato, um parêntese;

2/ durante a pandemia, os capitalistas e seus governos tomam medidas que produzem os efeitos “purgantes” que um novo 2008 causaria – concentração e centralização de capitais, novo patamar de exploração da classe trabalhadora, saltos tecnológicos etc.

11.A depender do cenário (ou de suas combinações), aumentam ou diminuem as chances de, no curto prazo, ocorrer um novo ciclo de expansão capitalista e também afetam a natureza deste ciclo.

12.Vale acentuar que, para que ocorra um novo ciclo de expansão capitalista –portanto, diferente do crescimento rastejante que temos tido nas últimas décadas, no mundo capitalista neoliberal --  seria necessário OU bem a abertura de uma nova frente de investimentos (o fundo do mar, o espaço), OU bem uma reconstrução em larga escala (que suporia uma grande destruição prévia, ao estilo do que foi a Segunda Guerra).

13.Notar, a esse respeito, que os tambores de guerra continuam soando. Ou seja, a busca do capitalismo por gerar mais lucros gera, por todos os lados, fenômenos destrutivos e doentios.

BRASIL, CRISE NACIONAL

14.Além da crise estrutural e da crise geopolítica, temos batido na tecla de que o Brasil vive uma “crise nacional”, ou seja, uma situação similar a vivida nos anos 1980, quando esgotou o “ciclo desenvolvimentista” e o país ficou diante da disjuntiva caminho neoliberal ou caminho democrático-popular-socialista.

15.Naquele momento, como hoje, não se trata de uma “crise revolucionária”. Aliás, se há algo que caracteriza o nosso país, é que até hoje não vivemos uma grande revolução. Não admira que, dos “gigantes” do mundo, sejamos o mais atrasado sob vários pontos de vista.

16.Quando falamos de “crise nacional”, nos referimos ao fato de que a dinâmica geral da sociedade brasileira gera contradições cada vez maiores, cujo não solução empurra esta sociedade para uma situação de “múltiplas doenças crônicas”. Situações que obrigam cada classe social, cada força política, a buscar caminhos e meios que permitam reestruturar o funcionamento da sociedade.

17.Claro que esta busca de caminhos e meios PODE vir a tornar-se uma crise revolucionária, mas o problema também pode ser resolvido por uma ofensiva reacionária, como a que estamos presenciando hoje.

18.O que resultará da presente crise nacional? Claro que isto dependerá da luta de classes interna a nossa sociedade e, por outro lado, dependerá da relação entre nossa sociedade e a situação mundial. Mas vale a pena observar o que ocorreu na crise nacional anterior, aberta no final dos anos 1970, início dos anos 1980.

40 ANOS DE NEOLIBERALISMO

19.O fato de não termos DERRUBADO a ditadura, que conseguiu retirar-se “em ordem”; o fato da “transição para democracia” ter sido no fundamental lenta, segura e gradual, prescindindo inclusive de uma Assembleia Nacional Constituinte livre, democrática e soberana; o fato dos neoliberais terem triunfado nas eleições de 1989 e reafirmado seu triunfo em 1994, recebendo “mandato popular” para fazer o que fizeram; tudo isto, junto e misturado com a situação mundial (ascenso neoliberal, recuo do socialismo), resultou em 40 anos de neoliberalismo.

20.É importante afirmar isso: os momentos de crise parecem apenas momentos, parecem apenas conjunturas, mas nestes momentos decide-se o perfil futuro de décadas inteiras. Por isso temos insistido que vivemos uma situação em que se faz necessário articular, mais do que nunca, a conjuntura e a estrutura, a tática e a estratégia, o emergencial e o programa de médio prazo.

21.Os 40 anos posteriores a 1980 foram de hegemonia neoliberal (ou seja, uma “ditadura” da “sociedade limitada” entre o capital financeiro, o capital transnacional e o agronegócio exportador); de aprofundamento de algumas das desigualdades sociais (para dar um exemplo, a estrutura patrimonial e a repartição da renda nacional entre capital e trabalho é pior hoje, do que era nos anos 1970); de crescimento baixo (nunca mais tivemos vários anos de 7-11% de crescimento do PIB).

22.Mas, ao mesmo tempo, nos 40 anos posteriores a 1980 predominou um nível de liberdades democráticas e de incidência institucional dos setores populares muito superiores aos do passado pré-1964.

23.A classe dominante não pode, não quis ou não precisou lançar mão dos métodos ditatoriais típicos do período 1930-1945 e 1964-1985.

24.Graças a isso, tivemos no Brasil o mesmo que nos países europeus, no período anterior e posterior as grandes guerras: havendo mínimas liberdades democráticas, parcelas cada vez mais amplas da classe trabalhadora votam nos seus partidos.

25.No caso brasileiro, isto desembocou no ciclo de governos presidenciais petistas, entre 2003 e 2016. Gerando, em alguns analistas, uma falsa percepção sobre o sentido geral seguido pela sociedade brasileira no período 1980-2020.

26.O fato é que, apesar da influência da esquerda ter sido maior do que nunca tinha sido na história do Brasil; e apesar disto ter se traduzido em conquistas efetivas no plano de algumas políticas públicas e conquistas materiais; apesar disso, no plano econômico-estrutural (patrimônio e renda) a desigualdade persistiu sendo uma das maiores do mundo.

27.Aliás, embora tenha sido sempre combatida pela classe dominante, a nossa presença no governo federal não impediu que os lucros dos capitalistas seguissem crescendo, não reverteu as privatizações feitas nos governos anteriores, nem reverteu a desindustrialização nacional.

28.Seja como for, a crise de 2008 mudou as condições gerais e, para a classe dominante brasileira, tornou-se estratégico retomar o controle completo do governo federal. Não bastava mais controlar o Banco Central e outras áreas e políticas, era necessário controlar o conjunto da operação, inclusive para privar a classe trabalhadora de meios para se defender da onda reacionária.

UMA CLASSE DOMINANTE PRIMÁRIA E BRUTAL

29.Os acontecimentos posteriores às eleições presidenciais de 2014 não devem ser vistos, portanto, como episódios isolados. Tudo o que vem acontecendo desde então indica que a dinâmica da luta de classes está voltando a ser parecida com o que era antes de 1980. Nos referimos, especificamente, ao seguinte: para a classe dominante, é fundamental reduzir ao mínimo possível, tanto as liberdades democráticas quanto a presença institucional dos setores populares.

30.Não se trata de uma “tara” pessoal do cavernícola que nos preside, nem de um vício da cúpula das forças armadas e das polícias. Ocorre que a classe dominante brasileira considera que nosso papel no mundo é o de “exportar primários e importar industrializados”.

31.Aceita esta premissa, a prioridade primário-exportadora tem várias consequências. Uma delas é a contada na fábula de Procusto: é preciso amarrar o Brasil na cama e cortar tudo que fique para fora. Dito de outro jeito, fazer o Brasil de 2020 caber nas roupas do Brasil de 1920.

32.Em termos econômicos, um país primário-exportador não conseguirá oferecer saúde, educação, moradia, trabalho e salários para a maior parte da atual população brasileira. Aliás, do ponto de vista da lógica dominante, um país primário-exportador não precisa oferecer nada disto. Para começo de conversa, para que tantos trabalhadores virando universitários?? Para que uma trabalhadora doméstica deveria querer fazer viagens de avião??

33.Vale dizer que esta visão é antiga: já em 1988, José Sarney e outros diziam que os direitos previstos na Constituição de 1988 não cabiam no Brasil.

34.Em consequência disto, a classe dominante precisa tratar a questão social (cerca de 200 milhões de brasileiros e brasileiras) como “caso de polícia”.

35.Como decorrência do ultraliberalismo, a classe dominante precisa e defende reduzir substancialmente as liberdades democráticas, os espaços institucionais e de auto-organização do povo.

36.O “bolsonarismo” não é um fenômeno isolado, nem patologia individual. Sob esta e outras formas, a tendência é de que a classe dominante se comporte de maneira mais e mais repressiva e intolerante.

37.Os fenômenos do golpismo, da militarização, da criminalização, do punitivismo penal, do encarceramento em massa, da partidarização da justiça, da judicialização da política, da intolerância e do fundamentalismo derivam daí.

38.Isto que vem sendo chamado de “fascismo” ou de “neofascismo” é, portanto, uma ferramenta que a classe dominante vai usar cada vez mais, pelo menos até que nossos capitalistas sejam derrotados.

A CLASSE DOMINANTE SABE O QUE FAZ

39.Em resumo: a crise social, a crise econômica e a crise cultural (entendendo por isso um choque acentuado entre visões de mundo) fazem parte de uma “crise nacional” mais ampla, que diz respeito ao futuro de médio prazo da nossa sociedade.

40.Apenas como imagem, se a opção preferencial da classe dominante for levada até o fim, o Brasil daqui há dois anos chegará em... 1922.

41.Seja como for, não é de admirar que estejamos assistindo, hoje, alguns debates que tem similitudes com os que foram travados por anarquistas, socialistas e comunistas, na década de 1920.

42.O risco que corremos, óbvio, é cometer de novo os  mesmos erros (entre os quais colocar a classe trabalhadora sob a direção de uma suposta “burguesia nacional” ou de seu alter ego, a “pequena burguesia radicalizada”).

43.É importante ter claro, também, que esta opção é a mais lógica e a mais lucrativa para a classe dominante.

44.Para começo de conversa, o Brasil (e a região sulamericana) possui extensas reservas naturais de tudo que é demandado pelas potências industriais. Ganhe quem ganhar a batalha geopolítica em curso no mundo, o Brasil pode fornecer seus minerais, seus vegetais, suas proteínas etc.

45.Em segundo lugar, já existe um excesso de capacidade produtiva no mundo e, se a pandemia produzir um mini-ciclo de substituição de importações naquelas potências que descobriram que não conseguem produzir... máscaras, este excesso de capacidade produtiva vai crescer ainda mais.

46.Neste cenário, a reindustrialização do Brasil exigiria altas doses de protecionismo, muito investimento e muita disposição para brigar com as grandes potências industriais já instaladas. Exigiria, também, ampliar a capacidade de consumo da classe trabalhadora brasileira. Ou seja, a classe dominante brasileira – que usa nossos baixos salários como vantagem comparativa – teria que abrir mão de parte dos seus lucros e correr riscos numa guerra geopolítica.

47.Muito mais cômodo é aceitar a posição de gestores de um entreposto primário-exportador, abastecido com produtos industriais comprados nas grandes oficinas & laboratórios do mundo.

EM QUE PONTO ESTAMOS DA HISTÓRIA

48.Neste ponto, cabe perguntar: a partida já está decidida? Estamos em 1889 ou em 1902? Estamos em 1922 ou em 1935? Estamos em 1945 ou em 1947? Estamos em 1964 ou em 1968? Estamos em 1985 ou em 1989? Ou seja, a batalha decisiva já foi travada e nós a  perdemos, e portanto teremos pela frente um período mais ou menos longo de defensiva estratégica; ou a batalha decisiva ainda será travada e, portanto, a história pode seguir um curso completamente diferente e no curto prazo podemos estar construindo um cenário estratégico completamente diferente?

49.Sabemos que nem o golpe de 2016, nem a condenação/prisão/interdição de Lula, foram suficientes para decidir o resultado do jogo.

50.As eleições presidenciais de 2018 foram, como todas as eleições presidenciais desde 1989, polarizadas pelo PT. Ou seja, a dinâmica política do país continuou, pelo menos até 2018, sendo definida pela disputa entre a classe dominante e o petismo.

51.Claro que nos municípios e nos estados não era, nem é, necessariamente assim. Mas no âmbito nacional, foi a disputa PT x classe dominante que prevaleceu desde 1989 até 2018.

52.A grande questão política do país é se esta polarização vai se manter ou se vai ser substituída por outra.

53.Os setores da esquerda e da centro-esquerda que confundem isso com “hegemonismo” ou “patriotismo de partido”, ou bem acreditam no mito da Hidra de Lerna (neste caso, se cortarem a cabeça do PT, outra esquerda surgirá do pescoço decepado), ou bem não entendem algo essencial: o protagonismo do PT, desde 1989 até 2018, é a expressão mais destacada do protagonismo dos setores populares. Por isso a classe dominante não tem dúvida nenhuma acerca de qual é o inimigo principal.

54.O protagonismo do PT é, em si mesmo, um sinal de que a partida ainda não foi concluída, que o placar ainda pode ser virado.

55.Por outro lado, se o PT for destruído, isto significaria que a partida terá sido concluída. Para fazer uma analogia, com todos os limites que isto tem, seria como se estivéssemos em 1947-1968-1989. Ou seja, significaria que teremos pela frente um período mais longo, de uma década ou mais, em que a classe dominante aplicaria seu programa, em que resistiriamos, mas sem que os setores populares conseguissem virar a mesa.

56.Por isso, repetimos mais uma vez, o conjuntural e o estratégico estão tão ligados nos dias que correm. Uma derrota conjuntural nossa, neste momento, não será apenas conjuntural. Abrirá um período mais longo, que pode durar mais ou menos tempo.

57.Por isso, vale dizer, insistimos tanto em não perder a hora certa para defender o Fora Bolsonaro. A vacilação naquela oportunidade, vacilação que se alimenta em parte de uma visão incorreta da urgência da hora, pode vir a se revelar fatal, caso se consolide o acordo por cima, com a manutenção de Bolsonaro e da política de Guedes.

AS ELEIÇÕES DE 2020, DE UM ÂNGULO ESTRATÉGICO

58.Embora não se trate de um fenômeno estrita ou principalmente eleitoral, as eleições de 2020 e as próximas eleições presidenciais (inclusive quando vão ocorrer, se em 2022 ou antes) terão enorme importância para afirmar uma ou outra “narrativa” a respeito do conflito entre o PT e a classe dominante.

59.Embora a situação econômica, social e sanitária deva se agravar nos próximos meses, não está claro como isso vai se traduzir nas eleições municipais de 2020.

60.O número de votos de cada partido, o número de vereadores e prefeitos eleitos, tende a uma grande dispersão, o que tornará muito difícil qualquer conclusão “definitiva”.

61.Entretanto, o resultado eleitoral nas cidades onde ocorre segundo turno, especialmente nas grandes capitais, especialmente no “triângulo das Bermudas” (Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo), vai indicar uma tendência.

62.Quando falamos “tendência” referi-mo-nos, por exemplo, ao seguinte: vencemos em São Paulo em 1988, em 2000 e em 2012; e o PT esteve no segundo turno presidencial em 1989, em 2002 e em 2014.

63.Mas também é verdade que perdemos em São Paulo em 1992 e em 1996, mas mesmo assim o PT ficou em segundo lugar na disputa presidencial de 1994 e de 1998.

64.E igualmente é verdade que perdemos em São Paulo em 2004 e em 2008, mas mesmo assim vencemos as eleições presidenciais de 2006 e de 2010.

65.Portanto, existe uma relação entre o desempenho do PT nas grandes cidades (no caso, falamos de SP capital, mas o exemplo é extensivo ao conjunto das 100 maiores cidades do país) e, dois anos depois, o desempenho do PT nas eleições presidenciais, mas esta relação envolve outras variáveis além do resultado eleitoral estrito senso.

66.Seja como for, voltamos a dizer que não está claro o que vai ocorrer nas eleições de 2020. Mas se o desempenho do Partido dos Trabalhadores puder ser apresentado (com maior ou menor aderência à realidade) como positivo, isto ajudará a manter viva a polarização PT x classe dominante na eleição presidencial vindoura e noutros terrenos da disputa.

67.Mas se o PT sofrer uma derrota acachapante nas eleições de 2020, ou seja, se o resultado for tal que não possa ser interpretado de outra forma senão como uma derrota, neste caso recrudescerá brutalmente a pressão por parte daqueles que querem virar a página da polarização PT x classe dominante.

68.Os que desejam isto, em primeiro lugar, são os setores que defendem uma terceira via. Aqui se alinham os que converteram o PT em inimigo principal (como é o caso de Ciro Gomes); também se alinham os que defendem que, para derrotar o inimigo principal, o PT seria um problema, não uma solução (setores do PCdoB, setores do PSOL, outros).

69.Além dos que desejam isso, há os que se conformam com este tipo de desfecho. É o caso de setores do PT que se sentem confortáveis na condição de “sócios menores”; e, paradoxalmente, setores do PT que consideram que o suposto “hegemonismo” do Partido dificulta a construção de uma alternativa mais solidamente de esquerda, capitulando à ideia de que o caminho para uma frente de esquerda passa por enfraquecer e não por fortalecer o PT.

70.Quando olhamos para a classe dominante estrito senso, também enxergamos posições diferentes a respeito do “protagonismo” do PT.

71.Alguns setores adotam defendem o extermínio total do Partido; outros defendem que bastaria ele ser esmagado, até tornar-se uma força residual; outros consideram que o ideal seria a conversão do PT em uma espécie de PSDB recauchutado (uma espécie de Tony-Blairização do Partido, o que converteria o petismo numa alternativa confiável para um setor da classe dominante); e, finalmente, há os que consideram que a existência do PT pode até ser útil, desde que o PT possa funcionar como um espantalho, forte o suficiente para ir ao segundo turno, fraco demasiado para ganhar o segundo turno.

72.Seja como for, repetindo o que já foi dito antes, embora não se trate de um fenômeno estrita ou principalmente eleitoral, as eleições de 2020 e as próximas eleições presidenciais (em 2022 ou antes) terão enorme importância para afirmar uma ou outra “narrativa” a respeito da manutenção ou não da polarização PT x classe dominante. E, claro, não se trata apenas de uma “narrativa”, mas sim de uma medida eleitoral, da correlação de forças real na sociedade.

73.Este fato nos parece ter sido percebido pelo conjunto do PT e, também por isso, prevaleceu na direção nacional do partido a tática de lançar candidaturas petistas onde fosse possível.

HÁ RISCOS DE UMA DERROTA CATASTRÓFICA?

74.Só depois das eleições teremos certeza de qual foi o resultado prático desta tática. Mas desde já há, no Partido, opiniões contraditórias a respeito, desde quem diga que o PT vai “bombar” nas eleições, até que ele pode sofrer uma derrota catastrófica.

75.Entre os que defendem esta segunda tese, há  quem enfatize o seguinte:

1/o bolsonarismo mantém um núcleo duro de apoio;

2/apesar do governo ter uma política de saúde que já nos custou a vida de mais de 85 mil brasileiros e brasileiras, há uma dinâmica de “naturalização” do genocídio;

3/o núcleo duro de apoio ao governo se mantém, também apesar de já termos mais de 40 milhões de brasileiros desempregados, desalentados ou em vias de. Aliás, frente a alguns setores, Bolsonaro tenta vender a ideia de que é ele quem defende os que precisam trabalhar;

4/por outro lado, a oposição de centro e de direita dispõe de meios institucionais, materiais e comunicacionais maiores do que os nossos, para capturar o eleitorado descontente com Bolsonaro;

5/há uma operação de ocultamento do petismo, vide o ocorrido no caso da ajuda emergencial, somada a operação que vem desde 2005, de estigmatização do Partido;

6/as características desta campanha, em meio a pandemia, provavelmente com altos níveis de abstenção, podem tornar muito difícil ao PT ter um desempenho de reta final similar ao de outras eleições;

7/as direções partidárias em todos os níveis e as candidaturas postas, com raras exceções, ainda estão com muita dificuldade para se movimentar no na conjuntura.

76.Destes pontos, o único que está sob nossa (do Partido) governabilidade é o último. Portanto, vamos analisa-lo com um pouco mais de cuidado.

77.A maior parte das direções municipais e boa parte das direções estaduais do PT passa por grandes dificuldades, financeiras, organizativas e políticas. Isto não é um detalhe trivial, pois num momento como o que vivemos, é de grande importância a ação das direções. A direção nacional do PT também enfrenta dificuldades financeiras, organizativas e políticas.

78.Ao mesmo tempo, a direção chamou para si a decisão final sobre as candidaturas. Em diversos casos isto não implicou na solução ótima. Há casos surpreendentes, em que a CEN aprovou alianças com partidos e candidaturas bolsonaristas; mas ainda não sabemos se isto é uma exceção ou se há um grande número de cidades onde tenham ocorrido alianças exóticas, com diferentes matrizes do golpismo. E há as situações, politicamente mais relevantes, de grandes capitais, onde as candidaturas e/ou as politicas de aliança geram desconforto em setores do partido e/ou em setores do eleitorado petista.

79.Sobre isto, nossa posição deve ser informada, por escrito, diretamente ao DN, que deve abordar a questão em reunião convocada para o dia 31 de julho.

80.Para além de corrigir a tática em algumas cidades, é preciso refletir sobre a situação nacional, incluindo aí a situação do Nordeste.

81.Está ficando claro que o balanço feito por alguns, em 2018, acerca do sucesso da “tática adotada no nordeste”, não levou em devida conta diversos problemas, entre os quais:

1/os interesses próprios dos partidos de centro direita aliados ao PT em vários estados do nordeste;

2/a capacidade de atração que o governo Bolsonaro tem, por sobre alguns partidos de centro e direita que fazem parte da base de apoio dos governos estaduais;

3/o impacto da crise sanitária, econômica e social, por sobre a capacidade tributária e de ação dos governos estaduais;

4/os efeitos eleitoralmente contraditórios da postura dos governadores petistas do Nordeste frente a pandemia;

5/a força que o gverno federal pode exibir, no confronto com outras unidades da federação, inclusive utilizando a PF e outras “ferramentas”.

82.Assim como as grandes cidades, o desempenho geral do PT no Nordeste também vai construir uma “narrativa” acerca da manutenção, ou não, da polarização PT x classe dominante.

83.Ao relacionar os problemas, não quer dizer que consideremos que o resultado será catastrófico. Há outras variáveis, que podem resultar num desempenho positivo ou razoável por parte do PT. Mas para que isso ocorra, é indispensável que os problemas anteriormente listados sejam enfrentados.

84.Na lista de problemas, citamos dois mais:

1/está cada vez mais comum ver nossa direção nacional ser palco de um “cabotinismo” que, ao invés de nos fortalecer, nos enfraquece. O autoelogio – reforçado pelo fato de muitas de nossas reuniões serem transmitidas ao vivo – estimula uma imagem falsa, de que as coisas estão bem para nós, de que estamos fazendo tudo certo. E isto não é verdade.

2/está em curso uma “batalha” pelo destino dos recursos do fundo eleitoral. Esta batalha contrapõe demandas do “sindicato dos parlamentares”, demandas setoriais, interesses burocráticos-gerenciais da tesouraria nacional, interesses de tendência, interesses político-pessoais etc. Como se trata de dinheiro público, é importante um debate público, transparente e didático a respeito.

85.Como já dissemos, independente do que ocorra em 2020, continuará uma disputa acerca da manutenção ou não da polarização PT x classe dominante. Por isto mesmo, é essencial que nossa tática, nossa linha de campanha, nossa política de alianças, esteja organizada por um duplo objetivo: por um lado, obter vitórias eleitorais; por outro lado, polarizar política e programaticamente com o ultraliberalismo, com o bolsonarismo, com o golpismo.

86.Se adotarmos a linha correta, mesmo que soframos derrotas eleitorais, seguiremos em condições de manter a polarização política, que como já explicamos é essencial para o destino de médio prazo do país.

A LINHA DO PARTIDO SERÁ DECISIVA

87. O PT continuará sendo a expressão político-partidária da maior parte da vanguarda da classe trabalhadora? E continuará, por isso, recebendo a simpatia da maior parte dos segmentos conscientes da classe trabalhadora?

88.Reafirmamos que, em última análise, esta disputa será decidida pelo povo. Não apenas nas eleições, mas no conjunto da luta de classes.

89.Falando em tese, isto pode ocorrer qualquer que seja a orientação política que prevaleça no PT. Ou seja, pode em tese ocorrer com o PT o que ocorreu com o Labour Party, que foi da social-democracia clássica ao neoliberalismo e, hoje, está de volta à social-democracia... de esquerda.

90.Mas, por conta das características da sociedade e da luta política no Brasil, é pouquíssimo provável que o PT sobreviva a qualquer tipo de “tonyblairização”. A esse respeito, vale lembrar que a influência do pallocismo nos levou à borda do precipício.

91.Portanto, não apenas o protagonismo, mas inclusive a sobrevivência do PT depende em grande medida da linha política que o partido adotar.

92.Entendendo por “linha” não apenas uma resolução escrita num pedaço de papel, mas principalmente o comportamento prático, uma maneira de agir na luta de classes, a relação cotidiana do Partido com a classe trabalhadora.

93.Outra questão que deve ser lembrada é que o PT é um dos produtos de uma época muito especial da vida brasileira, em que prevaleceram as liberdades democráticas e, portanto, não houve interrupções brutais na vida dos partidos de esquerda.

94.Caso estas interrupções voltem a ocorrer, caso o PT viva situações como as vividas pelo PC, em 1930, em 1947, em 1964, sua sobrevivência estará brutalmente ameaçada e, novamente, dependerá em grande medida da linha política.

95.O PC, por exemplo, sobreviveu as duas primeiras, mas não sobreviveu a terceira tentativa de extermínio. E isto não apenas por conta da repressão, mas principalmente porque durante a ditadura, o movimento comunista se desconectou do movimento geral da classe trabalhadora.

96.Cabe lembrar, também, que o PT é um partido de tendências. Em épocas de vacas gordas, é mais fácil a coexistência dessas tendências. Em épocas de vagas magras, a coexistência torna-se mais difícil. Um linha incapaz de enfrentar a situação, um comportamento incapaz de coesionar o conjunto do partido, pode estimular comportamentos centrípetos.

97.Outro ponto a lembrar, mesmo não sendo algo fácil de dizer: é preciso lembrar que a geração fundadora do PT está partindo, exatamente neste momento de imensas dificuldades. E parte importante da nova geração dirigente está demasiadamente marcada pela experiência de governo. Aprendeu a fazer política numa determinada “escola”; e, hoje, a situação exige outros conhecimentos, que parte importante desta nova geração ainda não tem. Novamente, o tema da linha política ganha muita importância.

98.Finalmente, e mais importante que tudo, a classe trabalhadora brasileira de hoje é muito diferente da dos anos 1980. Uma parte da classe nunca nos apoiou, outra se decepcionou profundamente conosco, outra nos conheceu basicamente como governo. E as instituições que, em certa medida, intermediam nossa relação com a classe (os sindicatos, os movimentos, a igreja progressista etc.), atualmente todas enfrentam dificuldades.

99.Por todos os motivos citados, e outros mais. o partido precisa de uma linha adequada, ou seja, de uma maneira de atuar na luta de classes, que corresponda às necessidades do atual período histórico. Sem isso, a sua sobrevivência pode ser ameaçada, seja pelos inimigos, seja pelos adversários, seja pelos nossos erros.

100.Enfim, o quadro geral não é para amadores. Como já dissemos, vivemos um daqueles momentos da história em o debate sobre a tática e a estratégia, sobre o conjuntural e o estrutural, sobre o programa de curto e de médio prazo, sobre política e organização, estão profundamente entrelaçados. E num momento desses, erros que noutras circunstâncias seriam de pouco impacto, hoje podem ser estrategicamente fatais.

O DEBATE SOBRE O PROGRAMA

101.Neste sentido, é revelador que no meio das eleições de 2020, o Diretório Nacional tenha encarregado a FPA (mais exatamente, encarregou Fernando Haddad, Aloizio Mercadante e o “centro de altos estudos”) de fazer um programa de transformação do Brasil.

102.Já apresentamos uma crítica à primeira versão deste texto (http://valterpomar.blogspot.com/2020/07/por-um-plano-de-transformacao.html) e faremos o mesmo, no dia 31 de julho e em outras oportunidades, em relação a segunda versão, que aliás começa a ser apresentada de público, como se fora uma posição quase oficial.

103.O que em primeiro lugar chama a atenção é que o conteúdo do texto reflete uma concepção estratégica alguns graus abaixo do que consideramos adequado para a situação.

104.Em nossa opinião, um programa que articule nossos objetivos imediatos, emergenciais, com nossos objetivos de médio prazo, estratégicos, pode contribuir muito para que o partido saia politicamente vitorioso desta conjuntura, qualquer que seja o resultado eleitoral.

OBSERVAÇÕES SOBRE A CONJUNTURA ESTRITO SENSO

105.A prisão de Queiroz e as investigações acerca das fake news, que fornecem mais e mais provas do comportamento criminoso de Bolsonaro e seu clã, deveriam servir como argumento adicional para cassar a chapa ou, pelo menos, para iniciar o processo de impeachment. Mas, na verdade, serviram de argumento para construir um acordo por cima.

106.O fato é que as diferentes facções do golpismo têm como prioridade manter a política ultraliberal, a tutela militar e o isolamento do PT, até o momento todas preferem apostar em um acordo.

107.O acordo pode assumir diferentes formas: a/Bolsonaro permanece, supostamente domesticado; b/Bolsonaro sai, mas no seu lugar entra Mourão; c/assume um “governo de salvação nacional”.

108.Nenhuma destas alternativas garante uma política adequada contra a pandemia, o fim da política de Guedes e a reconstrução das liberdades democráticas.

109.O melhor caminho para evitar o acordo por cima é estimulando a mobilização popular, sob todas as suas formas (virtual, simbólica, presencial). Sem mobilização, os que deram o golpe de 2016, os que prenderam e condenaram Lula, os que fraudaram as eleições de 2018, continuarão aplicando seu programa e levando o país de volta ao passado.

110.É cada vez mais necessário, urgente e indispensável ampliar todas as formas de luta do povo. Vale, neste sentido, analisar detalhadamente as lutas e mobilizações ocorridas no último período (torcidas, entregadores de aplicativos, professores, metalúrgicos da Renaul do Paraná etc.).

111.Entre as dificuldades enfrentadas pelas mobilizações, está a existência, nas esquerdas brasileiras, de duas táticas na luta contra o bolsonarismo: a tática da   denominada frente ampla e a tática da frente de esquerda. Sobre isso já opinamos noutro momento(http://valterpomar.blogspot.com/2020/06/que-tipo-de-frente-derrota-o-fascismo.html).

112.A mais recente expressão destas duas táticas foi a participação de várias lideranças petistas, psolistas e comunistas no comício virtual “direitos já”, sob a tutela ideológica do tucanismo, que fala muito sobre democracia, nada de impeachment e menos ainda da política de Guedes. Deixando claro que a tática da frente ampla tem como um de seus objetivos neutralizar & cooptar o PT, para uma política de acordo por cima; ou, se não for possível, isolar & derrotar nosso Partido.

113.Aliás, é didático ver como o movimento pelos “direitos já”, e tantas outras manifestações da chamada “frente ampla pela democracia”, esfriaram totalmente depois que Bolsonaro, após a prisão de Queiroz, deu vários sinais de estar disposto a algum tipo de acordo.

114.Não acreditamos que Bolsonaro seja capaz de deter seus ímpetos golpistas. Mas tampouco acreditamos na disposição oposicionista e na vocação democrática dos setores não bolsonaristas do golpismo. E muito menos nos negamos a ver o óbvio: não é a pessoa de Bolsonaro, mas o conjunto da coalizão golpista, que está operando um “golpe por dentro das instituições”.

115.Frente a esta situação, devemos nos engajar na construção de uma campanha de massas pelo Fora Bolsonaro e Mourão/impeachment/diretas já, obrigando os que discursam a favor de uma frente ampla pela democracia, a sair da zona de conforto, em que falam de democracia, mas não lutam verdadeiramente por ela.

116.Mas para que este engajamento ocorra, é preciso enfrentar algumas concepções que seguem existindo entre nós.

117.A primeira é a que acredita que só depois da pandemia, será possível fazer mobilização mais ampla. Desconhecendo, entre outras coisas, que mais de 50 milhões de trabalhadores seguem todo dia, de suas casas para os locais de trabalho.

118.A segunda é a que considera que o espaço principal de oposição é o parlamento. É verdade que conseguimos algumas vitórias no parlamento, em parte devido a nossa mobilização, mas em parte, também, devido as disputas na base do governo e as múltiplas chantagens do Centrão (o Fundeb, por exemplo). Mas também é verdade que o efeito prático destas nossas vitórias parlamentares é muito variado (há os vetos, há a distância entre o aprovado e a vida real). Um grande exemplo disto é o efeito prático que teve a ajuda emergencial, para manter a base de apoio do bolsonarismo junto as camadas mais pobres, inclusive no Nordeste.

119.A terceira é a que acha que a ação dos nossos governos estaduais e municipais é, isoladamente, o principal vetor de oposição. Sem subestimar a importância de nossos governos, é preciso levar em conta a incidência de outros fatores – como os citados no ponto 81 do documento. Cabendo lembrar que os governos que mais defenderam o isolamento podem, se houver um relaxamento agora, enfrentar uma situação sanitária mais difícil semanas que antecedem o processo eleitoral.

120.A quarta é a que trata as eleições de 2020 como uma disputa municipal, onde os grandes temas nacionais serão apenas um pano de fundo.

121.A quinta é a que terceiriza – para as frentes, por exemplo – a condução da campanha Fora Bolsonaro. Como se o papel da direção nacional fosse o parlamento e as eleições. A campanha própria do Partido pelo Fora Bolsonaro, por exemplo, em boa medida ainda não saiu da prancheta.
122.Aliás, a adoção da palavra de ordem Fora Bolsonaro e a participação formal do PT na Campanha Lula Livre, não corresponderam a adoção, por parte do conjunto do Partido, de uma política que realmente busque construir a derrubada do governo, a antecipação das eleições e a anulação da sentença de Lula, para que este possa intervir plenamente e inclusive ser candidato nas eleições presidenciais.

123.Aliás, sexta posição, há um amplo setor do Partido que, assumindo ou não publicamente isto, tendo ou não consciência disso, parece ter jogado a toalha em relação a reconquista dos direitos políticos de Lula e trabalha apenas com a alternativa Haddad 2022. Como se fosse verdade a tese segundo a qual se Bolsonaro conseguir ficar até 2022, será mais fácil para nós derrotá-lo, devido ao seu desgaste.

124.Da nossa parte, reafirmamos que é preciso insistir na campanha Fora Bolsonaro, Fora Mourão, Fora este governo e suas políticas, Eleições presidenciais diretas já, Anula STF. Reafirmamos, também, que Lula deve jogar um papel mais ativo na luta política nacional.

125.Finalmente, se analisarmos com mais detalhe, a relação entre o governo e os diferentes setores do empresariado; a postura das forças armadas e das polícias militares frente ao governo; os conflitos entre o governo e a cúpula do sistema judiciário; a relação entre o governo e o parlamento, em particular com o chamado Centrão, veremos que a situação não está estável para ninguém. Mas para que esta instabilidade não termine sendo útil para o bolsonarismo, ou para outros setores do golpismo, é preciso que o Partido radicalize seu discurso e amplie sua presença junto ao povo. O que nos remete a uma discussão político-organizativa essencial, que é a do trabalho de base e a da retomada dos núcleos.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Malabares da madrugada


Breno Altman considera “apressada” e “retórica” minha opinião, segundo a qual sua “hipótese de apoio à fórmula Boulos-Erundina estaria apresentada com tanto otimismo que tornaria desnecessária a pressão pela candidatura de Fernando Haddad”.

Sua posição – encabeçada pelo simpático título “Resposta a um malabarismo retórico” -- está aqui:

https://www.facebook.com/1019106646/posts/10221104712580321/?d=n

Pode ser que ele tenha razão.

Mas minha impressão de “tanto otimismo” resulta de frases do próprio Breno, tais como: “eleger uma forte bancada de vereadores”; “um passo decisivo para a formação da frente popular”; “importante repercussão nacional”; “a intervenção de Lula no processo eleitoral paulistano ganharia outra dimensão, transformando a competição local em uma grande batalha contra o bolsonarismo e os demais partidos neoliberais”. 

Eu, pelo menos, achei estas frases bem otimistas.

Seja como for, sigo achando que falar na hipótese de apoiar Boulos introduz um diversionismo na discussão.

Diversionismo útil tanto para os que defendem que Haddad não seja candidato (existiria, supostamente, uma alternativa “otimista” à catástrofe), quanto útil para os que insistem que Tatto seria uma boa opção (supostamente, os que defendem o contrário estariam querendo, na verdade, abrir mão da candidatura petista em favor de apoiar outro partido).

Por falar nisso, Breno escreveu que deveríamos unificar as esquerdas “ao redor de Boulos-Erundina, caso as pesquisas dos próximos sessenta dias, antes da inscrição oficial das candidaturas, confirmem seu maior potencial eleitoral”.

Posso não ter lido com atenção, mas fiquei com a impressão de que Breno transitou de uma posição (se não Haddad, Boulos) para uma hipótese (se não Haddad, quem estiver na frente).

Não faço ideia se alguém do PSOL já foi consultado a respeito desta hipótese. Duvido que aceitem. Aliás, duvido que apoiem Haddad, caso ele entre na disputa neste momento. E lembro que, na maioria das cidades onde o PSOL tem candidaturas majoritárias e o PT também, o que prevalece não é a posição da frente de esquerda.
Sem falar que é, digamos, para lá de polêmico introduzir este tipo de critério (pesquisas) para decidir candidaturas, tanto dentro de um partido, quanto entre partidos.

Claro, esta eleição tem muitas novidades. Mas propor esperar até o dia 26 de setembro para ter uma “definitiva orientação eleitoral” supera qualquer coisa que eu já tenha visto ou ouvido.

Aliás, reitero: quem pode o mais, pode o menos.

Se é possível ao Partido abrir mão da candidatura própria em São Paulo capital, também é possível substituir Jilmar Tatto por Fernando Haddad.

Com a vantagem, neste segundo caso, de não ter efeitos colaterais.
Por falar em efeitos colaterais, registro que Breno não disse nada a respeito dos vários problemas que eu apontei.

Salvo, é claro, que seu comentário a respeito seja o simpático título a que me referi antes. 



Jilmar Tatto & Breno Altman: aqui se faz, aqui se paga

Nestes tempos de comunicação quase instantânea, o tempo entre postar um texto e receber o troco é muito curto. Especialmente quando o assunto é quente. 

Refiro-me, é claro, ao tema [(Tatto x Boulos) x Haddad], desenvolvido aqui:
http://valterpomar.blogspot.com/2020/07/o-pt-vai-dar-boulos.html

A maioria das respostas instantâneas que recebi veio de militantes do PT, alguns filiados há bastante tempo, que disseram que “vão votar em Boulos”. 

Respeito a opção de cada um, mas quando um militante se comporta como eleitor, tem alguma coisa de muito errado acontecendo. Voltarei a isso ao final. Mas antes quero tratar de uma das respostas que recebi. 

Trata-se da resposta publicada há pouco por Breno Altman, dando prosseguimento público à animada polêmica privada que temos mantido, nós dois, desde que ele apresentou, no 247, sua posição a respeito da opção Haddad-ou-senão-Boulos.

A resposta de Breno está aqui:

https://www.facebook.com/1019106646/posts/10221103614752876/?d=n

Estamos de acordo no que diz respeito a trabalhar para que Haddad seja candidato a prefeito de São Paulo. Mas discordamos do que fazer, caso isto não ocorra.

A tese de Breno é a seguinte: “No caso de recusa definitiva do ex-prefeito [Haddad] em assumir essa missão estratégica, porém, estará colocada uma realidade insofismável: dividida, a esquerda tenderá a um resultado catastrófico, provavelmente o pior da história recente. A meu juízo, portanto, a pedra angular da orientação do PT, principal partido socialista, deve ser a construção dessa unidade, mesmo ao custo de sacrifícios na própria carne”. 

Aceita esta premissa, a conclusão é: “o motor de arranque da chapa Boulos-Erundina é bastante mais potente que o da pré-candidatura de Jilmar Tatto. Um acordo imediato ao redor da fórmula do PSOL, tentando atrair também o PCdoB, criaria um fato novo nas eleições paulistanas, animaria a militância progressista, teria audiência em setores médios e entrada nas camadas populares”. 

Na minha opinião, este raciocínio é tão harmonioso, que seria ótimo que fosse também verdadeiro.

Começo pelo começo: ou Haddad, ou Boulos. E quem terá a última palavra sobre isso será... Haddad. Não encontro uma maneira publicável de expor minha contrariedade com esta equação, assim que sigamos.

O segundo problema está no que eu considero uma pequena armadilha retórica contida na argumentação de Breno. 

Ele diz que “dividida, a esquerda tenderá a um resultado catastrófico, provavelmente o pior da história recente”. 

Ou seja, mesmo que o PSOL possa ter o melhor resultado de sua história em São Paulo, se tivermos candidaturas separadas, o resultado somado de toda a esquerda será “catastrófico”. 

Neste raciocínio está implícito que o máximo que a chapa do PSOL conseguirá fazer é atrair uma parte (maior ou menor) do eleitorado do PT; mas, sozinha, esta mesma chapa não conseguiria ampliar para além do eleitorado do PT, pelo menos não ao ponto de evitar o tal resultado que ele chama de “catastrófico”.

Ao invés de voltar ao ponto de partida e reconhecer que a solução do problema proposto não tem como ser encontrada através das candidaturas atualmente postas, Breno propõe que, na ausência de Haddad, a solução estaria na unidade.  

Nas palavras de Breno: “acordo imediato ao redor da fórmula do PSOL, tentando atrair também o PCdoB, criaria um fato novo nas eleições paulistanas, animaria a militância progressista, teria audiência em setores médios e entrada nas camadas populares”.

Não faço a menor ideia se existe alguma possibilidade do PCdoB paulistano ser atraído para uma fórmula Boulos-Erundina+PT. Temo que a referência seja apenas para dar mais lustro ao embrulho.

Seja como for, peço que atentem para a frase: “criaria um fato novo nas eleições paulistanas, animaria a militância progressista, teria audiência em setores médios e entrada nas camadas populares”.

A pergunta é: se fizermos mesmo tudo isto que foi descrito na frase anterior, a esquerda evitará o tal “resultado catastrófico, provavelmente o pior da história recente”?

Se a resposta for sim, então Haddad não estaria de todo errado em sua atual posição, de não ser candidato, pois – segundo o raciocínio acima exposto— sua candidatura não seria necessária para evitar a catástrofe. 

Dizendo de outra forma, Breno num parágrafo propõe que Haddad seja o candidato, mas noutro parágrafo conclui que a candidatura Haddad não seria indispensável para evitar a catástrofe. 

Talvez por acreditar nisto, Haddad ache que ele é mais útil em outras tarefas, entre as quais ajudar nas campanhas do PT em todo o país. Grande parte do PT acredita nisto. E só vai mudar de opinião se entender que estamos diante de uma... catástrofe. Que, repito, Breno argumenta poder ser evitada através do apoio do PT à chapa do PSOL.

Infelizmente, quando estudo nossos resultados em 2012, em 2014, em 2016 e em 2018; quando vejo o contexto das eleições 2020; especialmente quando observo a situação no “triângulo das Bermudas”; minha opinião é que estamos mesmo diante do risco de uma imensa catástrofe nas eleições de 2020 como um todo. 

E se queremos mesmo evitar este “resultado catastrófico”, será preciso fazer muita coisa, em muitos locais. E, no caso específico de São Paulo, não basta a aliança PSOL-PT, será preciso que Haddad seja candidato.  

No fundo, acho que Breno pensa o mesmo. E que sua maior preocupação, na hipótese de Haddad não ser candidato, não é tanto o resultado catastrófico da esquerda como um todo, mas sim o resultado catastrófico que ele imagina será colhido, nas urnas, pela candidatura Tatto.

Mas, talvez por ele não ser alguém movido por mesquinhas razões de autoconstrução partidária, Breno adota uma linha de argumentação que, ao fim e ao cabo, enfraquece a pressão em favor da candidatura Haddad.

Vamos ao terceiro problema. Breno afirma que caberia ao PT, como principal partido socialista, sacrificar a própria carne. 

Se o artigo de Breno fosse assinado por Jilmar Tatto ou por algum dos que apoiaram, direta ou indiretamente, a candidatura Tatto na disputa interna do PT, eu entenderia o termo “sacrifício”. Mas o artigo é assinado por Breno e, por mais que releia o artigo, eu simplesmente não encontro qualquer referência de Breno a algo que possa ser chamado de “sacrifício”. 

Na verdade, Breno nos apresenta não um sacrifício, mas um negócio vantajoso. 

Segundo ele, abrindo mão de Tatto, o PT “daria prova irrefutável que coloca os interesses da classe trabalhadora acima do patriotismo de partido, desidratando o antipetismo disfarçado de crítica a um suposto hegemonismo da legenda. De quebra, poderia eleger uma forte bancada de vereadores”. 

Além disso, daríamos “um passo decisivo para a formação da frente popular”, com “importante repercussão nacional. A intervenção de Lula no processo eleitoral paulistano ganharia outra dimensão, transformando a competição local em uma grande batalha contra o bolsonarismo e os demais partidos neoliberais”. 

Notem, novamente, que segundo esta linha de argumentação, a candidatura de Haddad não seria necessária. Bastaria Boulos-Erundina com o apoio do PT. 

Neste cenário imaginário, o mesmo partido que não foi capaz de fazer o que tinha que fazer para ter Haddad candidato, será capaz de fazer com outro candidato tudo o que ele faria caso Haddad fosse o candidato...

Além de tudo isto que foi dito acima, está implícito na argumentação de Breno que, apoiando Boulos, ainda evitaríamos o vexame de ter a candidatura do PT ser pior votada do que a do PSOL. Ou seja: Breno fala em “sacrifício”, mas só apresenta bons motivos para o PT abrir mão da candidatura Tatto. 

Do meu lado, pelo contrário, vejo problemas graves na operação proposta por Breno, na hipótese de Haddad não assumir a candidatura. 

Em primeiro lugar, como já disse noutro texto, retirar-Tatto-e-apoiar-Boulos, até onde eu consigo ver, não vai contribuir nada, ou vai contribuir muito pouco, para aqueles que deveriam ser nossos objetivos centrais: disputar para valer a prefeitura de São Paulo e usar a campanha para fortalecer a oposição a Bolsonaro. Até porque, lembro, existe a definir o fator Marta Suplicy, que tem o potencial de atrair votos dos setores populares. Nada disto tem outra solução ótima, que não seja Haddad candidato.

Em segundo lugar, será bem difícil, em qualquer cenário, o PT eleger uma “forte bancada de vereadores”. Sem candidato majoritário então, pior ainda. Se queremos uma forte bancada de vereadores, precisamos ter uma forte candidatura a prefeito do PT, não desistir de nossa candidatura a favor da candidatura de outro partido.

Em terceiro lugar, é preciso incluir na equação os efeitos que teria, sobre as demais campanhas, especialmente na região metropolitana de São Paulo, a ausência do PT na disputa majoritária na principal cidade do país. 

Em quarto lugar, trocar-Tatto-por-Boulos envia duas mensagens muito negativas. 

Primeiro, de que candidaturas petistas com baixo desempenho nas pesquisas em julho de 2020 podem ser "sacrificadas". 

Segunda mensagem, muito mais grave, a de que na “batalha crucial do processo eleitoral de 2020”, não fomos capazes de apresentar uma candidatura capaz de defender o Partido.

Aliás, vejam que curioso: Breno diz que “bons resultados na capital paulista historicamente asfaltam o caminho para a corrida presidencial, a exemplo do que significou a vitória de Erundina em 1988 e a de Marta em 2000, alavancando a performance de Lula nos pleitos de 1989 e 2002”.

Aceito este raciocínio, pergunto: o suposto bom desempenho que ele vaticina para uma chapa PSOL apoiada pelo PT vai “asfaltar” para quem, exatamente? 

Neste ponto, Breno parece raciocinar como se a desejada frente de esquerda já existisse. Mas não existe. E, como se vê no caso do Rio de Janeiro, o fortalecimento eleitoral do PSOL não necessariamente conduz ao fortalecimento dos que defendem esta frente.

Mas o que realmente me incomoda na argumentação de Breno é sua tese de que precisamos dar uma “prova irrefutável" de que colocamos "os interesses da classe trabalhadora acima do patriotismo de partido”. 

Vou deixar de lado a tal “prova irrefutável”, pois em geral quando falamos desta forma, é mais para nos convencer, do que para convencer os outros. 

E vamos ao grão: para quem é que o PT precisa provar alguma coisa? 

E supondo que precisemos provar algo, pergunto: quem precisa desta prova, será convencido pela retirada de uma candidatura cheia de debilidades?? 

Breno me critica porque estar preocupado com os “custos que teria o PT se tomasse uma decisão dessa natureza”e diz dou sinais de priorizar a “autoconstrução partidária”. 

Eu confesso que não sei se recebo isto como uma crítica ou como um elogio. 

Afinal, eu realmente acredito que -- na atual situação política do país -- defender o PT é muito mais do que uma mera "autoconstrução partidária". 

Também por isso, acho que a candidatura de Haddad em São Paulo é uma necessidade também para defender o PT.

Neste ponto eu volto para o que falei no início deste texto. 

A maior parte das pessoas que me escreveu hoje, para tratar do assunto, defende a posição de Breno. Muitas, apesar de serem militantes, anunciam que vão votar em Boulos. A todas eu sugeri, direta ou indiretamente: se voces vão agir como eleitores, então deixem de ser filiados, saiam do Partido. 

Algo curioso nesta história é que Jilmar Tatto é um dos promotores desta lógica de converter nossos militantes em filiados e nossos filiados em eleitores. Foi ele, por exemplo, um dos principais defensores da absurda proposta, afinal aprovada, de liberar os filiados da obrigatoriedade de pagar suas contribuições financeiras, como condição para poder participar das votações.

Hoje, esta lógica do filiado-eleitor se volta não só contra o Partido, mas também contra Tatto. Mas isto não me leva a aplaudir os militantes e filiados que agem como eleitores. Entre outros motivos porque não é através de métodos anti-partidários que vamos conseguir construir saídas para a situação difícil que vive toda a esquerda brasileira.

Escolher militar em um partido tem preço. No limite, pode significar acatar uma posição errada e fazer o balanço depois. 

Concluo lembrando, como Breno, que temos até 26 de setembro para decidir a questão. Mas, diferente dele, não vejo outra alternativa, que não a candidatura Haddad, para evitar uma "derrota anunciada, humilhante, de graves consequências para a luta contra o bloco conservador".

Por isso, minha posição é fazer com que Haddad seja nosso candidato. E, pelos motivos que expus antes, não acompanho a posição de abrir mão do PT ter candidatura em São Paulo. 

Claro que é legítimo defender esta posição, enquanto recurso ao Diretório Nacional do PT. E, falando em tese, ela pode vir a ser a posição do Partido. Mas se o Partido for capaz de fazer o mais difícil -- retirar uma candidatura em São Paulo --, porque não seria capaz de fazer o mais fácil, ou seja, lançar Haddad no lugar de Tatto?




O PT vai dar Boulos?


Primeiro foi Marilena Chauí, depois foi Breno Altman, agora é Tarso Genro.

Segundo o 247, reproduzindo o Valor, Tarso teria dito: “Não tenho nenhuma restrição de princípios em relação a Jilmar Tatto, mas sim ao fato de o PT forçar ter a cabeça de chapa. O PT precisa se abrir e mostrar a grandeza política que temos. Sabemos ser tanto cabeça de chapa como apoiar outro candidato. É preciso ter grandeza política para ter um candidato de unidade”.

Diferente do Tarso, eu tenho inúmeras restrições ao companheiro Jilmar Tatto. Inclusive por isso, não apoiei sua pré-candidatura a prefeito. Entretanto, igual a Tarso, não milito nem voto em São Paulo capital. Assim, a pergunta em primeiro lugar é: o que farão os petistas da maior cidade do país?

A julgar pelas primeiras pesquisas, formais e informais, parece que uma parte do eleitorado petista estaria migrando (ou propenso a migrar) para a candidatura Boulos. 

Claro que em tese isto pode ser revertido, no curso da campanha eleitoral. Mas, a julgar pelo número de pessoas preocupadas, parece crescer a ideia de que, mantido Tatto, a migração será muito grande.

Surpresa? Ao menos para mim, não. Chega a ser óbvio que poderia dar nisto, não apenas por conta das características da candidatura Tatto, mas também por conta do método utilizado para escolhê-lo como candidato.

Vamos lembrar que o Diretório Municipal do PT de São Paulo escolheu um método que excluiu a imensa maioria da base petista, usando como pretexto a pandemia.

Pois bem: o PSOL acabou de escolher a chapa Boulos e Erundina fazendo uma prévia que respeitou os procedimentos sanitários, demonstrando mais uma vez que a direção municipal do PT de São Paulo errou ao optar por um colégio eleitoral.

A direção municipal do PT? Sim, mas não apenas, pois a direção estadual do PT e o Diretório nacional do PT endossaram as decisões do município.

Que fique claro: a maioria dos integrantes destas três instâncias, contra o voto de uma minoria, optou por um método de escolha que restringiu brutalmente o número de votantes.


Tão logo Tatto foi escolhido, por pequena diferença em relação ao segundo colocado, um grupo de militantes do PT São Paulo encaminhou um recurso ao Diretório Nacional.

Este recurso repousa em alguma gaveta, mas pode ser lido aqui:

Isto posto, as pessoas ilustres que estão se posicionando publicamente poderiam fazer o mesmo que estes filiados acima-assinados fizeram, ou seja, encaminhar ao Diretório Nacional um apelo para que intervenha.

Afinal, é bom lembrar, se o Diretório Nacional tem o direito de escolher a candidata do PT em Recife, também tem a “potesdade” de escolher o candidato do PT em São Paulo.

Entretanto, Marilena e Tarso não falam em escolher outra candidatura petista. Falam em retirar a candidatura petista da disputa e em apoiar a candidatura de Boulos.

Ou seja, propõem algo que na prática vai eliminar o PT da disputa eleitoral da maior cidade do país, com impactos políticos e eleitorais em 2020 e para além (especialmente nas cidades ao redor de São Paulo, mas não só).

Digamos que o PT faça esta opção, mesmo não recebendo da parte do PSOL nenhuma contrapartida à altura (o PT já apoia o PSOL em Belém e queria apoiar o PSOL no Rio de Janeiro, mas as recíprocas são, digamos, “menos verdadeiras”).

A pergunta é: qual seria o impacto disto nas eleições?

Claro que a esta altura do campeonato e numa eleição tão anormal, é tudo hipótese, mas a minha hipótese é que tem gente superestimando as possibilidades de êxito eleitoral de uma chapa Boulos-Erundina, mesmo que com apoio do PT ou até com o PT na vice.

Os resultados das eleições 2012-2016 e 2018 mostram que o eleitorado de esquerda está muito reduzido em São Paulo. Além disso, a depender do que faça Marta Suplicy, uma parte deste eleitorado vai migrar em outra direção, que não o PSOL.

Infelizmente, como ocorreu no Rio de Janeiro, o debilitamento do PT em São Paulo não é acompanhado do fortalecimento de toda a esquerda; o eventual crescimento do PSOL, atraindo eleitores petistas, especialmente nos setores médios, não implica em crescimento do conjunto da esquerda, pelo contrário.

Isto pode mudar? Sempre pode, mas os indicadores que vejo não apontam para uma mudança agora, pelo menos.

Portanto, na minha opinião retirar Tatto da disputa pode contribuir para o PSOL e pode contribuir para um aparente e passageiro bem-estar daqueles que têm restrições (de princípio, ou não) contra sua candidatura.

Mas, até onde eu consigo ver, não vai contribuir nada, ou vai contribuir muito pouco, para aqueles que deveriam ser nossos objetivos centrais: disputar para valer a prefeitura de São Paulo e usar a campanha para fortalecer a oposição a Bolsonaro.

Haveria uma solução que ajudasse nesses objetivos?

Claro que sim, a solução chama-se Haddad. 

Sua candidatura a prefeito daria uma estatura nacional para a disputa em São Paulo, ampliaria muito nossa votação, com mais chances de vitória do que qualquer outro nome.

Infelizmente, uma parte do PT segue achando que Haddad deve ser preservado para 2022 e/ou deve ter como prioridade em 2020 fazer campanha em todo o Brasil. E outra parte do PT, inclusive pessoas muito importantes que não concordam com as duas premissas expostas anteriormente, não fez até agora nenhum movimento prático para tentar convencer Haddad.

O resultado prático destas duas atitudes será, ou bem manter Tatto (enfrentando o risco da debandada de uma parte do nosso eleitorado), ou bem lançar outro nome (que, salvo Haddad, não terá desempenho eleitoral melhor), ou então... a “solução” proposta por Tarso e Marilena (e, em último caso, também apoiada por Breno Altman).

Não concordo com esta “solução”, entre outros motivos porque não considero que tirar Tatto em favor de Boulos seja solução para os nossos Problemas com P maiúsculo, a saber: disputar para valer a prefeitura de São Paulo e usar a campanha para fortalecer a oposição a Bolsonaro.

Por óbvio, também não acredito que este tipo de movimentação resulte numa "frente de esquerda" que mereça o nome e corresponda às expectativas.

Ademais, simplesmente não consigo entender o raciocínio segundo o qual, para impedir um péssimo desempenho, seria melhor não ter desempenho algum. Noutras palavras, com medo de um fiasco eleitoral, algumas pessoas preferem não ter candidatura!!!

Dizem que quem pode o mais, pode o menos. Se as pessoas acham possível que o Partido apoie Boulos, então também devem achar possível que o Diretório nacional do Partido diga ao companheiro Haddad – com todo o tato que cabe -- para ser nosso candidato, em 2020, na cidade de São Paulo.

Um último comentário: eu combato os métodos e as opções políticas que deram em Tatto, e que conduzem nosso Partido a este tipo de situação. 

Mas não acho que a melhor forma para enfrentar estes métodos e estas opções seja optar por soluções que, mesmo não sendo a intenção, na prática desconstroem o Partido.

segunda-feira, 13 de julho de 2020

A crise e o momento socialdemocrata


Num debate de que participei recentemente, ouvi a defesa de que após a crise, talvez venha um “momento socialdemocrata”.

Por óbvio, quem falou isto não estava referindo-se a socialdemocracia brasileira, nem tampouco a outras variantes neoliberais da socialdemocracia.

Por “momento socialdemocrata”, fazia referência a altos níveis de bem-estar social e de liberdades democráticas.

Pode ser que seja este o cenário pós-crise?

Pode ser, sempre pode ser.

Mas também pode ser um cenário Global Mad Max.

Ou um cenário de expansão capitalista, com mais desigualdade e menos liberdade, sem falar de mais opressão das periferias pelas metrópoles.

Mas suponhamos que o cenário seja o melhor dos mundos: um cenário de mais igualdade com mais liberdade.

A pergunta é: o que vai tornar possível este cenário?

Uma epifania?

Todos os capitalistas do mundo inteiro vão receber uma mensagem divina e vão mudar seu jeito de ser, de agir e de pensar?

Se houver alguma lógica na história, a única coisa que pode fazer os capitalistas aceitarem fazer grandes reformas, é o medo de uma grande revolução.

Portanto, quem de verdade quer um “momento socialdemocrata”, devia torcer o bastão para a esquerda.

Foi isso o que ocorreu depois dos 30 anos de crise, entre 1914 e 1945.

O chamado Welfare State só foi possível, em uma pequena e relativamente pouco povoada região do mundo, depois de uma hecatombe, no curso da qual ocorreu uma onda revolucionária.

O “momento socialdemocrata” que existiu até hoje não foi produto da evolução espontânea do capitalismo, nem de sua auto reforma, mas sim foi imposto à classe dominante em circunstancias muito especificas.

Entre estas circunstâncias, é preciso lembrar a existência do imperialismo em geral e dos Estados Unidos em particular, o que facilitou aos capitalistas europeus fazer as concessões que fizeram.

A julgar por esta experiência histórica, se não houver uma pressão socialista revolucionária, não haverá nada de positivo, nem mesmo uma socialdemocracia.

Por isso, até quem se contenta com o programa mínimo, deveria estimar melhor a importância de defender o programa máximo.


Momento socialdemocrata versus ofensiva socialista





(O que segue abaixo é o roteiro da fala feita no seminário indicado no card acima.)

Boa tarde a todos e a todas que estão acompanhando esta atividade.

Boa tarde em especial ao Tarso, Dirceu, Ominami e Javier Miranda.

Agradeço pelo convite.

Me foi sugerido que eu falasse sobre:

1/os próximos passos da esquerda no enfrentamento de Bolsonaro e

2/a  tentativa de sua domesticação por parte das elites.

Inicio lembrando que o PT venceu 4 eleições presidenciais seguidas: 2002, 2006, 2010, 2014.

No dia seguinte a quarta derrota, uma fração da classe dominante brasileira decidiu dar início a uma operação golpista.

Esta operação foi desenvolvida em 4 etapas.

1/O impeachment contra Dilma.

2/A operação Lava Jato contra Lula.

3/O governo Temer e seu programa de ajuste ortodoxo.

4/A eleição de um presidente ligado ao PSDB, que então supostamente receberia o país pronto para "retomar o crescimento".

O impeachment e a Operação Lava Jato foram exitosas.

Dilma foi deposta e Lula foi preso e impedido de disputar as eleições.

A terceira parte da operação golpista foi parcialmente exitosa.

Embora não tenha conseguido implementar a reforma da previdência, conseguiu implementar a reforma trabalhista, afetando pesadamente a capacidade do sindicalismo.

Mas o efeito colateral foi fatal.

O desastre econômico social causado pelo governo Temer afetou negativamente o desempenho das candidaturas presidenciais vinculadas ao PSDB e ao PMDB.

A quarta parte da operação golpista não foi exitosa.

Quem iniciou o golpe, não colheu seu principal resultado.

Por um lado a prisão de Lula não impediu o PT de levar a candidatura de Haddad ao segundo turno.

Mas, por outro lado, a prisão de Lula deixou órfão um eleitorado que foi atraído pela candidatura populista da extrema direita, Bolsonaro, que correu por fora, atraiu as bases eleitorais da direita tradicional, foi ao segundo turno e venceu.

O governo Bolsonaro, portanto, é fruto do golpe, mas não é e nunca foi o candidato preferido dos demais setores do golpismo.

Bolsonaro tomou posse em janeiro de 2019.

18 meses de governo.

Neste período, vem cumprindo seu programa:

1/submissão aos Estados Unidos & distanciamento total da política externa anterior, não apenas a dos governos petistas, mas também a dos governos do PSDB;

2/política econômica ultraliberal, que se tiver êxito concluirá a conversão do Brasil, de potência industrial, em “potência” primário exportadora, o que tem como desdobramento lógico o fato de que hoje cerca de 40 milhões de brasileiros e brasileiras gostariam de ter empregos, mas não tem, segundo dados do IBGE, número que tende a crescer;

3/destruição das políticas sociais de Estado, no limite substituindo-as pela concessão de uma ajuda monetária aos mais pobres, para que comprem no mercado privado serviços de saúde, educação etc;

4/restrição das liberdades democráticas, combinando tutela militar sobre o governo, política de segurança publica que criminaliza os protestos, combinada com o DESEJO ainda não realizado de predomínio do executivo sobre o legislativo e o judiciário (onde tem maioria outros setores da classe dominante) e, se puderem, supressão do funcionamento legal do PT;

5/ofensiva ideológica contra a esquerda e contra o pensamento iluminista e racionalistas em geral, baseado num pensamento fundamentalista pentecostal.

(uma broma: quando Celso Amorim acusou o atual chanceler Ernesto Araújo de querer voltar à Idade Média, o chanceler respondeu que não sabia se isto era uma crítica ou um elogio)

A pandemia não interrompeu a aplicação deste modelo.

Ao contrário, vem servindo de pretexto ou de cobertura para acelerar a implementação deste modelo.

A própria política adotada pelo governo frente a pandemia é compatível com seu programa, a saber, a política de imunização de rebanho, que produz como efeito colateral até agora 70 mil mortos. 

O equivalente ao número de brasileiros que morreram durante todo o ano de 2017, vítimas de homicídios. 

De maneira geral, a pandemia, embora tenha gerado desgastes do governo junto aos setores médios, foi útil para o governo, entre outros motivos porque reduziu a capacidade de mobilização callejera contra o governo.

A mobilização ocorre, entretanto, tendo como móveis:

1/a luta geral contra o governo;

2/a insatisfação com a situação econômica e social do país;

3/o repúdio ao fascismo, ao racismo, a misoginia etc.

4/a indignação com o fato do clã familiar ter vínculos com o crime organizado;

5/a política sanitária do governo.

Estes motivos são tantos, e tão profundos, que espanta a resiliência do governo.

Por que ainda não caiu?

Essencialmente, porque os setores da classe dominante que controlam o Judiciário e o Congresso Nacional – que hoje teriam os meios para fazê-lo – preferem um acordo com Bolsonaro.

Motivos?

-primeiro, porque ele mantém uma base popular expressiva e militante (30%);

-segundo, porque parte do apoio de Bolsonaro está armado (FFAA, polícias, milícias etc.);

-terceiro, porque Bolsonaro tende a reagir violentamente a um processo de impeachment (não agiriam de maneira “republicana”, como fizemos nós do PT);

-quarto, porque a política econômica de Bolsonaro é no geral respaldada pela classe dominante, embora haja atritos importantes;

-quinto, porque uma parte das elites teme que tirar Bolsonaro poderia favorecer a esquerda e particularmente poderia favorecer o PT;

-sexto, porque a mobilização popular em favor do impeachment é menor do que seria necessário para compensar as cinco variáveis anteriormente citadas.

Vale dizer que, caso as elites sejam obrigadas a tirar Bolsonaro, a preferência da maior parte da classe dominante é que o governo seja assumido pelo vice-presidente da República, general Mourão.

O que não alteraria o rumo geral do governo e, pelo contrário, poderia lhe dar maior eficácia.

Cabe lembrar que há eleições municipais no final deste ano.

Estas eleições municipais provavelmente coincidirão com uma piora significativa da situação econômica, social e sanitária.

Frente a isto, o que vem fazendo os setores que não votaram em Bolsonaro?

É importante lembrar que o Brasil tem 210 milhões de habitantes, dos quais 147 milhões são eleitores.

Destes, 31 milhões se abstiveram e 11 milhões votaram branco ou nulo.

Dos 105 milhões que votaram em um dos candidatos que foram ao segundo turno, 47 milhões (45%) votaram em Haddad e 57 milhões (55%) votaram em Bolsonaro.

Portanto, a maior parte do eleitorado não votou em Bolsonaro: 57 milhões em 147 milhões.

O que pensam estas pessoas?

Uma das pesquisas mais recentes mostra que 55% defende o impeachment.

Embora haja esta maioria a favor do impeachment, há uma evidente divisão nas forças de oposição, com alguns setores apostando no acordo com Bolsonaro, outros concentrando as energias em afastar Bolsonaro (mesmo que isso implique na posse de Mourão), e terceiros (como nós do PT) defendendo a necessidade de afastar Bolsonaro e Mourão e convocar novas eleições presidenciais.

Qual a chance de prevalecer uma saída popular?

Se não houver mobilização, nenhuma chance.

Se houver mobilização, as chances são médias.

E, como disse antes, é provável que o segundo semestre seja de muita crise e muita luta.

Por isso, a bandeira do Fora Bolsonaro tem uma chance de se materializar.

Qual a chance, por outro lado, de prevalecer uma saída em que o bolsonarismo vire a mesa e instale algum tipo de “ditadura”?

Hoje, baixas.

Mas é uma possibilidade permanente, até porque num ambiente de crise profunda, uma minoria audaciosa & armada pode impor sua vontade sobre uma maioria amedrontada.

E, no caso, não estamos diante de uma minoria armada, mas sim diante do aparato das forças armadas e das policias militares estaduais.

Até aqui me limitei a descrever, espero que de maneira objetiva, o cenário.

Um último comentário, para encerrar: não acredito, nem no mundo, nem na América, nem no Brasil, que a saída mais provável desta crise seja um “momento socialdemocrata”, como disse um palestrante que me antecedeu.

O mais provável é que o capitalismo aproveite a crise sistêmica para destruir forças produtivas (a começar pelos seres humanos), concentrar e centralizar capitais, substituir trabalho vivo por trabalho morto, aprofundar a exploração das periferias pelos centros, desencadear um novo ciclo de expansão capitalista hiper conservador, onde tudo será muito mais difícil para aqueles que lutam pelo socialismo.

Isto pode ser feito usando o mercado ou usando o Estado. 

É um erro identificar a presença do Estado, com a presença de políticas de bem estar social e de liberdades democráticas.

Por tudo isto, eu não acho que o mais provável seja um momento social democrata.

A não ser que, como ocorreu entre 1914 e 1945, haja uma onda de radicalização revolucionária socialista, que obrigue o capitalismo a um acordo.

Dito de outro jeito, para que ocorra um desenlace social-democrata em alguns regiões do mundo, será preciso que ocorra não exatamente uma ofensiva progressista, mas sim um imensa ofensiva socialista revolucionária.

Obrigado.