sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Ministério Lula 2023: considerações preliminares

O cavernícola, naquela que foi por ele mesmo anunciada como sendo a “última live do ano”, pediu para comparar seu ministério com o de Lula.

Comparação feita, o de Lula ganha em todos os quesitos. Aliás, se há algo que pode ser considerado profundamente negativo no ministério que tomará posse em 2023, é exatamente devido a presença de uns poucos ministros que possuem algum tipo de vínculo com o cavernícola.

Entretanto, o ministério de Lula será julgado não pela comparação com o passado, mas sim pelo que venha a fazer. E, no que diz respeito ao futuro, há muitas variáveis em aberto e toda conclusão que tirarmos agora será necessariamente parcial e preliminar.

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Feito este alerta e antes de fazermos os tais comentários parciais e preliminares, repassemos a nominata de ministros e ministras, tomando como base as informações divulgadas pelo site do PT (https://pt.org.br/saiba-quem-sao-os-ministros-e-as-ministras-do-novo-governo-lula/), com alguns adendos de minha responsabilidade.

1.Casa Civil: Rui Costa, ex-governador da Bahia.

2.Gabinete de Segurança Institucional: Gonçalves Dias (MA), general da reserva.

3.Secretaria de Comunicação Social: Paulo Pimenta, deputado federal pelo PT-RS

4.Secretaria de Relações Institucionais: Alexandre Padilha, deputado federal pelo PT-SP

5.Secretaria-geral: Márcio Macedo, vice-presidente nacional do PT, ex-deputado federal pelo PT-SE

6.Advocacia-Geral da União: Jorge Messias (PE), foi subchefe para assuntos jurídicos da Casa Civil, de 2015 a 2016, no governo de Dilma Rousseff. Vinculado ao PT.

7.Controladoria-Geral da União: Vinicius Carvalho (SP), foi Presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) de 2012 a 2016. Vinculado ao PT.

8.Ministério da Agricultura e Pecuária: Carlos Fávaro, senador pelo PSD do MT.

9.Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação: Luciana Santos (PE), presidenta nacional do PCdoB.

10.Ministério da Cultura: Margareth Menezes (BA), cantora e fundadora do selo Estrela do Mar Records e da Associação Fábrica Cultural.

11.Ministério da Defesa: José Múcio Monteiro (PE), foi ministro entre 2007 e 2009 e ocupou a presidência do Tribunal de Contas da União (TCU).

12.Ministério da Fazenda: Fernando Haddad (SP)

13.Ministério da Educação: Camillo Santana (PT), ex-governador do Ceará e senador eleito em 2022.

14.Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos: Esther Dweck (RJ), economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Vinculada ao PT.

15.Ministério da Igualdade Racial (MIR): Anielle Franco (RJ), jornalista e diretora do Instituto Marielle Franco.

16.Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (SP, ex-PSDB, filiado ao PSB, vice-presidente da República)

17.Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional: Waldez Goés, filiado ao PDT e governador do Amapá até o final de 2022.

18.Ministério da Justiça e Segurança Pública: Flávio Dino (MA), ex-governador do Maranhão e senador eleito em 2022.

19.Ministério da Pesca e Aquicultura: André de Paula (PE). Por algum lapso o site do PT não informa, mas o referido ministro é atualmente deputado federal pelo PSD e, em entrevista à imprensa, afirmou que a Operação Lava Jato seria “intocável”.



20.Ministério da Previdência Social: Carlos Lupi (RJ), presidente nacional do PDT.

21.Ministério da Saúde (MS): Nísia Trindade (RJ). Presidenta da Fiocruz desde 2017. Próxima ao PT.

22.Ministério das Cidades: Jáder Filho, presidente do MDB do Pará.

23.Ministério das Comunicações: Juscelino Filho, deputado federal pelo União Brasil do Maranhão. Votou pelo impeachment de Dilma, comemorou a prisão de Lula e fez parte da base de Bolsonaro.



24.Ministério das Relações Exteriores: Mauro Vieira. Foi embaixador na Argentina e nos Estados Unidos e chanceler do governo federal em 2015.

25.Ministério de Minas e Energia: Alexandre Silveira, senador pelo PSD de MG.

26.Ministério das Mulheres: Cida Gonçalves (PT). Foi secretária nacional do Enfrentamento à Violência contra a Mulher nos governos Lula e Dilma.

27.Ministério de Portos e Aeroportos: Marcio França. Foi governador de São Paulo, prefeito de São Vicente, deputado federal e é presidente da Fundação João Mangabeira do PSB.

28.Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar: Paulo Teixeira, deputado federal pelo PT de SP.

29.Ministério do Desenvolvimento Social, Assistência, Família e Combate à Fome: Wellington Dias. Foi por quatro vezes governador do Piauí e eleito duas vezes senador pelo Estado. Foi deputado federal e estadual.

30.Ministério do Esporte: Ana Moser (SC), voleibolista e campeã olímpica.

31.Ministério do Meio Ambiente: Marina Silva, nascida no Acre, onde foi senadora, ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula, é atualmente deputada federal pela Rede de SP.

32.Ministério do Planejamento e Orçamento: Simone Tebet, senadora pelo MDB do MS.

33.Ministério do Trabalho e Emprego: Luiz Marinho. Foi ministro do Trabalho e Previdência, prefeito de São Bernardo do Campo e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Atualmente é deputado federal do PT-SP.

34.Ministério do Turismo: Daniela do Waguinho é deputada federal pelo União Brasil do RJ. O Waguinho de seu nome refere-se ao prefeito de São Gonçalo, apelidado carinhosamente de “malandro” por um vice-presidente nacional do PT. Nas eleições de 2022, Bolsonaro teve 54% dos votos no primeiro turno e 60% dos votos no segundo turno. Que cada um tire suas próprias conclusões.

35.Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania: Silvio Almeida (SP), professor e presidente do Instituto Luiz Gama.

36.Ministério dos Povos Indígenas: Sonia Guajajara, nascida no Maranhão e eleita deputada federal pelo PSol-SP.

37. Ministério dos Transportes: Renan Filho, senador pelo MDB de Alagoas.

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Não são ministros, mas poderiam entrar nesta lista o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, atualmente presidente da Fundação Perseu Abramo; a presidenta do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros; a presidenta da Caixa Econômica Federal, Maria Rita Serrano; o presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, senador (PT-RN). Destaque-se, ainda, Marcelo Freixo (ex-PT, ex-PSOL e agora ex-PSB) na Embratur e Joênia Wapichana (deputada federal REDE RR) na FUNAI.

Finalmente, há que considerar como parte da cúpula de fato do governo o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE); o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (REDE-AP).

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Repassada a nominata, vejamos algumas características do ministério, ressalvada alguma imprecisão:

-11 mulheres e 26 homens, portanto mais de 2/3 de homens;

-esmagadora maioria de brancos (31 dos 37);

-15 dos 37 têm sua base de atividade política e/ou profissional em algum estado do sudeste, sendo 9 de São Paulo, 5 do Rio de Janeiro e 1 de Minas Gerais;

-11 dos 37 tem sua base de atividade política e/ou profissional em algum estado do nordeste, sendo que cada estado da região tem pelo menos um representante no ministério;

-3 dos 37 tem sua base de atividade política em estados do centro-oeste (MS e MT);

-2 dos 37 tem sua base de atividade política em estados do Norte (PA e AP);

-1 dos 37 tem sua base de atividade política em estados do Sul (RS);

-5 desenvolvem atividades profissionais aparentemente desvinculadas de seu estado de nascimento ou moradia;

-17 dos 37 são petistas de carteirinhas ou vinculados à Nação petista;

-3 do PSB;

-3 do MDB;

-3 do PSD;

-2 do União Brasil (o partido, entretanto, não se considera parte da base do governo);

-2 do PDT (embora na verdade 1 destes tenha sido bancado por David Alcolumbre, portanto pelo União Brasil, que de fato tem três cadeiras no ministério);

-1 do PCdoB;

-1 da Rede;

-1 do PSOL (o partido, entretanto, não se considera oficialmente representado no governo);

-vários senadores e deputados eleitos, que terão que tomar posse em seus mandatos e se licenciar;

-no caso dos petistas de carteirinha, são quase todos do grupo majoritário ou de seus aliados. Um único ministro petista não votou na atual presidenta nacional do PT no congresso partidário realizado em 2019. Ainda no caso do PT, chama a atenção a ausência de um petista de Minas Gerais, único estado do sudeste onde Lula venceu as eleições no primeiro e no segundo turno.

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Dada a tática eleitoral e a política de alianças adotada, mais o fato de o presidente ter sido eleito em segundo turno, tendo que conviver com um Congresso majoritariamente de direita, estava precificado que o ministério realmente existente não seria o de nossos sonhos. Entre outros motivos porque se decidiu que haveria no ministério gente oriunda de partidos que não apoiaram Lula no primeiro turno e nem mesmo no segundo turno.

Curiosamente, muitos dos que mantiveram silêncio obsequioso ou inclusive apoiaram com entusiasmo as mais amplas alianças, só agora parecem estar se dando conta dos efeitos colaterais das decisões tomadas no primeiro semestre de 2022.

Entretanto, “ter a presença de” não significa ter a presença de qualquer um, em qualquer lugar. Neste sentido, mesmo nos marcos da política adotada e das circunstâncias, outras soluções eram possíveis.

Tebet, por exemplo, queria ter mais do que levou e levou mais do que merecia. Afinal, as candidaturas da terceira via contribuíram e muito para a disputa ir ao segundo turno. E sua contribuição no turno final foi menor do que a propagandeada.

Mas o caso mais grave de concessão indevida é o das Comunicações, cuja titularidade foi entregue a um deputado federal que votou pelo impeachment de Dilma, comemorou a prisão de Lula e fez parte da base de Bolsonaro. Há outros casos graves, por óbvio, mas o caso das Comunicações transcende, não só por quem é e pelo que fez, mas principalmente pelo tamanho do presente que recebeu.

Entregar a este tipo de gente o ministério da Comunicações foi um grave erro estratégico. Agradecimentos a quem teve a luz de manter separados o Ministério das Comunicações e a Secretaria de comunicação social: não fora isto, o dano teria sido ainda maior.

Ademais das Comunicações, outro grave erro estratégico foi cometido na Defesa: o ministro e os seus comandantes foram escolhidos "ao gosto do freguês". Com esta gente, não será dado um único passo no sentido de superar a tutela militar, variável que ajuda a entender o que está ocorrendo na frente e principalmente dentro dos quarteis.

Neste caso se percebe o desdobramento de um erro grave de muitos setores do próprio PT, setores que escolheram abrir mão de disputar os rumos do programa na área da Defesa, quando ele ainda estava sendo discutido internamente ao Partido. Não houve debate nem formulação sobre Defesa no PT, não houve no âmbito da Federação, não houve no âmbito da coligação, não houve na transição e um dos efeitos colaterais disto tudo é este ministro da Defesa e os três comandantes militares. 

Isto posto, cabe perguntar: este ministério será capaz de contribuir para fechar as várias portas do inferno? Este ministério será capaz de contribuir para abrir as várias portas do paraíso?

Lembrando quais são as portas do inferno que precisam ser fechadas: a da extrema-direita, a da tutela militar, a da tutela do centrão, a do neoliberalismo, a do imperialismo.

Lembrando quais são as portas do paraíso que precisam ser abertas: a do bem-estar social, a da soberania nacional, a das liberdades democráticas, a do desenvolvimento de novo tipo.

Respondendo à pergunta feita anteriormente: sim; a maioria dos ministros e ministras indicadas até agora, maioria que é de petistas e aliados efetivamente de esquerda, pode contribuir nos dois sentidos.

Se o farão ou não, dependerá de circunstâncias que transcendem a pessoa indicada: a composição do conjunto de cada ministério, inclusive nos estados; as políticas que cada ministério vai implementar e a ação do governo como um todo; o curso geral da luta entre classes no país, para a qual o governo contribui, mas na qual a esquerda partidária e social tem muito o que dizer e fazer; e o curso geral da luta entre Estados no mundo.

Noutras palavras: estamos diante de um governo em disputa.

Aliás, uma curiosidade: esta definição (“governo em disputa”) foi utilizada por alguns setores do Partido já em 2003. Naquela época, entretanto, o grupo majoritário do PT e, também, parte da esquerda do PT recusavam o termo. Os primeiros entendiam que o governo era, de conjunto, o máximo possível; já os segundos achavam que o governo era, de conjunto, o mínimo possível. Hoje, vinte anos depois, a maioria dos partidos de esquerda que apoiaram Lula admite, explicita ou implicitamente, que estamos diante de um governo em disputa.

Mas se é assim, é possível desde já tirar algumas conclusões, entre as quais as seguintes.

Primeiro: este ministério é o ponto de partida, mas não pode nem deve ser o ponto de chegada. Especificamente nas Comunicações e na Defesa, outros ministros são possíveis e necessários. E compete a esquerda, mesmo sem ter a titularidade dos ministérios, disputar publicamente o rumo das respectivas políticas públicas (é bom lembrar que Defesa é uma política pública).

Segundo: os ministérios que estão nas mãos de aliados de direita e outros não muito confiáveis podem ser instrumentos do governo para disputar os adversários, mas também podem ser instrumentos dos adversários para disputar o governo. O caso da Tebet demonstrou isto: o esforço para engordar os poderes do Planejamento tinha como objetivo interferir na política econômica. Por isso, novamente, cabe disputar publicamente o rumo das respectivas políticas públicas.

Terceiro: o fato de um ministério ter como titular alguém de esquerda não significa, por si só, a garantia de que o programa será executado. O caso das nomeações feitas, inicialmente, por Flávio Dino para a PRF e para a área de presídios demonstrou o tamanho do risco que corremos. Assim, também nesses casos, nos cabe orar e vigiar. E, como sugeriu publicamente o presidente Lula, criticar sempre que necessário.

Quarto: não temos todo o tempo do mundo. No plano da institucionalidade, seremos testados nas eleições municipais de 2024, para a qual precisamos nos preparar desde já. Mas no plano da vida cotidiana do povo e no terreno da guerra cultural, a batalha será permanente e, de fato, já começou.

Não sabemos como o presidente Lula vai organizar a gestão do seu terceiro mandato, por exemplo se haverá um núcleo político que contribua junto ao presidente na condução política do governo. Mas no que diz respeito ao PT, é imprescindível que nosso partido dê um salto de qualidade na condução da sua própria atuação política. Claro que tem muita gente satisfeita com as coisas como estão, assim como tem muita gente que acha que o autoelogio é a melhor forma de exorcizar os problemas. Mas é impossível não perceber o volume de problemas acumulados e, principalmente, as novas pedreiras que já estão se formando.

Assim sendo, vamos aproveitar e muito a festa da virada de ano, pois 2023 será de muito trabalho e luta.

TEXTO SEM REVISÃO E SUJEITO A ALTERAÇÕES

 

 

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

O PCO, meu irmão e meu avô

O PCO publicou uma nota replicando o que eu disse na seguinte postagem: Valter Pomar: PCO: alguém sabe explicar como se produz esse tipo de análise?


Li e reli a réplica do PCO e sigo sem entender como alguém considera "feio e burocrático" o futebol exibido na partida final da Copa, entre França e Argentina. Sigo sem compreender, também, a paixão para-além-do-futebol do PCO por Neymar, mas isso não está em pauta nesse momento. Portanto, por mais que eu tenha vontade de debater os "argumentos" apresentados na tal réplica, o fato é que eles não têm nada que ver com o ponto que deu origem à polêmica. 

Isto posto, já que o PCO critica os "bem-pensantes" que "não têm a menor ideia do que falam", aproveito para pedir uma pequena correção: ao contrário do que diz o jornal, meu irmão não foi assassinado pela ditadura. Meu irmão está vivo. Quem foi assassinado pela ditadura foi meu avô. Que ambos tenham Pedro como primeiro e Pomar como último nome talvez explique, mas não justifica o erro.

Claro, erros assim acontecem aos melhores jornais. Aos demais então...

(abaixo, uma "foto" da tal passagem, para guardar como recordação).







segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Uma entrevista com José Guimarães

No dia 11 de fevereiro de 2022, o companheiro José Guimarães concedeu uma entrevista ao blog Manifesto Petista.

Fiz parte da bancada de entrevistadores e considerei a entrevista muito esclarecedora.

Na época muitas pessoas acompanharam a entrevista ao vivo, mas ela não ficou disponível para ser assistida posteriormente.

Hoje, finalmente, ela está disponível, para ser revista ou vista.

Como tanto tempo passou, o que é dito não terá nenhum efeito prático sobre os acontecimentos. Mas serve como registro histórico.

Segue o link: https://youtu.be/4D1TWVKcYcI

11 de FEV, 21h
O PT E AS ELEIÇÕES 2022 NOS ESTADOS COM JOSÉ GUIMARÃES
MANIFESTO PETISTA
Com a bancada do Manifesto Petista: Celso Marcondes, Douglas Martins, José Genoino, Maria Carlotto, Natália Sena, Rita Camacho, Rui Falcão e Valter Pomar


Manifesto Petista
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#manifestopetista #PT #PartidoDosTrabalhadores #socialismo #esquerda #LulaPresidente #antifascista #antifascismo #petista #Lula2022 #governoPT #eleições #lula13


PCO: alguém sabe explicar como se produz esse tipo de análise?


Respostas recebidas até agora, de diferentes pessoas, que não cito por sigilo de fonte:

1/"o PCO virou o MR8 do século XXI";

2/"estão na folha de pagamento do despeitado do Neymar";

3/"não há explicação possível, é uma anomalia"...

4/"acho que, como eu, não assistiram ao jogo e resolveram desqualificar os times, porque afinal, incomum só o PCO";

5/"é um efeito colateral da disputa entre o PCO e sua alma mater argentina, o Partido Obrero";

6/"como diria Guimarães Rosa, não há o que não haja";

7/"o que importa é causar, não importa como";

8/"Produzem esse tipo de análise para que alguém ache estranho e fale da análise.  É simples.  Mesma tática que usa a extrema direita. Aumenta o engajamento e sempre no meio do caminho acham uns poucos jovens ou velhos meio abilolados que pensam ser legal ser diferententão, dono de uma "verdade" extraordinária, que só eles percebem, e acabam que  aderem à seita, servindo como mão de obra gratuita para a empresa de comunicação (...). Simples assim";

9/"PCO sendo PCO, perdeu grande chance de ficar calado";

10/"gente xarope";

11/"Inacreditável"!

FALTAM POUCOS DIAS PARA FECHAR UMA DAS PORTAS DO INFERNO

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 18 de dezembro de 2022, aprovou a seguinte resolução:

1.Um frasista desconhecido cunhou a ideia de que a eleição de Lula não abriria a porta do paraíso, mas pelo menos fecharia a porta do inferno. A imagem é ótima e sintetiza o sentimento de muita gente, especialmente depois que um caminhão de mudança foi visto em frente a morada do cavernícola. Acontece que o inferno da política se assemelha ao de Dante, com seus nove círculos, e muitas portas ainda precisam ser fechadas.

2.A primeira das portas que precisa ser fechada é a da extrema direita. Os bloqueios nas estradas, os acampamentos nos quarteis e os atos de violência cometidos na noite de 12 de dezembro em Brasília (DF) confirmam que o enfrentamento da extrema direita é algo urgente e inescapável, inclusive para garantir que a posse de Lula ocorra em clima de comemoração cívica. Embora seja urgente, derrotar a extrema direita demandará um certo tempo e novas políticas. É preciso compreender que a extrema-direita escolheu "combinar as formas de luta", mantendo uma pata nas instituições, outra pata nas ruas e o rabo na violência sistemática. Contra a violência da extrema direita será preciso luta política, luta ideológica, organização e uma ação permanente para investigar, desarmar, processar, condenar e prender. Parte disto depende, é claro, de uma mudança na postura de grande parte do judiciário e das forças de segurança pública. Será preciso, também, tomar medidas que competem, não ao Estado, mas ao conjunto das organizações e militantes de esquerda. Contra uma direita paramilitar, não basta toga e farda: será preciso, também, um pouco do espírito das torcidas organizadas. Mas a extrema-direita não se limita ao paramilitarismo. Os neofascistas, seus nomeados e seus aliados saíram das eleições 2022 governando estados importantes; controlam parte importante do Congresso nacional, sem falar de prefeituras pelo país afora; e seguirão ocupando cargos na judiciário e no executivo federal, como é o caso do presidente do BC. Por isso, não basta a vitória eleitoral de 2022: se faz necessário impor uma derrota política e institucional completa aos neofascistas, o que supõe por exemplo vencermos as batalhas eleitorais de 2024 e de 2026, nomearmos novos juízes para as cortes supremas e substituirmos todos os indicados por Bolsonaro nos postos de governo. Se faz necessário, também, construir, na maioria da nossa população, uma cultura democrática, popular, socialista, ao mesmo tempo nacionalista e internacionalista, antiimperialista e latinoamericanista. O que não se fará sem alterar as políticas públicas e as estruturas de educação, cultura e comunicação. E se faz necessário, ainda, colocar sob controle democrático as forças de segurança pública e as forças armadas. Deste ponto de vista, aplaudimos a nomeação de Flávio Dino para a Justiça, ao mesmo tempo que enfatizamos a necessidade de retomar a política de defesa dos direitos humanos, de fortalecer o sistema nacional de proteção, de erradicar a tortura, de interromper a violência institucional e o extermínio da juventude negra e pobre, de combater o punitivismo penal, de alterar a política sobre drogas e de revogar as políticas que estimulam o comércio e uso indiscriminado de armas. Por outro lado, afirmamos nossa divergência quanto a nomeação de José Múcio para a Defesa, bem como dos comandantes militares anunciados: o general de Exército Julio Cesar de Arruda, o almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen e o tenente-brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno. Nossa divergência tem um motivo fundamental: com estas nomeações, terá prosseguimento a tutela militar, em tudo e por tudo antagônica a uma democracia que mereça o nome. E, como vimos, a tutela militar é ao mesmo tempo fonte e retaguarda da extrema direita. Portanto, não basta fechar a porta da extrema direita: é preciso fechar, também, a porta da tutela militar.

3.Também resta por ser fechada a porta do Centrão. O Brasil não é parlamentarista. O parlamentarismo foi derrotado no plebiscito de 1993. Desde então, o Brasil teve 8 eleições gerais; em 5 delas a esquerda conquistou a presidência da República, mas não conseguiu maioria no Congresso Nacional. A direita vem utilizando esta maioria congressual para chantagear, sabotar e no limite derrubar a esquerda (como fez em 2016). Na linha de frente desta operação está o chamado Centrão, hoje capitaneado por Arthur Lira (PP-AL). Derrotar o Centrão não é uma operação simples, especialmente neste momento de transição. A rigor, a derrota completa do Centrão exige vencer as próximas eleições congressuais e, ato contínuo, alterar a legislação política e eleitoral por meio dos mecanismos de consulta popular previstos na legislação e por meio de um processo Constituinte. Entretanto, se ainda não temos os meios necessários para impor uma derrota aos nossos inimigos, é preciso pelo menos acumular forças com este objetivo. Desse ponto de vista, consideramos equivocada a tática adotada após o segundo turno: manifestar com vários meses de antecipação o apoio da Federação Brasil Esperança à reeleição de Arthur Lira; dentre as alternativas disponíveis para viabilizar o cumprimento imediato do nosso programa, escolher exatamente aquele que dava mais margem de negociação para o Centrão, o da chamada PEC de transição; depositar expectativas no julgamento do orçamento secreto pelo STF e, frente as dificuldades, comprometer o PT com a resolução das mesas que altera parcialmente o chamado orçamento secreto. Segundo esta resolução das mesas, aprovada na sexta-feira 16 de dezembro, as emendas do relator passam a ter como teto máximo a soma das emendas individuais e de bancada; pelo menos metade das emendas do relator terão que ir para saúde, educação e assistência social; 80% do orçamento secreto será destinado a indicações dos partidos, 15% às indicações das presidências da Câmara e do Senado e 5% serão destinados a indicações do presidente e do relator da Comissão Mista de Orçamento; e as indicações das emendas deverão ser feitas exclusivamente por parlamentares. Evidente que constitui uma redução de danos em relação a situação anterior, mas agora vem com o dano político de ter recebido o apoio oficial da bancada do PT. Depois de tudo o que dissemos contra o orçamento secreto, este tipo de apoio é desmoralizante. Ademais, num momento de tamanha dificuldade orçamentária, é terrível avalizar que 19,4 bilhões de reais sejam destinados para o orçamento agora meio-secreto. Uma alternativa poderia ter sido construída, se desde o início não tivesse prevalecido a tática de ceder primeiro e negociar depois, como fizemos no apoio a reeleição de Lira. Vale lembrar que parte dos que conduziram este processo receberam recursos do chamado orçamento secreto e são suspeitos de terem votado em Lira, na última eleição da Mesa da Câmara. Seja como for, a tutela do Centrão segue sendo uma porta aberta do inferno.

4.Outra porta que ainda precisa ser fechada é a do neoliberalismo. O golpe de 2016 foi conduzida pela direita neoliberal gourmet. A política do governo Temer também foi conduzida pela direita neoliberal gourmet. Derrotada nas urnas por Bolsonaro, a direita gourmet deu apoio – através de suas bancadas parlamentares e através de seus meios de comunicação – à política ultraliberal conduzida por Paulo Guedes. Nas eleições de 2022, os neoliberais apostaram suas fichas em várias candidaturas, inclusive na de Lula, tendo como porta-voz mais vistoso o candidato e agora vice-presidente eleito. E, depois da vitória, fizeram todo tipo de pressão para que ficasse com eles o comando da economia, onde já têm presença garantida através do presidente do Banco Central, nomeado por Bolsonaro e cujo mandato termina em 2024. Ao indicar Fernando Haddad para ministro da Fazenda e Aloizio Mercadante para presidente do BNDES, o presidente Lula deu mais um sinal de que pretende mudar a política econômica. Mas como sabemos pela experiência de 2003-2005, não basta ter um ministro petista, é preciso ter uma política econômica que supere efetivamente o neoliberalismo. Assim, nos somamos aos que comemoram as indicações e seguiremos na luta em favor de políticas capazes de enfrentar e derrotar a ditadura do capital financeiro, do agronegócio e do setor mineral-exportador, contribuindo para a reindustrialização nacional e para a elevação rápida do bem-estar do povo brasileiro. Não há como derrotar o neofascismo, sem derrotar sua fonte: o neoliberalismo. A maneira como está organizada a sociedade brasileira e, como parte disso, a maneira como funciona o Estado brasileiro e seus marcos constitucionais foram incapazes de impedir o surgimento do neofascismo; mais do que isso, chegaram a estimular a onda neofascista, na exata medida em que estimularam o neoliberalismo. Ou alteramos o conjunto da sociedade, inclusive a institucionalidade, ou a ameaça neofascista continuará presente, como aliás o golpismo militarista esteve presente em toda a história republicana brasileira. Neste sentido, não cabe enxergar no bonapartismo judicial uma alternativa idônea contra o neofascismo.

5.Além das portas já citadas – a extrema-direita, a tutela militar, a tutela do Centrão, o neoliberalismo – cabe lembrar da porta do imperialismo. As declarações à imprensa do futuro ministro das Relações Exteriores (que já foi ministro da mesma pasta no governo Dilma) indicam a retomada de uma política multilateral e com ênfase na integração. Isso por óbvio precisa ser saudado como um grande avanço. Mas, evidentemente, 2023 não é 2003 nem 2015. A situação regional é muito tensa, como se pode ver pelos acontecimentos recentes na Argentina e no Peru. E a situação mundial também é muito mais tempestuosa. A guerra entre Ucrânia e Rússia é parte integrante da guerra estratégica entre Estados Unidos e China. O governo brasileiro que toma posse no dia 1 de janeiro de 2023 precisará de uma política nacional e internacional que nos permita, no contexto desta guerra global, converter nossa região num dos polos do mundo. E para isso não basta prestígio diplomático, nem tampouco basta ser um grande exportador de primários; para ser um dos polos do mundo, é necessário poder real, o que inclui capacidade científica, tecnológica, industrial. Deste ponto de vista, trata-se não apenas de retomar o que já foi feito, mas de dar passos além, entre as quais enfatizar a política latino-americana (e não apenas ou principalmente sul-americana) de integração; uma fortíssima politica para a África; e passos concretos para contribuir na superação da hegemonia estadounidense.

6.No dia 18 de dezembro, quando este texto foi debatido, grande parte do ministério do futuro governo Lula ainda não havia sido nomeada. E, evidentemente, tampouco foram nomeados os demais escalões do governo. Além dos nomes citados nos pontos anteriores deste documento, tivemos a nomeação dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Luiz Marinho (Trabalho); e da ministra Margareth Menezes (Cultura). Esperamos que as demais nomeações preservem a presença do PT e dos aliados de esquerda, alcancem a paridade e garantam uma presença de negros e negras correspondente a composição étnica de nosso país, assim como nosso diversidade regional e a necessidade de projetar quadros das novas gerações. Entretanto, para além da composição do governo, é preciso ficar atento para a necessidade de fortalecer a capacidade política e organizativa do movimento sindical, dos movimentos populares e dos partidos de esquerda, a começar pelo PT. Afinal, se por um lado o PT mais uma vez reafirmou sua condição de partido de massas, sem o qual não haveria vitória contra o neofascismo; por outro lado também é verdade que em nosso Partido acumulam-se problemas e debilidades imensas. Vamos lembrar que ganhamos quatro eleições presidenciais, mas não fomos capazes de impedir o golpe de 2016. Também pensando nisso, é preciso adotar um conjunto de medidas, a começar pela criação de núcleos presenciais do Partido nos locais de trabalho, nos locais de estudo, nos locais de moradia, nos espaços de cultura e lazer. Não basta ter presença nas redes, é preciso ter presença física na vida cotidiana da classe trabalhadora, participar de suas lutas, de suas entidades. Todo militante deve estar ligado a algum organismo de massa e a algum organismo do Partido. É preciso elaborar, implementar e avaliar de forma contínua um plano cotidiano de trabalho junto as nossas bases sociais e eleitorais. Este é um dos caminhos para que tenhamos um partido de militantes, não um partido de filiados ou de eleitores. Como parte da reconstrução de um partido militante, é preciso que o PT retome a contribuição financeira militante. E é preciso, para além desta medida essencialmente política, tenhamos iniciativas que nos permitam dispor de mais recursos, tornando possível ter sedes (que funcionem como centros culturais) e outras iniciativas de massa permanentes em cada cidade. É preciso que as direções funcionem, em âmbito nacional, em todos os estados, municípios e setores de atuação: reuniões periódicas, análise da situação, divisão de tarefas, balanço do realizado. Este método por si só não garante nada. Mas sem ele, nenhum dos problemas será efetivamente resolvido. É preciso impulsionar nossas atividades de formação e comunicação, de forma a atingir o conjunto da base partidária, social e eleitoral. Se quisermos ampliar a influência do PT, é preciso ter presença institucional, é preciso ter presença nos movimentos sociais, é preciso ter funcionamento adequado da máquina partidária, mas é preciso também e até principalmente ter presença na batalha de ideias. E, como base para isto tudo, é preciso que tenhamos mais capacidade coletiva de formulação acerca dos grandes problemas do mundo, do continente e do Brasil. Finalmente, é preciso enfrentar caso a caso, com paciência e método, os problemas políticos e organizativos que impedem nosso crescimento e/ou que reduzem nossa influência em vários estados e cidades. Nosso partido atua, no mais das vezes, em um ambiente que geralmente é hostil para as posturas militantes e socialistas. Anos de vida eleitoral e institucionalização partidária, as dificuldades dos movimentos sociais, a influência de concepções neoliberais e desenvolvimentistas-conservadoras, a perda da memória e da prática da vida coletiva, agravada pela profissionalização de atividades que antes eram realizadas de forma militante, tudo isso junto e misturado só será superado se houver um trabalho de “retificação” do funcionamento do nosso Partido e, no que couber, das demais organizações da esquerda partidária e social, com quem devemos buscar um trabalho cada vez mais frentista. Nossa história, inclusive nossa luta desde o golpe de 2016, reafirmaram o papel do Partido dos Trabalhadores como principal referência partidária dos trabalhadores com consciência de classe. Mas é preciso transformar referência em organização, o que inclui convidar para ingressar no PT a militância que foi às ruas. Neste espírito, damos início agora a uma campanha nacional de filiação ao Partido dos Trabalhadores.

7.O PT não surgiu somente para disputar eleições, exercer mandatos e governar. O PT surgiu para organizar a classe trabalhadora na luta pelo poder. Isso exige estarmos presentes e atuantes em todos os espaços da sociedade, nos locais de trabalho, estudo, moradia e lazer. Disputar eleições, exercer mandatos e governar constituem meios, não fins em si. Nosso grande desafio é construir um movimento político cultural de massas, organizar os movimentos sociais, disputar espaços institucionais e organizar o próprio Partido. Esses desafios estavam postos já no primeiro governo de Lula. Seguiram em todos os governos petistas e agora continuam postos. É fundamental que o PT consiga avaliar seus erros e acertos, para buscar cumprir nossas tarefas imediatas e históricas, reafirmando o socialismo como nosso objetivo estratégico e incidindo para que o quinto governo federal petista contribua para implementar reformas estruturantes.

8.A hora é de comemoração, de unidade dos setores populares, mas acima de tudo é hora de sair às ruas na luta permanente por nossas reivindicações imediatas e históricas. A ocupação das ruas deve começar na posse de Lula. Nesse espírito, reforçamos a importância da mais ampla mobilização para a posse de 1 de janeiro de 2023, assim como a necessidade de reforçar a segurança das caravanas que vão atravessar o país rumo a Brasília, reforçar a segurança da festa da posse e  reforçar as medidas de proteção individual da militância em geral e das lideranças em particular, a começar pelo eleito presidente da República.

9.Retomando a imagem com que iniciamos este texto, não queremos apenas fechar as várias portas do inferno; queremos abrir a porta do paraíso. E isso exigirá ação do governo, ação dos governos estaduais e municipais, ação de bancadas, ação de movimentos sociais, ação de partido, mobilização espontânea de dezenas de milhões de pessoas, guerra cultural e uma estratégia que nos permite não apenas evitar os erros cometidos quando fomos governo federal, inclusive os erros que contribuíram para o golpe de 2016, mas também uma estratégia que nos ajude a ir além: queremos mais e melhores políticas públicas para melhorar a vida do povo, mas também queremos transformações estruturais que nos permitam construir um país desenvolvido, com soberania nacional, democracia popular, bem estar social para todos e todas, um país socialista.

domingo, 18 de dezembro de 2022

Glosas sobre a Nota de Conjuntura do movimento Brasil Popular

Recomenda-se a leitura da “Nota de conjuntura” divulgada recentemente pelo Movimento Brasil Popular.

Tal Movimento resulta da cisão da organização chamada Consulta Popular.

Para maiores informações sobre o MBP, ler:

https://www.brasildefato.com.br/2022/03/29/movimento-brasil-popular-reunindo-forcas-para-os-desafios-que-virao

A “Nota de conjuntura” intitula-se “Construir organização popular para defender o governo Lula e disputar os rumos do Brasil”.

A nota começa com uma descrição da “profunda, estrutural e prolongada crise do modo de produção capitalista”, que inclui a “crise política das democracias liberais e do Estado burguês”, “expressa na ascensão de ideologias fascistas em todo o mundo”. Em resumo, uma era de “instabilidade no cenário internacional”.

Neste contexto, a “eleição de governos progressistas na América Latina, incluindo a vitória de Lula no Brasil, abre a perspectiva de uma maior integração entre os países e pode contribuir para reposicionar a região na geopolítica mundial e abrir um ciclo de conquistas que fazem parte dos nossos desafios atuais”.

A nota não considera outras perspectivas (derrotas, traições, cooptações, adaptações social-liberais etc.) e parte para destacar que a “eleição de Lula, com sua conhecida capacidade de liderança na região frente a esse cenário, deve imprimir uma nova rodada de oportunidades ao Brasil, que deverá aproveitar do cenário conflituoso no campo externo e barganhar uma posição de maior autonomia externa”. Neste contexto se fala da “aproximação econômica com a China”, que segundo a Nota “tem práticas comerciais não imperialistas na região”.

Em resumo: a Nota, mesmo quando reconhece problemas, destaca que “ampliou-se o espaço de manobra”.

Sobre a conjuntura nacional, a Nota inicia falando que “Mesmo com a brutal ofensiva da extrema-direita para destruir o campo progressista e implementar um programa ultraneoliberal nos últimos anos, Lula voltará à presidência com uma ampla e heterogênea aliança”.

Como na parte internacional, a Nota faz diversos elogios a Lula: “Além de consagrar a força eleitoral do próximo presidente, o resultado das eleições consagrou a profunda identidade do povo brasileiro com a maior liderança popular da história do país”; “Mesmo com toda a campanha de desmoralização, a perseguição política, midiática e judicial e o encarceramento injusto por 580 dias, Lula conseguiu unificar as forças populares, resgatar a confiança da militância, contagiar a sociedade e construir uma ampla aliança nacional do campo democrático”.

Na descrição das ações do cavernícola, a Nota cita “o uso do dinheiro público e das mentiras”, “pastores pentecostais e padres conservadores”, “denúncias de assédio eleitoral de patrões”. A Nota não fala do papel cumprido pelas forças armadas e pelas polícias. A Nota tampouco destaca o papel do agronegócio e da média burguesia em geral como base do bolsonarismo em todo o país.

Na descrição das ações da campanha Lula, a Nota não faz nenhum tipo de crítica ou ressalva. Tampouco se fala da eleição congressual e da eleição para governadores. Um exemplo da postura descritiva é o seguinte trecho: “O bolsonarismo conseguiu mobilizar temas como valores, família e sexualidade, fazendo com que a campanha tivesse de “abrir mão” de pautas históricas”.

A Nota incorpora a tese da “questão meridional” brasileira. E resume a situação da seguinte forma: “o momento é de ofensiva tática dentro de um quadro de defensiva estratégica”, não estando descartado “o cenário de ‘ganhar e não levar’, como aconteceu em 2014, quando Dilma foi eleita, mas seu governo foi progressivamente inviabilizado até a consumação do golpe”.

Para impedir isso, a Nota afirma ser necessário “a ampliação da organização popular, com um novo ciclo de lutas sociais e com o enfrentamento ideológico para disputar os rumos da sociedade”, afirmando que “a tática das forças populares têm cinco eixos para balizar as ações e iniciativas”.

O primeiro deles é “consolidar a Frente Popular para incidir sobre um governo de Frente Ampla”. Para isso será “necessário o fortalecimento do núcleo político das forças populares e do próprio PT, da articulação política entre os partidos progressistas que estão no bojo dessa aliança ampla e das lutas dos movimentos populares e sindicais para mobilizar a sociedade em torno dos pontos programáticos centrais para fazer a disputa de hegemonia. A perspectiva de unificação das Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo é um sinal de que bons ventos estão soprando para na consolidação de um pólo popular, que será fundamental para a contenção das pressões sobre o governo Lula, o que é pré-condição para disputar os rumos do governo”.

Uma pergunta que pode derivar daí, mas cuja resposta não é apresentada: o que pode contribuir para o “fortalecimento do próprio PT”?

O segundo eixo é “revogar as reformas institucionais pós-golpe e construir uma nova institucionalidade democrática”.

A Nota não explicita as palavras “assembleia nacional constituinte”, mas deixa claro que “o campo democrático-popular historicamente se constituiu na confrontação com os limites do modelo de democracia forjado na transição da ditadura para a democracia e na Constituição de 1988”, sendo “necessário inventar uma nova institucionalidade democrática ancorada em nosso projeto político”. E destaca a necessidade de acabar com o “orçamento secreto” e “da revogação da institucionalidade do golpe”.

O terceiro eixo consiste em “Defender o governo e mobilizar a sociedade em defesa de políticas emergenciais que apontem para um programa de superação do neoliberalismo” (...) “o desafio nos próximos quatro anos é aprofundar a contradição entre o atendimento das necessidades emergenciais do povo brasileiro com os limites impostos pelo modelo neoliberal”.

Se afirma, também, que “a conjugação da Frente Ampla com a Frente Popular expressa o desafio duplo de defender o governo contra as ameaças golpistas da extrema-direita e de fazer a disputa de programa contra as forças neoliberais”.

Como na Frente Ampla estão setores neoliberais, a “conjugação” exposta será deveras animada.

O quarto eixo consiste em “Desenvolver uma atuação institucional orientada por uma estratégia de construção de força social”.

Este é o ponto mais importante da Nota, pois nele se busca resolver um dos nossos principais problemas estratégicos: como usar nossa presença no governo para dar um salto na capacidade de organização, mobilização e no nível de consciência da classe trabalhadora.

A solução proposta pela nota é: caberia ao governo e ao presidente “reorganizar o quadro político e articular segmentos econômicos para construir uma força político-social para avançar com um projeto de mudanças sociais”.

Ou ainda: caberia ao governo contribuir, com sua ação institucional, para a “construção de uma força social de massas que dê sustentação para o avanço do projeto popular para o Brasil”. (....) “Todas as políticas públicas devem estar associadas a um processo de educação política e organização popular”.

A maneira como a Nota apresenta a proposta pode dar em dois caminhos diferentes: num deles o governo contribui para que movimentos e partidos organizem; no outro caminho o governo é, ele próprio, o centro do esforço organizativo (o que seria algo inédito, levando-se em conta ser um governo “de frente ampla”).

O quinto eixo é “Disputar a sociedade e organizar o povo, fomentar a luta de massas e derrotar o neofascismo e o neoliberalismo”.

A Nota diz ser “preciso convocar as milhares de pessoas que se engajaram na campanha de Lula a se organizarem permanentemente”, apresentando “os comitês populares” como “uma referência organizativa a ser estimulada e multiplicada”.

A Nota afirma ainda ser “preciso converter o lulismo de manifestação difusa de apoio à figura de Lula em movimento de massas em torno de um projeto político, que possa transbordar a parcela mais politizada do povo brasileiro e envolver a base eleitoral que deu a vitória à Lula e à nossa resistência”.

A Nota não explora a relação entre isso (fazer do lulismo um “movimento de massas” organizado) e a referência anterior acerca do PT.

A Nota afirma, ainda, que “O governo e a figura de Lula terão um papel decisivo para reverter a derrota ideológica que sofremos nos últimos anos, na construção dessa força social e na disputa da sociedade, que impõe a retomada do debate sobre o projeto de país”, sendo preciso “apresentar para a sociedade um horizonte político mais alargado do que o combate à fome”, colocando em “perspectiva reformas estruturais”.

Se afirma ser necessário “resgatar a dimensão utópica do projeto histórico do povo brasileiro para mobilizar uma força subjetiva em torno de objetivos comuns. É preciso que todas as nossas ações tenham no horizonte a construção do Projeto Popular para o Brasil”.

Além da ausência já referida das palavras “forças armadas” e “polícias”, chama a atenção a ausência da palavra “socialismo”.

 

A resolução do PSOL sobre o governo Lula

A resolução do PSOL sobre o governo Lula

O Diretório Nacional do PSOL, reunido no dia 17 de dezembro, aprovou uma resolução intitulada “PSOL COM LULA CONTRA O BOLSONARISMO E PELOS DIREITOS DO POVO BRASILEIRO”.

A resolução foi comemorada publicamente por gregos e troianos.

O presidente do PSOL Juliano Medeiros disse que “Conseguimos ajustar as diferenças internas no PSOL e reafirmar nosso apoio ao governo Lula para reconstruir o Brasil. Ao mesmo tempo, manteremos nossa essência combativa em defesa das políticas de justiça social, ajudando o novo presidente a entregar um país melhor para todos daqui quatro anos”.

A deputada federal Sâmia Bomfim afirmou que “O Diretório Nacional do PSOL acaba de aprovar uma resolução que afirma: seguiremos na linha de frente do combate à extrema direita; apoiaremos o governo Lula em todas as medidas benéficas ao povo; preservaremos nossa independência e não teremos cargos do governo”.

E o deputado federal Guilherme Boulos divulgou que “O Diretório Nacional do PSOL acabou de aprovar que estaremos na base de apoio do Governo Lula. Parabéns ao partido pela decisão correta!”

Considerando a polêmica pública existente sobre o tema, antes da reunião, os elogios supracitados indicam que ou bem houve um milagre, ou bem predominou certa ambiguidade.

Vejamos o que diz a resolução, item a item (a íntegra está no final).

No ponto 1, a resolução afirma que “precisamos responder a três desafios centrais: derrotar a extrema-direita, lutar por mudanças estruturais que assegurem direitos para o povo explorado e oprimido e garantir que o governo Lula efetive o programa eleito em outubro”.

Os objetivos supracitados são compartilhados por toda a esquerda que apoiou Lula, especialmente a esquerda que deu este apoio já no primeiro turno. Com base neles se justifica “estar na base”, mas não se justifica a recusa a participar do governo.

No ponto 2, a resolução afirma que “estará com Lula em defesa da legitimidade do novo governo. Jamais seremos indiferentes aos ataques da direita ao governo. Ao contrário, não pode haver nenhuma dúvida entre o PSOL e a oposição de extrema-direita”.

Embora a frase anterior seja incompreensível (“dúvida entre”), o sentido geral deste ponto da resolução é muito relevante, tendo em vista a notória influência do lavajatismo em setores do PSOL.

No ponto 3, a resolução defende enfrentar o bolsonarismo “na raiz”, através de uma tática de “enfrentamento e não a conciliação. Por isso não aceitaremos nenhuma anistia aos golpistas”.

Neste ponto, a resolução demarca com setores da esquerda que têm uma visão mais tutelada a respeito.

No ponto 4, a resolução fala que “outro erro grave” seria “incluir líderes da extrema-direita na coalizão do governo ou fazer acordos para ‘deixar passar’ os delitos inconstitucionais cometidos pelos bolsonaristas, fortalecendo uma perspectiva conservadora de governabilidade”.

Novamente, a resolução demarca com setores da esquerda que têm uma visão mais tutelada a respeito.

No ponto 5, o PSOL promete estar na linha de frente da luta “por medidas para ‘desbolsonarizar’ o Brasil e superar o caos social provocado por Bolsonaro, uma tarefa que deve ser de toda a esquerda”.

Como já foi dito no ponto 1, estes objetivos são compartilhados por toda a esquerda que apoiou Lula, especialmente a que deu este apoio já no primeiro turno. Com base neles se justifica “estar na base”, mas não se justifica a recusa a participar do governo.

No ponto 6, a resolução lista medidas que devem ser implementadas desde já, sob pena do governo “não dar certo”, gerando “frustrações por parte daqueles e daquelas que esperam mudanças”.

Como nos pontos 3 e 4, neste ponto 6 o PSOL busca demarcar com uma orientação da qual afirma discordar.

No ponto 7, a resolução afirma que “o PSOL não abrirá mão de suas opiniões ou sua liberdade de ação. Construir a unidade não representa suprimir as diferenças ou baixar nossas bandeiras. Apostamos principalmente na mobilização popular para aprovar medidas” (....) “Sem luta, as conquistas não serão possíveis!”

A posição expressa acima é compartilhada por toda a esquerda. Nem o PT, nem o PCdoB, nem qualquer outra organização que apoiou a eleição de Lula pretende “abrir mão” de nada, muito menos acredita que será possível avançar “sem luta”.

Cabe perguntar: estar na base do governo, mas dele não participar, ajuda a lutar mais?

A impressão que fica é a seguinte: ao decidir que não comporá o governo, o PSOL parece pretender travar esta luta com mais “liberdade de ação” do que a esquerda “governista”. Resta saber, entretanto, como combinar isto com a decisão de fazer parte da “base”.

No ponto 8, o documento afirma que as mudanças “exigem também enfrentar a chantagem do mercado” e afirmam que a resposta de Lula, “até aqui tem reafirmado o programa eleito”.

Novamente, como nos pontos 3, 4 e 6, neste ponto 8 o documento do PSOL busca um jeito “sutil” de demarcar (“até aqui”).

No ponto 9, a resolução afirma que “Por todas essas razões, o PSOL estará ao lado de Lula contra o Bolsonarismo e combaterá a oposição ao seu governo. Nossa relação será baseada no compromisso com as pautas populares, não em negociação de espaços ou condicionada à composição de Ministérios. Enquanto o centrão negocia cargos, o PSOL irá privilegiar a negociação de propostas”.

Ao contrapor sua posição a do Centrão, o PSOL deixa a pergunta no ar: os demais partidos de esquerda que apoiam Lula e integram seu governo estão agindo do jeito certo (“compromisso com as pautas populares”) ou estão negociando espaços e ministérios?

No ponto 10 a resolução afirma que “o PSOL apoiará o governo Lula em todas as suas ações de recuperação dos direitos sociais e de interesses populares. Estaremos presentes nas trincheiras do parlamento e nas lutas do povo brasileiro, combatendo a extrema-direita e defendendo o governo democraticamente eleito, mas o PSOL não terá cargos na gestão que se inicia. Ainda assim, compreendemos que a indicação de Sonia Guajajara, como liderança do movimento indígena, para o ministério dos povos originários é uma conquista de extrema importância para uma luta tão atacada por Bolsonaro e deve ser respeitada pelo partido”.

Este talvez seja o ponto mais sofisticado da resolução. Pois o que está dito neste ponto 10 é que o PSOL apoiará e defenderá, no parlamento e nas ruas, o governo Lula... quando ele fizer a coisa certa. Donde se deduz que, quando o governo Lula errar, o PSOL não apoiará e não defenderá, nem nas ruas e nem no parlamento. Ou seja: o PSOL buscará ao mesmo tempo os bônus de ser governo e de ser oposição.

Como se já não fosse sofisticação suficiente, a resolução afirma que o PSOL “não terá cargos na gestão que se inicia”. Mas ao mesmo tempo diz que ter Sonia Guajajara, filiada ao PSOL e candidata a vice-presidente da República em 2018, é uma “conquista de extrema importância”.

No ponto 11, se explica como vai funcionar: “os filiados que, no caso de convidados, optem por ocupar funções no governo federal, devem se licenciar dos espaços de direção partidária. A eventual presença nesses espaços não representa participação do PSOL”.

O que está dito no ponto 11 pode ser traduzido, de maneira mordaz, assim: se os filiados-licenciados mandarem bem, viva. Se mandarem mal, não temos muito que ver com isso.

No ponto 12, se insinua a explicação: “A eleição de 12 deputados federais e 22 deputados estaduais demonstra que somos uma força social própria e em ascensão. Temos compromisso com as expectativas e a esperança de milhões de brasileiros que não querem apenas voltar ao passado, mas deram um voto de confiança no futuro, na construção de uma esquerda comprometida com transformações estruturais e com o combate radical às desigualdades do nosso país”.

Ou seja: o PSOL quer falar pelos que votaram em Lula, mas “não querem apenas voltar ao passado”. Este “apenas” é tão malicioso que chega a ser inacreditável que ele esteja aí.

Finalmente, temos o ponto 13 da resolução, provavelmente inserido em homenagem ao PT, pois não diz nada de relevante.

De conjunto, a posição expressa na resolução não deveria surpreender ninguém. Afinal, o PSOL é composto por dois blocos, um dos quais no limite poderia fazer parte do PT, enquanto o outro mantém viva a alma daquele PSOL que, em 2006, 2010 e 2014, lançou candidatura própria e não apoiou as candidaturas petistas no segundo turno.

Sendo assim as coisas, manter a unidade do PSOL é mesmo uma engenharia muito difícil. A resolução do Diretório Nacional do PSOL buscou, ao que parece, uma solução de unidade através da tese compor a base e não compor o governo.

Esta solução talvez funcionasse sem grandes problemas na Europa parlamentarista; no Brasil presidencialista de 2023 é pouco provável que funcione. Até porque muitas das concessões da esquerda ao centro e a direita se darão nas votações parlamentares.

Aliás, recomendo a leitura da resolução do Diretório do PSOL sobre a bancada: lá está escrito que “A bancada do PSOL no Congresso Nacional participará da base de sustentação ao governo Lula no Legislativo, observando as orientações políticas a seguir, quando mantidas as condições políticas para essa composição”.

Repito: “Quando mantidas as condições políticas para essa composição”

Independente disto, a resolução do PSOL apenas verbaliza em palavras novas um problema antigo, compartilhado pela esquerda que algum dia saiu do PT, mas também pela esquerda que não deseja entrar no PT: a crença de que será possível construir uma alternativa melhor, sem comprometer-se a fundo.

Como sabe quem acompanha as discussões “internas” do PT, comprometer-se a fundo não significa silêncio obsequioso, não significa aceitar tudo, não significa votar tudo, não significa apoiar tudo. Significa “apenas” perceber que neste momento histórico, não existe alternativa para a esquerda brasileira que não passe pelo sucesso do governo Lula. E na luta pelo sucesso do governo Lula, não dá para ficar de fora. E isto não tem nada que ver com ter ou não ter cargos no governo.

O PSOL deu um passo importante para entender isto, no primeiro turno, quando deliberou que “uma candidatura própria teria representado o isolamento do PSOL e traria consigo uma enorme derrota eleitoral e política”. A decisão de participar da base e não compor o governo é, deste ponto de vista, um retrocesso.

Seja como for, fica a lição para os amigos petistas que votaram em candidatos do PSOL, apostando noutro tipo de solução: amigos, amigos, partidos à parte.

A íntegra da resolução, bem como de outras, pode ser lida aqui: https://psol50.org.br/psol-reafirma-compromisso-com-lula-e-fara-parte-da-base-do-governo-no-congresso/


sábado, 17 de dezembro de 2022

TEXTO EM PROCESSO DE ELABORAÇÃO

TEXTO EM PROCESSO DE ELABORAÇÃO, PODE SER TOTALMENTE ALTERADO, PRIMEIRA VERSÃO

Anteprojeto de resolução política

1.Um frasista desconhecido cunhou a ideia de que a eleição de Lula não abriria a porta do paraíso, mas pelo menos fecharia a porta do inferno. A imagem é ótima e sintetiza o sentimento de muita gente, especialmente depois que um caminhão de mudança foi visto em frente a morada do cavernícola. Acontece que o inferno da política se assemelha ao de Dante, com seus nove círculos, e muitas portas ainda precisam ser fechadas.

2.A primeira das portas que precisa ser fechada é a da extrema direita. Os bloqueios nas estradas, os acampamentos nos quarteis e os atos de violência cometidos na noite de 12 de dezembro em Brasília (DF) confirmam que o enfrentamento da extrema direita é algo urgente e inescapável, inclusive para garantir que a posse de Lula ocorra em clima de comemoração cívica. Embora seja urgente, derrotar a extrema direita demandará um certo tempo e novas políticas. É preciso compreender que a extrema-direita escolheu "combinar as formas de luta", mantendo uma pata nas instituições, outra pata nas ruas e o rabo na violência sistemática. Contra a violência da extrema direita será preciso luta política, luta ideológica, organização e uma ação permanente para investigar, desarmar, processar, condenar e prender. Parte disto depende, é claro, de uma mudança na postura de grande parte do judiciário e das forças de segurança pública. Será preciso, também, tomar medidas que competem, não ao Estado, mas ao conjunto das organizações e militantes de esquerda. Contra uma direita paramilitar, não basta toga e farda: será preciso, também, um pouco do espírito das torcidas organizadas. Mas a extrema-direita não se limita ao paramilitarismo. Os neofascistas, seus nomeados e seus aliados saíram das eleições 2022 governando estados importantes; controlam parte importante do Congresso nacional, sem falar de prefeituras pelo país afora; e seguirão ocupando cargos na judiciário e no executivo federal, como é o caso do presidente do BC. Por isso, não basta a vitória eleitoral de 2022: se faz necessário impor uma derrota política e institucional completa aos neofascistas, o que supõe por exemplo vencermos as batalhas eleitorais de 2024 e de 2026, nomearmos novos juízes para as cortes supremas e substituirmos todos os indicados por Bolsonaro nos postos de governo. Se faz necessário, também, construir, na maioria da nossa população, uma cultura democrática, popular, socialista, ao mesmo tempo nacionalista e internacionalista, antiimperialista e latinoamericanista. O que não se fará sem alterar as políticas públicas e as estruturas de educação, cultura e comunicação. E se faz necessário, ainda, colocar sob controle democrático as forças de segurança pública e as forças armadas. Deste ponto de vista, ao mesmo tempo que aplaudimos a nomeação de Flávio Dino para a Justiça, afirmamos nossa divergência quanto a nomeação de José Múcio para a Defesa, bem como dos comandantes militares anunciados: o general de Exército Julio Cesar de Arruda, o almirante de Esquadra Marcos Sampaio Olsen e o tenente-brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno. Nossa divergência tem um motivo fundamental: com estas nomeações, terá prosseguimento a tutela militar, em tudo e por tudo antagônica a uma democracia que mereça o nome. E, como vimos, a tutela militar é ao mesmo tempo fonte e retaguarda da extrema direita. Portanto, não basta fechar a porta da extrema direita: é preciso fechar, também, a porta da tutela militar.

3.Também resta por ser fechada a porta do Centrão. O Brasil não é parlamentarista. O parlamentarismo foi derrotado no plebiscito de 1993. Desde então, o Brasil teve 8 eleições gerais; em 5 delas a esquerda conquistou a presidência da República, mas não conseguiu maioria no Congresso Nacional. A direita vem utilizando esta maioria congressual para chantagear, sabotar e no limite derrubar a esquerda (como fez em 2016). Na linha de frente desta operação está o chamado Centrão, hoje capitaneado por Arthur Lira (PP-AL). Derrotar o Centrão não é uma operação simples, especialmente neste momento de transição. A rigor, a derrota completa do Centrão exige vencer as próximas eleições congressuais e, ato contínuo, alterar a legislação política e eleitoral por meio dos mecanismos de consulta popular previstos na legislação e por meio de um processo Constituinte. Entretanto, se ainda não temos os meios necessários para impor uma derrota aos nossos inimigos, é preciso pelo menos acumular forças com este objetivo. Desse ponto de vista, consideramos equivocada a tática adotada após o segundo turno: manifestar com vários meses de antecipação o apoio da Federação Brasil Esperança à reeleição de Arthur Lira; dentre as alternativas disponíveis para viabilizar o cumprimento imediato do nosso programa, escolher exatamente aquele que dava mais margem de negociação para o Centrão, o da chamada PEC de transição; depositar expectativas no julgamento do orçamento secreto pelo STF e, frente as dificuldades, comprometer o PT com a resolução das mesas que altera parcialmente o chamado orçamento secreto. Segundo esta resolução das mesas, aprovada na sexta-feira 16 de dezembro, as emendas do relator passam a ter como teto máximo a soma das emendas individuais e de bancada; pelo menos metade das emendas do relator terão que ir para saúde, educação e assistência social; 80% do orçamento secreto será destinado a indicações dos partidos, 15% às indicações das presidências da Câmara e do Senado e 5% serão destinados a indicações do presidente e do relator da Comissão Mista de Orçamento; e as indicações das emendas deverão ser feitas exclusivamente por parlamentares. Evidente que constitui uma redução de danos em relação a situação anterior, mas agora vem com o dano político de ter recebido o apoio oficial da bancada do PT. Depois de tudo o que dissemos contra o orçamento secreto, este tipo de apoio é desmoralizante. Ademais, num momento de tamanha dificuldade orçamentária, é terrível avalizar que 19,4 bilhões de reais sejam destinados para o orçamento agora meio-secreto. Uma alternativa poderia ter sido construída, se desde o início não tivesse prevalecido a tática de ceder primeiro e negociar depois, como fizemos no apoio a reeleição de Lira. Vale lembrar que parte dos que conduziram este processo receberam recursos do chamado orçamento secreto e são suspeitos de terem votado em Lira, na última eleição da Mesa da Câmara. Seja como for, a tutela do Centrão segue sendo uma porta aberta do inferno.

4.Outra porta que ainda precisa ser fechada é a do neoliberalismo. O golpe de 2016 foi conduzida pela direita neoliberal gourmet. A política do governo Temer também foi conduzida pela direita neoliberal gourmet. Derrotada nas urnas por Bolsonaro, a direita gourmet deu apoio – através de suas bancadas parlamentares e através de seus meios de comunicação – à política ultraliberal conduzida por Paulo Guedes. Nas eleições de 2022, os neoliberais apostaram suas fichas em várias candidaturas, inclusive na de Lula, tendo como porta-voz mais vistoso o candidato e agora vice-presidente eleito. E, depois da vitória, fizeram todo tipo de pressão para que ficasse com eles o comando da economia, onde já têm presença garantida através do presidente do Banco Central, nomeado por Bolsonaro e cujo mandato termina em 2024. Ao indicar Fernando Haddad para ministro da Fazenda e Aloizio Mercadante para presidente do BNDES, o presidente Lula deu mais um sinal de que pretende mudar a política econômica. Mas como sabemos pela experiência de 2003-2005, não basta ter um ministro petista, é preciso ter uma política econômica que supere efetivamente o neoliberalismo. Assim, nos somamos aos que comemoram as indicações e ficamos na expectativa de que as políticas adotadas enfrentem e derrotem a ditadura do capital financeiro, do agronegócio e do setor mineral-exportador, contribuindo para a reindustrialização nacional e para a elevação rápida do bem-estar do povo brasileiro. Não há como derrotar o neofascismo, sem derrotar sua fonte: o neoliberalismo. A maneira como está organizada a sociedade brasileira e, como parte disso, a maneira como funciona o Estado brasileiro e seus marcos constitucionais foram incapazes de impedir o surgimento do neofascismo; mais do que isso, chegaram a estimular a onda neofascista, na exata medida em que estimularam o neoliberalismo. Ou alteramos o conjunto da sociedade, inclusive a institucionalidade, ou a ameaça neofascista continuará presente, como aliás o golpismo militarista esteve presente em toda a história republicana brasileira. Neste sentido, não cabe enxergar no bonapartismo judicial uma alternativa idônea contra o neofascismo.

5.Além das portas já citadas – a extrema-direita, a tutela militar, a tutela do Centrão, o neoliberalismo – cabe lembrar da porta do imperialismo. As declarações à imprensa do futuro ministro das Relações Exteriores (que já foi ministro da mesma pasta no governo Dilma) indicam a retomada de uma política multilateral e com ênfase na integração. Isso por óbvio precisa ser saudado como um grande avanço. Mas, evidentemente, 2023 não é 2003 nem 2015. A situação internacional é muito mais tempestuosa. A guerra entre Ucrânia e Rússia é parte integrante da guerra estratégica entre Estados Unidos e China. O governo brasileiro que toma posse no dia 1 de janeiro de 2023 precisará de uma política nacional e internacional que nos permita, no contexto desta guerra global, converter nossa região num dos polos do mundo. E para isso não basta prestígio diplomático, nem tampouco basta ser um grande exportador de primários; para ser um dos polos do mundo, é necessário poder real, o que inclui capacidade científica, tecnológica, industrial. Deste ponto de vista, trata-se não apenas de retomar o que já foi feito, mas de dar passos além, entre as quais enfatizar a política latino-americana (e não apenas ou principalmente sul-americana) de integração; uma fortíssima politica para a África; e passos concretos para contribuir na superação da hegemonia estadounidense.

6.No dia 18 de dezembro, quando este texto foi debatido, grande parte do ministério do futuro governo Lula ainda não havia sido nomeada. E, evidentemente, tampouco foram nomeados os demais escalões do governo. Além dos nomes citados nos pontos anteriores deste documento, tivemos a nomeação dos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Luiz Marinho (Trabalho); e da ministra Margareth Menezes (Cultura). Esperamos que as demais nomeações preservem a presença do PT e dos aliados de esquerda, alcancem a paridade e garantam uma presença de negros e negras correspondente a composição étnica de nosso país, assim como nosso diversidade regional e a necessidade de projetar quadros das novas gerações. Entretanto, para além da composição do governo, é preciso ficar atento para a necessidade de fortalecer a capacidade política e organizativa do movimento sindical, dos movimentos populares e dos partidos de esquerda, a começar pelo PT. Afinal, se por um lado o PT mais uma vez reafirmou sua condição de partido de massas, sem o qual não haveria vitória contra o neofascismo; por outro lado também é verdade que em nosso Partido acumulam-se problemas e debilidades imensas. Vamos lembrar que ganhamos quatro eleições presidenciais, mas não fomos capazes de impedir o golpe de 2016. Também pensando nisso, é preciso adotar um conjunto de medidas, a começar pela criação de núcleos presenciais do Partido nos locais de trabalho, nos locais de estudo, nos locais de moradia, nos espaços de cultura e lazer. Não basta ter presença nas redes, é preciso ter presença física na vida cotidiana da classe trabalhadora, participar de suas lutas, de suas entidades. Todo militante deve estar ligado a algum organismo de massa e a algum organismo do Partido. É preciso elaborar, implementar e avaliar de forma contínua um plano cotidiano de trabalho junto as nossas bases sociais e eleitorais. Este é um dos caminhos para que tenhamos um partido de militantes, não um partido de filiados ou de eleitores. Como parte da reconstrução de um partido militante, é preciso que o PT retome a contribuição financeira militante. E é preciso, para além desta medida essencialmente política, tenhamos iniciativas que nos permitam dispor de mais recursos, tornando possível ter sedes (que funcionem como centros culturais) e outras iniciativas de massa permanentes em cada cidade. É preciso que as direções funcionem, em âmbito nacional, em todos os estados, municípios e setores de atuação: reuniões periódicas, análise da situação, divisão de tarefas, balanço do realizado. Este método por si só não garante nada. Mas sem ele, nenhum dos problemas será efetivamente resolvido. É preciso impulsionar nossas atividades de formação e comunicação, de forma a atingir o conjunto da base partidária, social e eleitoral. Se quisermos ampliar a influência do PT, é preciso ter presença institucional, é preciso ter presença nos movimentos sociais, é preciso ter funcionamento adequado da máquina partidária, mas é preciso também e até principalmente ter presença na batalha de ideias. E, como base para isto tudo, é preciso que tenhamos mais capacidade coletiva de formulação acerca dos grandes problemas do mundo, do continente e do Brasil. Finalmente, é preciso enfrentar caso a caso, com paciência e método, os problemas políticos e organizativos que impedem nosso crescimento e/ou que reduzem nossa influência em vários estados e cidades. Nosso partido atua, no mais das vezes, em um ambiente que geralmente é hostil para as posturas militantes e socialistas. Anos de vida eleitoral e institucionalização partidária, as dificuldades dos movimentos sociais, a influência de concepções neoliberais e desenvolvimentistas-conservadoras, a perda da memória e da prática da vida coletiva, agravada pela profissionalização de atividades que antes eram realizadas de forma militante, tudo isso junto e misturado só será superado se houver um trabalho de “retificação” do funcionamento do nosso Partido e, no que couber, das demais organizações da esquerda partidária e social, com quem devemos buscar um trabalho cada vez mais frentista. Nossa história, inclusive nossa luta desde o golpe de 2016, reafirmaram o papel do Partido dos Trabalhadores como principal referência partidária dos trabalhadores com consciência de classe. Mas é preciso transformar referência em organização, o que inclui convidar para ingressar no PT a militância que foi às ruas. Neste espírito, damos início agora a uma campanha nacional de filiação ao Partido dos Trabalhadores.

7.A hora é de comemoração, de unidade dos setores populares, mas acima de tudo é hora de sair às ruas, não apenas na posse, mas principalmente na luta permanente por nossas reivindicações imediatas e históricas. Retomando a imagem com que iniciamos este texto, não queremos apenas fechar as várias portas do inferno; queremos abrir a porta do paraíso. E isso exigirá ação do governo, ação dos governos estaduais e municipais, ação de bancadas, ação de movimentos sociais, ação de partido, mobilização espontânea de dezenas de milhões de pessoas, guerra cultural e uma estratégia que nos permite não apenas evitar os erros cometidos quando fomos governo federal, inclusive os erros que contribuíram para o golpe de 2016, mas também uma estratégia que nos ajude a ir além: queremos mais e melhores políticas públicas para melhorar a vida do povo, mas também queremos transformações estruturais que nos permitam construir um país desenvolvido, com soberania nacional, democracia popular, bem estar social para todos e todas, um país socialista.

TEXTO EM PROCESSO DE ELABORAÇÃO, PODE SER TOTALMENTE ALTERADO, PRIMEIRA VERSÃO

 

Roberto Amaral: recomendo a leitura, apesar do lapso

Este texto do Roberto Amaral é ótimo, exceto por um detalhe.

Refiro-me ao que é dito no seguinte parágrafo: "Se a ditadura do Estado Novo se instala no bojo de um golpe de Estado, articulado por Vargas e operado pelos militares, tanto quanto a ditadura resulta do golpe militar que depôs João Goulart, o bolsonarismo chega ao palácio do planalto chancelado pela soberania popular, em pleito ao qual não se podem invocar restrições".

O pleito ao qual "não se podem invocar restrições" é aquele no qual Lula foi impedido, ilegalmente, de participar. E o impedimento de Lula foi precedido e favorecido pelo impeachment de Dilma. 

Não sei a razão do lapso que levou estes "detalhes" a não serem citados, até porque Roberto Amaral evidentemente não faz parte da turma que pretende não apenas "virar a página do golpe", mas também fingir que ele não existiu.

De resto, o texto é ótimo.





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A extrema-direita ainda respira
 
 
 
 
Roberto Amaral*
 
 
 
As reflexões sobre o processo histórico republicano e a hora presente convencem-me de que o fato novo a ser considerado (para que a ele respondam o pensamento e a ação da esquerda) é a emergência de forte movimento de extrema-direita, que se afasta, na sua contundência e periculosidade, das experiências que dominaram o cenário político brasileiro do século passado.

Em recente debate, expostas estas ideias, foi-me objetado que o Brasil “sempre foi conservador e de direita”. Como certificado desta afirmação foram lembrados o integralismo, incidente na primeira metade do século passado, e o udeno-lacerdismo, já depois da reconstitucionalização de 1946. A contestação, porém,  desconsidera as distinções entre direita e extrema-direita, ademais de conter, em si, um elemento conservador: quando naturaliza o processo reacionário, está admitindo sua permanência. O “sempre foi assim” (de direita) pode insinuar um “será sempre assim”, e se, desgraçadamente, será sempre assim, nada mais, ou muito pouco, resta ao agente social.

O integralismo,  cujas bases doutrinárias Plínio Salgado colhera no discurso de Mussolini - nos anos 1930 o fascismo ascendia em todo o mundo, principalmente na Europa (Itália, Alemanha, Espanha e Portugal) e no Japão -, não logrou constituir-se em expectativa de poder entre nós, bloqueado que foi pela consolidação do Estado Novo (1937-1945) e, na sequência, pelo ingresso do Brasil na guerra contra o Eixo (ao lado dos EUA e da URSS), precedido e seguido de amplas mobilizações populares que assegurariam, como peças siamesas, o repúdio popular ao nazifascismo e a afirmação política e ideológica da democracia liberal, objetivada nas eleições presidenciais de 1945. A partir daí, o integralismo se transforma em força política irrelevante. Durante o Estado Novo, frustradas as aspirações de Plínio de fazer-se ministro da Educação de Vargas, os integralistas intentam o putsch de 1938 (assalto ao Palácio da Guanabara, onde residia o presidente), sendo aniquilados rapidamente, um indicativo de sua baixa penetração nas forças armadas, não obstante as simpatias de comandantes como Eurico Gaspar Dutra e Góes Monteiro, o general a quem se atribui a frase “quando a política entra no quartel por uma porta, a disciplina sai por outra”. Organizados como partido político (PRP), os integralistas lançam a candidatura de Plínio Salgado nas eleições de 1955, obtendo desempenho inexpressivo. No período constitucional-democrático que se segue a 1946 surge, na esteira do anti-varguismo, a UDN, que, inventada como negação do legado getulista e da ditadura do Estado Novo, elaborava o discurso da defesa da democracia ao tempo em que traficava o golpe de Estado nos quartéis. Perdeu todas as eleições presidenciais que disputou,  até encangar-se na candidatura de Jânio Quadros, cujo governo se frustraria na tentativa de golpe de 1961. Seguem-se a vilegiatura do presidente renunciante em Londres e, derrotada nas ruas, a tentativa dos ministros militares de impedir a posse do vice-presidente João Goulart. 

No cenário republicano nada que antecipasse o quadro político de mobilização popular reacionária que começa a se consolidar em 2013 para conhecer seu ápice na eleição de Bolsonaro (2018) e em seu governo, cujas características ideológicas e ação objetiva definem seu caráter protofascista que, a esta altura, dispensa demonstração. Ao contrário, o histórico recente, desde a campanha das diretas-já, sugeria o avanço das forças progressistas.
Se a ditadura do Estado Novo se instala no bojo de um golpe de Estado, articulado por Vargas e operado pelos militares, tanto quanto a ditadura resulta do golpe militar que depôs João Goulart, o bolsonarismo chega ao palácio do planalto chancelado pela soberania popular, em pleito ao qual não se podem invocar restrições. Este diferencial deve ser considerado. Seguindo a linha populista, procura o diálogo direto com as massas e governa como representante de uma aliança que reúne militares (responsáveis pelas decisões estratégicas), setores majoritários do grande capital e o atraso político, que lhe assegura tranquilidade no Congresso. Os militares já não precisam das medidas de força dos atos institucionais da ditadura, pois contam com a associação do poder legislativo, liderado pelo “centrão” e pelo baixo-clero.
Após quatro anos de governo marcado pelo descalabro administrativo (a gestão da pandemia é tão-só um caso, ainda que paradigmático), inumeráveis e grosseiras tentativas de fraturar o processo democrático e uma derrota eleitoral em nada acachapante, a base popular do bolsonarismo dá preocupantes sinais de resiliência e crescimento. Não foram triviais as condições segundo as quais se desenvolveu o pleito deste ano, e a análise de seus números mostra que o candidato derrotado não é um inimigo abatido. As turbas açuladas pelo capitão e por oficiais superiores em postos de chefia, como o general comandante da 10ª Região Militar, indicam insubordinação e resistência às regras da convivência democrática. Às tentativas de bloqueio das estradas, os acampamentos sediciosos e os piqueniques nas portas dos quartéis, se somam os desmandos recentemente levados a cabo por desordeiros em Brasília, como eco dos desesperados à diplomação de Lula.  Esses fatos são graves em si mesmos e pelo que revelam acerca das táticas que a extrema-direita se dispõe a pôr em prática para inviabilizar ou ao menos conturbar a mudança de governo. 

Enquanto as hordas bolsonaristas tentam, até aqui em vão, incendiar as ruas, o presidente da Câmara dos Deputados mobiliza os recursos disponíveis, inclusive a chantagem, visando a atrasar a aprovação da PEC 32/22, sabidamente fundamental pelo menos para os dois primeiros anos do próximo mandato. A objetiva tentativa da extrema-direita de acuar o futuro governo indica o caráter da oposição com a qual deve contar o presidente Lula, qualitativamente muito diversa daquela que conheceu em seus dois mandatos anteriores, quando ainda havia o confronto com a socialdemocracia paulista.

 A resistência ao projeto protofascista de instalar uma ditadura constitucional levou à arquitetura daquela que certamente terá sido a mais larga frente ampla político-eleitoral conhecida na República, similar à aliança que se constituiu no movimento das diretas (1983-1984) e levou à implosão (1985)  do colégio eleitoral montado pela ditadura agonizante para eleger seu delfim. A chamada “Aliança democrática” derrotou Paulo Salim Maluf, candidato dos militares, elegeu Tancredo Neves, e os fados deram posse a José Sarney.

A aliança de 2022 articulou, em torno da inusitada dobradinha Lula-Alckmin, um arco político que se estendeu da direita à esquerda, passando por liberais e socialdemocratas; chegou mesmo a incorporar setores do grande capital, de que resultou a adesão de órgãos da grande imprensa. Logramos vitória eleitoral assim partilhada, mas não podemos ignorar seus números, os das eleições presidenciais e os das eleições proporcionais e das majoritárias para o Senado, de que resultou o domínio, por quadros bolsonaristas, dentre outros, dos mais poderosos Estados da federação, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e o controle do Congresso pelas bancadas que transitam da licenciosidade política (“Centrão”) à extrema-direita, sob o comando do atual  presidente da Câmara, que se distingue do lamentável Eduardo Cunha apenas pela maior truculência.

Distanciando-se do integralismo e do udenismo, a extrema-direita de hoje, conservando e aprofundando sua perigosa interação com a caserna, emerge como movimento político organizado e de comprovada capacidade de mobilização derivada de sua base popular e religiosa, alimentada principalmente pelo neopentecostalismo, que ocupa, com o tráfico e as milícias, os espaços deixados pelas comunidades eclesiais de base e pelas organizações partidárias de esquerda, que transferiram seus quadros para o dolce far niente da burocracia pública e sindical. Seu discurso chega às classes médias urbanas (sempre acossadas pelo espectro da proletarização), é ouvido  pelas  populações marginalizadas das periferias e conquistou mesmo a adesão de vastas camadas das massas trabalhadoras, nada obstante suas investidas contra os direitos previdenciários e trabalhistas, num quadro de acentuada precarização do trabalho. 

Dispensável destacar que o bolsonarismo contou para sua emergência, e conta até aqui, com a  adesão que jamais faltou aos projetos autoritários da direita e da extrema-direita, seja ao integralismo, seja ao udenismo, como não faltara ao Estado Novo e não faltaria à ditadura instalada em 1964. Refiro-me, evidentemente,  ao apoio da classe dominante brasileira, reacionária, atrasada historicamente, herdeira da casa-grande, do latifúndio e do escravismo, alienada e dependente, homofóbica e racista.  
  

Ao contrário dos movimentos anteriores, o bolsonarismo, para além de simplesmente contar com apoios na caserna, como toda iniciativa reacionária,  assumiu, a partir de 2018, o papel de braço político do projeto de mando dos fardados, posto em resguardo desde 1985, com a transição para a democracia. A eleição do capitão foi decisiva para o retorno dos militares ao poder, e, assegurou, ainda, e como sua consequência, a hegemonia de uma pauta protofascista cujas consequências políticas, ideológicas e econômicas cobrarão anos de muito engenho e arte, bem como firmeza, para serem superadas - superação que teve no pleito de 30 de outubro seu ponto de partida. Fundamental, mas ainda apenas o ponto de partida, indicando um longo percurso a ser observado, e um rol de iniciativas ainda não conhecido de todo. São tarefas que incumbem ao futuro governo Lula, mas não só a ele, pois tanto a  sustentação do governo quanto o enfrentamento da extrema-direita carecem da organização da sociedade brasileira - de que depende a revisão estrutural dos partidos que se perfilam no chamado campo da  esquerda.

A análise dos números do pleito nos diz que, para além dos mecanismos do processo eleitoral stricto sensu, como, por exemplo, abuso do poder econômico e do poder político por parte do incumbente, e discussões em torno de táticas e estratégias de marketing eleitoral, devemos estudar preferentemente o que não está na superfície, a saber, o processo histórico que ensejou a emergência da extrema-direita quando a aparência nos dizia que o país girava em torno da opção socialdemocrata, ora conservadora, ora progressista.

A emergência dessa extrema-direita, sua resiliência mesmo após a derrota eleitoral, associada à resistência militar, ora surda, ora ativa, são fenômeno grave que não pode ser negligenciado. Pois não basta registrar o fato em si, e simplesmente “naturalizá-lo” como se o processo social fosse um determinismo ou uma fatalidade religiosa, impondo ao papel do indivíduo na história uma irrelevância sem cura. A história é movimento, e interpretá-la é apenas o primeiro passo para saber como nela devemos intervir.
 
***
A Folha falha - Com a demissão de Janio de Freitas, o jornal da família Frias mais se empobrece, e dá um passo considerável rumo ao último suspiro. É pena.
 

 

*  Com a colaboração de Pedro Amaral
 
 
 
Os textos de Roberto Amaral podem ser encontrados em www.ramaral.org
 
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