quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Cenas de um partido imaginário (1)

Cidade imaginária.

Reunião da direção municipal de um partido também imaginário.

Sala lotada.

Na mesa diretora, presidente e secretário geral do diretório municipal.

Em debate a participação de filiados do referido partido no governo municipal de outro partido.

Falas e mais falas.

Clima tenso.

Talvez por isto, ao lado da mesa há uma pessoa parada em posição de alerta.

Provavelmente um segurança contratado para proteger a integridade física da mesa diretora.

A mesa vai encaminhar a votação.

De repente, o hipotético segurança ataca os integrantes da mesa.

Não era um segurança.

Era um bate-pau.

Um não, vários.

Caos na reunião.

Debate interrompido.

Ao final, um cidadão conhecedor dos meandros crava uma certeza: a agressão fora encomendada por uma até então liderança importante do partido imaginário.

Pouco depois o suposto encomendador sai do partido, em direção a outro mais firme ideologicamente.

Anos depois, em recentíssima reunião do partido imaginário, o suposto encomendador é convidado de honra.

E, pasme, ninguém perguntou se o ocorrido era verdade.

Minha curiosidade: o nome do bate-pau.

O cara levantou o braço para mim mas não bateu. 

Achei muito simpático da parte dele.

Em tempo: é tudo ficção. 

Se há alguma semelhança com a realidade, é mera coincidência. 

E se eu sumir, podem ter certeza: não estou na Ucrânia.


terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Lula e a "invasão" da Igreja

O companheiro Lula tem dado várias entrevistas.

Na manhã de terça-feira, dia 15 de fevereiro, Lula concedeu uma entrevista para a Rádio Banda B.

Nesta entrevista ele deu sua opinião sobre um episódio ocorrido recentemente em Curitiba (PR), envolvendo o vereador Renato Freitas (PT).

Transcrevo a seguir:

 "Ô Denise, voce sabe qual é a coisa mais importante da gente ter um pouco mais de idade? É que a gente já viveu determinadas coisas. A primeira coisa que eu queria dizer ao povo do Paraná é que o nosso vereador tem o direito de fazer protesto contra o racismo, agora o que ele não tem direito é de invadir igreja. O que ele não tem direito é de, sabe, entrar numa casa, sabe, religiosa, para fazer o seu protesto. Então ele tá errado. E se ele tá errado ele precisa humildemente entender que a palavra desculpa não é uma palavra que diminui a pessoa. A palavra desculpa engrandece quem tem a grandeza de pedir desculpas. E tem outros tipos de protestar, o nosso vereador deve ter aprendido que ele pode chegar ao padre e pedir pro padre fazer uma missa, sabe, pro povo negro de Curitiba, e lá protestar e homenagear os que fizeram a igreja. Ele pode inclusive pedir para que o bispo, ele é vereador, pode fazer um ofício ao bispo, pedindo pra aquela igreja ter um padre negro, ou dois padres negro. O que não tem sentido é invadir a igreja. O que não tem sentido é transformar o templo religioso, sabe, num lugar de protesto. Não foi correto, ele sabe que errou, agora também nós não podemos, sabe, eu sou contra pena de morte. Eu sei que tem muita gente "ah vamo cassar, vamo cassar, vamo cassar". Não. Esse menino, por ser jovem, ele cometeu um abuso, ele portanto tem o direito de pedir desculpas, tem o direito de ser desculpado, tem o direito de ser perdoado, e quem sabe isso tenha sido a grande lição da vida dele. Pra ele perceber que o exercício da democracia que ele tem que fazer tem limite na hora que fere os interesses dos outros. é importante que ele saiba conviver assim. É importante que ele saiba que nunca mais ele adentre a um templo como forma de protesto, quando as pessoas estão lá tratando da sua espiritualidade, tratando da sua fé. Portanto, Renato, se você tiver me ouvindo eu queria te dizer, como um pai pode falar prum filho, sabe, você errou, se você errou, não persista no erro, humildemente peça desculpas. Peça desculpas ao povo do Paraná, peça desculpas ao PT, peça desculpas aos padres, aos religiosos, sabe, e nós vamos te defender, nós não vamos querer que você seja cassado, nós não vamos permitir que a direita conservadora da câmara te casse. Não. Quantas pessoas já erraram? Quantos absurdos acontecem na câmara todo dia? Quantas mentiras o Bolsonaro conta sobre religião todo santo dia? Não tem ninguém mais falso com a religião do que o Bolsonaro. Não tem ninguém que minta mais, olha só nos olhos do Bolsonaro quando ele fala em deus. Sabe, então, eu acho Renato, que é o seguinte: quando a gente erra, que a gente toma um tombo, a gente levanta sacode a poeira e dá a volta por cima. Você é muito novo, você tem muito a fazer por Curitiba, você tem muito a fazer pelo movimento negro, você tem muito a fazer no combate ao racismo, portanto, levanta sua cabeça querido, sabe, reconheça que você cometeu um deslize político, peça desculpas, e vamo tocar o barco pra frente. O partido irá lhe defender para que vc possa continuar com o seu mandato e exercendo as suas funções, porque só o povo é quem tem direito de cassar você".

Do jeito dele, Lula buscou defender Renato Freitas e, ao mesmo tempo, se dissociar do que ele Lula considera ter sido um erro.

Não discuto ter ocorrido um erro (cair em tentação, digo, em provocação). Aliás, se não fosse assim, não estaríamos nessa polêmica.

Mas será que Lula acertou ao falar do erro que teria sido cometido?

O erro, nas palavras de Lula, teria sido "invadir igreja", "entrar numa casa religiosa, para fazer o seu protesto", "transformar o templo religioso, num lugar de protesto". "que nunca mais ele adentre a um templo como forma de protesto, quando as pessoas estão lá tratando da sua espiritualidade, tratando da sua fé". 

Compreendo a situação e as preocupações de Lula, mas o conselho dele ao companheiro Renato Freitas incorre em dois desdobramentos preocupantes.

Primeiro desdobramento: implicaria em aceitar como verdadeira a acusação de que teria havido invasão e interrupção de culto.

Se tivesse havido, caberia a desculpa. 

Mas não houve nem uma coisa nem outra, como nos explica entre outros - com base em argumentos fundamentados de uma maneira muito especial - o Padre Júlio Lancellotti:

https://www.brasildefato.com.br/2022/02/15/padre-lancellotti-diz-que-acusacoes-contra-vereador-de-curitiba-sao-invencionice-e-fake-news

Segundo desdobramento: implicaria em desconhecer parte importante do ocorrido.

A saber: um diácono da igreja foi grosseiro com os manifestantes. Estes obviamente não acharam graça nenhuma em ser enxotados, enxotados logo daquela igreja -a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de São Benedito - e enxotados no contexto daquela manifestação. 

E por isso resolveram entrar na Igreja, criando inadvertida mas previsivelmente o pretexto e as imagens usadas para falar em “profanação injuriosa” 

Mas não houve "invasão".

Aos interessados em mais detalhes, sugiro:

http://valterpomar.blogspot.com/2022/02/o-caso-renato-freitas.html

http://valterpomar.blogspot.com/2022/02/ao-fabio-venturini-sobre-o-ato-de.html

De resto, muito importante Lula dizer que o partido irá defender o mandato de Renato. O dele e de um sem número de militantes vítimas do mesmo modus operandi, não por terem cometido "erros", mas pelo que representam.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

A "devastadora" análise do companheiro Guimarães e o tuíte da companheira Gleisi

Na sexta-feira 11 de fevereiro participei de uma "live" com o deputado federal José Guimarães.

Participaram também José Genoíno, Douglas Martins e Natália Sena, três dos integrantes da equipe do Manifesto Petista, blog político-jornalístico que realizou a referida "live".

Cerca de 80 pessoas assistiram ao vivo a entrevista de Guimarães.

Certamente o número cresceria bastante depois de encerrada a entrevista. 

Mas não foi assim, porque decidimos retirar a live do ar, uma vez que nos demos conta de que o entrevistado - apesar de avisado diversas vezes - falava como se estivesse numa reunião fechada e não ao vivo.

Tirar do ar uma entrevista é péssimo. 

Especialmente depois de ler, num tuite da companheira Gleisi Hoffmann, o seguinte:


Afinal, quem lê o tuíte acima e não assistiu a entrevista do companheiro Guimarães, pode ficar sem entender quem são os que "jogam contra".

Espero que o companheiro Guimarães fale, ao Diretório Nacional do Partido, o mesmo que contou na entrevista ao Manifesto Petista.

Como disse uma companheira muito, mas muito importante na história do PT, a análise do Guimarães sobre a federação é "devastadora".


quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Breno Altman, o PCO e a "liberdade de expressão"

Comprovando que o Umberto Eco era um profeta, o apresentador Bruno Ayub, conhecido como Monark, disse o seguinte: “tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei”

A afirmação causou grande repercussão e Monark foi afastado do Flow Poadcast.

Na sequência, Adrilles Jorge, comentarista da Jovem Pan, terminou seu comentário sobre o caso Monark fazendo um gesto com a mão que grande número de pessoas identificou como uma saudação nazista.

A repercussão também foi imensa e Adrilles teria sido demitido da Jovem Pan.

A história não parou por aí, pois no mesmo programa com Monark o deputado federal Kim Kataguire afirmou que "a Alemanha errou em criminalizar o nazismo". 

O parlamentar se retratou em seguida, mas há muitas críticas e processos contra ele.

Um desses processos é de autoria do conhecido defensor da democracia Eduardo Bolsonaro, que teria acionado Kim na comissão de ética da Câmara dos Deputados, por "apologia ao nazismo".

Há uma série de detalhes importantes no episódio – a esse respeito vale a pena assistir a íntegra do programa onde tudo começou – mas vou me concentrar aqui na dissidência, mais especificamente nas posições defendidas pelo PCO e por Breno Altman.

O Partido da Causa Operária afirmou o seguinte: “Sobre o caso Monark: o Estado não deve ter o poder de pôr nenhum partido na ilegalidade. O argumento de tornar o fascismo ilegal abre margem também para criminalizar o comunismo. A luta contra o fascismo não passa pela repressão do Estado burguês, mas contra essa repressão”.

E Breno Altman publicou um fio a respeito do tema, começando pelo seguinte: “Seria aberração antidemocrática a legalização de um partido nazista, cuja ideologia incorpora racismo e genocídio. Mas que alguém defenda essa legalização, não a doutrina nazista, seria crime? Trata-se de posição absurda, mas não estaria contemplada pela liberdade de expressão?”

Tanto o PCO quanto Breno são vinculados a esquerda e opositores do nazifascismo. 

E Breno é judeu. 

Portanto, sua posição acerca do tema abre uma dissidência interessante, para quem deseja refletir mais acerca do problema. 

Na minha opinião, a preocupação de ambos (Breno e PCO) é essencialmente a mesma: “tornar o fascismo ilegal abre margem também para criminalizar o comunismo”. 

Falando em tese, a preocupação não é descabelada. 

Uma prova disto é que tanto Monark quanto Adrilles começaram sua descida ao inferno fazendo uma analogia entre a direita e a esquerda. 

Monark afirmou que a esquerda tinha mais espaço que a direita; e Adrilles disse que o comunismo matou mais gente que o nazismo.

Na “lógica” de Monark e de Adrilles, se comunistas podem existir legalmente, então os nazistas teriam o mesmo direito. 

Esta lógica não surgiu da cabeça de dois energúmenos convertidos em formadores de opinião; suas raízes remontam pelo menos à Guerra Fria e à teoria do “totalitarismo”. 

Portanto, faz sentido o PCO e Breno se preocuparem com o que ainda poder estar vindo por aí (cá entre nós, se um Bolsonaro entrou na parada, tudo é possível). 

O que não faz sentido, ao menos na minha opinião, é a decorrência que Breno e o PCO extraem da justa preocupação. 

Breno pensa que defender a legalização de um partido nazifascista é atitude coberta pela “liberdade de expressão”. 

E o PCO vai mais longe, defendendo que um partido nazifascista poderia existir legalmente.

A posição do PCO não me surpreende nem um pouco e integra uma série que inclui a defesa dos bandeirantes, de Neymar e outras causas célebres. 

Mas para não dizer que não falei de flores, vou explicar o que me parece ser a lógica por detrás da posição do PCO. 

Eles partem da seguinte ideia: “a luta contra o fascismo não passa pela repressão do Estado burguês, mas contra essa repressão”.

Isto é verdadeiro? Em parte é. 

Na Alemanha, na Itália, na Espanha, em Portugal, o Estado burguês foi cúmplice ativo e passivo da ascensão do nazifascismo. 

Portanto, derrotar o nazifascismo exigia, nos casos citados e no limite, enfrentar o Estado burguês realmente existente.

Mas existe outra parte nesta história: nos países citados, o nazifascismo não tomou o poder da noite para o dia. Houve um processo e neste processo foi correto e necessário lançar mão de todos os instrumentos disponíveis para tentar deter o fascismo. Inclusive lançar mão de alguns instrumentos do tal Estado burguês. 

Falando em termos mais gerais: não está errado cobrar da “democracia burguesa” que reprima o nazifascismo. 

O erro está em acreditar que o fará, ou pelo menos que o fará de maneira consequente. 

O erro está, portanto, em terceirizar para o Estado burguês a defesa das liberdades democráticas.

Se adotássemos a lógica defendida pelo PCO, não deveríamos defender a punição para os golpistas de 64, para os torturadores, para os ocultadores de cadáveres etc. 

Adaptando as palavras do PCO: “a luta contra os golpistas e torturadores não passa pela repressão do Estado burguês, mas contra essa repressão”. 

É como se o PCO dissesse algo mais ou menos assim: aguardemos a revolução e aí vamos tratar os canalhas como eles merecem. E até lá, não caberia pedir punição para eles. Nem caberia defender a proibição de partidos nazifascistas.

Como já foi dito, Breno não compartilha deste ponto de vista. Mas sua posição tampouco está correta. 

Por exemplo: Breno compara o “direito de defender a legalização do nazismo” com o “direito de defender a legalização das drogas”. 

Afirma “que a limitação de expressão, sob regimes políticos burgueses, mais cedo ou mais tarde acaba se voltando contra a esquerda e a classe trabalhadora”. 

E, nos limites de uma democracia burguesa, Breno defende “o modelo britânico e norte-americano para liberdade de expressão, ilimitado e desregulamentado", frente ao modelo "alemão, com seus controles subjetivos, que levaram a expurgos preventivos à direita e à esquerda.”

Primeiro, um comentário: se o modelo “britânico e norte-americano” fosse isso que Breno afirma, Assange não estaria em cana e o macartismo não teria existido. 

A liberdade de expressão nos regimes burgueses (e nos demais) pode assumir várias formas, mas nenhuma delas é ideal, nenhuma delas é plena, nenhuma delas pode ser avaliada desconsiderando as condições da luta política em curso em cada momento da história.

Portanto, não existe liberdade de expressão “em geral”, que beneficie a todos igualmente. 

Pelo contrário: a liberdade de expressão das posições de esquerda é maior onde a liberdade de expressão das posições de direita é menor. 

Onde as ideias nazifascistas, racistas, fundamentalistas, misóginas, colonialistas, imperialistas etc. circulam com mais liberdade, as de esquerda enfrentam maiores dificuldades.

E, portanto, devemos sim combater a “liberdade de expressão” de posições que não têm – como é público, notório e incontroverso - a menor disposição de conviver, não apenas com a liberdade de expressão, mas tampouco têm a menor disposição de conviver com a esquerda, com os diferentes etc etc. 

Se os defensores das liberdades democráticas forem tolerantes com os nazifascistas, as liberdades democráticas estarão com os dias contados.

Por isso não vejo sentido algum em comparar a defesa da possibilidade da legalização do nazifascismo com a defesa da legalização das drogas (estou usando os termos do Breno, embora prefira falar em descriminalização). 

Para começo de conversa, a aparência das frases esconde a diferença profunda entre os conteúdos: o nazifascismo termina em repressão e guerra; a descriminalização das drogas vai no sentido oposto.

Em segundo lugar, defender a possibilidade da legalização do nazisfascismo é como defender a possibilidade da legalização do racismo. O cidadão que defende isto pode não ser um racista, mas defende conceder ao racismo meios para agir (ainda mais) impunemente. 

Do meu ponto de vista, o “direito de defender a legalização do nazismo” deve ser tratado como o “direito de defender a legalização do racismo”: a ferro e fogo. 

Especialmente nesse momento histórico, não dá para ter a mínima tolerância. 

Aliás, acho bizarro ver meu velho companheiro Breno – conhecido como defensor acérrimo da correção de medidas extremas em situações extremas – ser tão liberal (ou será libertário?) no trato do “direito de defender a legalização do nazismo”, como se o debate político no Brasil transcorresse num ambiente de chá das cinco em filme inglês de sessão da tarde.

Isto posto, penso que Breno está certo ao alertar para os riscos contidos na “criminalização da luta política”, no “recurso permanente ao Ministério Público e aos tribunais”. 

De fato, a “judicialização da política” é um perigo, assim como é um perigo a partidarização da justiça (Breno fala de “politização da justiça”, mas isso na minha opinião é impossível de evitar. O possível de evitar é a partidarização da justiça).

Mas os riscos acerca dos quais Breno nos alerta são da mesma natureza dos riscos acerca dos quais o PCO nos alerta, ao falar dos limites do Estado burguês no combate ao nazifascismo. 

Os riscos existem, mas é preciso lidar com eles, sem abrir mão dos instrumentos supostamente disponíveis dentro da própria democracia burguesa. Sem testar os limites, a maioria das pessoas nem vai saber da sua existência.

Para dar um exemplo: não foi errado abrir processos judiciais contra os torturadores; errado foi transformar este palco em um dos terrenos principais da luta contra o golpismo de ontem.

Um último comentário: o lado de lá não precisa de pretextos para atacar a esquerda, os comunistas, os revolucionários. 

Até por isso, não ganhamos absolutamente nada "amaciando" na luta contra quem passa o pano no nazifascismo. 

O importante é não acreditar nem um tiquinho na seriedade das convicções antifascistas de quem critica o Monark, mas apoia e/ou tolera o genocídio do povo, desde o povo palestino até a juventude negra das periferias brasileiras.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Lula, a fotografia e a soberba

Numa entrevista concedida recentemente à Rádio Clube de Pernambuco, Lula foi perguntado sobre a federação e respondeu mais ou menos o seguinte:

Eu não entendo destas coisas, mas sou simpático à tese da federação. Tem gente especialista, que faz cálculo, eu não faço cálculo, eu acho que [o PT] tem que entrar [na federação] porque se todos os partidos entrarem e o PT ficar de fora vai passar a ideia de soberba”.

Lula disse ainda o seguinte:

Eu estou mais preocupado com a fotografia do PT de trabalhar em aliança com os outros partidos de esquerda do que o PT ficar sozinho”.

Lula ressaltou que “o PT não tem uma decisão ainda, o PT vai tomar a decisão acredito que na próxima reunião do DN”. E deu mais detalhes sobre sua posição:

Sou simpático à ideia porque acho que temos que fazer com que a sociedade perceba que estamos construindo algo não apenas para eleger deputado, estamos elegendo algo para governar este país”.

Lula falou mais algumas coisas, mas creio que o essencial foi o transcrito acima.

Ao terminar de ouvir a fala de Lula, fiquei mais tranquilo. 

Afinal, segundo ele mesmo diz, no momento ele é simpático à “tese”, mas ainda não estudou os detalhes desta “coisa”.

Portanto, talvez futuramente (de preferência antes da reunião do Diretório Nacional do PT) ele venha a se dar conta de que a federação é uma armadilha para nosso Partido.

Não a federação em tese, essa parece ser mesmo muito simpática.

Mas não dá para dizer o mesmo da “federação realmente existente”, esta que vem sendo negociada – entre outros - com o senhor Carlos Siqueira, presidente do PSB, um exemplo de transbordante simpatia... pelo PT.

A diferença entre o real e o ideal é tamanha que Lula, para explicar sua simpatia, teve que recorrer a três argumentos assaz inusitados.

O primeiro deles: “se todos os partidos entrarem e o PT ficar de fora vai passar a ideia de soberba”.

O segundo: “Eu estou mais preocupado com a fotografia do PT de trabalhar em aliança com os outros partidos de esquerda do que o PT ficar sozinho”.

E o terceiro argumento: “estamos elegendo algo para governar este país”.

Comecemos pelo final: para governar o país vamos eleger o Lula presidente da República, não esta hipotética federação. Aliás, como se pode confirmar pelas conversas de Lula com outros partidos, ele mesmo dá seguidas demonstrações de que considera a tal federação como pequena e estreita demais, ao menos do ponto de vista de como ele pretende alcançar a governabilidade institucional.

Sobre a fotografia: o PT faz amplas alianças desde pelo menos 1985, na campanha das Diretas. Fizemos alianças nas quatro eleições presidenciais que vencemos. Governamos estados e prefeituras em aliança com outros partidos, isso há muito tempo. E fazemos alianças no parlamento e nas lutas sociais. Portanto, sem entrar no mérito se tais alianças foram ou são amplas demais e, também, sem entrar no mérito se o PSB é ou não de “esquerda”, não precisamos fazer uma federação para mostrar que não estamos “sozinhos”.

Sobre a soberba, confesso que fiquei matutando. Já vi e ouvi o Lula falar com tanta altivez e orgulho acerca do PT, que não tenho muita certeza do que ele quis dizer. Terá sido para contrastar com o show de soberba dado pela entrevista de Carlos Siqueira? Não sei, mas de três coisas tenho certeza: 

i/ não precisamos cometer um erro, apenas porque “todos” estão cometendo; 

ii/ se o PT entrar nesta federação, a conta será muito salgada e não vai ser paga igualmente (alias, é por isso que alguns desejam a presença do PT na federação); 

iii/a federação vai alterar profundamente a vida do Partido, contribuindo para sufocar nossa militância.

Isto posto, Lula tem razão no seguinte: tem gente considerada "especialista" no assunto (alguns tão especialistas em legislação eleitoral quanto um certo advogado, convidado à reunião do DN no dia 16 de dezembro de 2017, que garantiu que Lula seria candidato à presidente em 2018).

E Lula também está certo no seguinte: tem gente que discute a federação a partir de “cálculos” acerca do crescimento ou da redução das bancadas. 

Eu já vi alguns destes cálculos e para falar a verdade acho tudo muito engraçado.

Afinal não precisa fazer “cálculo” para concluir que a esquerda como um todo tende a crescer em 2022 frente a 2018. 

Também não precisa fazer "cálculo" para concluir que o PT tende a eleger mais parlamentares em 2022 frente aos eleitos em 2018. 

Tampouco precisa fazer "cálculo" para afirmar ser bastante provável que 4 partidos juntos elejam mais do que estes mesmos 4 partidos elegeriam se estivessem separados.

Mas até agora não vi um único cálculo que me respondesse o seguinte: por qual motivo não vai acontecer, com a federação, o mesmo que ocorria com as coligações? 

Por qual motivo o PT, geralmente prejudicado pelas coligações (e por isso mesmo votamos pelo fim delas), agora vai ser beneficiado pela federação?

Nessa hora sempre tem um crente que responde assim: "vai ser diferente porque agora é uma federação". 

Mas o crente responde assim apenas porque é crente, pois na prática – em se tratando da distribuição das cadeiras entre os eleitos – a federação e a coligação são a mesmíssima coisa.

E, a julgar pela experiência de muitas e muitas eleições, com a federação o PT vai ajudar a eleger parlamentares de outros partidos.

Mas se é assim, que diferença haverá em relação às eleições anteriores, onde havia coligação?

É nisto que reside o pulo do gato. A federação tem os defeitos da coligação e tem outros defeitos, que os assessores “especialistas” – como bons advogados – preferem vender como vantagens.

A esse respeito, sugiro ler o seguinte: 

http://valterpomar.blogspot.com/2022/02/contribuicao-reuniao-do-diretorio.html

Por conta destes defeitos, mesmo que a federação resultasse na eleição de mais parlamentares petistas, ainda assim a federação seria uma armadilha para o PT.

Por isto, como Lula, não acho que os “cálculos” sejam decisivos.

Decisivo para mim é evitar que o PT seja danificado. 

Não por "soberba", mas por certeza de que - ao menos neste momento histórico - não vamos conseguir mudar o Brasil enfraquecendo a autonomia política e a natureza militante PT.

 

Contribuição à reunião do Diretório Estadual do PT São Paulo sobre o tema “Federação”

Este texto foi elaborado pela direção estadual da tendência petista Articulação de Esquerda, com o objetivo de contribuir para a aprovação de uma resolução do Diretório estadual do PT SP acerca do tema federação.

1.A Direção Nacional do PT, no dia 16 de dezembro, aprovou uma resolução sobre o tema da Federação Partidária. Esta resolução dizia assim: "cabendo à Comissão Executiva Nacional do Partido conduzir este processo de diálogo para posterior decisão do DN". Portanto, segundo a resolução do DN, a CEN deveria "conduzir" o processo.

2.Um fato: de 17 de dezembro até as 19h00 do dia 7 de fevereiro, a CEN não se reuniu uma única vez. Não se reuniu e, além disso, até as 19h00 do dia 7 de fevereiro, a CEN não recebeu absolutamente nenhum informe a respeito.

2.Do fato acima decorre outro: as posições defendidas pela companheira Gleisi Hoffmann e pelos demais petistas que tem se reunido com representantes do PSB, do PCdoB e do PV não resultam, portanto, do debate travado previamente nas instâncias nacionais do PT: o Diretório e a Executiva.

3.Na noite de 7 de fevereiro, a partir das 19h00, ocorreu a primeira reunião da executiva nacional do PT no ano de 2022. Esta demora em reunir confirma que outras pessoas (ou instâncias informais) estão assumindo o lugar da executiva e do Diretório do Partido.

4.Um dos pontos tratados na referida reunião da executiva foi o tema da federação. Os informes dados – somados às declarações dadas à imprensa pelo presidente nacional do PSB – confirmaram todas as nossas preocupações acerca da federação.

5.É importante dizer: não somos contra a existência de federações. Nem somos contra - por princípio - que o PT participe de uma federação. Entretanto, somos absolutamente contrários a que o PT participe desta federação que está sendo negociada com o PSB. Nossos motivos são de duas ordens: os estritamente políticos e os político-organizativos.

MOTIVOS ESTRITAMENTE POLÍTICOS

6.Os motivos políticos dizem respeito à nossa avaliação acerca do que é o PSB, de sua conduta no segundo turno das eleições de 2014 (apoiar Aécio), de sua conduta no golpe de 2016 (votar a favor do impeachment), de sua conduta no Congresso nacional (tanto na atual legislatura quanto na anterior, parte importante da bancada vota com a direita), de sua conduta em inúmeros estados e municípios (defendendo posições na média muito distantes da esquerda), de sua atitude nas eleições de 2018 e agora (colocando dificuldades para vender facilidades).

7.A esses motivos, agregamos o seguinte: ao contrário do que imaginavam alguns defensores da federação, estamos assistindo a entrada – no partido “socialista” – de muitos quadros vindos da direita. Não está ocorrendo uma depuração, está ocorrendo uma direitização.

8.Por tudo isso, não concordamos em obrigar o PT a se amarrar – por quatros anos, em todo o país, em todos os estados, em todos os municípios, em todas as bancadas e em todos os governos e eleições – com o PSB.

9.Não é necessário ter federação, para o PSB e o PT coligarem nas eleições presidenciais, ou nas eleições estaduais em vários estados do país.

10.Além disso, uma federação com o PSB vai produzir – nas eleições parlamentares estaduais e nacional – os mesmos efeitos de uma coligação, ou seja, parte da votação dada ao PT vai ser transferida para os partidos coligados/federados.

11.Sem falar no impacto negativo sobre a renovação das bancadas, vitimando em especial os setores historicamente menos representados (trabalhadores, mulheres, negros e negras, juventude, LGBT+ etc.).

12.Além dos motivos estritamente políticos, temos também motivos político-organizativos para ser contra a federação.

MOTIVOS POLÍTICO-ORGANIZATIVOS

13.Os motivos organizativos dizem respeito ao impacto da federação sobre o PT. Em nossa opinião, este impacto será de dois tipos:

i/o PT vai perder parte importante de sua autonomia política;

ii/o PT vai perder parte importante de seu caráter militante.

14.A perda da autonomia do Partido está materializada na proposta de estatuto da federação, que vem sendo debatida nas reuniões já citadas anteriormente.

15.Segundo esta proposta, a federação teria uma Assembleia nacional, que funcionaria como um diretório nacional; e teria uma comissão executiva nacional.

16.A executiva funcionaria assim: uma presidência rotativa (cada ano, um partido ocuparia a presidência da federação); três vice-presidências (ocupadas, também em sistema de rotação, pelos quatro partidos); e 8 secretarias (geral, finanças, jurídica, comunicação, coordenação eleitoral, legislativa, regional e movimentos sociais).

17.Estas secretarias seriam – segundo a proposta em discussão – indicadas pelos partidos e eleitas pela Assembleia. Além disso, cada secretaria teria um “conselho político”.

18.A Assembleia (ou diretório nacional da federação) teria 50 integrantes, dos quais 27 seriam do PT. Já na executiva, o PT teria 6 integrantes.

19.Entretanto, as deliberações da federação seriam adotadas por 2/3 dos membros. Ou seja: para a posição do PT prevalecer, dependeríamos ou de fazer um acordo com o PSB, ou de fazer um acordo com PCdoB + PV.

20.Alguns defensores da federação dizem que este método não tira a autonomia do Partido, pois não havendo consenso ou maioria de 2/3, os partidos seriam liberados para defender suas posições.

21.Os defensores da federação dizem, também, que no limite o PSB, o PV e o PCdoB não teriam como formar uma maioria de 2/3 contra o PT.

22.Assim, ao menos aparentemente, não existiria nenhum risco de perda de autonomia por parte do PT. E de fato assim seria, se o mundo da política fosse um grande parlamento (e, claro, se a bancada do PT na Assembleia da federação votar sempre unida).

23.Mas o mundo não é um grande parlamento. Se não houver consenso nem maioria de 2/3, como ficaria, por exemplo, a indicação das candidaturas a governador, a senador, a prefeito? E como ficariam as indicações das listas de candidaturas às eleições? Nesses casos, ou tem acordo, ou tem decisão, ou a federação não indica candidaturas.

24.Sobre isto, a proposta em discussão – reiteramos, proposta que foi apresentada sem ter sido previamente debatida no DN ou na CEN do PT - prevê o seguinte:

i/sobre as chapas proporcionais em 2022: seria lançada uma quantidade de candidaturas proporcional ao desempenho anterior (ou seja, de acordo com esta proposta a expectativa de ampliação da votação do PT em 2022 não poderá se refletir no lançamento de um número maior de candidaturas petistas);

ii/sobre a chapa majoritária em 2022: valeriam os acordos (donde se compreende a pressão do PSB por receber desde já o nosso apoio em vários estados; e donde se explica, também, a esdrúxula e despolitizada ideia de definir a candidatura a governador de São Paulo com base no resultado de pesquisas);

iii/sobre a chapa majoritária em 2024: ficaria assegurada a candidatura à reeleição dos prefeitos que estejam filiados a algum dos partidos da federação, no momento em que a federação for oficializada (ou seja, onde o PSB tem prefeitos de direita e também onde forem filiados prefeitos de direita ao PSB antes da oficialização da federação, o PT será obrigado a apoiar);

iv/também sobre a chapa majoritária em 2024: naqueles municípios onde os partidos federados não tiverem o prefeito em 2024, poderá ter “preferencia” a candidatura do partido que tinha o prefeito no mandato anterior, ou seja, em 2016-2020 (na prática, os prefeitos eleitos pelo PSB no ano de 2016, surfando na onda do golpe, terão “preferência” frente aos nomes do PT);

v/ainda sobre a chapa majoritária em 2024: onde houver mais de uma candidatura, a decisão final será da executiva nacional da federação (eliminando totalmente a autonomia do PT, pois a decisão local será tomada não pelo Diretório Municipal, nem pelo Diretório Estadual, nem mesmo pelo Diretório Nacional do próprio PT, a decisão será tomada pela executiva nacional da federação).

25.Além disso tudo, a proposta em negociação – sempre lembramos, proposta que não foi aprovada por nenhuma instância do PT - prevê que o funcionamento das bancadas parlamentares seria regulado por uma “resolução política” a ser aprovada pela tal Assembleia geral.

26.Embora tudo esteja em negociação, fica evidente pela proposta acima comentada que estamos diante de medidas que afetarão profundamente a autonomia do Partido, especialmente nos estados e municípios.

27.Sabendo disso, os negociadores agitam uma “cenoura compensatória”: uma suposta revisão estatutária no ano de 2023. Aliás, na reunião do Diretório Nacional do PT realizada em 16 de dezembro de 2021, uma importante dirigente afirmou explicitamente que - se nada der certo com a federação – poderíamos “alterar a lei “que criou as federações. O que revela um grau de “experimentalismo” que, na nossa opinião, é totalmente irresponsável: frente aos problemas imensos decorrentes de montar uma “federação” no afogadilho, promete-se mudar futuramente tudo, fingindo esquecer que “depois” os problemas todos já terão gerado seus efeitos negativos.

28.Um dos efeitos negativos será o seguinte: “o partido que transferir recursos públicos a outro da mesma federação poderá ter suas contas desaprovadas em razão da aplicação irregular desses recursos, o que tornará inócua eventual utilização de uma das agremiações como intermediária para a prática de irregularidades”.

29.Ou seja: depois de muito lutar para que o TSE não aplicasse, ao DN do PT, as responsabilidades decorrentes de atos cometidos pelos diretórios estaduais e diretórios municipais do próprio PT, estaremos agora – com a federação - diante de uma situação ainda pior: poderemos ser responsabilizados por atos cometidos por diretórios municipais e estaduais de outros partidos!!!

30.Além disto, para entrar ou para sair da federação, é preciso o “deferimento do pedido pelo Tribunal Superior Eleitoral”. E mesmo se houver o tal deferimento, o artigo 7º diz assim: “O partido que se desligar da federação antes do tempo mínimo previsto no caput do art. 6º desta Resolução ficará sujeito à vedação de ingressar em federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário”. Ou seja: a história segundo a qual se não der certo, depois a gente pede para mudar a lei, consiste em uma operação de altíssimo risco. Se não der certo, a única coisa garantida é que estaremos amarrados por 4 anos.

31.A resolução do TSE afirma o seguinte: “Art. 11. As controvérsias entre os partidos políticos relativas ao funcionamento da federação constituem matéria interna corporis, de competência da justiça comum, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral para dirimir questões relativas ao registro da federação e das alterações previstas nos arts. 6º e 7º desta Resolução ou que impactem diretamente no processo eleitoral”.

32.Portanto, as “controvérsias” entre os partidos da federação serão assunto de competência da justiça comum! Caberia a justiça eleitoral interferir “apenas” nos assuntos “que impactem diretamente no processo eleitoral”.

33.No PT, travamos uma batalha permanente com o objetivo de não levar assuntos internos para a justiça. E salvo raríssimas exceções, conseguimos isso. Alguém tem dúvida acerca do que irá acontecer numa federação? Muito provavelmente, haverá judicialização. E não será apenas por motivos políticos, mas também criminais, como já se comentou acima.

34.Vale dizer o seguinte: a proposta em discussão (a tal que não foi aprovada nem debatida previamente por nenhuma instancia do PT) prevê a existência de uma “comissão de presidentes estaduais”; e deixa para a Executiva Nacional da federação a decisão sobre o funcionamento da federação nos municípios. T

35.Se essa proposta for aprovada, viveremos uma hipercentralização do poder numa instância nacional da federação, composta com base na força atual dos partidos na Câmara dos Deputados.

SUFOCANDO A MILITÂNCIA

36.Neste “detalhe” reside, ao nosso ver, o enorme impacto da federação sobre um dos pilares do PT, a saber, a condição de partido militante.

37.Todo mundo sabe que no PT exista, há tempos, uma disputa entre a natureza militante do Partido e a dinâmica institucional, que transfere poder crescente aos governos e aos mandatos parlamentares.

38.Ao longo destes 42 anos, esta disputa entre militância e mandatos esteve presente. E o fato é que, apesar de tudo, continuamos a manter uma dinâmica militante superior a de outros partidos.

39.Pois bem: a "federação" vai sufocar esta dinâmica militante. Não se trata apenas do péssimo exemplo decorrente da proposta de compor a direção da tal "federação" com base na proporção entre as bancadas parlamentares. Se trata de algo pior.

40.Como é público, a “fórmula” em discussão para funcionamento da direção nacional da suposta "federação" seria baseada na proporcionalidade das bancadas, o que hoje implicaria em uma maioria absoluta do PT.

41.Mas a mesma "fórmula" prevê o seguinte: decisões “importantes” seriam tomadas por 2/3, constituindo na prática um direito de veto dos partidos minoritários.

42.No PT, numa situação limite, quando não há consenso, existem alternativas previstas em nosso estatuto. E todas estas alternativas remetem, no limite, para o seguinte ponto: prevalecerá a vontade da maioria dos filiados.

43.Pois bem, caso se constitua a federação, a vontade da maioria dos filiados petistas estaria subordinada à vontade dos parlamentares... de outros partidos! Se esses parlamentares não aceitarem, estará criado um impasse.

44.Acontece o seguinte: o PT ainda é um partido militante, mas a "federação" na prática será uma cooperativa de parlamentares. Portanto, com a "federação" tende a se institucionalizar e a se agravar um problema já existente no PT, que é a submissão crescente do partido-militância ao partido-bancadas. Com um agravante: as bancadas dos outros partidos teriam poder de veto!

45.Na prática, se for aprovada a federação, a vontade da base do Partido estará subordinada à vontade minoritária de outros partidos, mais exatamente à vontade da bancada de outros partidos.

46.Portanto, de cima para baixo e de fora para dentro, se está criando uma regra que afetará profundamente a natureza do Partido. Motivo pelo qual, em nossa opinião, se justifica convocar um congresso do Partido.

47.Afinal, as bases de construção dessa Federação conduzirão a constituição de uma direção baseada no número de parlamentares de cada Partido, ampliando ainda mais o processo de institucionalização do PT, diminuindo ainda mais o papel da base militante de nosso partido e de nossas instâncias, atingindo profundamente a democracia interna do PT.

48.Os que defendem a Federação Partidária com o PSB, uma federação organizada nos moldes descritos anteriormente, estão na prática contribuindo para transformar o PT num partido tradicional.

49.Diante de tamanhas transformações na vida interna do PT, defendemos que haja um amplo debate em todas as instâncias, que nossa militância seja efetivamente consultada.

50.Nesse sentido, fazemos um chamado à nossa militância para que participe ativamente desse debate, defenda a democracia interna e mantenha o PT como um instrumento importante da classe trabalhadora.

Em defesa de um PT militante e democrático!!

A direção estadual da tendência petista Articulação de Esquerda

São Paulo, 9 de janeiro de 2022

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Ao Fábio Venturini, sobre o "ato de Curitiba"

O colega e companheiro Fábio Venturini escreveu um post (ver a íntegra ao final) em sua conta no facebook onde faz referência a minhas opiniões sobre o caso Renato Freitas.

Minhas opiniões podem ser lidas neste link: http://valterpomar.blogspot.com/2022/02/o-caso-renato-freitas.html

Venturini começa seu post citando Êxodo 3:5

Eu prefiro começar citando o Barão de Itararé: “tudo seria fácil se não fossem as dificuldades.”

A luta contra o racismo é parte da conjuntura brasileira.

Debater como enfrentar o racismo nunca será procurar “problema desnecessário”.

Por isto mesmo, considero necessário discordar novamente de algumas afirmações feitas por Venturini,

No meu texto, eu afirmei: “o protesto não foi contra a igreja, o protesto foi defronte a igreja, pelo simbolismo desta igreja para o movimento negro”; “não houve invasão, não houve interrupção de missa, nem houve intenção de atacar a igreja.”

Venturini afirma que “do ponto de vista jurídico e formal”, eu estou correto.

Mas insiste no seguinte: “esse ato, no entanto, foi muita coisa, menos formal. No cristianismo, seja católico ou protestante, o templo é um território sagrado no qual só se pode adentrar com determinados protocolos de respeito”.

Como diria Venturini, do ponto de vista “jurídico e formal” ele tem toda a razão. 

Mas como sabemos todos os que estudam a história das religiões e das igrejas, a natureza “sagrada” e os “protocolos de respeito” não são cláusulas pétreas enviadas do céu junto com os dez mandamentos.

Sendo assim as coisas, não dá para tratar o acontecido no plano abstrato. 

O ato foi político e politicamente deve ser analisado. 

E neste plano eu não consigo desconsiderar nem desconhecer, em nenhum momento, o motivo justo da manifestação e o desconcerto causado pela provocação do diácono.

Evidente: olhando de longe, consigo perceber a provocação e a armadilha. 

Mas dado o contexto, compreendo a reação dos manifestantes. E cá entre nós: entraram com respeito pela porta aberta, falaram e saíram, sem causar nenhum dano.

Venturini insiste no contrário: “as pessoas quando terminam a missa têm uma rotina, incluindo aconselhamento religioso. É um momento “santificado”, “consagrado”. Um ato político interrompeu essa liturgia”. 

Isto pode ter acontecido? Pode. Mas - a julgar pelas imagens e pelos relatos - não havia ninguém se aconselhando ou se confessando no momento da entrada dos manifestantes.

Venturini acrescenta o seguinte: “se para mim e para Valter nada de mais ocorreu, para uma grande (muito grande mesmo) parte dos cristãos, um terreno sagrado foi invadido sem o devido respeito, a liturgia foi interrompida, o templo foi atacado. Houve um conjunto inadmissível de profanações. O ato político, com todas as boas intenções do mundo, gerou ofensa ao católico, a quem o protestante será solidário porque entende (não sem razão) que amanhã pode ser na sua igreja”.

Buenas, para Venturini pode ser que “nada de mais ocorreu”. Mas eu não disse isso, nem penso isso. 

O que eu disse e penso é: não devemos aceitar a narrativa do bolsonarismo.

Os fatos são: não houve invasão, não houve interrupção de missa, não houve intenção de atacar a igreja.

Isto posto, pode-se e deve-se discutir a conveniência de ter entrado na igreja e tomar as medidas decorrentes. 

Mas se as razões dos crentes devem ser consideradas, também devem ser consideradas as razões dos manifestantes.

O curioso é que Venturini trata com a maior seriedade e respeito o território sagrado do templo, mas na hora de falar dos motivos pelos quais os manifestantes escolheram fazer seu ato de protesto defronte da Igreja ele adota “uma forma muito menos simbólica e romântica”.

São dois pesos e duas medidas.

Veja a frase: “Se a manifestação na igreja se justifica por ter um valor para o movimento negro, poderiam ter escolhido qualquer outro lugar que denunciasse a violência e o racismo estrutural sem as afrontas a pessoas conservadoras e a valores religiosos criando tantos ruídos. O templo foi muito propício à lacração, para chocar, promover o manifestante, não a pauta da manifestação. É muito mais fácil fazer fervilhar os hormônios da luta e da bravura diante de padres e diáconos do que enfrentando marinheiros e milicianos”.

Buenas, neste ponto começo contando duas histórias. 

A primeira foi ano passado, quando tive a oportunidade de ouvir o Renato Freitas contando sua história pessoal. Para resumir: Renato é um sobrevivente do genocídio. E sabe mais sobre violência cotidiana, inclusive de milicianos, do que eu e Venturini saberemos algum dia. 

O que eu sei acerca da trajetória do Renato Freitas não o faz pior nem melhor do que ninguém, não torna corretas suas ações, mas me faz sugerir a Venturini – muito respeitosamente - que não use os termos “fervilhar os hormônios”, nem sugira falta de coragem para enfrentar milicianos. Realmente não se aplica ao caso em tela.

A segunda história é um pouco mais antiga. 

Fui secretário de Cultura em Campinas (SP) de 2001 a 2004. Tínhamos ótima relação com o padre responsável pela Catedral e um dia fui lá visitar o local e ver como ajudar na captação de recursos para restaurar o prédio. Na visita, fui apresentado aos documentos da Catedral; segundo tais documentos, a construção da Catedral foi feita com “trabalhadores emprestados” de fazendas locais. 

"Trabalhadores emprestados", leia-se, escravizados. 

Fazer atos nessas igrejas, em particular em igrejas como a do Rosário de São Benedito, me perdoe Venturini, não visa “lacração” alguma, não visa “chocar” ninguém. 

Se Venturini acha importante respeitar a liturgia das igrejas cristãs, sugiro a ele também tratar com o devido respeito os motivos políticos e culturais dos integrantes dos movimentos negros.

“Poderiam ter escolhido qualquer outro lugar”, “sem afrontar pessoas conservadoras” e “sem criar tantos ruídos” são frases infelizes, do tipo: fiquem no seu lugar. 

Portanto, vamos “dialogar com todo muito de forma respeitosa”. Mas vamos respeitar todo mundo. E respeitar não inclui aceitar, nem mesmo tacitamente, que tenha havido “invasão”. 

O inadequado deste termo é uma velha discussão e que tenhamos de retomá-la neste episódio apenas demonstra o retrocesso ideológico que tomou conta, não só do país, mas também de uma parte dos setores supostamente progressistas.

Venturini afirma, também, que “o ato de Curitiba reforça tudo que a extrema direita diz do PT, e isso não é algo menor. A ação foi voluntariosa, sem inteligência e profundamente personalista, decidida por um pequeno grupo que implicou todo o partido”. 

Bom, eu tenho muitas histórias para contar acerca de atos decididos por “pequenos grupos” que implicam “todo o partido”. Mas neste caso confesso não saber com base no que Venturini constrói sua “narrativa”. 

O “ato de Curitiba” foi um protesto contra os assassinatos racistas. Converter este ato na “invasão da igreja” é exatamente o objetivo dos bolsonaristas. Não entendo porquê deveríamos fazer isso: além de ser mentira, seria uma burrice.

Por outro lado, para os “católicos ofendidos e os protestantes solidários” não devemos “explicar o inexplicável”, devemos contar a verdade. 

Eles, como nós, compreendem perfeitamente a “ira dos justos”. O diácono fez uma provocação, os manifestantes caíram na provocação, entraram, falaram, saíram e pronto. Não houve nenhum dano, nada. 

Algo muito diferente, por exemplo, do fato ocorrido no dia 21 de janeiro deste ano de 2022, lá mesmo em Curitiba, onde um diácono (!!) abençoou as armas de fogo da Guarda Municipal.

Mais detalhes podem ser lidos neste texto:

https://reinaldobessa.com.br/padre-julio-lancellotti-critica-rafael-greca-por-mandar-abencoar-armas-da-guarda-municipal-de-curitiba/

Convenhamos: “imagens de cartazes e bandeiras balançando entre o altar e os santos nas paredes" não querem mesmo dizer "nada demais” se comparado a abençoar armas de fogo.

O curioso é o seguinte: Venturini defende que devemos fazer uma “redução de danos”. Mas a maneira como ele pretende fazer isso é - ao menos em parte - assumindo a procedência das acusações contra nós.

Vejam por exemplo as seguintes frases: “Uma boa fakenews começa com imagens reais sustentando narrativas absurdas. Desde o ato em Curitiba, as montagens com Lula dizendo que vai fechar igrejas se espalharam em pletora. Ninguém precisou acusar-nos pelos atos alheios ou colocar camisa do partido em um sequestrador como fizeram no caso Abílio Diniz. Éramos nós, o PT, que estávamos lá através de um vereador”.

Éramos nós... fazendo o quê? Fechando igrejas??? A maneira como Venturini escreve conduz a este tipo de conclusão absurda.

Noutra frase Venturini diz assim: “Não se trata de repetir o que a direita diz, é ter que tratar agora da redução de danos. Envolve mostrar como a extrema direita vai se beneficiar com aquilo que facilitamos por um ato irresponsável”.

Ato irresponsável? Este jeito de falar não reduz danos, este jeito de falar amplia os danos. É como pedir desculpas pela mamadeira de piroca, como se ela existisse mesmo.

Repito: não sou a favor de silenciar diante de equívocos de ninguém (nem do Renato, nem de ninguém, nem os meus, nem os do Venturini, nem os do Lula). Mas não vou contribuir, nem direta nem indiretamente, para a criminalização de um protesto. 



INTEGRA DO TEXTO CITADO

“E disse Deus: Não te aproximes daqui; tira as sandálias dos pés, porque o lugar em que estás é uma terra santa”. Êxodo 3:5

Como a conjuntura brasileira está tranquila e simples, o que mais fazemos é procurar problemas desnecessários. Eu, por exemplo, fui comentar algo que não precisaria e agora estou aqui com textão para responder a um companheiro de partido.

Pela manhã postei que invadir igreja no contexto atual só poderia ser infiltração ou idiotice. Valter Pomar comentou colocando que ali tinha informações falsas. Além disso, por julgar que a mesma coisa poderia ser escrita de uma forma bem menos agressiva, deletei e postei outro texto, que segue:

“Apaguei o post anterior para detalhar melhor.

O Coletivo Núcleo Periférico, de Curitiba, fez uma manifestação contra o racismo e por justiça por Moïse Kabagambe e Durval Teófilo Filho, os dois assassinados no Rio de Janeiro, dentro da Igreja Nossa Senhora do Rosário, no Paraná. Entre os manifestantes, militantes do PCB e o vereador da capital, Renato Freitas (PT-PR).

Renato nega a invasão pois a igreja estava aberta e a missa já havia acabado. Ou seja, seria uma narrativa da extrema-direita.

Primeiro, para um fiel cristão (e aparentemente para a constituição federal também), o templo não é uma casa de shows que quando acaba um evento ele pode ser usado para qualquer outro fim. No cristianismo o templo é a "casa de Deus".

O fim da missa não encerra a liturgia. Os encontros nas Comunidades Eclesiais de Base, por exemplo, eram políticos mas também obra de caridade cristã contra a carestia. Logo, não existe dentro de uma igreja a separação entre o político e o sagrado. Até os sacerdotes de extrema-direita acreditam estar respeitando essa mistura ao falar que combater a esquerda é combater Satanás.

O ato com bandeiras do coletivo, do PCB e do PT na igreja foi muito mal recebido entre católicos de esquerda porque violou solo sagrado. Os grupos de zap de cristãos de todas as cores e matizes estão pegando fogo e os progressistas estão constrangidos.

Esse é o efeito de um inferno cheio de boas intenções. Chame de narrativa ou não, foi uma ideia, digamos, dotada de pouquíssima inteligência, para ser generoso. Poderiam protestar na porta de um quartel da Marinha, mas escolheram uma igreja. Isso numa época em que pouca inteligência não ajuda em nada.

Nem tudo é culpa da extrema direita.”

O texto do Valter está aqui: https://valterpomar.blogspot.com/2022/02/o-caso-renato-freitas.html?fbclid=IwAR28C0LPNXftdPqP0dgevqZl3ODjZ_uJcSKqouY8JbFN9MV_UqZX2tEKcmM

Da crítica, pegarei dois pontos que entendi me envolverem diretamente, vamos a eles

PRIMEIRO, sobre os dados falsos

Valter afirma: “o protesto não foi contra a igreja, o protesto foi defronte a igreja, pelo simbolismo desta igreja para o movimento negro”. Ele acrescenta: “Os fatos são esses: não houve invasão, não houve interrupção de missa, nem houve intenção de atacar a igreja.”

Do ponto de vista jurídico e formal, Valter Pomar está correto, foi um ato defronte à igreja que adentrou depois do fim da missa. Esse ato, no entanto, foi muita coisa, menos formal. No cristianismo, seja católico ou protestante, o templo é um território sagrado no qual só se pode adentrar com determinados protocolos de respeito. Entrar e fazer uso da palavra, em qualquer situação, demanda procedimentos internos. Nem quem vai todos os domingos à missa pode simplesmente se levantar e ler uma mensagem de protesto, há espaços e momentos para tanto, não é logo após o amém.

As pessoas quando terminam a missa têm uma rotina, incluindo aconselhamento religioso. É um momento “santificado”, “consagrado”. Um ato político interrompeu essa liturgia. Além disso, na igreja católica as portas não são fechadas para acolher a quem precisa, não porque é um espaço público. Seja cerrar o templo ou criar condições para deixar pessoas desconfortáveis no seu interior são atos condenados em homilia pelo Papa Francisco.

Se para mim e para Valter nada de mais ocorreu, para uma grande (muito grande mesmo) parte dos cristãos, um terreno sagrado foi invadido sem o devido respeito, a liturgia foi interrompida, o templo foi atacado. Houve um conjunto inadmissível de profanações. O ato político, com todas as boas intenções do mundo, gerou ofensa ao católico, a quem o protestante será solidário porque entende (não sem razão) que amanhã pode ser na sua igreja.

Pomar entende ainda que minha afirmação de que “poderiam ter feito na porta de um quartel, mas escolheram uma igreja” significaria, no mínimo, não entender o sentido do local. Eu diria que entendo sim, mas de uma forma muito menos simbólica e romântica. Se a manifestação na igreja se justifica por ter um valor para o movimento negro, poderiam ter escolhido qualquer outro lugar que denunciasse a violência e o racismo estrutural sem as afrontas a pessoas conservadoras e a valores religiosos criando tantos ruídos. O templo foi muito propício à lacração, para chocar, promover o manifestante, não a pauta da manifestação. É muito mais fácil fazer fervilhar os hormônios da luta e da bravura diante de padres e diáconos do que enfrentando marinheiros e milicianos.

SEGUNDO: falta de solidariedade a Renato Freitas e servir de caixa de ressonância para a extrema direita

No último censo, de 2012, os cristãos no Brasil eram 86,8% da população brasileira, sendo 64,6% católicos e 22,2% evangélicos. O PT, para governar novamente o Brasil, deve dialogar com essa parte da população de forma respeitosa. Pela sua filiação e posição, Renato Freitas tem óbvia legitimidade política e partidária para seus atos de protesto. Se algo der errado, devemos a ele, como bem apontou Valter Pomar, solidariedade e defesa dos seus direitos, principalmente porque as perseguições aumentarão mesmo não tendo havido nenhuma ilegalidade. Isso não está em questão. Não significa, contudo, que essa solidariedade estabeleça termos em que o PT aceite ser entendido como um partido que ou invade ou tolera a invasão de igrejas.

Manifestações políticas normalmente têm uma agenda, um discurso, um argumento. Valter não precisa me convencer de que não houve invasão, juro no confessionário se precisar, é desnecessário. O ato de Curitiba reforça tudo que a extrema direita diz do PT, e isso não é algo menor. A ação foi voluntariosa, sem inteligência e profundamente personalista, decidida por um pequeno grupo que implicou todo o partido.  É para os católicos ofendidos e os protestantes solidários que precisamos explicar o inexplicável, dizer que as imagens de cartazes e bandeiras balançando entre o altar e os santos nas paredes não querem dizer nada demais.

Uma boa fakenews começa com imagens reais sustentando narrativas absurdas. Desde o ato em Curitiba, as montagens com Lula dizendo que vai fechar igrejas se espalharam em pletora. Ninguém precisou acusar-nos pelos atos alheios ou colocar camisa do partido em um sequestrador como fizeram no caso Abílio Diniz. Éramos nós, o PT, que estávamos lá através de um vereador. Não se trata de repetir o que a direita diz, é ter que tratar agora da redução de danos. Envolve mostrar como a extrema direita vai se beneficiar com aquilo que facilitamos por um ato irresponsável. A solidariedade ao companheiro é certamente combater a possibilidade de “cancelamento”, protegê-lo contra perseguições que, como muito bem apontou Valter Pomar, aumentarão. Mas a solidariedade não significa silenciar diante de um equívoco dessa monta. Não estamos falando de um adolescente, é um parlamentar do Partido dos Trabalhadores numa das capitais mais conservadoras do país.

Por fim, agradeço ao Valter Pomar, a quem nutro profundo respeito e admiração, tanto pela crítica quanto por poupar a citação direta que poderia me gerar inúmeros dissabores. Entendo que pela forma textual habitualmente cometo alguns excessos e tentarei corrigir. No mérito creio que coloco aqui divergências no intuito de ajudar o PT a avançar.

O caso Renato Freitas

Mataram Durval Teófilo Filho.

Mataram Moise Katagambe.

Mataram muitos mais, desde há muito. E se deixar vão seguir matando.

Houve manifestações em todo o país, contra o racismo.

Uma das manifestações foi em Curitiba.

A manifestação de Curitiba aconteceu no sábado, 5 de fevereiro.

Soube dela na segunda, 7 de fevereiro, as 10h46 da manhã, quando um integrante do Diretório Nacional do PT postou um twitter da Gazeta do Povo, onde se podia ler o seguinte: “vereador do PT lidera invasão de igreja católica durante missa”.

Seguiu-se um animado debate na lista de zap do Diretório Nacional do PT.

Em paralelo, rolava o debate nas redes sociais e na mídia empresarial, como gosta de falar um companheiro, provavelmente por considerar este termo mais asséptico do que “oligopólio”.

Em ambos espaços, havia gente condenando a “invasão” e a interrupção de uma “missa”.

Fato?

Não, mentira.

A palavra invasão tem um significado muito conhecido. 

Até por isso os movimentos de luta pela terra e por moradia preferem usar "ocupação".

Não houve "invasão": a porta da igreja estava aberta, não foi forçada; os manifestantes entraram pacificamente, não houve nenhuma depredação; os manifestantes fizeram uma declaração e saíram. 

Algumas imagens da performance estão nas imagens deste link: 

https://www.instagram.com/p/CZrnwIeg05q/

Também não houve interrupção de missa: como se pode ver nas imagens citadas acima, no momento da entrada dos manifestantes não havia nenhuma celebração ocorrendo na igreja.

Hoje cedo, alertado a respeito de estar difundindo fake news, um professor universitário apagou seu post – sem reconhecer o erro – e agregou um questionamento: não via motivo para a manifestação ser feita na porta de uma Igreja.

O professor escreveu assim: "Poderiam protestar na porta de um quartel da Marinha, mas escolheram uma igreja".

O motivo pode não fazer sentido para o colega professor universitário, mas faz absoluto sentido para quem compreende porque a igreja em tela se chama Igreja de Nossa Senhora do Rosário de São Benedito.

Ou seja: o protesto não foi contra a igreja, o protesto foi defronte a igreja, pelo simbolismo desta igreja para o movimento negro.

Os fatos são esses: não houve invasão, não houve interrupção de missa, nem houve intenção de atacar a igreja.

(Diferente de outro mais famoso, os manifestantes de Curitiba não entraram no templo para protestar contra os vendilhões.)

Mas como no caso da mamadeira de piroca, a direita não perdeu tempo: entre outros, Bolsonaro e Moro já se pronunciaram a respeito, em suas contas pessoais.

Conclusão?

Primeiro, é preciso saber que – como no passado - este tipo de situação vai acontecer muitas e muitas vezes. Portanto, menos pânico e mais cabeça fria.

Segundo, não podemos repetir as mentiras do lado de lá. Cada militante que repercutiu a "narrativa" sobre “invasão” e “interrupção de culto” deveria pensar duas vezes a respeito dos motivos pelos quais continua caindo neste tipo de parola.

Terceiro: ninguém precisa concordar com o feito. Aliás, se possível não devemos cair em tentações, digo: provocações. 

Os relatos são convergentes: um diácono da igreja foi grosseiro com os manifestantes. Estes obviamente não acharam graça nenhuma em ser enxotados, enxotados logo daquela igreja, enxotados no contexto daquela manifestação. E por isso resolveram entrar na Igreja, criando inadvertida mas previsivelmente o pretexto e as imagens usadas para falar em “profanação injuriosa” 

(Aliás, Cantalice que me perdoe, mas a nota de Dom José Antonio Peruzzo tem momentos de pura desfaçatez. E como ainda vivemos num Estado laico, o fato dele ser Arcebispo não o livra de ser criticado pelo dito e pelo não dito).

Por fim: ninguém precisa pedir licença para lutar. Mas é preciso saber que nestes tempos tenebrosos, a direita não dá trégua e uma parte dos chamados “progressistas” está com medo até de sua sombra. 

Por isso, quem quiser fazer algo um pouquinho fora do esquadro precisa estar disposto a segurar a onda, pois a solidariedade não é líquida e certa como (parecia ser) noutros tempos.

E por falar em solidariedade, ninguém se iluda: vai aumentar a pressão para Renato Freitas ser cassado de sua cadeira de vereador do PT em Curitiba (PR).

 Além disso, Renato Freitas já era e vai continuar sendo cada vez mais caçado, com o objetivo de massacrar sua imagem e sua vida.  

Motivo a mais para as pessoas preocupadas com a "dignidade do templo", não esquecerem da necessidade de proteger a dignidade e a vida do nosso companheiro.

 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

O interessante embate entre Siqueira e Guimarães (partes 1 e 2)

Parte 1

Dizia um poeta: “Cinzenta, caro amigo, é toda teoria, verdejante e dourada é a árvore da vida”.

No caso da federação, vale o oposto: na teoria a federação é verdejante dourada, mas na prática é esfumaçada e cinzenta.

A prova disto está na troca de chumbo entre Carlos Siqueira, presidente nacional do PSB, e José Guimarães, vice-presidente nacional do PT.

A entrevista de Siqueira foi publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, no domingo 6 de fevereiro de 2022. A de Guimarães saiu no dia seguinte. Ao final reproduzo a íntegra do que saiu publicado.

Comecemos por Siqueira: das duas, uma. Ou ele resolveu atear fogo aos barcos, ou está esticando a corda para ganhar mais na negociação.

Diante de uma afirmação da Folha (“as conversas entre PT, PSB, PV e PC do B parecem estar avançando”), Siqueira responde assim: “Você disse que está avançando, eu diria que está apenas sendo discutida. Não há avanço nem retrocesso”.

E onde está “pegando”? No programa? Nas candidaturas? Na discussão sobre a presença do PSB em governos de direita, como o de Leite no Rio Grande do Sul?

Não.

Segundo Siqueira, o problema está na discussão sobre “como essa federação funcionará. E essas normas têm um centro, que é o comando da federação”.

Nada de novo: desde que os partidos existem, o tema organizativo é central. Natural: dentro de certos limites, a linha política sempre pode ser ajustada, mais para a direita ou mais para a esquerda. E o papel aceita de tudo.

Já o controle das decisões é algo pão pão, queijo queijo.

Sobre isso, Siqueira conta o seguinte: “Hoje, a proposta do PT é que numa assembleia de 50, que decidirá todas as questões fundamentais da federação, o PT tenha 27, sugere 15 para o PSB, 4 para o PC do B e 4 para o PV. Ou seja, o PT fica com a maioria”.

Fica com a maioria, mas para tomar decisões (quais? Siqueira não diz) será necessário “quórum ser qualificado de dois terços”.

Um quórum de dois terços significa ter 33 ou 34 votos. Falando em tese, se somarmos o PT com o PCdoB e o PV daria 2/3.

(Isto supondo que os partidos vão votar unidos, como bancadas.)

Siqueira não está de acordo com isto. Como ele mesmo diz, “quem tem 27 tem mais condições de chegar a dois terços do que quem tem 15, que é o que nos competirá se entrarmos na federação”.

Na opinião de Siqueira, o PSB precisa decidir se “quer continuar tendo sua política e decidindo as coisas essenciais ou [se quer estar] numa estrutura que tem essa configuração com a maioria de um partido. [Tem que decidir se] deseja entregar o seu destino a essa federação”.

Não deixa de ser engraçado: para nós, petistas contrários à federação, a proposta de 2/3 é inaceitável por dar poder de veto à minoria.

Para Siqueira, a proposta de 2/3 é inaceitável por tornar possível – em tese – uma maioria composta por PV, PCdoB e PT.

Siqueira está falando sério? Ou está tensionando para negociar melhores condições? Façam suas apostas.

O fato é que ele apresenta uma proposta alternativa: “Eu fiz proposta de agregar mais membros ao PSB considerando o número de prefeitos e vereadores que nós temos, que é maior do que o do PT. Mas o PT mantém a proposta deles e vamos examinar se convém ou não”.

Diz também: “É compreensível que o PT queira ter um número maior de representantes na assembleia, mas não precisa ser tanto. Isso pode ser melhorado se eles refletirem e concluírem que precisa ter um equilíbrio na composição. Por isso eu proponho que se agregue a questão dos prefeitos. Isso daria um equilíbrio a todos”.

Isso daria um “equilíbrio a todos” significa: seria mais fácil vetar as posições do PT e seria mais fácil derrotar o PT.

Sem isso, o PSB “perde muito da sua autonomia sobre questões essenciais, sobretudo no plano eleitoral. Mas a matéria está em discussão, vamos ver se ela progride. (...) Se não mudar a composição, vai ter muita dificuldade de aprovar a federação no âmbito do diretório nacional do PSB. (...) Não se trata do quórum qualificado [para tomar decisões], mas do peso que cada um terá”.

Não é maravilhoso?

No PT nos informaram que a proposta da federação partiu do PSB. Apesar disso, o que temos visto até esta entrevista é o PT fazendo concessões e o PSB regateando condições.

Aliás, perguntado se “pessoalmente” acha “que é bom para o PSB entrar na federação?”, Siqueira responde o seguinte: “Eu tenho procurado, pelo menos publicamente, não me posicionar a esse respeito, porque dentro do partido há divergências. Nessa fase quero apenas colher as opiniões e formar minha convicção para convocar o diretório nacional”.

Já no PT, alguns dirigentes favoráveis à federação fazem campanha aberta e não se importam de desrespeitar a decisão do Diretório Nacional do Partido, adotada no dia 16 de dezembro, segundo a qual caberia à executiva nacional “conduzir” as negociações.

E antes mesmo das negociações terminarem, os mesmos dirigentes já estão retirando candidaturas em favor do PSB, como fizeram em Pernambuco.

E por falar em candidaturas: segundo o presidente do PSB, “a questão da federação não está diretamente ligada às questões estaduais, das candidaturas em que queremos o apoio do PT. São conversas que caminham em paralelo (...) são coisas distintas, muito embora o que for definido sobre os governos estaduais tenha uma repercussão também sobre a decisão que vamos tomar sobre a federação”.

Segundo Siqueira, o PSB estaria apoiando o candidato a governador do PT na Bahia, no Piauí, em Sergipe e no Rio Grande do Norte. E pede o apoio do PT em Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

Siqueira espera que “eles” (o PT) “cedam em tudo. Na política tem uma coisa que se chama reciprocidade”.

(Pergunto, sem esperar resposta: que tipo de “reciprocidade” se deve dar ao PSB pelo apoio dado pelos “socialistas” ao golpe de 2016?)

Siqueira fala, também, das eleições municipais. Diz expressamente o seguinte: em 2020 “elegemos 250 prefeitos. O PT elegeu 180 (...) Tem de haver regras que possam garantir a candidatura nata à reeleição de todos os 250 prefeitos do PSB. E eu fiz essa proposta, inicialmente o PT discordou, mas depois admitiu consultar”.

Candidatura nata, tomem nota!

Convenhamos, Siqueira pode ter muitos defeitos, mas pelo menos fala direto. Inclusive sobre a candidatura Lula: “Não está decidido” que o PSB vá apoiar Lula, “mas é o mais provável”.

Para bom entendedor: o PSB pode apoiar Lula, se o PT apoiar os pleitos do PSB.

Toma lá, dá cá.

E atenção: o vice não entra na conta de perdas e ganhos. Pois Alckmin é de “um campo político que não é o nosso” e “se ele vai ser convidado para ser vice, não cabe ao PSB, cabe ao PT”.

Por isso, provavelmente, o Rio de Janeiro não entra na conta da “reciprocidade”: o PT é apoiado em 4 estados pelo PSB, o PSB pede apoio do PT em 4 estados e o Rio fica fora da conta pois o Freixo é um recém-chegado. Aliás, reproduzo na integra a seguinte passagem da entrevista:

Em meio às discussões com o PT, ouvimos que o sr. estaria contrariado com declarações que Marcelo Freixo (PSB) teria dado de apoio a Haddad em São Paulo. O sr. conversou com ele?

Ele esteve esta semana comigo, conversamos. Eu expressei publicamente não só a minha opinião, mas expressei uma certa indignação que houve de muitas pessoas no PSB, que acharam inadmissível a declaração dele. Ele diz que foi invenção da jornalista, mas a verdade é que não houve um desmentido no dia seguinte sobre a matéria.

Depois de ouvir tudo isto, a Folha fez a pergunta óbvia:

“Qual a vantagem de formar a federação, se existem tantos impasses?”

Resposta: “A federação se torna um instrumento poderoso eleitoralmente nessas eleições, para eleger, no caso do PSB, mais três ou quatro deputados, não mais que isso”.

Ou seja: não é o futuro do Brasil, não é a unidade da esquerda, não é a eleição de Lula. A federação serve, segundo o presidente do PSB, para eleger “três ou quatro deputados, não mais que isso”.

E completou: “Tem de se examinar se essa vantagem é suficiente para entrar na federação ou não. Porque eu não consigo ver outras vantagens para o futuro”.

Novamente, pergunto: Siqueira está falando sério ou está esticando a corda para conseguir mais concessões?

Seja qual for o motivo real, a entrevista de Siqueira confirmou uma de suas teses: “política é uma parceria de mão dupla. De mão única, acaba dando uma trombada”.

Depois de fechar os olhos para muita coisa, depois de fazer inúmeras concessões, depois de colocar em risco a higidez do Partido, os petistas defensores da federação se viram diante de uma situação um pouco, digamos, constrangedora.

E, se entendi direito o ocorrido, o deputado José Guimarães foi escalado para responder. Veremos na continuação a resposta do deputado, num certo sentido ainda mais interessante do que a entrevista de Siqueira.

Parte 2

O deputado José Guimarães é um defensor de primeira hora da federação. 

E um entusiasta da “frente ampla”, não apenas no país mas também em seu estado, o Ceará, onde é um dos principais responsáveis (até agora) pela manutenção da aliança com os Ferreira Gomes.

Sendo assim, Guimarães deve ter ficado bastante desgostoso com a entrevista de Siqueira à Folha de S. Paulo

Afinal, mesmo que o objetivo de Siqueira fosse apenas conseguir mais concessões da parte do PT, a forma como ele agiu – pública e desrespeitosamente – causa muitos problemas.

Compreende-se, portanto, o tom da rápida resposta dada por Guimarães (ver a integra ao final): “nós não fomos procurar nenhum desses partidos para fazer federação. Nós iniciamos o debate a partir da solicitação deles, e não tem nada definido. Portanto, se um dos partidos discorda de uma ou outra tese do PT, se discute isso internamente. O PT não vai resolver nada das federações pelas páginas de jornais ou recebendo pito desse ou daquele partido. O PT tem história, tem maturidade. Esse tipo de posição do presidente do PSB não ajuda, só atrapalha, e complica fortemente aquele desejo que é quase unânime na bancada de deputados do PSB e de muitos deputados do PT”.

Destaco, da reposta acima, duas frases: 

i/“o PT não vai resolver nada das federações pelas páginas de jornais”; 

ii/“desejo que é quase unânime na bancada de deputados do PSB e de muitos deputados do PT”.

Registro: desde 16 de dezembro de 2021 até as 19h00 de 7 de fevereiro de 2022, a direção nacional do PT não recebeu nenhum informe das negociações.

Nenhum. Ficamos sabendo de tudo pelas páginas dos jornais ou através de relatos informais.

Registro: a federação é um desejo “quase unânime” da bancada do PSB. Já no PT, é desejo de “muitos deputados”. O porquê dessa diferença, pode-se imaginar.

Isto posto, há um problema: se deixarmos de lado o tom da entrevista de Guimarães e nos concentrarmos no conteúdo do que foi dito por ele, a coisa toda segue preocupante.

Comecemos por onde o presidente do PSB começou: a direção da federação.

Segundo Guimarães, “no debate que fizemos com os quatro partidos sobre o estatuto da federação foi colocado um critério para respeitar o tamanho dos partidos, tamanho do Congresso, ninguém pode querer ser mais do que outro se não tem voto para isso”.

Como já argumentamos em outro lugar (http://valterpomar.blogspot.com/2022/02/como-sera-o-pt-aos-46-anos.html), é um erro naturalizar este tipo de critério parar aferir o “tamanho” do PT. 

O PT é muito maior do que o tamanho de suas bancadas, o PT é muito maior do que sua votação nas eleições para prefeituras e governos de estado. Politica e estratégicamente falando, o PT é maior inclusive do que sua votação nas disputas presidenciais.

Ao naturalizar este tipo de critério (eleitoral congressual), abrimos as portas para adotarmos critérios análogos, como por exemplo o número de prefeitos. 

Guimarães tem razão ao dizer que “eleição municipal é outra coisa, em federação você parte do princípio nacional”. 

O problema é que a federação vai valer também para as eleições municipais de 2024. E qual será o critério adotado nesse caso?

Acontece que Guimarães e muitos outros tendem a olhar a política e o próprio PT do ponto de vista do Congresso Nacional. 

E deste ponto de vista, o “tamanho” do PT é “o tamanho das bancadas no Congresso que decide Fundo Eleitoral, Fundo Partidário, liderança no Congresso”. 

Na medida em que pensam isto, não se dão conta de que a dinâmica da federação -se vier a ser aprovada – vai nos levar mais e mais a adotar a lógica da “cooperativa de parlamentares”, predominante em outros partidos.

Sigamos.

Guimarães reclama que “nem batemos o martelo porque não tem definição sobre a federação. Se o Siqueira discorda, que ele diga na reunião, que ele converse conosco”.

Realmente, Siqueira agiu mal, especialmente por ele ser um privilegiado: participa de reuniões sobre as quais a executiva e o diretório nacional do PT não receberam nenhum informe, desde o dia 16 de dezembro de 2021 até o dia 7 de fevereiro de 2022, a partir das 19h00.

Guimarães também reclama da postura do presidente nacional do PSB, no tocante às eleições estaduais: “Ficamos, primeiro, com surpresa. E uma certa indignação. Temos tratado o PSB com o máximo de respeito. Nunca levamos para imprensa as divergências e os problemas que acontecem nas reuniões com os quatro partidos. Essa conduta a gente vai manter. Estamos respondendo por conta de uma exigência partidária. Há um ambiente que, pela responsabilidade que nós temos, que eu tenho, como vice-presidente nacional do PT, não poderia silenciar frente ao que foi dito, por meio da imprensa. E não é a primeira vez”.

Não é a primeira vez, mas isto não impediu nossos gestos de excessiva boa vontade. 

Por exemplo: “Humberto Costa acabou de fazer um baita de um gesto. Renunciou a uma candidatura que está em primeiro lugar ao Governo de Pernambuco [em apoio ao nome do PSB]. Isso não conta?”

Deveria contar, se o mundo fosse justo. Mas no mundo real, concessões “antes da hora” acabam sendo contraprodutivas. 

Sinalizam fraqueza, desespero, pressa, insegurança. 

Todos os gestos do PT sobre a federação (inclusive as lideranças no congresso) emitiram, para o presidente do PSB, o seguinte sinal: eles estão precisando de nós mais do que nós deles. E sentindo gosto de sangue, ele partiu para o ataque.

Infelizmente, Guimarães percebeu o problema mas ainda não parece ter aprendido a lição. 

No caso do ES, apresenta como “condição” o apoio de Renato Casagrande a Lula. Mais nada. No caso do Rio, lembra que o apoio já está concedido. E no caso do Rio Grande do Sul, diz quais “nós vamos discutir lá na frente. O PT tem um bom candidato [Edegar Pretto], o PSB também [Beto Albuquerque], tem a Manuela D'Ávila [PC do B], então até sugerimos que esses três partidos sentassem para discutir o melhor caminho, para se unificar”. Ou seja, sinaliza para uma solução ao estilo Pernambuco.

No caso de São Paulo, Guimarães defende “unir Haddad, Márcio França, Guilherme Boulos e Geraldo Alckmin” (....) “vamos analisar qual é o melhor nome para ganhar, qual é o nome mais forte. Isso é que tem que considerar, e não impor nome A ou B”.

Mas, ato contínuo, Guimarães afirma: “o PT dificilmente deixará de ter candidato a governador de São Paulo, pelo que representa o Haddad. Agora, isso é motivo para não sair a federação? Não. Isso é motivo para ter dificuldade para apoiar o Lula? Não. Nós vamos ter que administrar”.

"Administrar" é palavra bonita, mas como???

A federação é um ato nacional. Uma vez estabelecida, os partidos federados só poderão ter uma única candidatura a governador em cada estado do país. 

Se a decisão sobre a candidatura a governador for tomada em âmbito nacional, prevalecerá a candidatura que tiver apoio de 2/3 da direção da federação. 

Compreende-se, portanto, a tática de Siqueira: definir desde já as candidaturas a governador e, também, definir desde já a candidatura "nata" dos prefeitos, bem como uma composição da direção que possibilite ao PSB ter poder de veto sozinho e/ou poder compor com mais facilidade uma maioria de 2/3.

Para Siqueira, estas garantias são mais importantes do que os parlamentares a mais que uma federação supostamente possa eleger, assim como as tais garantias são mais importantes do que eleger Lula etc.

Do ponto de vista de Siqueira, participar de uma federação hegemonizada pelo PT não pode enfraquecer o poder de barganha do PSB.

Se – como defende Guimarães – “temos que agregar outras forças de centro”, “temos que atrair o Alckmin, temos que sentar com o PSD do Gilberto Kassab”, “com várias forças, ainda que não seja coligações formais”, então nas contas de Siqueira o PSB pode terminar perdendo importância se estiver amarrado numa federação hegemonizada pelo PT.

Por isso, para ele não bastam as concessões feitas até agora – concessões que nós, petistas contrários à federação, são suficientemente inaceitáveis. Para Siqueira é preciso muito mais. E é preciso demonstrar publicamente "quem manda".

Não sei se Guimarães e outros defensores da federação estão dispostos a pagar o preço exigido pelo presidente do PSB. Na entrevista Guimarães falou duro: “Quem não quiser não vai. Quem não quiser não vai [repete]. Não estamos pedindo favor a ninguém para compor a federação”.

Mas ao mesmo tempo repetiu o mantra: “A federação é uma necessidade estratégica para o país. E o interesse é nacional, não pode ser interesse menor desse ou daquele partido. Até porque se fôssemos levar em consideração só esse negócio de deputado, o PT pode fazer uma baita campanha de legenda e, pela força que o Lula tem hoje, aumentar fortemente a sua bancada, com federação ou sem federação”.

Notem: "com ou sem federação", o PT pode aumentar fortemente a sua bancada.

Eu complementaria: havendo federação, parte deste aumento vai ser transferido para os partidos federados.

Mas o principal é o seguinte: se “a federação é uma necessidade estratégica”, então está dada a senha para o PT sacrificar seus interesses “menores” no altar do PSB, digo, da pátria.

Por isso, embora aplauda as palavras duras de Guimarães, considero que o risco continua posto.

E na origem do risco estão duas ideias erradas.

A primeira é velha: a de organizar a governabilidade principalmente em torno de maiorias congressuais.

A segunda é nova: achar que uma “federação” vai contribuir de maneira transcendental para a governabilidade.

As contas de Guimarães são curiosas: “A federação é um instrumento (...) para ajudar a mudar a correlação de forças no Congresso. Com 130 deputados [atual tamanho da esquerda], ninguém consegue praticamente nada. É preciso ter de 180 a 200 deputados [de um total de 513], essa é a meta. Se não for isso é conversa fiada e a gente não muda a realidade”.

Com 130, praticamente nada.

Com 180 a 200, mudamos a realidade.

É óbvio que a suposição é que estes 180 a 200 vão atrair “por gravidade” o que falta para chegar na maioria (257).

Pode ser. Pode. Como também pode dar tudo errado, por diversos fatores. 

Mas na dúvida, há uma única coisa certa nisto tudo: o PT é o núcleo duro de qualquer movimento exitoso (seja eleitoral, de governabilidade congressual, de sustentação popular etc.)

A federação atualmente em discussão – como está sendo demonstrado pelos fatos – só vai acontecer se o PT pagar uma conta que o enfraquecerá demasiadamente.

E reduzir a força do PT vai levar, mais cedo ou mais tarde, a desmontar todo o resto, inclusive os planos de “governabilidade”.

Essa foi a experiência de nosso período na presidência da República.

Por isso, diferente de Guimarães, considero que “estratégico” não é a federação; estratégico é o PT.

Siqueira sabe disso. E por isso nos ataca.

Por fim: como diz o próprio Guimarães, não ter federação não interdita a construção do palanque com o Lula.

E não se deve fazer aliança “a ferro e fogo”. Nem no Ceará, nem em nenhum lugar.

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 A ENTREVISTA DE Carlos Siqueira

Presidente do PSB cobra reciprocidade do PT e admite riscos a federação

Givaldo Barbosa/Agência O Globo

As conversas entre PT, PSB, PV e PC do B parecem estar avançando no sentido de vocês formarem uma federação, mas ainda existem impasses estaduais. Hoje, de 0 a 10, qual a chance o sr. vê de a federação sair até março? Você disse que está avançando, eu diria que está apenas sendo discutida. Não há avanço nem retrocesso.

O que há é a discussão de como essa federação funcionará. E essas normas têm um centro, que é o comando da federação.

Hoje, a proposta do PT é que numa assembleia de 50, que decidirá todas as questões fundamentais da federação, o PT tenha 27, sugere 15 para o PSB, 4 para o PC do B e 4 para o PV. Ou seja, o PT fica com a maioria.

Nada obstante o quórum ser qualificado de dois terços [para tomar decisões], obviamente que quem tem 27 tem mais condições de chegar a dois terços do que quem tem 15, que é o que nos competirá se entrarmos na federação.

Então, a questão da federação não está diretamente ligada às questões estaduais, das candidaturas em que queremos o apoio do PT.

São conversas que caminham em paralelo, então. São coisas distintas, muito embora o que for definido sobre os governos estaduais tenha uma repercussão também sobre a decisão que vamos tomar sobre a federação.

O essencial a ser examinado é se o PSB quer continuar tendo sua política e decidindo as coisas essenciais ou [se quer estar] numa estrutura que tem essa configuração com a maioria de um partido. [Tem que decidir se] deseja entregar o seu destino a essa federação.

Essa é a discussão que tem de ser processada no âmbito do PSB e dos outros partidos.

Não há como o PT não ter 27? O PT tem suas razões, nós reconhecemos, de ter essa quantidade. O PSB, por seu turno, admite a discussão, mas ainda não há decisão [do partido].

Ademais, tem o problema do tempo. O TSE achou que devia desconhecer o prazo que o Congresso estabeleceu em lei, que é agosto, e estabeleceu um prazo demasiadamente curto [os partidos têm até 1º de março para registrar federações] para se processar uma discussão sobre a federação, que precisava ser profunda e com tempo suficiente até março. É muito pouco tempo.

Há como formar esse comando sem o PT ter a maioria? Não. Isso já está estabelecido. Teve discussão. Eu fiz proposta de agregar mais membros ao PSB considerando o número de prefeitos e vereadores que nós temos, que é maior do que o do PT. Mas o PT mantém a proposta deles e vamos examinar se convém ou não.

O que há para ser feito, então, sobre a composição? É compreensível que o PT queira ter um número maior de representantes na assembleia, mas não precisa ser tanto. Isso pode ser melhorado se eles refletirem e concluírem que precisa ter um equilíbrio na composição. Por isso eu proponho que se agregue a questão dos prefeitos. Isso daria um equilíbrio a todos.

Se o PSB fechar a federação, significa perder autonomia sobre o próprio partido? Nesses termos, com essa composição, sim. Nos termos que estão estabelecidos, não tenho dúvida que o partido perde muito da sua autonomia sobre questões essenciais, sobretudo no plano eleitoral. Mas a matéria está em discussão, vamos ver se ela progride.

Então a decisão passa por decidir se vão perder ou não autonomia? Mantida essa composição, sim. Se não mudar a composição, vai ter muita dificuldade de aprovar a federação no âmbito do diretório nacional do PSB.

O sr. vai levar a discussão ao diretório nacional quando? Quando ela acabar entre os partidos. Não se trata do quórum qualificado [para tomar decisões], mas do peso que cada um terá.

Pessoalmente, o sr. acha que é bom para o PSB entrar na federação? Eu tenho procurado, pelo menos publicamente, não me posicionar a esse respeito, porque dentro do partido há divergências. Nessa fase quero apenas colher as opiniões e formar minha convicção para convocar o diretório nacional.

Sobre os palanques estaduais, que é uma questão que corre em paralelo... Sim. Nós já estamos apoiando o PT para quatro governos estaduais. Apoiamos o candidato ao governador na Bahia, no Piauí, em Sergipe e no Rio Grande do Norte.

O PT tem sinalizado com dois estados só até agora: Pernambuco e Rio de Janeiro. Mas nós temos cinco demandas para eles [e queremos o apoio em] São Paulo, Rio Grande do Sul e Espírito Santo.

No Rio Grande do Sul, o sr. recebeu sinalização de que ele vai apoiá-los? Não. Mas espero que eles cedam em tudo. Na política tem uma coisa que se chama reciprocidade.

Em São Paulo, que é o palanque tido como mais complicado, vocês não cogitam abrir mão da candidatura do Márcio França (PSB-SP)? Não. Eu já disse e reitero sempre: ele só não será candidato se ele não desejar. E no momento ele deseja. Acho ainda mais. Que ele tem melhores condições eleitorais do que o próprio [Fernando] Haddad.

Lula tem dito que vê chance real de o PT ganhar e uma das razões é que Haddad pontua na frente do França nas pesquisas. Isso não é um sintoma de que Haddad de fato está melhor? Eu respeito muito a opinião do presidente Lula, mas ele também achava isso no Recife, que a candidata dele [Marília Arraes (PT-PE)] ganharia a eleição para a prefeitura do Recife no ano passado. E ela perdeu com 100 mil votos de diferença do nosso, do prefeito João Campos (PSB-PE).

Política não é matemática. Política se faz com vários fatores que vão muito além de pesquisas.

Isso pode ser um problema nas eleições municipais. Nós temos geralmente nas eleições de 1.000 a 1.100 candidatos a prefeito e elegemos 250 prefeitos. O PT elegeu 180. Não sabemos onde haverá conflito, mas isso ocorrerá provavelmente nas grandes cidades. E pode acontecer com o PV e com o PC do B.

Tem de haver regras que possam garantir a candidatura nata à reeleição de todos os 250 prefeitos do PSB. E eu fiz essa proposta, inicialmente o PT discordou, mas depois admitiu consultar.

Agora, em termos de aliança, já está decidido que o PSB apoiará o ex-presidente Lula? Não está decidido, mas é o mais provável. Por isso estamos trabalhando fortemente porque consideramos que o ex-presidente Lula reúne as condições para derrotar Bolsonaro e pregamos que a frente não pode ficar restrita à esquerda. A frente tem de ampliar para o centro.

Vocês têm conversado sobre indicar o vice caso o ex-governador Geraldo Alckmin se filie ao PSB. Soube que ele esteve com integrantes do PSB nesta semana. Ele mandou sinal de fumaça que vai se filiar? Ele esteve conosco, fizemos o convite. Sabemos que temos divergências sobre alguns assuntos, mas nessas circunstâncias achamos simbólico acenar para um campo político que não é o nosso, que é o centro político, que precisa ser conquistado.

O PSD também deveria fazer parte da frente, na sua avaliação? Sim.

O PSB abriria mão da filiação do Alckmin para que ele fosse ao PSD, se essa possibilidade existir? Não podemos abrir mão da filiação do Alckmin porque nós convidamos e temos palavra. Agora, se ele vai ser convidado para ser vice, não cabe ao PSB, cabe ao PT.

O sr. acha que o PT está subindo no salto ao não ceder já em alguns estados? Eu não sou muito apreciador da expressão salto alto. Temos relações com o PT que são antigas e remonta ao ano de 1989.

Em todas as eleições seguintes nós os apoiamos no primeiro turno ou no segundo. É bom que se lembre que política é uma parceria de mão dupla. De mão única, acaba dando uma trombada.

Nós esperamos que eles nos apoiem nos cinco estados que demandamos.

E no Espírito Santo? Nós demandamos apoio ao governador Renato Casagrande. Eu pensei que estava bem encaminhado, mas nesta semana eu mandei para a presidente do PT Gleisi [Hoffmann (PR)] uma matéria do senador Fabiano Contarato (PT-ES) se apresentando como candidato. É preciso que o PT adote as providências para viabilizar esse apoio.

Em meio às discussões com o PT, ouvimos que o sr. estaria contrariado com declarações que Marcelo Freixo (PSB) teria dado de apoio a Haddad em São Paulo. O sr. conversou com ele? Ele esteve esta semana comigo, conversamos. Eu expressei publicamente não só a minha opinião, mas expressei uma certa indignação que houve de muitas pessoas no PSB, que acharam inadmissível a declaração dele.

Ele diz que foi invenção da jornalista, mas a verdade é que não houve um desmentido no dia seguinte sobre a matéria.

Qual a vantagem de formar a federação, se existem tantos impasses? A federação se torna um instrumento poderoso eleitoralmente nessas eleições, para eleger, no caso do PSB, mais três ou quatro deputados, não mais que isso.

Tem de se examinar se essa vantagem é suficiente para entrar na federação ou não. Porque eu não consigo ver outras vantagens para o futuro.

Apesar disso, estou esperançoso que tanto o PT e os demais partidos reflitam sobre as dificuldades para fechar a federação e aprovem regras que são democráticas e aceitáveis.

A ENTREVISTA DE JOSÉ GUIMARÃES

PT não aceita pito nem considera federação com PSB essencial, afirma deputado

O presidente do PSB manifestou preocupação de o PT tentar ter a hegemonia em uma eventual federação. Como o partido irá contornar essa insatisfação? O PT não iniciou o debate sobre federação somente por questões eleitorais. O PT entende que a federação é um instrumento que pode ser fundamental para alterar a correlação de forças dentro do Congresso, com um bloco de esquerda, centro esquerda, que seja capaz de iniciar uma nova governabilidade congressual.

Agora, nós não fomos procurar nenhum desses partidos para fazer federação. Nós iniciamos o debate a partir da solicitação deles, e não tem nada definido. Portanto, se um dos partidos discorda de uma ou outra tese do PT, se discute isso internamente.

O PT não vai resolver nada das federações pelas páginas de jornais ou recebendo pito desse ou daquele partido. O PT tem história, tem maturidade.

Esse tipo de posição do presidente do PSB não ajuda, só atrapalha, e complica fortemente aquele desejo que é quase unânime na bancada de deputados do PSB e de muitos deputados do PT.

O PT não estaria obtendo apoio ao presidente Lula sem dar algo relevante em troca? No debate que fizemos com os quatro partidos sobre o estatuto da federação foi colocado um critério para respeitar o tamanho dos partidos, tamanho do Congresso, ninguém pode querer ser mais do que outro se não tem voto para isso.

Mas em número de prefeitos o PSB é maior. Eleição municipal é outra coisa, em federação você parte do princípio nacional. Nós levantamos essa ideia, e PV e PC do B concordaram. Mas nem batemos o martelo porque não tem definição sobre a federação. Se o Siqueira discorda, que ele diga na reunião, que ele converse conosco.

Mas ele não manifestou isso a vocês, em reuniões? Ele manifestou na reunião, eu estava nela, e eu tinha entendido que havia um consenso que se respeitasse o princípio da proporcionalidade. Ninguém tira tamanho dos partidos por decreto. O partido tem representatividade social, tem voto. O PT é do seu tamanho e é desse tamanho que nós vamos para a eleição.O PT, então, não abre mão dessa proporcionalidade? O PT não vai abrir mão de seu tamanho, porque estaríamos incorrendo em um erro grave. É um tamanho dado pelas urnas, não é por decreto. É o tamanho das bancadas no Congresso que decide Fundo Eleitoral, Fundo Partidário, liderança no Congresso.

Essa ideia de que o PT quer hegemonizar... passamos 2021 com um espírito de boa vontade tamanho que temos dois líderes no Congresso que são do PSB, o Alessandro Molon [líder da oposição] e o Marcelo Freixo [líder da minoria].

O PSB vai participar da federação com o seu tamanho, o PT com o seu tamanho, o PV com o seu tamanho, o PC do B com o seu tamanho. Isso é respeito e reconhecimento do que o eleitor decidiu na última eleição e poderá decidir na próxima. E temos que agregar outras forças de centro.

Temos que atrair o Alckmin, temos que sentar com o PSD do Gilberto Kassab. E com várias forças, ainda que não seja coligações formais. Temos vários palanques estaduais com o MDB, como no Pará, em Alagoas.

​O PSB argumenta só ter pedido apoio a seus candidatos em cinco estados, incluindo São Paulo. O que o PT está disposto a ceder? Veja bem, Humberto Costa acabou de fazer um baita de um gesto. Renunciou a uma candidatura que está em primeiro lugar ao Governo de Pernambuco [em apoio ao nome do PSB]. Isso não conta?

Eu já falei para o Siqueira: no Espírito Santo é só o governador Renato Casagrande apoiar o Lula. Ele não declarou apoio ainda, como vamos apoiar um cara se você não sabe se ele apoia o Moro ou o Lula? Na hora que ele se dispuser a sentar com o PT, respeitando o PT e declarando apoio ao Lula, estaremos no palanque do Casagrande no Espírito Santo.

Com o Freixo [pré-candidato do PSB ao governo do Rio], já tínhamos discutido lá atrás [apoiar]. No Rio Grande do Sul nós vamos discutir lá na frente. O PT tem um bom candidato [Edegar Pretto], o PSB também [Beto Albuquerque], tem a Manuela D'Ávila [PC do B], então até sugerimos que esses três partidos sentassem para discutir o melhor caminho, para se unificar.

E em São Paulo? O Fernando Haddad foi nosso candidato à Presidência [em 2018], se colocou como alternativa. É o candidato do PT, como o PSB diz que tem candidato, o Márcio França. Eu defendo a ideia de que em São Paulo devemos unir Haddad, Márcio França, Guilherme Boulos [PSOL] e Geraldo Alckmin [ex-PSDB, que negocia ser vice de Lula].

Se esses quatro personagens tiverem grandeza política e tiverem compromisso com o estado de São Paulo, nós podemos ganhar a eleição. E vamos analisar qual é o melhor nome para ganhar, qual é o nome mais forte. Isso é que tem que considerar, e não impor nome A ou B.

Evidentemente, e aí falo a você com todas as letras, o PT dificilmente deixará de ter candidato a governador de São Paulo, pelo que representa o Haddad. Agora, isso é motivo para não sair a federação? Não. Isso é motivo para ter dificuldade para apoiar o Lula? Não. Nós vamos ter que administrar.

Acho que São Paulo é um emblema, e eles sabem da nossa opinião. E nós nunca fomos externar publicamente nenhuma posição de desrespeito com o Márcio França. Eu acho que quando o Siqueira fala do Haddad é um pouco de falta de respeito. O Haddad é um quadro extraordinário da política brasileira, assim como é o Boulos, o Márcio França. Tínhamos todas as razões pretéritas para reclamar, mas não vamos fazer em respeito à história de cada partido e cada candidato.

Quais razões pretéritas? Na eleição passada, o Márcio França não quis o apoio do PT quando disputou com o João Doria [PSDB]. Mas não vamos ficar... Veja bem, essa eleição é não é trivial, é diferente. Temos que interditar essa ameaça que ronda o Brasil, que é o Bolsonaro. Portanto as forças que têm algum compromisso com a democracia têm que estar juntas. E o nome que pode somar, aglutinar e liderar isso, é o Lula.

Qual foi a repercussão da entrevista do Siqueira dentro do partido? Pelo que nós representamos, pelo que nós somos, evidentemente que a militância não aceita que alguém de outro partido fique dando pito no PT. 'Faça isso senão não vou...' Quem não quiser não vai. Quem não quiser não vai [repete]. Não estamos pedindo favor a ninguém para compor a federação.

A federação é uma necessidade estratégica para o país. E o interesse é nacional, não pode ser interesse menor desse ou daquele partido. Até porque se fôssemos levar em consideração só esse negócio de deputado, o PT pode fazer uma baita campanha de legenda e, pela força que o Lula tem hoje, aumentar fortemente a sua bancada, com federação ou sem federação.

A federação é um instrumento que eu vejo para ajudar a mudar a correlação de forças no Congresso. Com 130 deputados [atual tamanho da esquerda], ninguém consegue praticamente nada. É preciso ter de 180 a 200 deputados [de um total de 513], essa é a meta. Se não for isso é conversa fiada e a gente não muda a realidade.

Como Lula e a Gleisi [Hoffmann, presidente do partido] receberam as cobranças que ele [Siqueira] fez? Com surpresa. Eu não falei com o presidente Lula, falei com a Gleisi. Ficamos, primeiro, com surpresa. E uma certa indignação. Temos tratado o PSB com o máximo de respeito. Nunca levamos para imprensa as divergências e os problemas que acontecem nas reuniões com os quatro partidos.

Essa conduta a gente vai manter. Estamos respondendo por conta de uma exigência partidária. Há um ambiente que, pela responsabilidade que nós temos, que eu tenho, como vice-presidente nacional do PT, não poderia silenciar frente ao que foi dito, por meio da imprensa. E não é a primeira vez.

O sr., então, considera importante a federação, mas não acha que seja fundamental para o PT? Não tem problema se não sair. E não é com imposição de ninguém que nós vamos ou não para federação.

E queria dizer que tudo isso que ele disse e que eu estou falando também não é motivo para interditar o diálogo, interditar a construção do palanque com o Lula, que é a centralidade da esquerda, interditar o debate com a federação. Não adianta governos estaduais se não tivermos uma mudança profunda nesse ambiente político que o Bolsonaro representa.

No Ceará, o PT de Lula e o PDT de Ciro Gomes seguirão unidos? A tendência aqui [Ceará] é manter a aliança em torno do Camilo Santana [atual governador, do PT] para o Senado, escolhendo um nome para governador que contemple não só o PT, mas o PDT.

Mesmo com as críticas que Ciro faz a Lula e ao PT? São críticas desrespeitosas, infundadas, e que só atrapalham a nossa aliança no Ceará. Nós temos evidentemente considerado isso, não vamos fazer aliança no Ceará a ferro e fogo. São as contradições da política, mas nós, do PT, não vamos nos render a nada. Para nós do PT do Ceará é Lula, Camilo e aumentar a nossa bancada.