(O que segue abaixo é o roteiro da fala feita no seminário indicado no card acima.)
Boa tarde a
todos e a todas que estão acompanhando esta atividade.
Boa tarde em
especial ao Tarso, Dirceu, Ominami e Javier
Miranda.
Agradeço
pelo convite.
Me foi
sugerido que eu falasse sobre:
1/os
próximos passos da esquerda no enfrentamento de Bolsonaro e
2/a tentativa de sua domesticação por parte das
elites.
Inicio
lembrando que o PT venceu 4 eleições presidenciais seguidas: 2002, 2006, 2010,
2014.
No dia seguinte
a quarta derrota, uma fração da classe dominante brasileira decidiu dar início
a uma operação golpista.
Esta operação
foi desenvolvida em 4 etapas.
1/O
impeachment contra Dilma.
2/A operação
Lava Jato contra Lula.
3/O governo
Temer e seu programa de ajuste ortodoxo.
4/A eleição de
um presidente ligado ao PSDB, que então supostamente receberia o país pronto para "retomar o crescimento".
O impeachment
e a Operação Lava Jato foram exitosas.
Dilma foi
deposta e Lula foi preso e impedido de disputar as eleições.
A terceira
parte da operação golpista foi parcialmente exitosa.
Embora não
tenha conseguido implementar a reforma da previdência, conseguiu implementar a
reforma trabalhista, afetando pesadamente a capacidade do sindicalismo.
Mas o efeito
colateral foi fatal.
O desastre econômico
social causado pelo governo Temer afetou negativamente o desempenho das
candidaturas presidenciais vinculadas ao PSDB e ao PMDB.
A quarta parte
da operação golpista não foi exitosa.
Quem iniciou
o golpe, não colheu seu principal resultado.
Por um lado
a prisão de Lula não impediu o PT de levar a candidatura de Haddad ao segundo
turno.
Mas, por outro lado, a prisão de Lula deixou
órfão um eleitorado que foi atraído pela candidatura populista da extrema
direita, Bolsonaro, que correu por fora, atraiu as bases eleitorais da direita
tradicional, foi ao segundo turno e venceu.
O governo
Bolsonaro, portanto, é fruto do golpe, mas não é e nunca foi o candidato
preferido dos demais setores do golpismo.
Bolsonaro
tomou posse em janeiro de 2019.
18 meses de
governo.
Neste período,
vem cumprindo seu programa:
1/submissão
aos Estados Unidos & distanciamento total da política externa anterior, não
apenas a dos governos petistas, mas também a dos governos do PSDB;
2/política econômica ultraliberal, que se tiver êxito concluirá a conversão do Brasil, de potência
industrial, em “potência” primário exportadora, o que tem como desdobramento
lógico o fato de que hoje cerca de 40 milhões de brasileiros e brasileiras
gostariam de ter empregos, mas não tem, segundo dados do IBGE, número que tende
a crescer;
3/destruição
das políticas sociais de Estado, no limite substituindo-as pela concessão de
uma ajuda monetária aos mais pobres, para que comprem no mercado privado
serviços de saúde, educação etc;
4/restrição
das liberdades democráticas, combinando tutela militar sobre o governo,
política de segurança publica que criminaliza os protestos, combinada com o
DESEJO ainda não realizado de predomínio do executivo sobre o legislativo e o
judiciário (onde tem maioria outros setores da classe dominante) e, se puderem,
supressão do funcionamento legal do PT;
5/ofensiva
ideológica contra a esquerda e contra o pensamento iluminista e racionalistas
em geral, baseado num pensamento fundamentalista pentecostal.
(uma broma:
quando Celso Amorim acusou o atual chanceler Ernesto Araújo de querer voltar à
Idade Média, o chanceler respondeu que não sabia se isto era uma crítica ou um
elogio)
A pandemia
não interrompeu a aplicação deste modelo.
Ao
contrário, vem servindo de pretexto ou de cobertura para
acelerar a implementação deste modelo.
A própria
política adotada pelo governo frente a pandemia é compatível com seu programa,
a saber, a política de imunização de rebanho, que produz como efeito colateral
até agora 70 mil mortos.
O
equivalente ao número de brasileiros que morreram durante todo o ano de 2017,
vítimas de homicídios.
De maneira
geral, a pandemia, embora tenha gerado desgastes do governo junto aos setores
médios, foi útil para o governo, entre outros motivos porque reduziu a
capacidade de mobilização callejera contra o governo.
A
mobilização ocorre, entretanto, tendo como móveis:
1/a luta
geral contra o governo;
2/a
insatisfação com a situação econômica e social do país;
3/o repúdio
ao fascismo, ao racismo, a misoginia etc.
4/a indignação com o fato do clã familiar ter vínculos com o crime organizado;
5/a política sanitária do governo.
Estes
motivos são tantos, e tão profundos, que espanta a resiliência do governo.
Por que ainda
não caiu?
Essencialmente,
porque os setores da classe dominante que controlam o Judiciário e o Congresso
Nacional – que hoje teriam os meios para fazê-lo – preferem um acordo com
Bolsonaro.
Motivos?
-primeiro,
porque ele mantém uma base popular expressiva e militante (30%);
-segundo,
porque parte do apoio de Bolsonaro está armado (FFAA, polícias, milícias etc.);
-terceiro,
porque Bolsonaro tende a reagir violentamente a um processo de impeachment (não
agiriam de maneira “republicana”, como fizemos nós do PT);
-quarto,
porque a política econômica de Bolsonaro é no geral respaldada pela classe
dominante, embora haja atritos importantes;
-quinto, porque
uma parte das elites teme que tirar Bolsonaro poderia favorecer a esquerda e
particularmente poderia favorecer o PT;
-sexto,
porque a mobilização popular em favor do impeachment é menor do que seria
necessário para compensar as cinco variáveis anteriormente citadas.
Vale dizer
que, caso as elites sejam obrigadas a tirar Bolsonaro, a preferência da maior
parte da classe dominante é que o governo seja assumido pelo vice-presidente da
República, general Mourão.
O que não
alteraria o rumo geral do governo e, pelo contrário, poderia lhe dar maior
eficácia.
Cabe lembrar
que há eleições municipais no final deste ano.
Estas
eleições municipais provavelmente coincidirão com uma piora significativa da
situação econômica, social e sanitária.
Frente a
isto, o que vem fazendo os setores que não votaram em Bolsonaro?
É importante
lembrar que o Brasil tem 210 milhões de habitantes, dos quais 147 milhões são
eleitores.
Destes, 31
milhões se abstiveram e 11 milhões votaram branco ou nulo.
Dos 105
milhões que votaram em um dos candidatos que foram ao segundo turno, 47 milhões
(45%) votaram em Haddad e 57 milhões (55%) votaram em Bolsonaro.
Portanto, a
maior parte do eleitorado não votou em Bolsonaro: 57 milhões em 147 milhões.
O que pensam
estas pessoas?
Uma das
pesquisas mais recentes mostra que 55% defende o impeachment.
Embora haja esta
maioria a favor do impeachment, há uma evidente divisão nas forças de oposição,
com alguns setores apostando no acordo com Bolsonaro, outros concentrando as
energias em afastar Bolsonaro (mesmo que isso implique na posse de Mourão), e terceiros (como nós do PT) defendendo a necessidade de afastar Bolsonaro e Mourão e convocar novas
eleições presidenciais.
Qual a
chance de prevalecer uma saída popular?
Se não
houver mobilização, nenhuma chance.
Se houver
mobilização, as chances são médias.
E, como disse
antes, é provável que o segundo semestre seja de muita crise e muita luta.
Por isso, a
bandeira do Fora Bolsonaro tem uma chance de se materializar.
Qual a
chance, por outro lado, de prevalecer uma saída em que o bolsonarismo vire a
mesa e instale algum tipo de “ditadura”?
Hoje,
baixas.
Mas é uma
possibilidade permanente, até porque num ambiente de crise profunda, uma
minoria audaciosa & armada pode impor sua vontade sobre uma maioria
amedrontada.
E, no caso,
não estamos diante de uma minoria armada, mas sim diante do aparato das forças
armadas e das policias militares estaduais.
Até aqui me
limitei a descrever, espero que de maneira objetiva, o cenário.
Um último
comentário, para encerrar: não acredito, nem no mundo, nem na América, nem no Brasil,
que a saída mais provável desta crise seja um “momento socialdemocrata”, como
disse um palestrante que me antecedeu.
O mais
provável é que o capitalismo aproveite a crise sistêmica para destruir forças
produtivas (a começar pelos seres humanos), concentrar e centralizar capitais,
substituir trabalho vivo por trabalho morto, aprofundar a exploração das
periferias pelos centros, desencadear um novo ciclo de expansão capitalista hiper
conservador, onde tudo será muito mais difícil para aqueles que lutam pelo
socialismo.
Isto pode
ser feito usando o mercado ou usando o Estado.
É um erro identificar a presença
do Estado, com a presença de políticas de bem estar social e de liberdades
democráticas.
Por tudo
isto, eu não acho que o mais provável seja um momento social democrata.
A não ser
que, como ocorreu entre 1914 e 1945, haja uma onda de radicalização revolucionária
socialista, que obrigue o capitalismo a um acordo.
Dito de
outro jeito, para que ocorra um desenlace social-democrata em alguns regiões do
mundo, será preciso que ocorra não exatamente uma ofensiva progressista, mas
sim um imensa ofensiva socialista revolucionária.
Obrigado.
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