segunda-feira, 13 de julho de 2020

Momento socialdemocrata versus ofensiva socialista





(O que segue abaixo é o roteiro da fala feita no seminário indicado no card acima.)

Boa tarde a todos e a todas que estão acompanhando esta atividade.

Boa tarde em especial ao Tarso, Dirceu, Ominami e Javier Miranda.

Agradeço pelo convite.

Me foi sugerido que eu falasse sobre:

1/os próximos passos da esquerda no enfrentamento de Bolsonaro e

2/a  tentativa de sua domesticação por parte das elites.

Inicio lembrando que o PT venceu 4 eleições presidenciais seguidas: 2002, 2006, 2010, 2014.

No dia seguinte a quarta derrota, uma fração da classe dominante brasileira decidiu dar início a uma operação golpista.

Esta operação foi desenvolvida em 4 etapas.

1/O impeachment contra Dilma.

2/A operação Lava Jato contra Lula.

3/O governo Temer e seu programa de ajuste ortodoxo.

4/A eleição de um presidente ligado ao PSDB, que então supostamente receberia o país pronto para "retomar o crescimento".

O impeachment e a Operação Lava Jato foram exitosas.

Dilma foi deposta e Lula foi preso e impedido de disputar as eleições.

A terceira parte da operação golpista foi parcialmente exitosa.

Embora não tenha conseguido implementar a reforma da previdência, conseguiu implementar a reforma trabalhista, afetando pesadamente a capacidade do sindicalismo.

Mas o efeito colateral foi fatal.

O desastre econômico social causado pelo governo Temer afetou negativamente o desempenho das candidaturas presidenciais vinculadas ao PSDB e ao PMDB.

A quarta parte da operação golpista não foi exitosa.

Quem iniciou o golpe, não colheu seu principal resultado.

Por um lado a prisão de Lula não impediu o PT de levar a candidatura de Haddad ao segundo turno.

Mas, por outro lado, a prisão de Lula deixou órfão um eleitorado que foi atraído pela candidatura populista da extrema direita, Bolsonaro, que correu por fora, atraiu as bases eleitorais da direita tradicional, foi ao segundo turno e venceu.

O governo Bolsonaro, portanto, é fruto do golpe, mas não é e nunca foi o candidato preferido dos demais setores do golpismo.

Bolsonaro tomou posse em janeiro de 2019.

18 meses de governo.

Neste período, vem cumprindo seu programa:

1/submissão aos Estados Unidos & distanciamento total da política externa anterior, não apenas a dos governos petistas, mas também a dos governos do PSDB;

2/política econômica ultraliberal, que se tiver êxito concluirá a conversão do Brasil, de potência industrial, em “potência” primário exportadora, o que tem como desdobramento lógico o fato de que hoje cerca de 40 milhões de brasileiros e brasileiras gostariam de ter empregos, mas não tem, segundo dados do IBGE, número que tende a crescer;

3/destruição das políticas sociais de Estado, no limite substituindo-as pela concessão de uma ajuda monetária aos mais pobres, para que comprem no mercado privado serviços de saúde, educação etc;

4/restrição das liberdades democráticas, combinando tutela militar sobre o governo, política de segurança publica que criminaliza os protestos, combinada com o DESEJO ainda não realizado de predomínio do executivo sobre o legislativo e o judiciário (onde tem maioria outros setores da classe dominante) e, se puderem, supressão do funcionamento legal do PT;

5/ofensiva ideológica contra a esquerda e contra o pensamento iluminista e racionalistas em geral, baseado num pensamento fundamentalista pentecostal.

(uma broma: quando Celso Amorim acusou o atual chanceler Ernesto Araújo de querer voltar à Idade Média, o chanceler respondeu que não sabia se isto era uma crítica ou um elogio)

A pandemia não interrompeu a aplicação deste modelo.

Ao contrário, vem servindo de pretexto ou de cobertura para acelerar a implementação deste modelo.

A própria política adotada pelo governo frente a pandemia é compatível com seu programa, a saber, a política de imunização de rebanho, que produz como efeito colateral até agora 70 mil mortos. 

O equivalente ao número de brasileiros que morreram durante todo o ano de 2017, vítimas de homicídios. 

De maneira geral, a pandemia, embora tenha gerado desgastes do governo junto aos setores médios, foi útil para o governo, entre outros motivos porque reduziu a capacidade de mobilização callejera contra o governo.

A mobilização ocorre, entretanto, tendo como móveis:

1/a luta geral contra o governo;

2/a insatisfação com a situação econômica e social do país;

3/o repúdio ao fascismo, ao racismo, a misoginia etc.

4/a indignação com o fato do clã familiar ter vínculos com o crime organizado;

5/a política sanitária do governo.

Estes motivos são tantos, e tão profundos, que espanta a resiliência do governo.

Por que ainda não caiu?

Essencialmente, porque os setores da classe dominante que controlam o Judiciário e o Congresso Nacional – que hoje teriam os meios para fazê-lo – preferem um acordo com Bolsonaro.

Motivos?

-primeiro, porque ele mantém uma base popular expressiva e militante (30%);

-segundo, porque parte do apoio de Bolsonaro está armado (FFAA, polícias, milícias etc.);

-terceiro, porque Bolsonaro tende a reagir violentamente a um processo de impeachment (não agiriam de maneira “republicana”, como fizemos nós do PT);

-quarto, porque a política econômica de Bolsonaro é no geral respaldada pela classe dominante, embora haja atritos importantes;

-quinto, porque uma parte das elites teme que tirar Bolsonaro poderia favorecer a esquerda e particularmente poderia favorecer o PT;

-sexto, porque a mobilização popular em favor do impeachment é menor do que seria necessário para compensar as cinco variáveis anteriormente citadas.

Vale dizer que, caso as elites sejam obrigadas a tirar Bolsonaro, a preferência da maior parte da classe dominante é que o governo seja assumido pelo vice-presidente da República, general Mourão.

O que não alteraria o rumo geral do governo e, pelo contrário, poderia lhe dar maior eficácia.

Cabe lembrar que há eleições municipais no final deste ano.

Estas eleições municipais provavelmente coincidirão com uma piora significativa da situação econômica, social e sanitária.

Frente a isto, o que vem fazendo os setores que não votaram em Bolsonaro?

É importante lembrar que o Brasil tem 210 milhões de habitantes, dos quais 147 milhões são eleitores.

Destes, 31 milhões se abstiveram e 11 milhões votaram branco ou nulo.

Dos 105 milhões que votaram em um dos candidatos que foram ao segundo turno, 47 milhões (45%) votaram em Haddad e 57 milhões (55%) votaram em Bolsonaro.

Portanto, a maior parte do eleitorado não votou em Bolsonaro: 57 milhões em 147 milhões.

O que pensam estas pessoas?

Uma das pesquisas mais recentes mostra que 55% defende o impeachment.

Embora haja esta maioria a favor do impeachment, há uma evidente divisão nas forças de oposição, com alguns setores apostando no acordo com Bolsonaro, outros concentrando as energias em afastar Bolsonaro (mesmo que isso implique na posse de Mourão), e terceiros (como nós do PT) defendendo a necessidade de afastar Bolsonaro e Mourão e convocar novas eleições presidenciais.

Qual a chance de prevalecer uma saída popular?

Se não houver mobilização, nenhuma chance.

Se houver mobilização, as chances são médias.

E, como disse antes, é provável que o segundo semestre seja de muita crise e muita luta.

Por isso, a bandeira do Fora Bolsonaro tem uma chance de se materializar.

Qual a chance, por outro lado, de prevalecer uma saída em que o bolsonarismo vire a mesa e instale algum tipo de “ditadura”?

Hoje, baixas.

Mas é uma possibilidade permanente, até porque num ambiente de crise profunda, uma minoria audaciosa & armada pode impor sua vontade sobre uma maioria amedrontada.

E, no caso, não estamos diante de uma minoria armada, mas sim diante do aparato das forças armadas e das policias militares estaduais.

Até aqui me limitei a descrever, espero que de maneira objetiva, o cenário.

Um último comentário, para encerrar: não acredito, nem no mundo, nem na América, nem no Brasil, que a saída mais provável desta crise seja um “momento socialdemocrata”, como disse um palestrante que me antecedeu.

O mais provável é que o capitalismo aproveite a crise sistêmica para destruir forças produtivas (a começar pelos seres humanos), concentrar e centralizar capitais, substituir trabalho vivo por trabalho morto, aprofundar a exploração das periferias pelos centros, desencadear um novo ciclo de expansão capitalista hiper conservador, onde tudo será muito mais difícil para aqueles que lutam pelo socialismo.

Isto pode ser feito usando o mercado ou usando o Estado. 

É um erro identificar a presença do Estado, com a presença de políticas de bem estar social e de liberdades democráticas.

Por tudo isto, eu não acho que o mais provável seja um momento social democrata.

A não ser que, como ocorreu entre 1914 e 1945, haja uma onda de radicalização revolucionária socialista, que obrigue o capitalismo a um acordo.

Dito de outro jeito, para que ocorra um desenlace social-democrata em alguns regiões do mundo, será preciso que ocorra não exatamente uma ofensiva progressista, mas sim um imensa ofensiva socialista revolucionária.

Obrigado.

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