sábado, 30 de outubro de 2021

Tópicos sobre conjuntura e tarefas (30 de outubro de 2021)

(não revisado)

1.Faltam dois meses para o final do ano de 2021 e menos de um ano para o segundo turno das eleições de 2022. Aproxima-se aquela fase do ano em que – mesmo em períodos de aguda crise econômica e social – a luta política tende a refluir. Dada a instabilidade geral – no mundo, na região e no Brasil – é possível que algum acontecimento extraordinário altere a situação. Salvo nesta hipótese, o mais provável é que a correlação de forças deste final de ano se mantenha até que as “águas de março” venham “fechar o verão”. Sendo assim, é sobremaneira importante analisar esta correlação de forças e suas tendências.

2.No plano mundial, prossegue a disputa entre os Estados Unidos e a República Popular da China. O esforço principal dos Estados Unidos é no sentido de recuperar a vanguarda econômica. Os governos Obama e Trump falharam neste objetivo. E até o momento, o governo Biden segue falhando. Motivo pelo qual segue altamente provável que, mais cedo ou mais tarde, o conflito escale para um confronto militar entre as duas potências. Entretanto, seja qual for o rumo dos acontecimentos mundiais, está evidente que os EUA seguirão aplicando pressão máxima sobre a América Latina. O que significa que a situação para a esquerda latino-americana e caribenha será mais difícil agora do que foi entre 1998 e 2008. É particularmente decisivo, para os EUA, impedir que o Brasil volte a ser governado por forças políticas interessadas numa integração regional autônoma.

3.No plano nacional, prossegue a ofensiva reacionária iniciada no dia seguinte ao segundo turno das eleições presidenciais de 2014. No plano político, esta ofensiva produziu o impeachment de 2016, a condenação/prisão/interdição eleitoral de Lula nas eleições seguintes ao impeachment, a comprovadamente fraudulenta vitória de Bolsonaro em 2018, a vitória dos partidos de direita nas eleições municipais de 2020. Ainda no plano político, a ofensiva reacionária ampliou o armamento das elites, a consolidação do apoio militar e policial ao projeto da extrema direita e – fato novo que precisa ser acompanhado com atenção -a estruturação de uma corrente neofacista de massas, no momento encabeçada pelo bolsonarismo. Registre-se, finalmente, que a ofensiva reacionária desencadeada desde o final de 2014 produziu, também, um enfraquecimento do movimento sindical e popular e uma inflexão na pauta político-ideológica do país, com a crescente influência de posições reacionárias, de uma visão de mundo fundamentalista, misógina, racista, lgtbfóbica, militante na destruição ambiental e cientificamente negacionista. Destaque-se que a extrema direita vem conseguindo combinar a defesa das posições da elite, com um discurso aparentemente antisistêmico. É comum que a esquerda critique a incoerência desta conduta; mas é menos frequente que a esquerda se apercebe que esta “operação de pinça” vem colocando a esquerda frente a uma armadilha: contra a extrema direita, defender as chamadas instituições que mantém o status quo, status quo que a extrema-direita defende e aprofunda.

4.A ofensiva política reacionária tem desdobramentos no plano das relações internacionais e no plano econômico-social. O Brasil desde 2016 assumiu, por decisão dos governos Temer e Bolsonaro, a condição de linha auxiliar da política dos Estados Unidos. No plano econômico e social, por sua vez, estamos retrocedendo um século. A palavra de ordem “agro é pop, agro é tech, agro é tudo” resume a política macroeconômica não apenas dos governos Temer e Bolsonaro, mas da classe dominante brasileira: fazer o Brasil voltar a ser uma potência exportadora de produtos primários (vegetais, animais, minerais), importadora de produtos industrializados e pasto para engorda dos capitais especulativos. A opção por este caminho não começou agora: a rigor, a classe dominante brasileira nunca apostou todas as suas fichas na conversão do Brasil em uma potência industrial autônoma. O desenvolvimento nacional, embora no limite beneficiasse fundamentalmente as elites, foi em grande medida feito apesar delas e contra elas.

5.A reprimarização do país – “agro é tudo” – tem um alto preço social. Num país em que a maioria da população vive nas cidades, a conversão primário-exportadora torna “inempregável” (para usar a expressão notabilizada pelo lamentável FHC) a maior parte da população brasileira. É por isso que, conforme dados recém publicados pelo IBGE, de nossa população economicamente ativa de 116 milhões de pessoas, mais de 70 milhões estão fora do processo de trabalho formal (desempregados, desalentados, precarizados, “conta-propristas”). E para esta força de trabalho “inempregável”, as elites não enxergam necessidade de investir em saúde, educação, moradia, transporte, cultura. Para estas elites, basta transformar a “questão social” em caso de polícia, de milicia, de fundamentalismo religioso e de (mínima) transferência de renda com objetivos assumidamente clientelistas. Confirma-se assim a hipocrisia do discurso da direita contra projetos como o Bolsa Família: não somos nós da esquerda, mas eles da elite quem trabalha para eternizar uma situação como a atual, em que mais pessoas vivem de transferência de renda do que de salários. A destruição das políticas públicas estruturais – a começar pelo emprego, salário mínimo e previdência pública – constitui, portanto, um desdobramento da política macroeconômica da classe dominante brasileira. Não há como retomar tais políticas estruturais sem derrotar quem hoje nos domina.

6.A regressão (que pode ser medida em 600 mil mortos, 14 milhões de desempregados, 20 milhões de famintos) não teve, até agora, uma resposta à altura por parte da classe trabalhadora e de suas organizações. Parte desta moderação deve-se às escolhas feitas, nas últimas décadas, pela maior parte da esquerda política e social. A crença em que certas conquistas eram “imperdíveis”, a confiança em determinadas instituições, a redução da consciência de classe, a deterioração da influência organizada na classe trabalhadora, as derrotas políticas sofridas desde o final de 2014, tudo isso levou uma parte da classe trabalhadora a recuar. Além daqueles setores que nunca se libertaram da hegemonia da classe dominante nem do absenteísmo político, parcelas importantes da classe trabalhadora passaram a apoiar a extrema-direita. Este caldo social torna muito mais difícil a luta contra a regressão que está em curso no país. Agreguem-se mais dois elementos: o crescimento da miséria estimula nos setores mais pobres um medo imenso de sofrer o mesmo destino dos miseráveis; e estimula nos setores com maiores salários o pior instinto da “classe média”: a raiva dos pobres e a inveja dos ricos.

7.As dificuldades de mobilização são tamanhas que uma parte da esquerda – frente a ofensiva reacionária – não consegue ver outra saída que não a eleitoral. Mas trata-se de um círculo vicioso: depois de anos de crescente prioridade para os processos eleitorais, conseguimos o feito de vencer quatro eleições presidenciais seguidas, mas sofremos um golpe porque não acreditávamos que pudesse ocorrer, porque não controlávamos as instituições e, também, porque não tínhamos capacidade de mobilização autônoma. E agora, frente aos governos resultantes deste golpe, setores da esquerda reafirmam a fé nas instituições, não priorizam a reconstituição da nossa capacidade autônoma de mobilização e redobram a aposta nos processos eleitorais.

8.Esta aposta unilateral ajuda a compreender a defesa de “virar a página do golpe”, feita logo depois do crime; ajuda a explicar a crença de que Lula não seria condenado, não seria preso e poderia disputar as eleições presidenciais de 2018; ajuda a compreender a tática adotada por alguns setores nas eleições presidenciais de 2018, de buscar o apoio do “centro” golpista; ajuda a explicar a dificuldade de engajamento de setores da esquerda na campanha Lula Livre; ajuda a compreender a fé em que teríamos uma grande vitória nas eleições municipais de 2020; ajuda a explicar a resistência ao Fora Bolsonaro; ajuda a compreender parte da sabotagem passiva e ativa contra a retomada e o êxito das mobilizações de rua neste ano de 2021; e ajuda a explicar, principalmente, a desvinculação que alguns setores fazem entre as “ruas” e as “urnas”, como se a ausência de mobilização popular não fosse um obstáculo importante seja para uma vitória eleitoral, seja para a posse, seja para um novo governo exitoso. Vale destacar que alguns setores sabem deste obstáculo, mas pretendem superá-lo através da constituição de uma “frente ampla” com parte dos golpistas. É como se dissessem: na impossibilidade de vencê-los, unamo-nos a uma parte deles.

9.Esta é, em linhas gerais, a conjuntura neste início de novembro de 2021. Mas não é esta a percepção de grande parte da esquerda, mesmerizada pelos números das pesquisas eleitorais, que apontam que se a eleição presidencial fosse hoje, Lula venceria. As pesquisas são reais, assim como é real a nossa possibilidade de vitória. Mas as eleições não são hoje e há vários fatores que podem alterar a situação, contra a esquerda.

10.O primeiro fator é a “naturalização” da situação. Um exemplo disto é a situação sanitária: quando a pandemia começou, havia na esquerda quem dissesse que o país não suportaria 100 mil mortos; e que diante de tamanha tragédia Bolsonaro inevitavelmente cairia; motivo pelo qual defendiam que bastaria à esquerda ser a campeã da defesa da vida. Nem pensar em defender o Fora Bolsonaro, pois o povo não quer saber de política. Hoje não gostam de lembrar que diziam isso, até porque ocorreu o que todos sabemos: mais de 600 mil mortes, parte importante dos quais porque o governo Bolsonaro foi um ativo aliado da pandemia, mas apesar disso o cavernícola segue na presidência. A conclusão é óbvia: era necessário politizar a luta contra o vírus, era necessário aproveitar as circunstâncias para derrubar o governo. Mas a resistência em politizar e a aceitação tardia e a contragosto do Fora Bolsonaro por setores da esquerda permitiram ao cavernícola ganhar tempo, para o que concorreu o fato de que – mesmo frente às maiores desgraças – a tendência de parte das pessoas é “naturalizar”, se acostumar com a situação, tornar o monstro parte da paisagem. Um exemplo banal disso: quando moramos numa casa frente a uma avenida de grande circulação de carros, nosso ouvido vai alterando o limiar do que é ou não aceitável. Hoje morrem todo dia mais pessoas do que no início da pandemia, mas há quem aceite isto como parte da ordem das coisas. Vale dizer que os defensores da posição que criticamos seguem ocupando postos importantes, onde cometem variantes novas dos erros antigos.

11.O governo Bolsonaro se beneficia deste fenômeno da “naturalização”, não apenas no plano econômico e social, mas também no plano estritamente político. Vide a fraude de 2018 e as ameaças golpistas. As elites, a começar pelos que chefiam as famosas instituições, sabem a gravidade do ocorrido, mas permitem que o cavernícola continue a presidir o país. As recentes declarações de quem será presidente do TSE durante o próximo pleito, declarações segundo as quais os crimes cometidos em 2018 não serão aceitos em 2022, são uma piada pronta. Assim como constituem uma piada de extremo mal gosto as declarações de que se deve confiar na “boa fé” de Bolsonaro. Declarações que em alguns casos vêm dos mesmos que “descobriram”, em 2021, que a condenação, a prisão e a interdição eleitoral de Lula foram ao arrepio da Constituição. “Descoberta” feita, convenientemente, quando o dano já era imenso. Aliás, que se diga: vários ministros do STF deveriam ser moralmente condenados por genocídio culposo. O incrível é que esta pantomima é validada por setores da esquerda, que manifestam seu contentamento com a justiça, como se justiça póstuma fosse justiça e como se a cassação de um deputado bolsonarista não fosse um “osso” caído da mesa, ao mesmo tempo que se poupa o criminoso maior.

12.Há quem diga que Bolsonaro continuar governando contribuiria para sua derrota, pois todo o tempo ele estaria dando “tiro no pé” e, portanto, chegará sangrando e enfraquecido nas eleições de 2022. E há quem acuse ser por este “motivo” que alguns setores da esquerda não investem tudo no Fora Bolsonaro: a crença de que ele seria nosso “melhor adversário”, primeiro porque supostamente chegará fraco nas eleições, segundo porque supostamente não teria o apoio dos setores de “centro” (nome que se dá, indevidamente, à direita que patrocinou o golpe de 2016 e os desmandos da chamada Operação Lava Jato). As duas premissas são totalmente questionáveis. Apesar de fazer um governo de merda, o cavernícola segue com o apoio ativo de ¼ do eleitorado. Sendo assim, não é impossível, pelo contrário, que ele chegue em 2022 em melhor situação do que agora (entre outros motivos porque já vimos os efeitos do auxílio emergencial nas eleições municipais de 2020, mas também devido ao efeito “naturalização” citado anteriormente). Por outro lado, não é impossível que a direita gourmet faça em 2022 o que já fez em 2018. Naquele momento, a cúpula da direita sabia perfeitamente quem era Bolsonaro e do que ele era capaz e mesmo assim escolheu derrotar o “professor”; compreensível: trata-se de uma prioridade programática e a direita não tem pruridos na hora de defender os seus interesses de classe.

13.Embora evitem explicitar, alguns setores da esquerda sabem disso tudo, e por isso respondem ao problema como já foi dito, a saber, propondo ao "centro" uma aliança. Mas o que não fica claro neste movimento de setores da esquerda é sua implicação, a saber: para evitar que o “centro” – para defender as conquistas programáticas do golpismo - venha a apoiar Bolsonaro em 2022 como já fez em 2018, a esquerda teria que garantir ao “centro” que aquelas conquistas programáticas serão total ou parcialmente preservadas. O único que sairia de cena seria Bolsonaro; suas políticas continuariam. A argumentação anterior seria um exagero dos que criticam a "frente ampla"? Gostaríamos que fosse, mas infelizmente este é movimento que alguns setores da esquerda vêm fazendo conscientemente e outros inconscientemente. Em alguns casos isto é óbvio, quando se defende nada dizer acerca das forças armadas no programa de reconstrução e transformação nacional. Noutros casos é menos óbvio, como no caso das privatizações que estão em curso, ou da autonomia do Banco Central, ou do teto de gastos. A pergunta é: vamos considerar estas mudanças como irreversíveis ou vamos fazer de tudo para revertê-las? Não tentar responder estas questões é uma resposta.

14.Vale recordar que as pretendidas alianças com o “centro” (leia-se, com a direita gourmet) não se limitam ao plano nacional. Em várias eleições estaduais, parcelas da esquerda têm defendido fazer alianças – sempre em nome de derrotar o suposto inimigo principal – com setores com os quais não temos a menor identidade programática (por exemplo, o ex-governador Alckmin no estado de São Paulo). Uma das perguntas que precisam ser respondidas por quem defende estas alianças é: qual o preço? Quais os acordos programáticos? O que deixaremos de defender? O que passaremos a defender? Sabemos que várias destas pretendidas alianças não vão ocorrer, graças ao fato de que alguns de nossos inimigos têm princípios de que não abrem mão, diferente de setores da esquerda que não vacilam nem mesmo em fazer alianças com setores do bolsonarismo. Mas mesmo não ocorrendo, o efeito prático de simplesmente tentar fazer alianças deste tipo tende a ser negativo: em São Paulo, por exemplo, os que buscam uma aliança de primeiro turno com setores tucanos estão na prática estimulando o crescimento de candidaturas alternativas, seja à direita, seja à esquerda.

15.Em resumo: o quadro eleitoral em outubro de 2022 dificilmente será o mesmo de outubro de 2021. Ademais, Bolsonaro não está derrotado. Sua permanência no governo lhe dá instrumentos seja para disputar com chances as eleições presidenciais, seja de operar uma variante golpista. Da mesma forma, podem vir a ser superadas as dificuldades atuais da “terceira via” (nome que lembramos ser inadequado, pois do ponto de vista programático a direita gourmet coincide com a direita bolsonarista). E nada garante que sigam inalteráveis, nem que cresçam as preferências eleitorais atuais pela candidatura da esquerda. Por tudo isso, jogar parado não é garantia de vitória, muito antes pelo contrário. O que fazer? Em nossa opinião, é preciso corrigir a linha política e alterar a conduta prática.

16.No imediato, temos pela frente cerca de 20 dias, nos quais o conjunto da esquerda deve se esforçar para que o ato convocado para 20 de novembro seja uma manifestação massiva pelo Fora Bolsonaro. Devemos defender, também, que no dia 10 de dezembro – marco dos direitos humanos – se realizem manifestações em todas as cidades do país. E devemos propor a campanha Fora Bolsonaro que sinalize desde já as primeiras mobilizações do ano de 2022, por exemplo no final de janeiro e também por ocasião do aniversário do golpe militar, dia 1º de abril. Sem falar em estimular a criatividade carnavalesca pelo Fora Bolsonaro e por outro governo para o Brasil. Não podemos “esfriar” o ambiente, pois isso contribuiria para o bolsonarismo e a direita gourmet conquistarem posições melhores contra nós. Neste sentido, é preciso reafirmar enfaticamente que seguimos defendendo o impeachment: diferente do presidente do TSE, entendemos que crimes contra a soberania e contra os direitos do povo, a começar pelo crime de genocídio, não podem ser relevados a pretexto de “lapsos” temporais.

17.Para que o bolsonarismo e o neoliberalismo sejam derrotados, é essencial constituir – em torno da esquerda social e política que têm como referências principais o PT, do PSOL e do PCdoB – um centro político a partir do qual se formule um programa e uma tática da esquerda para enfrentar as disputas do ano de 2022. Não se trata apenas das eleições, até porque as eleições não serão apenas eleições, serão uma guerra. As “frentes” atualmente existentes não estão à altura de enfrentar estes desafios.

18.No terreno programático, é preciso indicar quais as medidas emergenciais que serão adotadas, já nos primeiros meses de governo, para enfrentar os problemas imediatos do povo brasileiro: a fome, o desemprego, a moradia, o acesso à saúde e a educação e, com destaque, a falta de perspectivas. A maioria do povo brasileiro, a classe trabalhadora, precisa reconstruir sua esperança em um futuro melhor. Não uma esperança passiva, mas uma esperança ativa, de quem luta para conquistar o que deseja. Por isso, é preciso – para além das medidas imediatas – apontar o rumo e indicar os obstáculos a serem enfrentados e superados. De um lado o capital financeiro, o latifúndio urbano e o agronegócio, a violência policial e criminosa, a tutela militar e judicial, o oligopólio da comunicação, o fundamentalismo, o patriarcado, o racismo, a lgbtfobia, a destruição ambiental, o genocídio dos povos indígenas, as forças sociais e políticas correspondentes. De outro lado, um Brasil soberano e integrado à América Latina e Caribe; um país com bem estar social e liberdades democráticas; um país desenvolvido e socialista.

19.Um país assim não será construído sem o PT, nem apesar do PT, nem contra o PT. Ao menos neste momento histórico, mudar o Brasil depende em grande medida do Partido dos Trabalhadores, não apenas de seus dirigentes e militantes, não apenas de seus eleitores e filiados, mas principalmente das dezenas de milhões de pessoas que têm o PT como referência. Mas é preciso dizer claramente: o patrimônio acumulado pelo PT ao longo de décadas não é eterno. Acumulam-se problemas que colocam em risco a higidez do PT, que ameaçam sua integridade, que colocam em risco sua sobrevivência. Desconhecer estes problemas e, pior, saber deles e não os enfrentar adequadamente, contribui para que a classe dominante possa continuar empurrando o Brasil em direção ao passado.

20.Neste sentido, nós estamos chamados a dar prosseguimento, em especial nos próximos meses, a uma batalha em várias frentes. Destacamos: no plano mundial, a luta contra o imperialismo e em favor dos povos da América Latina e Caribe; no plano nacional, a luta pelo impeachment e por um governo democrático e popular; no plano das esquerdas, o investimento na mobilização e na construção da unidade das esquerdas partidárias e sociais; no plano do Partido, a luta por uma nova direção e pela recuperação dos territórios perdidos junto a classe trabalhadora. Neste terceiro plano, é preciso análise atenta da experiência da Nova Primavera, que demonstra as potencialidades, mas também os limites de uma tentativa de revitalização que se dá nos marcos de uma estratégia política superada. É preciso atenção, também, para a experiência dos setoriais, que demostra como segue avançando a metamorfose dos mecanismos de formulação e ação militante que restam em nosso partido. É preciso, por fim, incidir no processo de definição do programa, da tática, da política de alianças e das candidaturas que disputarão as eleições de 2022, para que predomine a compreensão de que não temos pela frente eleições, mas uma “guerra” em que a classe dominante usará todas as suas armas.

21.O que temos pela frente não é trivial. Visto de conjunto, estamos diante de desafios que as vezes parecem superar as forças de que dispomos. E de fato assim é: lutamos por alterar a correlação de forças, na expectativa de que na própria luta se criem as condições que nos permitirão ter êxito na tarefa. E há inúmeros sinais de que podemos triunfar: o acumulado histórico, a resistência ao golpe, a quase vitória em 2018, o enfrentamento contra Bolsonaro, o apoio a Lula, as imensas dificuldades que vive nosso povo e as inúmeras provas de que o PT é essencial na luta contra o bolsonarismo e contra o neoliberalismo. 

22.Finalmente, é preciso lembrar o que foi dito no início. Vivemos num momento de muita instabilidade, no mundo, na região e no Brasil. Portanto, um momento em que podem acontecer reviravoltas súbitas e as vezes imprevistas. Também por isso não pode nos faltar, agora, o que não faltou à parte das forças progressistas nos anos 1920: a compreensão de que o Brasil necessitava de uma revolução. Sem as lutas dos anos 1920, não teria ocorrido a chamada Revolução de 1930, essencial para nosso desenvolvimento e industrialização. Hoje, diante de uma classe dominante que nos faz regredir aos problemas que o país vivia há cem anos, cabe à classe trabalhadora e a seus aliados manifestar a mesma disposição revolucionária, essencial para que o Brasil possa conquistar soberania, bem estar social, liberdades democráticas, desenvolvimento e socialismo.

 

 

 


sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Haddad, Alckmin e o que seria "melhor para São Paulo"

Está causando rebuliço nos meios petistas o tema tratado no texto abaixo:

https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/quem-tem-voto-em-sao-paulo-somos-o-alckmin-e-eu-diz-haddad/

Pulo a parte sobre quem teria voto no estado de São Paulo e me limito ao tema das alianças.

Segundo o texto de Carta Capital, Haddad estaria procurando construir uma aliança com Márcio França e com Geraldo Alckmin.

Alckmin estaria de saída do PSDB.

E França está no PSB.

Que em São Paulo é uma sublegenda do PSDB.

Carta Capital diz ainda que Haddad cogitaria ter França na vice e Alkmin disputando a vaga do Senado.

Destaque-se que as aspas atribuídas a Haddad não afirmam isso.

As declarações de Haddad citadas na revista são mais contidas: "mesmo quando uma aliança não é possível, voce pavimenta o caminho para uma solução boa para o Estado e para o país no segundo turno, que não foi o que aconteceu em 2018".

Haddad também teria dito, segundo Carta Capital, que se ele e Alckmin forem para o segundo turno, "teremos uma disputa de primeiríssimo nível. Se não, temos que decidir o que é melhor para São Paulo".

Sinceramente não sei onde se baseia a afirmação de que uma disputa contra Alckmin pode ser de alto nível. 

Mas é preciso considerar que, desde que o cavernícola entrou em cena, muita gente esqueceu do que os tucanos et caterva são capazes. 

Ainda segundo Carta Capital,  Haddad descarta a aliança com o PSOL, com os seguintes termos: "a gente respeita o PSOL, acha que o PSOL tem que lançar candidato, que o PT tem que lançar candidato. São programas diferentes e perspectivas também".

A pergunta é: o mesmo raciocínio não valeria ipsis litteris para o PSB? E para Alckmin?

Afinal, os programas e as perspectivas do PSB e do PT também são diferentes. 

Aliás, muito mais diferentes do que os programas do PT e do PSOL.

Pois, repito, em São Paulo o PSB é sublegenda do PSDB.

Motivo pelo qual esta aliança só aconteceria sobre o cadáver moral de uma das partes.

E teria como principais beneficiários não os supostos aliados, mas sim quem estiver à sua direita e à sua esquerda.

Já vimos em São Paulo capital no que dá este tipo de estratégia.

Motivo pelo qual o "melhor para São Paulo" é Haddad liderar uma candidatura, uma campanha e um programa de esquerda, bem longe dos tucanos e de suas variantes.







domingo, 17 de outubro de 2021

Os setoriais e a dialética

Recentemente participei de duas “lives” com Ricardo Berzoini, ex-presidente nacional do PT.

Berzoini criticou diversas vezes aqueles que exaltam o número de filiados do PT, como se isso fosse uma demonstração de força.

Afinal ter 2,5 milhão de filiados é um fato cartorial, não significa em si uma força organizada.

Para quem quiser conferir as “live”, ela estão aqui:

Live do Manifesto Petista

https://www.youtube.com/watch?v=JwCicAf6uhE&feature=emb_imp_woyt

Live da Fundação Perseu Abramo

https://www.youtube.com/watch?v=H_RtbLuOPC4

O fato é: grande parte de nossos 2,5 milhão de filiados são na verdade eleitores que foram filiados.

Não são militantes, com algum nível de vida política organizada, ativa, permanente.

Grande parte deles não comparece nem mesmo para votar nos processos eleitorais internos do PT.

Isso apesar de não se exigir mais – desde 2015 – que para votar as pessoas tenham que pagar sua contribuição para com o partido.

A decisão de 2015 – defendida entre outros por Jilmar Tatto – vai na contramão da lógica do autofinanciamento militante.

Mas facilita a vida dos grupos que tinham o hábito de pagar as contribuições dos filiados, para que estes pudessem votar em suas chapas e candidaturas.

Estes grupos saíram ganhando, mas o partido saiu perdendo, entre outros motivos porque isentar da contribuição financeira não serviu nem mesmo para aumentar o número de eleitores nos processos internos.

Esta lógica de um partido eleitoral de filiados é – ou pelo menos deveria ser - contrabalançada por quatro estruturas: as instâncias de direção, os núcleos, os setoriais e as tendências.

Nessas quatro estruturas deveria prevalecer a lógica de um partido militante. Deveria, pois pouco a pouco a dinâmica de um partido de filiados, que comparecem no máximo para votar, também vai se infiltrando dentro das direções, dos núcleos, dos setoriais e até mesmo de certas tendências.

Um exemplo disso é o que está ocorrendo em vários setoriais.

Tem muita gente exaltando o crescimento da participação, em comparação com os encontros passados.

Vejamos um exemplo disso: “Tivemos 6 vezes o número de votantes da última eleição.  Mesmo com a dificuldade das pessoas não familiarizadas com a ferramenta digital, caso de muitas e muitas especialmente do movimento popular, considero que foi expressivo o número de votantes, superou o número de pessoas em todas as plenárias e superou o da plenária final. Acho que começamos bem”.

Como no PED, o número de votantes é várias vezes maior do que o número de pessoas que participam dos debates. Ou seja, que votam sem necessariamente terem podido entrar em contato com as diferentes posições a respeito. Ou seja: a ampliação quantitativa ocorreu, sem que tenha ocorrido necessariamente uma ampliação da participação qualitativa.

Assim como no PED, o número de votantes é menor do que o número de pessoas que poderia ter votado. Com um detalhe: no caso do PED, basta ser filiado. No caso dos setoriais, foi geralmente necessário que o filiado se inscrevesse e se credenciasse, uma operação que dava um certo trabalho. Apesar disso, nos encontros setoriais ocorridos até agora, o número de votantes é menor (as vezes muito menor) do que o número de pessoas credenciada.

Isso se deve a dificuldade de votar? Ou será que calhou de muitas pessoas terem compromissos que impossibilitavam gastar 1 minuto para votar, virtualmente, usando seu celular ou computador? A pessoa gastou um tempo fazendo opção setorial e se credenciando e depois desistiu? Ou será que existe um grande número de credenciados que não se credenciou, foi credenciado por terceiros?

Segundo uma avaliação que li, “entre os inscritos, efetivamente compareceram cerca de um terço. São quebras normais e esperadas, ainda mais em se tratando de um evento on-line, com processo que envolve segurança, embora desejássemos, claro, que todos comparecessem. Mesmo assim a votação é recorde e temos que, isto sim, comemorar o crescimento do setorial”.

Novamente, a comemoração (“recorde”) exalta o crescimento quantitativo. E os problemas são considerados “normais” e “esperados”. Que eles fossem esperados, é verdade. Mas não se pode “normalizar” uma situação que – como o PED demonstra – é um problema estrutural de nossa “democracia”: a grande abstenção.

Nas eleições burguesas no Brasil, a abstenção vem girando em torno de 30%. Nos EUA, que muitos liberais dizem ser a maior e melhor democracia do mundo, é comum que cerca de 2/3 do eleitorado não compareça para votar em eleições presidenciais. Isto pode ser “esperado”, mas “normal” não é não.

E se não é “normal” na institucionalidade, menos normal ainda deve ser considerado num partido de esquerda, que exalta a importância da militância.

Óbvio que não se deve considerar negativo o crescimento. Precisamos que o PT tenha muito mais filiados, que muito mais gente participe de todas as nossas atividades.

Mas não se deve fazer do crescimento numérico um fetiche, desconsiderando outros aspectos do problema.

Um deles, que temos feito questão de lembrar sempre, é a distorção provocada por uma única cidade (Maricá, RJ), que sozinha reúne 22% do total de credenciados no setorial de Saúde.

É fato é que – segundo as “leis da dialética” – quantidade se converte em qualidade. Mas a mudança “qualitativa” não necessariamente é algo positivo. A esse respeito, basta lembrar quanta coisa ingênua foi dita a respeito da “democratização” que supostamente seria proporcionada pelas redes sociais e a triste realidade que enfrentamos hoje.

 

 

sábado, 16 de outubro de 2021

A conciliação e o negacionismo

Acabo de receber uma mensagem relatando que um integrante do DN do PT teria defendido "enfaticamente (para não dizer brutalmente) a ideia de que não houve conciliação de classes no governo do PT. Que, se isso fosse verdade, ou seja, se tivesse havido conciliação, não teria havido golpe".

Respondi o seguinte: as elites apelaram para o golpe porque não traímos, o golpe foi vitorioso porque conciliamos.

Quem nega que houve conciliação de classes no governo do PT, nega a realidade. 

Aliás, vamos nos entender: não existe atividade política sem algum tipo de conciliação.

O problema não está na existência de alguma conciliação.

O problema está quando se adota uma estratégia de conciliação.

No que consiste esta estratégia de conciliação?

No limite na crença de que é possível compatibilizar os interesses históricos dos capitalistas e da classe trabalhadora.

Na crença de que se formos moderados, as elites também serão.

Nas ilusões "republicanas" na neutralidade de certas instituições.

Etc.

Exemplos práticos de conciliação nos governos Lula e Dilma:

1/Henrique Meirelles na presidência do Banco Central dos dois governos Lula;

2/Joaquim Levy na presidência do Banco Central no início do segundo governo Dilma;

3/Michel Temer na vice-presidência de Dilma Rousseff;

4/vários aspectos do relacionamento com o oligopólio da Comunicação;

5/vários aspectos do relacionamento com as forças armadas;

6/vários aspectos do relacionamento com o agronegócio;

7/etc etc.

Há inúmeras declarações de Lula, de Dilma e de Haddad que confirmam tudo isto.

A mais recente foi a de Haddad, afirmando que nossos governos federais foram de "centro-esquerda".

Talvez o maior prejuízo causado pela estratégia da conciliação foi a prolongada crença de que não haveria golpe contra Dilma e de que Lula não seria condenado, preso e impedido de disputar as eleições de 2018.

Como disse alguém muito importante: "não consigo entender porque estão fazendo isto conosco".

A resposta, como já foi dito acima, é muito simples.

As elites foram para o golpe porque só assim conseguiriam nos derrotar. E as elites precisavam nos derrotar porque nós não traimos.

E o golpe foi vitorioso porque nós conciliamos em questões fundamentais.

Explico: mais cedo ou mais tarde o grande capital -- que não tem nenhum interesse em conciliar conosco -- tomaria medidas para tentar restabelecer o status quo. 

Foi o que eles fizeram, com o golpe. 

Mas uma parte do nosso Partido e todo o nosso governo, por terem adotado uma estratégia da conciliação, não se prepararam para isto.

Não ter se preparado para este momento foi uma traição? A resposta é: não foi. 

Afinal, quem acreditava na estratégia da conciliação certamente foi traído, mas não traiu. 

Quem acreditava que fazendo um governo moderado, moderaria as classes dominantes; quem acreditava que a direita respeitaria o resultado das urnas e não daria mais golpes; quem acreditava no "republicanismo"; quem achava que estava ocorrendo uma "revolução democrática" no Brasil; quem confiava no Delcídio Amaral, no Vaccarezza e noutros deste tipo, não traiu. Foi traído.

Por qual motivo pessoas do grupo majoritário no PT têm tanta dificuldade de reconhecer isso?

Acho que há vários motivos. 

O principal deles é uma dificuldade imensa em formular uma estratégia alternativa a que foi implementada entre 1995 e 2016. 

Se admitirmos que a estratégia adotada naquele período foi estruturada em torno da conciliação de classe; e se admitirmos que o grande capital e a direita não querem conciliar e demonstraram isso da maneira mais golpista possível; o que nos resta é formular uma nova estratégia. 

Quem tem extrema dificuldade de formular esta nova estratégia prefere não reconhecer a existência do problema.

Mas como a realidade recoloca o problema todo santo dia, e como nós da esquerda petista insistimos no assunto, é preciso fazer e dizer algo. 

E como é mais fácil polemizar conosco do que enfrentar a dura realidade, uma parte da CNB adota o caminho de desqualificar a crítica que fazemos à estratégia da conciliação.

Mas esta desqualificação só é convincente para quem sofre de amnésia seletiva e esqueceu do Meirelles, do agronegócio, dos subsídios e isenções, da publicidade para os grandes meios, da repressão às rádios comunitárias etc etc etc.

Isto para não falar do voto em golpistas nas mesas diretoras. Outro exemplo da "estratégia de conciliação", agora pós-golpe. 

Detalhe: isso não é um assunto do passado.

É um assunto do presente.

A questão é: o caminho para derrotar Bolsnaro e o neoliberalismo, o caminho de um futuro governo Lula será guiado por qual estratégia?

Por uma estratégia de conciliação de classe?

Ou por uma estratégia para tempos de guerra?


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Quaquá e a eleição para governador do Rio de Janeiro

Quaquá tem um quê de Ciro Gomes: adora causar treta.

A treta da hora são as eleições para governador no Rio de Janeiro

Quaquá, que vem a ser vice-presidente nacional do PT, divulgou no dia 14 de outubro uma postagem onde afirma o seguinte:

“Política não é para amador!

“Prioridade no Rio é LULA! Precisamos isolar Bolsonaro e atrair o máximo de forças do centro pra esquerda para apoiar Lula!

“Minha posição é que o PT não tenha candidato a governador. Nosso candidato majoritário seja André Ceciliano pro Senado (Lula precisa de maioria no Senado!) e transitemos e organizemos palanque com Felipe Santa Cruz, Claudio Castro, Rodrigo Neves, Freixo e mais quem abrir pro Lula!

“Quero lutar para que Lula tenha de 60 a 70% dos votos do Rio de Janeiro e não se restrinja aos 30% tradicionais da esquerda...

“Qualquer um pode ter posição diferente da minha, eu respeito, mas as instâncias nacionais e estadual do PT não votaram decisão! Então ninguém tem autoridade pra censurar ninguém no PT! Isso aqui é um partido democrático! Isso aqui não é um partido stalinista!”

Vou aproveitar a condescendência magnânima de Quaquá e vou apresentar minha posição diferente.

Começo lembrando que Quaquá já defendeu aliança com bolsonaristas nas eleições municipais de 2022. 

Defendeu e levou: a maioria do Diretório Nacional do PT autorizou tais alianças, apesar da oposição pública de 6 ex-presidentes nacionais do PT (José Dirceu, Rui Falcão, Tarso Genro, Olívio Dutra, Ricardo Berzoni e José Genoíno).

Naquela época, Quaquá tirou sarro de Zé Dirceu, dizendo que Belford Roxo não tinha toda essa importância. Mas como se confirma mais uma vez, o episódio da aliança com um candidato que Quaquá dizia ser um "malandro" sinalizava o que viria pela frente.

Na sequência, Quaquá defendeu que a bancada do PT na Câmara dos Deputados apoiasse a candidatura do bolsonarista Arthur Lira à presidência da Câmara dos Deputados. 

Desta vez sua posição não prevaleceu, nem na bancada, nem no Partido. Mas prevaleceu na eleição, onde segundo dizem Lira recebeu alguns poucos votos vindos de certos partidos de esquerda.

Em seguida Quaquá publicou, em jornal de ampla circulação, um artigo acusando de criminosos aqueles que defendiam fazer atos presenciais pelo Fora Bolsonaro. 

Transcrevo: “não pode ser a esquerda que vai dar de braços a Bolsonaro, para sair as ruas pisoteando o túmulo de mais de 450 mil mortos e abrindo covas para caber mais tantos outros”. 

Quem se beneficiaria desta posição de Quaquá, caso ela prevalecesse? A resposta, mais uma vez, é Bolsonaro!

Depois Quaquá fez declarações públicas de apreço pelo governador do Rio de Janeiro, num contexto em que Claudio Castro transferia recursos (oriundos da privatização de uma empresa pública) para a cidade de Maricá. 

Mas engana-se quem acha que era (ou que era apenas) uma operação franciscana: como se constata pela postagem transcrita no início deste texto, Quaquá se move pela política, não apenas por 20 centavos, digo não apenas por R$ 100 milhões.

O caso é que agora Quaquá escalou, ao defender que o PT não tenha candidato a governador no Rio de Janeiro.

O pretexto? Lula.

(Será que algum dia vão proibir oportunistas de usar o nome de Lula em vão!?)

Segundo Quaquá, se o PT não tiver candidato a governador no Rio, Lula seria beneficiado com votos para sua candidatura presidencial e também com a eleição do senador André Ceciliano (outro que, como sabemos, tem muito apreço pela disciplina partidária).

Quaquá diz que precisamos “isolar Bolsonaro” atraindo “forças do centro pra esquerda”. 

Claudio Castro, tomem nota, seria segundo Quaquá um homem de “centro”, equiparável a Freixo, Rodrigo Neves e Felipe Santa Cruz.

Vale lembrar que o PT já decidiu que não terá candidato a governador no Rio de Janeiro. 

Como é público, o PT vem operando – com a participação pessoal de Lula – a favor da candidatura de Marcelo Freixo, que inclusive deixou o PSOL em direção ao PSB com este objetivo.

Portanto, o que Quaquá está defendendo é liberar os petistas para apoiar qualquer candidato a governador, inclusive Cláudio Castro. 

Usando o nome de Lula como pretexto, o que Quaquá está defendendo - mais uma vez – é apoiar um bolsonarista.

Não sei dizer se isto ajudaria eleitoralmente André Ceciliano. 

Tenho certeza de que isso ajudaria muito o próprio Quaquá, que não era favorável à manifestações de rua, mas está a toda fazendo sua campanha a deputado.

Mas Lula? Sua candidatura seria mesmo beneficiada como diz Quaquá?

Alguns dirigentes do Partido já se manifestaram, lembrando o impacto que teria, em nossa relação com o PSB nacional, a decisão de não apoiar Freixo e de “liberar” o voto para governador.

Do meu lado, pergunto que impacto teria sobre o povo do Rio de Janeiro, sobre a esquerda do Rio de Janeiro, sobre o PT do Rio de Janeiro? Que impacto teria no resto do país, uma decisão tão oportunista num estado de tamanha importância como é o Rio de Janeiro?

E que impacto teria não ter palanque para governador. Pois, vamos lembrar, quem acha que pode ter quase todos, pode acabar ficando sem nenhum, a depender de como evolua situação eleitoral e a aplicação da legislação.

Aliás, em que lugar do Brasil, desde 1982 até hoje, teria sido aplicada e onde teria dado certo a tática agora defendida por Quaquá? Só me lembro de dois palanques em 2006, em Pernambuco, mas numa situação absolutamente diferente.

O fato é o seguinte: a política defendida por Quaquá não é mesmo coisa de amador. É coisa de profissional. Oportunista profissional.

Até agora muitos setores do Partido vem adotando frente a Quaquá uma postura também oportunista, motivada por apoios nas eleições internas, por espaços institucionais etc. 

Espero que agora mais gente perceba que determinadas posturas de Quaquá - por exemplo estas reiteradas aproximações com bolsonaristas - não podem ser tratadas como um detalhe bizarro.



 

 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Recurso derrotado, mas o problema segue vivo

Os encontros setoriais do Partido são feitos sob um regimento interno aprovado pela CEN do PT.

Houve divergências várias na aprovação deste regimento.

Que possui lacunas curiosas (por exemplo, não prevê a obrigatoriedade dos encontros votarem as teses guia das chapas que disputam o setorial).

Seja como for, o regimento prevê que certos recursos devam ser apresentados em primeiro lugar às direções estaduais.

Foi o que eu fiz, no seguinte caso:

À Comissão executiva estadual do PT do Rio de Janeiro
Com base o artigo 20 do regimento dos encontros setoriais, venho por meio desta apresentar um recurso à comissão executiva estadual do PT do Rio de Janeiro.
O fato por mim questionado é o número de credenciados para participar do encontro setorial de saúde na cidade de Maricá, Rio de Janeiro.
1/no dia 13 de setembro,  havia 8.920 mil pessoas credenciadas no setorial de saúde em todo o Brasil;
2/nesse mesmo dia 13 de setembro, havia 2.580 pessoas credenciadas no setorial de saúde no estado do Rio de Janeiro; 
3/nesse mesmo dia 13 de setembro, havia 1.974 pessoas credenciadas no setorial de saúde na cidade de Maricá. 
4/para efeito de comparação,  as três cidades com maior número de credenciados depois de Maricá são as seguintes: São Gonçalo com 273 credenciados, a capital do Rio de Janeiro com 174 e Niterói com 37 credenciados. 
O fato é que uma uma única cidade concentra 22% do total de credenciados no setorial de saúde em todo o Brasil. 
Este nível de engajamento poderia ser legítimo, se resultasse da decisão individual dos filiados, motivados a reforçar um determinado setorial do Partido.
Mas este nível de engajamento torna-se ilegítimo na medida que resulte de uma operação coordenada e executada por terceiros, por exemplo distorcendo o estipulado pelo artigo 9o do regimento (que autoriza terceiros a fazerem o credenciamento de quem “por qualquer motivo” encontrar “dificuldades”).
Objetivamente, solicito que a executiva estadual do PT averigue os fatos e, confirmada a distorção, suspenda todo as pessoas que tiverem sido credencidas de maneira coletiva.
Atenciosamente, saudações petistas
Valter Pomar
13 de setembro de 2021


Mas a direção do PT do Rio não apreciou o recurso, que subiu para o Diretório Nacional.

Para o Diretório não, para a Câmara de Recursos.

Há vários anos, o Diretório Nacional do PT decidiu instituir esta tal "câmara de recursos".

Como a "Câmara" é composta por representação proporcional, é pressuposto que o resultado da Câmara expressará - em miniatura - aquilo que o DN decidiria.

Com isso desobstruimos a pauta do DN, que pode assim dedicar-se aos debates das grandes questões que - como sabemos - são o centro da pauta das frequentes reuniões da direção nacional daquele que um entusiasta já disse ser o "maior partido de esquerda do Ocidente".

Como sempre ocorre, a decisão de criar a Câmara teve efeitos colaterais negativos, mas falar disso fica para outro momento.

Seja como for, está previsto que deliberações onde o resultado na Câmara é mais apertado devem ser remetidas para o DN.

Tinha a expectativa de que isso poderia ocorrer no caso do recurso que fiz acerca de Maricá.

Mas não foi isso o que ocorreu.

Dos 7 integrantes da Câmara, 6 negaram provimento ao meu recurso.

Portanto - segundo as regras do Partido - o assunto está encerrado.

Infelizmente, o problema segue vivo: uma única cidade concentra 22% do total de credenciados no setorial de saúde em todo o Brasil. 

Caso estes 22% compareçam e elejam delegados, isto terá impacto sobre o setorial estadual e sobre o setorial nacional de saúde.

Isto não seria um grave problema, se 1/estes filiados militassem ou quisessem militar no setorial e/ou 2/se tivesem manifestado esta vontade por livre e espontânea vontade.

Mas há vários indícios de que não foi nada disso o que ocorreu. Apesar desses indícios, a Câmara de recursos não quis nem mesmo investigar o assunto, tal e qual pedia meu recurso.

O resultado é uma distorção na eleição do setorial, distorção que terá beneficiários e prejudicados.

Quem será beneficiado e quanto, se confirmará depois do fato consumado.

O fato é que a maioria absoluta dos integrantes da Câmara deu seu aval para isso.

Alguns eu entendo: acham normal o que está ocorrendo, não enxergam nenhum problema em mudar a natureza dos setoriais partidários, acham que tamanho é documento e por aí vai.

Outros sabem muito bem o que está ocorrendo e podem até não gostar, mas pelo visto compreendem que  como o regimento dos setoriais permite credenciamento de terceiros, esta permissão se aplica tanto para 1 pessoa quanto para 1.974 pessoas, como se a quantidade não se convertesse em qualidade.

Se este tipo de procedimento ajudasse a construir um partido de combate, ainda vá lá. Mas como vimos em episódios recentes da política do Rio de Janeiro (aliança com bolsonaristas em Belford Roxo, ataques públicos contra as manifestações presenciais pelo Fora Bolsonaro, declarações em favor de um governador bolsonarista etc.), o que se constrói com este tipo de procedimento é outra coisa, bem diferente do petismo.
















Elaph 2022

Hoje e nós próximos dias, faremos o planejamento da programação 2022 da Escola Latino-americana de História e Política.

O ponto de partida deste planejamento será uma síntese do que fizemos nos últimos (quase) quatro anos de funcionamento.

Os dados serão divulgados na noite desta quinta-feira 14 de outubro. Informaremos posteriormente o link youtube para quem quiser assistir online ou posteriormente.

O segundo passo será fazer uma análise dos cenários 2022, tendo como objetivo determinar como estes cenários impactam nas atividades da Escola. Esta discussão sobre cenários será realizada no dia 15 de outubro. O link youtube também será fornecido posteriormente.

O terceiro passo do planejamento 2022 da Elahp será a discussão da proposta de atividades e funcionamento em 2022.

Esta proposta deve levar em conta: 1/o debate sobre os rumos do país; 2/o debate sobre a situação mundial (especialmente EUA, China e América Latina e Caribe); 3/o debate vinculado a “efemérides” importantes (bicentenário da Independência, centenário da Semana de Arte Moderna, centenário da fundação do Partido Comunista, centenário do “início oficial” do movimento tenentista, centenário da fundação da URSS, os 90 anos da contrarrevolução de 1932, o aniversário da crise dos mísseis de 1962 e também do encontro Nixon/Mao etc.)

A proposta 2022 deve levar em conta, ainda, que o tempo livre que a militância terá para fazer cursos será menor do que em 2021; mas ao mesmo tempo a demanda por formação e informação de qualidade vai aumentar.

Finalmente, a proposta 2022 deve ser estruturada em torno das linhas de trabalho que já foram discutidas em reuniões anteriores, a saber:

I/cursos permanentes, ou seja, aqueles que buscamos oferecer sempre (sobre América Latina, sobre marxismo, sobre política, sobre desigualdades e diferenças);

II/cursos que respondem à algumas demandas conjunturais (por exemplo, sobre o papel das chamadas “frentes”, sobre a história da China e do PC chinês, sobre os Estados Unidos etc.);

III/cursos introdutórios (voltados à formação da militância de base, de curta duração);

IV/cursos autorais autogestionados (em que um professor organiza um curso);

V/seminários e debates (voltados à produção coletiva de conhecimento);

VI/aulas extras (tratamento em uma aula/atividade específica, de um tema quente, daquele mês, daquela semana, da véspera);

VII/atividades em parceria, conveniadas;

VIII/atividades dos núcleos regionais da Elahp (por exemplo, no Rio de Janeiro).

Nosso propósito é fechar as linhas gerais da programação 2022 no dia 16 de outubro, finalizar os detalhes nos dias 17 e 18 e divulgar oficialmente no dia 19 de outubro.

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

Episódio 12 de "A luta pelo socialismo no século XXI"

No dia 9 de outubro realizamos a décima-segunda jornada de debate sobre a luta pelo socialismo no século XXI.

Quem quiser acessar todas as jornadas realizadas até agora, pode buscar aqui: https://fpabramo.org.br/2021/06/03/fpa-e-pt-realizam-13-jornadas-de-debates-sobre-o-socialismo-no-sec-21/

Quem quiser assistir os debates do dia 9, pode buscar aqui:

Mesa manhã: https://www.youtube.com/watch?v=9CJJ5Vwg6t4

Mesa da tarde: https://youtu.be/iRXb6Tr1csI

Mesa da noite: https://youtu.be/H_RtbLuOPC4

Entre os assuntos tratados no dia 9 de outubro, destaco três temas: estratégia, poder, revolução.

O ponto de partida é uma constatação: a substituição do capitalismo pelo socialismo é em si uma revolução política, econômica, social e cultural.

Qualquer que seja a forma, o caminho, a maneira e o tempo que demore, o conteúdo do processo é revolucionário, no sentido de que altera radicalmente as bases de funcionamento da sociedade.

Por isto, falar de socialismo é falar de revolução.

Os capitalistas nacionais e estrangeiros fizeram, fazem e seguirão fazendo de tudo para impedir que esta revolução aconteça.

O “de tudo” inclui buscar manter grande parte da classe trabalhadora submetida à direção política e ideológica da classe capitalista; inclui tentar domesticar e/ou eliminar os setores minoritários da classe trabalhadora que são anticapitalistas; e inclui lutar para preservar seu poder através do “tratamento precoce” dos golpes e da contrarrevolução preventiva.

Um partido verdadeiramente socialista – ou seja, que não apenas fale de socialismo, mas que efetivamente lute pelo socialismo – precisa agir em sentido oposto ao da classe capitalista.

Ou seja: trabalhar para que a maior parte da classe se liberte da hegemonia capitalista, trabalhar para manter viva e intensa a luta anticapitalista, trabalhar para construir, conquistar e preservar o poder.

Não há como fazer isso, se não estivermos profundamente vinculados a classe trabalhadora realmente existente, às suas reivindicações, às suas lutas. Mas também não há como fazer isso, se não vincularmos as lutas imediatas com a luta pelo socialismo.

Esta vinculação pode ser feita de várias maneiras.

Uma delas é fazer, no enfrentamento de cada questão concreta, a crítica ao capitalismo e a defesa do socialismo.

Isto vale para o caso da pandemia, da vacina, da saúde privada e da saúde pública.

Para o caso do desemprego.

Para o caso da fome.

Para o caso da moradia e da vida nas cidades.

Para o caso da reforma agrária, do agronegócio e do meio ambiente.

Para o caso da inflação e da especulação financeira.

Para os direitos das mulheres, dos negros e negras, da juventude, dos povos indígenas, dos LGBT+, da classe trabalhadora e da imensa maioria do povo.

Para o caso da reindustrialização e do desenvolvimento.

Para o caso da soberania nacional, do bem estar social e das liberdades democráticas.

É preciso apresentar soluções concretas para enfrentar cada um destes problemas e, ao mesmo tempo, é preciso vincular tais problemas com o capitalismo e as soluções com o socialismo. 

E é preciso que cada luta deixe um saldo organizativo, acumule poder em favor da classe trabalhadora e reduza o poder da classe capitalista.

Parte da esquerda não compreende isso e coloca uma “muralha da China” entre a luta imediata e a luta histórica.

Um exemplo disso é a resistência a vincular nosso programa de reconstrução e transformação com o objetivo de construir o socialismo no Brasil.

Esta resistência apela a vários argumentos. Cito alguns: 1/falar de socialismo divide a frente necessária para atingir os objetivos imediatos; 2/as medidas imediatas não são socialistas; 3/primeiro vamos derrotar o neoliberalismo, depois lutemos contra o capitalismo; 4/construir o socialismo exige condições que não estão dadas.

Os argumentos acima são todos parcialmente verdadeiros.

Falar de socialismo efetivamente introduz contradições entre os que lutam pelos objetivos imediatos; mas sem introduzir estas contradições, como fazer para colocar o socialismo em debate numa sociedade que é hegemonicamente capitalista?

As medidas que defendemos para resolver os problemas imediatos do povo partem das condições existentes, portanto elas necessariamente incluem em alguma medida, maior ou menor, aspectos capitalistas; por isso mesmo, se não introduzirmos elementos socialistas nestas propostas, que diferença haverá entre nós e os defensores do capitalismo?

É preciso derrotar o capitalismo realmente existente, que neste momento é neoliberal; mas por isso mesmo é possível lutar para derrotar, não apenas o neoliberalismo, mas também o capitalismo. Trata-se de escolher até onde queremos e buscaremos ir. 

Construir o socialismo efetivamente exige condições que não estão dadas; mas quando é que elas estarão dadas, se não dermos os primeiros passos nesse sentido?

No fundo destas e de outras objeções, existe uma questão filosófica: a incapacidade de compreender como acontecem as transformações sociais. As mudanças não caem do céu, prontas e acabadas. Não existe transformação qualitativa, sem que anteriormente se acumulem elementos nesse sentido. Os que se recusam a tratar de socialismo hoje, inviabilizam o socialismo amanhã.

Um bom exemplo desta questão filosófica é, exatamente, a dificuldade que setores da esquerda têm, quando se debate o problema do poder de Estado.

O que parece ser consenso na esquerda? Que a classe capitalista construiu e controla, direta e indiretamente, uma série de instrumentos que permitem a ela explorar a classe trabalhadora. 

Esses instrumentos não trazem uma etiqueta informando isto; pelo contrário, são apresentados como se fossem instituições de toda a Nação, instituições de todo o povo, instituições democráticas etc.

Mas a realidade é: as forças armadas, as forças de segurança pública, o sistema judiciário, a alta burocracia de Estado, a imensa maioria dos parlamentos e dos executivos foram construídos e são conduzidos com o objetivo de manter o status quo. O mesmo pode ser dito acerca de outros instrumentos, como é o  caso dos sistemas públicos e privados de educação, cultura e comunicação.

Uma das provas de que tais instrumentos foram construídos e são conduzidos para preservar o status quo é que, quando acontece da esquerda conseguir maioria eleitoral, por exemplo numa eleição presidencial ou congressual, as demais instituições operam para domesticar, sabotar e no limite golpear a maioria de esquerda.

Por isso o golpe de Estado chama-se... golpe de Estado. É uma parte do Estado agindo contra outra.

E o motivo é simples: a classe capitalista não quer deixar de ser classe dominante. É esta resistência que torna impossível transformar capitalismo em socialismo sem uma revolução política.

Esta revolução pode assumir diferentes formas. Mas qualquer que seja sua forma, ela pressupõe que a esquerda anticapitalista compreenda que as instituições do Estado não são "vacas sagradas", mas sim instrumentos da classe capitalista para manter a exploração e a dominação por sobre a classe trabalhadora.

Parte da esquerda brasileira esqueceu disso ou mudou de ideia a respeito.

Depois de décadas disputando espaços nestas instituições, depois de décadas defendendo o setor público contra o neoliberalismo, depois de anos lutando contra as ameaças bolsonaristas, parte da esquerda se tornou defensora tout court das instituições de Estado, como se elas fossem um limite instransponível, como se o “sistema” fosse neutro, como se fosse possível transformar a ordem apenas ou principalmente por dentro da ordem.

Um debate difícil? Sem dúvida. 

Algo difícil de fazer na prática? Sem dúvida.

Mas um debate inescapável e um problema prático inadiável.

Não porque queiramos, mas porque o golpismo demonstrou mais uma vez que, num país como o Brasil, é muito pequeno o espaço para fazer mudanças por dentro da ordem. 

Aqui, se quisermos fazer mudanças profundas e duradouras, temos que estar dispostos a travar batalhas políticas muito mais profundas do que as eleitorais, por mais importantes que certas eleições possam ser.

Sem falar que nem as eleições livres, nem seu resultado positivo estão garantidos. 

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Ciro Gomes e os “fascistas vermelhos”

Ciro pode ser acusado de muita coisa, menos de ter sangue de barata.

Vale o mesmo para a militância do PT que foi à Avenida Paulista participar do ato contra Bolsonaro.

Sendo assim, era mais ou menos inevitável que ocorresse o que ocorreu.

Isto posto, vale a pena pensar sobre o que disse Ciro Gomes no encerramento de seu discurso no ato de 2 de outubro, a saber: “O povo brasileiro é muito maior do que o fascismo de vermelho ou de verde e amarelo”.

Esta frase – mesmo que tenha sido dita no “calor da emoção”, como as frases de Bolsonaro sobre o Supremo – é a prova de que Ciro não é apenas um ensaio de terceira via.

Ele tem pretensões de teórico da nova-velha-direita.

Vamos por partes.

Na política brasileira há muito mais do que petistas e bolsonaristas, há muito mais do que esquerda e extrema direita.

Esta é a esperança da direita gourmet, que busca construir uma terceira candidatura. 

Mas no caminho há duas dificuldades principais.

Primeira dificuldade: a polarização entre Lula e Bolsonaro reduziu o eleitorado que poderia alavancar esta terceira candidatura.

Segunda dificuldade: do ponto de vista programático, a tal terceira candidatura não é uma “terceira via”, pois tanto ela quanto o bolsonarismo são cúmplices na aplicação do programa neoliberal.

Para enfrentar estas duas dificuldades, os expoentes da terceira via escolheram concentrar fogo em Lula e no PT.

Fazem isso para tentar convencer o eleitorado de Bolsonaro de que seriam eles, da direita gourmet, os mais confiáveis para derrotar a esquerda e Lula.

Eleitoralmente falando, está tática não deu certo em 2018 e é mais difícil ainda que dê certo em 2022. 

Mas é uma tática coerente do ponto de vista de quem coloca o programa em primeiro lugar. 

E o programa desta gente é preservar as “conquistas políticas, sociais, econômicas e culturais do golpismo”.

E Ciro Gomes?

Ciro Gomes busca ir além disso.

Não se contenta em vomitar impropérios tipo “corrupção praticada pela organização criminosa”.

Seus objetivos não são meramente eleitorais.

Ciro defende um certo modelo de desenvolvimento nacional.

Neste modelo, o papel do povo é subalterno.

Mas para garantir esta subalternidade, é necessário "neutralizar" a esquerda.

No pós-Segunda Guerra Mundial isto foi feito utilizando diversos instrumentos, entre os quais "argumentar" que a luta contra o comunismo seria uma continuidade da luta contra o nazismo.

Nazismo e comunismo seriam "totalitários".

Esta é a pré-história da afirmação de Ciro sobre a esquerda fascista.

Mas há uma diferença.

No Brasil, está afirmação tem digitais... neofascistas.

Por exemplo Olavo de Carvalho: https://www.estudosnacionais.com/32886/olavo-de-carvalho-explica-os-profundos-vinculos-entre-nazismo-e-a-esquerda/

Por exemplo Ernesto Araújo: https://www.poder360.com.br/governo/ernesto-araujo-reafirma-em-texto-que-nazismo-e-fascismo-sao-de-esquerda/

Por exemplo Bolsonaro: https://www.dw.com/pt-br/partidos-alem%C3%A3es-condenam-absurdo-de-bolsonaro-sobre-nazismo/a-48221777

Em resumo: faz tempo que Ciro Gomes não está mais costeando o alambrado.

Seu lugar no espectro político brasileiro não é a esquerda, nem mesmo o centro.

E seu ódio contra Lula e contra o PT não deixam nada a dever ao bolsonarismo.

E se tiver chance, Ciro Gomes vai botar para quebrar.

Que apesar disso tudo ele ainda seja tratado por alguns como aliado malcriado, só Freud explica.


Resolução sobre os encontros setoriais do PT

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda debateu o processo de eleição dos setoriais do Partido e aprovou a seguinte resolução.

1.Os setoriais do PT foram criados como espaço para debater em profundidade os temas de cada área de atuação do Partido e para articular a militância que atua ou deseja atuar em cada setor.

2.Desta definição decorre a existência de um conjunto de regras específicas para a eleição dos setoriais, diferentes das regras que prevalecem no processo de eleição direta das direções partidárias. Entretanto, por conta da pandemia, foram aprovadas regras que -na prática – contribuíram para distorções que podem levar a deformar os objetivos pelos quais o PT tem setoriais.

3.O PT tem 2 mihões e 400 mil filiados. Destes, pouco mais de 100 mil se inscreveram para participar dos setoriais. Portanto, um número que não é exagerado. Entretanto, em alguns setoriais houve “cadastramento em massa”, ou seja, cadastramento por terceiros de grande número de filiados que não têm histórico de militância no respectivo setorial. Isso, mais o complexo processo de participação e votação, pode levar a que – em alguns setoriais – haja uma dupla deformação: primeiro, no resultado de eleição das chapas; segundo, na natureza dos setoriais.

4.O caso mais gritante até agora é o de Maricá (RJ), que sozinha concentra grande parte dos filiados que optaram pelos setoriais de cultura e de saúde em todo o país. Na saúde há 8.921 credenciados no país, sendo 2.578 no estado do Rio de Janeiro, dos quais 1.973 são em uma única cidade: Maricá. Na cultura há 27.064 credenciados em todo o país, dos quais 2.987 em Maricá. Para efeito de comparação, em todo o estado de Sâo Paulo há 2.455 credenciados.

5.Outro caso que chama a atenção é o da Bahia, onde foram utilizados em escala industrial e-mails “não convencionais” para registrar filiados. Os que cometeram estes ilícitos não são menos culpados do que aqueles que, sabendo do fato, permanecem em silêncio e são na prática coniventes com o ocorrido.

6.Registramos, finalmente, que a secretaria nacional de organização do PT não contribui – muito antes pelo contrário – para preservar a natureza dos setoriais como espaço democrático da militância que atua em cada área. A pressão que a secretária faz em favor de chapas únicas e em favor de aclamação sem votação, além de poder ser antidemocrática, pode também contribuir para ampliar artificialmente o quórum, fazendo “desaparecer” as irregularidades já apontadas.

7.Seguiremos combatendo publicamente estas práticas, não apenas porque elas corrompem o PT, mas também porque corrompem os que – sabendo de tudo – nada fazem. Também por isso, seguiremos lançando mão de todos os direitos que o estatuto partidário  nos garante, inclusive o de fazer todos os recursos cabíveis às instâncias partidárias. Como alguém já disse, não gostaríamos de estar na pele dos que vencem a luta interna usando deste tipo de expediente.


Análise das manifestações de 2 de outubro e resolução sobre conjuntura

A direção nacional da tendência petista Articulação de Esquerda, reunida no dia 3 de outubro de 2021, aprovou a seguinte resolução sobre a conjuntura e nossas tarefas.

1.No dia 2 de outubro aconteceu mais uma rodada de manifestações pelo Fora Bolsonaro. Novas manifestações já estão sendo organizadas, em especial nos dias 15 e 20 de novembro (neste último caso, em torno do Dia da Consciência Negra, que ganha redobrada importância na atual conjuntura).

2.As manifestações do dia 2 de outubro aconteceram em grande número de cidades no Brasil e no exterior, reuniram centenas de milhares de pessoas, envolveram um amplo leque de forças políticas. Em comparação com outras manifestações, algumas foram maiores e outras menores, mas em todas parece ter ocorrido uma maior presença de setores populares, não apenas militantes.

3.Ao mesmo tempo que destacamos a potência das manifestações, é preciso reconhecer que elas não têm a força necessária para obrigar o presidente da Câmara dos Deputados a colocar em votação um dos mais de 160 pedidos de impeachment, nem a força suficiente para forçar a maioria do Congresso a aprovar o afastamento imediato do presidente.

4.Aliás, embora se tenha falado muito que as manifestações do dia 2 de outubro seriam mais “amplas” do que as anteriores, a verdade é que os setores de centro e centro-direita não demonstraram grande capacidade de mobilização. No fundamental, como acontece desde o início deste ano, quem foi às ruas dia 2 de outubro foi a militância e a base social da esquerda. Os demais setores compareceram, no fundamental, com discursos.

5.Sendo assim, cabe perguntar: as manifestações atingiram um “teto” ou é possível ampliar? Em caso negativo, existe algum outro caminho para viabilizar o impeachment? Se não existe, qual o lugar da luta pelo Fora Bolsonaro em nossa tática?

6.Somos de opinião que é possível ampliar, é possível fazer no dia 15 de novembro manifestações mais potentes do que as de 2 de outubro. Mas para isso é necessário que nosso Partido dos Trabalhadores faça três ajustes na sua tática e um ajuste organizativo.

7.Até o momento temos insistido em não confundir a luta pelo Fora Bolsonaro e a disputa eleitoral. Isto está correto e devemos continuar evitando esta confusão. Por isto, apoiamos a ampliação do leque de partidos convocantes e também apoiamos que pré-candidatos à presidência de outros partidos fizessem uso da palavra nos atos. Isto está correto e devemos continuar apoiando a participação de todos que defendem o impeachment. Entretanto, se é assim, então podemos e devemos ampliar o engajamento de Lula na convocatória e convidar Lula a que seja um dos oradores dos atos de 15 de novembro (sendo que o discurso de Lula poderia ser transmitido ao vivo em todos os atos).

8.O primeiro ajuste tático, portanto, é ampliar o engajamento de Lula nos atos. O segundo ajuste tático é aumentar a pressão sobre Lira e sobre o Congresso: quem não apoia o impeachment deve ser alvo de uma campanha de escracho público. O terceiro ajuste tático consiste em enfatizar a pauta do povo, não apenas destacando a ideia resumida na palavra de ordem “Fora Bolsocaro”, mas também deixando explícito que estamos lutando pelo impeachment como atalho para um governo democrático e popular.

9.É possível que setores de centro e centro-direita reclamem destes ajustes táticos. Acontece que sem eles, não conseguiremos ampliar qualitativamente a mobilização e – portanto – estaremos condenando a campanha pelo Fora Bolsonaro a morrer na praia. Evidente que mesmo com estes ajustes, é possível que não tenhamos êxito e Bolsonaro siga governando entre o período que vai das festas de fim de ano até o carnaval. Entretanto, caso isso ocorra, que seja após termos tentado tudo que estava ao nosso alcance.

10.Além dos ajustes políticos acima citados, é necessário um ajuste organizativo. Embora a convocatória e a presença de Lula façam grande diferença, isto não basta: é preciso também criar um comando de mobilização nacional, capaz de operar efetivamente em favor da presença das periferias e das camadas mais populares.

11.Caso estes ajustes não tenham êxito, a realidade vai se impor e – salvo algum fato extraordinário, que não dependa da pressão popular – Bolsonaro seguirá na presidência e usará isto tanto no sentido de ampliar suas possibilidades eleitorais, quanto no sentido de golpear as liberdades democráticas.

12.Neste caso, é preciso estar atento para duas situações. A primeira delas é que só venceremos esta guerra se nossa candidatura polarizar em defesa da pauta do povo. E defender a pauta do povo implica em confrontar-se com o programa neoliberal, que é defendido não apenas por Bolsonaro, mas também pela direita não-bolsonarista. O que significa dizer que não existe nem existirá espaço para “frente ampla”, pois a única frente ampla admissível para  a direita não bolsonarista é aquela que implica em manter as políticas de Guedes et caterva. Aliás, o mesmo vale para o cenário em que Bolsonaro é afastado: neste caso disputaremos diretamente com a mal denominada terceira via, ou seja, com os defensores do programa neoliberal. Por este motivo, qualquer que seja o cenário, é fundamental que o debate programático ganhe centralidade, inclusive para preparar o povo para os enfrentamentos que virão, para reverter as medidas adotadas pelos golpistas desde 2016 e para realizar as transformações estruturais que são indispensáveis se quisermos garantir a soberania, o desenvolvimento, as liberdades democráticas e os direitos sociais.

13.A segunda delas é que a campanha de 2022 não será uma disputa eleitoral, mas uma guerra política e ideológica. Seja contra Bolsonaro, seja contra a terceira via, a esquerda, o PT e Lula serão atacados de maneira brutal. Os bordões “organização criminosa” e “nossa bandeira nunca será vermelha” serão utilizados diuturnamente. Para enfrentar este tipo de ataque, será preciso um partido preparado para tempos de guerra, disposto não apenas a responder à altura, mas também disposto a atacar com toda força. Além disso, precisaremos de um partido capaz de enfrentar as maiorias conservadoras que controlam e provavelmente continuarão sustentando as instituições. Hoje estamos muito longe disso, seja no plano político, seja no plano organizativo, entre outros motivos porque setores do Partido têm ilusões no comportamento da direita não bolsonarista e no comportamento do grande empresariado; a esse respeito, é importante lembrar os ataques não apenas de Ciro e Dória, mas também da grande mídia contra Lula.

14.Por todos estes motivos, a maior certeza que emerge deste 2 de outubro é: nada está garantido. Nem a eleição presidencial, nem nossa vitória, nem nossa posse, nem nosso governo. Por isto, aos que acham que pesquisa ganha eleição, aos que só pensam em eleições, aos que já pensam em montagem de governo e aos que estão costurando alianças pela direita em nome da suposta governabilidade, lembramos que colheremos nas urnas o que plantarmos nas ruas, desde já.

Tarso Genro e as tripas do fascismo

No dia 2 de outubro de 2021 foi publicado pelo Sul21 um texto do companheiro Tarso Genro intitulado “Rosa Luxemburgo e Bobbio: vestibular da terceira via?”.

O texto está aqui:

https://sul21.com.br/opiniao/2021/10/rosa-luxemburgo-e-bobbio-vestibular-da-terceira-via-por-tarso-genro/

O texto começa bem, lembrando os vínculos entre neofascismo e neoliberalismo. 

Motivo pelo qual, para setores da direita, segundo Tarso, o problema de Bolsonaro seria não estar “oportunizando – de maneira consequente – que Paulo Guedes faça as suas reformas devastadoras do Estado Social até o fim”.

Chegando neste ponto do raciocínio, Tarso substitui a análise pelo desejo.

Citemos Tarso: “Esta postura da direita e dos seus epígonos neoliberais gera uma consequência e duas oportunidades, para a oposição democrática – de esquerda e centro esquerda – na sua relação com um suposto “centro” republicano no país. A consequência é que este “centro”, representado pela caricatura do “centrão”, não pode ser num próximo governo democrático o fiel da estabilidade institucional, porque a tentativa de regeneração republicana das instituições será fulminada por ele, como ocorreu com todos os Governos depois de 88”.

A análise concreta indica que o problema não é apenas o Centrão, mas também a direita gourmet, a começar pelo PSDB, MDB, DEM, PSD et caterva.

Acontece que reconhecer isto seria aceitar que a “frente ampla” é uma ficção (além de uma fixação).

Talvez por isso, Tarso concentra a crítica no Centrão.

E graças a isso pode especular sobre a formação de um bloco “democrático republicano” de oposição ao Bolsonarismo, com uma “agenda ampla e comprometida com a estabilidade democrática: combate à devastação socioambiental, a guerra à devastação humana pela fome, a retomada do crescimento da economia por fora do “rentismo”, com uma política externa que recupere a dignidade nacional no fragmentado espaço global onde todas as crises se inspiram”.

No plano teórico, Tarso tem razão: “esta agenda não é só da esquerda”. 

Acontece que no “cenário nacional de hoje” a direita gourmet não aceita esta agenda.

É por isso - e não por conta da “estreiteza de visão” de qualquer setor da esquerda - que a “unidade contra o fascismo” terá que será uma “frente popular”, não a quimérica "frente ampla".

Acontece que só uma frente popular pode adotar uma “uma linguagem unitária de rejeição dos dogmas fascistas”, pois só uma frente popular pode combater os dogmas neoliberais que “arruínam as condições mínimas de solidariedade social”.

Óbvio que se a frente popular tiver muita força e êxito, pode obrigar setores da direita gourmet a mudar de posição. 

Mas este pode ser um ponto de chegada, nunca um ponto de partida.

Tarso de certo modo reconhece isto, ao reconhecer ser “importante que todos os blocos políticos reais apresentem seus candidatos à Presidência”. 

Mas falta enunciar o motivo de fundo, a saber: um "novo Brasil" surgirá apenas quando - adaptando a frase de Jean Meslier - “o neoliberalismo for enforcado nas tripas do fascismo”.

Não cito a frase original, porque está tarde e é hora de dormir.


domingo, 3 de outubro de 2021

Milton Temer e a seriedade

Milton Temer foi do PCB, foi do PSB, foi do PT e agora está no PSOL, sempre comunista e sempre combativo, mesmo quando defendia posições bastante moderadas. 

Sendo assim, vou relevar os exageros retóricos (“truque de mágico de circo”, “suposta esquerda”, “prestidigitação política”, “dupla personalidade”) da crítica que ele faz a meu texto, numa postagem intitulada “Fala sério, Valter Pomar!”

O meu texto está aqui: 

http://valterpomar.blogspot.com/2021/10/o-psol-deu-um-importante-passo-esquerda.html

A crítica de Temer está aqui:

https://www.facebook.com/100000798866786/posts/4392266810809904/

Tirando os exageros retóricos, de que Temer me acusa?

De jogar “um tapete sobre o passado recente do PT que cumpriu mandatos presidenciais sem promover uma sequer das exigidas reformas estruturais esperadas de um governo minimamente popular e democrático”. 

A prova de que esta crítica não procede, a prova de que não minimizo os erros cometidos, é dada pelo próprio Temer, que cita as posições que eu defendi e defendo publicamente em inúmeras atividades e ocasiões.

Acontece que o que está em questão não é o balanço dos governos Lula e Dilma.

O que está em questão não é o que o PT fez ou deixou de fazer quando esteve no governo. 

O que está em questão, em minha opinião, é como criar as melhores condições para derrotar Bolsonaro e o neoliberalismo, de forma tal que torne possível um governo que seja mais radical do que o iniciado em 2003.

Este “como” não se limita ao que acontece nas urnas. 

Pelo contrário, depende no fundamental do que acontece nas ruas.

Entretanto, quando está em discussão a tática especificamente eleitoral, quais seriam as alternativas?

Do meu ponto de vista, ou seja, do ponto de vista de um petista, trata-se entre outras coisas de construir uma frente de esquerda.

Por óbvio, do ponto de vista do PT, o melhor que o PSOL pode fazer é contribuir na construção desta frente de esquerda.

Quais seriam as demais alternativas do PSOL?

Uma alternativa seria ter candidatura própria no primeiro turno e não apoiar ninguém no segundo turno, como fizeram HH, PAS e LG. 

Acredito desnecessário argumentar que, especialmente nesta conjuntura de neofascismo, repetir a tática de 2006, 2010 e 2014 seria um absurdo sem tamanho.

(Vale registrar que, nos citados segundos turnos, amplos setores da militância e do eleitorado do PSOL fizeram a coisa certa.)

Outra alternativa seria o PSOL ter candidatura própria e apoiar o PT apenas no segundo turno, como fez Boulos em 2018 e como entendo que Temer defende para 2022.

Para nós do PT isto seria muito ruim. E seria ruim para o povo brasileiro.

Já as razões pelas quais isto também seria um erro – do ponto de vista do PSOL – estão em parte no texto de Luís Felipe Miguel.  

Portanto, noves fora, resta a alternativa que Temer ataca, mas que foi majoritária no congresso do PSOL, embora de uma forma um pouco, digamos, tímida.

Esta alternativa – abrir a possibilidade de apoiar o PT no primeiro turno - não deveria causar tanto espanto a quem, como Milton Temer, apoiou Lula em 2002, desde o primeiro turno, apesar da Carta aos Brasileiros. 

Aliás, salvo engano, até o PSTU apoiou Lula no segundo turno de 2002. 

Ninguém estava enganado ou se enganando. E suponho que ninguém se arrependeu do que fez.

O tema de fundo é o seguinte: no terreno eleitoral, a derrota de Bolsonaro passa por Lula.

Por isso, apoiar Lula agora, desde o primeiro turno, é um importante passo à esquerda. 

No segundo turno entre Lula e Alckmin, entre Dilma e Serra, entre Dilma e Aécio, o PSOL não apoiou as candidaturas do PT. 

Frente a isto, o apoio a Haddad no segundo turno de 2018 foi um passo à esquerda. 

E, de meu ponto de vista, defender o apoio a Lula no primeiro turno de 2022 é outro passo à esquerda.

Temer acha que “isso só pode ser considerado guinada à esquerda por quem já colocou sua barra muito à direita”.

Não lembro de ter falado em “guinada”. 

Mas de fato a "barra" está pesada.

Logo, a situação política do Brasil recomenda uma frente de esquerda nas eleições de 2022. 

Neste sentido, a decisão do PSOL é um passo importante à esquerda e pode contribuir para que um futuro governo Lula não repita erros cometidos no passado.

Pode dar tudo errado? Sempre pode. 

Mas em alguns momentos da história, “marcar posição” não é o melhor jeito de "falar sério".


A ÍNTEGRA DO TEXTO CITADO

FALA SÉRIO, VALTER POMAR!!  Militante formulador da suposta esquerda do neoPT, nos comprova nesse artigo sobre o Congresso do PSOL como se faz um exercício de prestidigitação política. Ou seja, como se tira ás da manga para  justificar algo que eludimos para não ter que discutir. Porque a ser uma avaliação autêntica, só posso identificar uma dupla personalidade política no meu amigo. Não dá para compatibilizar o que hoje ele escreve com o que disse sobre seu partido em seminários internos que acompanhei, aplaudindo, em várias de suas edições regionais, e na entrevista que concedeu ao seu principal parceiro na dita esquerda petista, Btrno Altman. 

O PSOL TERIA FEITO uma guinada à esquerda, segundo Valter, ao terminar seu VIl Congresso insinuando, por impossibilidade política de o fazer de forma expressa, um apoio a Lula no primeiro turno das eleições de 2022.

OU SEJA, e aí está o truque de mágico de circo que o comentarista externo opera, Joga um tapete sobre o passado recente do PT que cumpriu mandatos presidenciais sem promover uma sequer das exigidas reformas estruturais esperadas de um governo minimamente popular e democrático.  Reforma Tributária e Reforma Política que pusesse fim à privatização do Público por conta do grande capital? Qual o que...Não é demasi pretender ser o referencial do que é a esquerda brasileira?

ORA, MEU CARO Valter, a leitura correta deve ser a oposta a que faria quem não defende interesse específico de ium apoio incondicional a Lula, qualquer que sejam os movimentos de reaproximação com o que já causou, como aliados, imensas tragédias para o PT. 

É NA DIREÇÃO de um Lula enigmáticó quanto à amplitude do laço de alianças que propõe com setores das classes dominantes, que a nova maioria propõe aproximção. E isso só pode ser considerado guinada à esquerda por quem já colocou sua barra muito à direita.

OU OS QUE SE PRETENDEM esquerda  petista, que você vocaliza, tem saudades da parceria Palocci/Meirellles e o upgrade ao neoliberalismo tucano que empreenderam no primeiro governo Lula?  Ou a esquerda petista já esqueceu que o desmonte da Seguridade Social pública nos governos de Michel Golpista e Bolsonaro/Guedes encontraram seu motor de arranque na própria contra-reforma implantada por Lula contra os servidores? Ou a esquerda petista joga para escanteio o crime de entregar a um meliante como Gedel o controle de parte essencial da Caixa Econômica? Ou das benesses concedidas em cargos ao gangster Eduardo Cunha, por quem terminaram apunhalados?

O QUE FEZ NASCER O PSOL, caro Valter, foi política que hoje, em âmbito interno, você não hesita em apontar como razão de fracasso que não pode se repetir.  Ou vamos esquecer do meliante Roberto Jefferson, então aliado do governo, criticando a bancada tucana, por não votar o que então propunha o governo Lula, exatamente no mesmo sentido do que era proposto pelo mandarinato FHC?

O QUE FEZ nascer o PSOL foram as sequelas do Pacto Coonservador de Alta Intensidade, compensados por um Reformismo Fraco, como bem sintetizou o insuspeito André Singer em seu “Os Sentidos do Lulismo”? 

NÃO COGITO DE MITIFICAR O PSOL. Pelo contrário. Não são poucas as ressalvas que apresento à sua crescente subalternidade ao movimentismo identitário, com viés liberal. Não são poucas as ressalvas que faço à crescente ocultação do partido como agente do mundo do trabalho na Luta de Classes. E isso está bastante no artigo de Luis Felipe Miguel que você cita. Ali está a leitura mais correta, do ponto de vista da Academia, do que resultou do VII Congresso.

NÃO HESITO, portanto, em ler o VII Congresso no sentido oposto ao que você pretendeu retratar. São 44% de esquerda, unificados em torno de uma candidatura própria; unificados, contra 56% cujas hesitações não permitem aos líderes das duas tendências mais importantes dessa nova maioria se pronunciar oficialmente em favor daquilo que operam nos bastidores: o apoio a Lula no primeiro turno

E NÃO TENHA DÚVIDAS, Valter, assim como nas eleições anteriores de Lula e de Dilma, não hesitarei em estar - mantida a polaridade atual - entre os que, não só votarão, como farão campanha para Lula. Esperando que, desta feita, o neoPT retorne ao PT que tive a honra de representar no Parlamento. 

Luta que Segue