quarta-feira, 25 de junho de 2014

Luciana Genro

Recomendo a leitura da entrevista concedida à Folha de S. Paulo por Luciana Genro, candidata do PSOL à presidência da República, substituindo Randolfe Rodrigues.

A entrevista está em http://lucianagenro.com.br/2014/06/em-entrevista-a-folha-luciana-genro-apresenta-pontos-que-nortearao-campanha/

A crítica a seguir baseia-se nesta versão, divulgada no blog da própria Luciana Genro. Desconheço se há uma versão integral.

A entrevista tem passagens interessantes, por exemplo sobre as drogas e sobre o aborto, onde Luciana defende o ponto de vista "clássico" da esquerda e dos setores democráticos. 

Também muito interessante é a seguinte frase: Posso dizer que me orgulho de ter sido expulsa do PT pelo José Dirceu, que hoje está preso. Acontece que Luciana não foi expulsa por Dirceu, foi expulsa pela ampla maioria do Diretório Nacional do PT, que derrotou a esquerda que votou contra a expulsão. É perfeitamente possível vincular a posição de Dirceu naquele episódio da expulsão, com os procedimentos que levaram a crise de 2005. O problema está em vincular o "orgulho de ter sido expulsa" com a frase "hoje está preso", como se esta prisão fosse um ato de justiça, sob qualquer aspecto. Clara concessão ao udenismo.

Igualmente interessante é sua resposta acerca de Cuba: não vejo Cuba como um país democrático. Criticar o socialismo cubano é um direito, mas criticar o bloqueio é uma obrigação. Ademais, é reveladora a ênfase que ela dá à ausência de "liberdade de organização partidária". 

Na questão do financiamento, há um diálogo curioso, tendo em vista a polêmica ocorrida no próprio PSOL acerca da Gerdau; e também tendo em vista a tradição da esquerda, de questionar o latifúndio, o agronegócio e o grande capital em geral: a gente não tem relação com empresas. Se uma empresa quiser fazer uma doação nós vamos avaliar na nossa coordenação de campanha. Desde que não se enquadre nas proibições do nosso estatuto, que são empreiteiras, bancos e multinacionais.

Na questão da Copa Luciana Genro tenta recuar da posição original do PSOL, mas sem fazer autocrítica de fundo. E sem diferenciar a posição do PSOL da posição da oposição de direita e do oligopólio da mídia: os brasileiros todos estavam torcendo, receosos por causa das filas, dos atrasos, mas a gente não apostava no quanto pior melhor. Diz também que a expectativa era tão ruim que ao ter saído relativamente [bem] as pessoas se surpreenderam.

No caso das vaias no Itaquerão, por exemplo, sua preocupação principal é criticar o PT (a "esquerda que traiu os seus princípios"). Sobre os vaiantes é dito que teriam mais poder aquisitivo, mas seriam as mesmas que há dez anos foram para as ruas comemorar a vitória do Lula, setores que estão sendo sacrificados nessa tributação excessiva. Como se vê, não é apenas na questão do mensalão que Luciana Genro mantém sintonia fina com determinado discurso.

Registre-se as respostas "politicamente corretas" (e portanto parciais, para dizer o mínimo) quanto a polêmica envolvendo Safatle e Maringoni, bem como para a desistência da Randolfe Rodrigues, casos reveladores acerca do PSOL realmente existente.

O fundamental da entrevista, óbvio, está na análise das candidaturas de Dilma, de Aécio e de Campos. Para Luciana Genro, as três teriam em comum a decisão política de manter este sistema político. Ou seja, ela simplesmente desconsidera a defesa pública que Dilma faz da Constituinte, da reforma política; assim como desconsidera o engajamento do PT no Plebiscito popular.


Luciana diz, também, que as três candidaturas teriam em comum a decisão política de manter este sistema econômico e de, a partir de 2015, fazer um ajuste que significa cortes nas áreas sociais, que significa alta da taxa de juros, aumento de tarifas públicas, repressão aos movimentos sociais
Mesmo alertada pela Folha de que o PT e Dilma não falam deste ajuste (que é defendido claramente por Aécio e disfarçadamente por Campos), Luciana Genro reiterou a acusação. Mas, contraditoriamente, admitiu que com uma eventual vitória do PSDB haveria retrocesso com certeza, mais privatizações, mais ataques
O curioso é que, na hora de expor positivamente seu programa, Luciana Genro diz que o PSOL defende uma democracia real e um modelo econômico que faça com que os bancos paguem mais impostos, com que os milionários paguem mais impostos, que desonere a classe média e a classe trabalhadora e que volte a economia para os interesses do conjunto do país, e não para os interesses para o capital financeiro, como tem sido hoje.
Atacar o capital financeiro é uma necessidade e faz parte do beabá, não apenas da esquerda e dos setores democráticos, mas também de alguns setores da direita: fazer a auditoria da dívida; suspender pagamento preservando os interesses de pequenos poupadores; acabar com a especulação, atacar os interesses dos bancos, que os bancos paguem mais impostos, que os especuladores sejam banidos do país. 
Também é importante defender que as grandes empresas paguem mais impostos. Mas falta responder como reorganizar o conjunto da economia, especialmente como tratar o agronegócio, o grande capital monopolista e transnacional, a dinâmica de investimentos privados e públicos.
A esse respeito, um sinal dos tempos: perguntada se o PSOL defende a reestatização de algum setor que foi entregue à iniciativa privada, Luciana Genro responde que isso vai demandar nós chegarmos ao governo para avaliar a real situação (...) à medida da necessidade haveria sim expropriações no sentido de garantir que o interesse público prevaleça (...) As empresas de energia elétrica que foram privatizadas. Não sei como se comportariam essas empresas em um governo do PSOL. Se for necessário, elas terão que ser reestatizadas. 

Pode ser que na íntegra da entrevista, se existir, haja algo mais. Entretanto, tomando como base o que está transcrito no blog da própria Luciana Genro, trata-se de um "clássico" programa social-democrata (mais democracia, mais bem-estar, mais impostos, controle sobre o setor financeiro, ampliar quando necessária a presença direta do Estado etc.). Não admira que, ao chegar ao governo (como em Macapá) o PSOL se veja diante de dilemas tão bem conhecidos por nós. 

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