Nunca foi fácil a vida da militância de esquerda que defende
o Partido dos Trabalhadores.
Entretanto, ainda mais difícil anda a vida daquela militância
de esquerda que é contra o PT.
Afinal, no atual ambiente político, esta “oposição de
esquerda” corre o risco de ser vista, ou de converter-se objetivamente, ou pelo
menos é acusada de ser linha auxiliar da oposição de direita.
A situação vem gerando polêmicas duras, como fica claro na
leitura de Emir Sader (“Não é a Copa, imbecil, são as eleições”, no blog da
Boitempo); no editorial do Brasil de Fato
(dia 03 de junho, falando das “Eleições presidenciais e o papel do
esquerdismo“); e na resposta de Mauro Iasi, intitulada “O escravo da casa
grande e o desprezo pela esquerda” (http://blogdaboitempo.com.br/2014/06/16/o-escravo-da-casa-grande-e-o-desprezo-pela-esquerda/).
Não pretendo comentar aqui o texto do Emir Sader. A quem
interessar, sugiro a leitura do artigo: http://www.pagina13.org.br/eleicoes-2/a-copa-as-eleicoes-e-o-que-vira-depois/
Tampouco pretendo criticar aqui o editorial do Brasil de Fato, embora considere um
equívoco o uso que dão ao termo “neodesenvolvimentismo”.
Vou me limitar ao texto do Mauro Iasi, que busca “identificar
frações de classes e seus diversos interesses em torno do governo Dilma”, concluindo
em 2014 o mesmo que já havia concluído em 2005, a saber: que o PT “assumiu
posturas políticas que se distanciam dos objetivos históricos dos trabalhadores”,
sendo “um setor da classe trabalhadora” que foi “capturado pela hegemonia
burguesa”.
Noutras palavras: “o PT em seu projeto (e prática) de
governo apresenta em nome da classe trabalhadora um projeto pequeno-burguês”,
sendo que “na composição física do governo vemos setores de classes diretamente
representados, como o caso dos interesses dos grandes monopólios (...) dos
bancos (...), do agronegógio” etc.
O problema da análise de Mauro Iasi é não conseguir explicar
por quais motivos o grande capital, setores médios, a direita, o oligopólio da
mídia e os governos imperialistas estão tão irritados com o governo Dilma.
Mauro Iasi sabe que precisa explicar esta “irritação”. Tanto
é que afirma o seguinte: “mesmo assim, dando tanto à burguesia monopolista e
tão pouco aos trabalhadores, a burguesia sempre vai jogar com várias
alternativas, e, na época das eleições, vai ameaçar, chantagear e negociar
melhores condições para dar sua sustentação.”
Segundo este raciocínio, as candidaturas da oposição são
“instrumento para ameaçar, chantagear e negociar melhores condições”. Ficando implícito que a opção preferencial do “capital
monopolista” é governar com o PT e através do PT.
Lamento, mas isto não é “análise concreta da situação
concreta”, recordando muito a postura predominante no Partido Comunista frente
ao segundo governo Vargas. Naquela ocasião, os comunistas foram incapazes de entender
e toma posição adequada frente ao imenso ódio e oposição do imperialismo e da “burguesia
realmente existente” contra um governo... burguês.
Iasi parece consciente de que sua análise não consegue dar
conta de explicar este aspecto da realidade: por qual motivo um governo que
aplica políticas “que se distanciam dos objetivos históricos dos trabalhadores”
gera tamanho ódio por parte do grande empresariado e de parcela dos setores
médios etc.
Mauro sugere que o problema estaria no foco de análise: trata-se
de observar o “período histórico” e não apenas a “conjuntura da eleição”.
Ou seja: teríamos que evitar a “artimanha governista”, a “mágica”
que faz desaparecer “o governo real” e no lugar dele coloca “um mito” que “resiste
ao neoliberalismo contra as forças do mal igualmente mitificadas e descarnadas
de sua corporalidade real. É o odioso ‘neoliberalismo’, que vai retroceder nos
incríveis ganhos sociais alcançados e desestabilizar os governos progressistas
na America Latina. Vejam, nos dizem, como são piores que nosso governo,
precisamos derrotá-los para evitar o retrocesso e as privatizações. Mas uma vez
derrotados eleitoralmente os adversários de direita… quem privatizou o Campo de
Libra? Colocando exército para bater em manifestantes? Quem aprovou a lei das
fundações público-privadas que abriu caminho para a privatização da saúde e
outras? Quem aprovou a lei dos transgênicos, o código florestal e de mineração?”
Portanto, segundo Iasi a imensa bulha do grande empresariado
contra o governo encabeçado pelo PT seria um fenômeno real, mas circunscrito ao
período eleitoral, pois mesmo derrotado, entre uma eleição e outra o grande
empresariado acabaria conseguindo aquilo que deseja.
Novamente, apelo por uma “análise concreta da situação
concreta”: a postura amplamente majoritária no grande empresariado, de oposição
ao governo Dilma, não é um fenômeno eleitoral. Começou antes, com destaque para
o momento em que o governo tentou enfrentar os bancos. A esse respeito, aliás,
recomendo a ótima entrevista do professor Adalberto Moreira Cardoso, em http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/06/1466547-conluio-antidistributivo-puniu-dilma-e-campanha-sera-mais-radicalizada-diz-sociologo.shtml
Mauro Iasi comete o mesmo erro pelo qual critica o Brasil de Fato: circunscrever a “análise
da situação concreta” a um aspecto da realidade. O PT rebaixou seu programa a
um patamar “pequeno burguês”? Verdade. O governo é de aliança com setores do
grande capital? Verdade. O governo aplica políticas de interesse do grande capital?
Também é verdade. Mas o governo também aplica outras políticas e expressa
outros setores sociais, o quê, nas condições concretas do Brasil e do mundo
entre 2011-2014 entra em conflito com os interesses presentes e futuros do
grande capital. O erro de Iasi consiste, no fundamental, em desconhecer ou
minimizar este aspecto da realidade, este conflito de classe.
Não se trata de artimanha, de mágica, nem de um fenômeno
eleitoral, mas de variáveis bastante “simples”, tais como o nível de emprego, a
política de salários, a presença do Estado na economia, o nível de democracia e
participação, a relação com os Brics e com a região latino-americana etc.
Algumas destas variáveis são tão visíveis, que Mauro Iasi tem
que admitir a existência de “duas versões distintas disputando a direção do projeto
burguês no Brasil. Um o capitalismo com mais mercado e menos Estado, outro o
capitalismo com mais Estado para garantir a economia de mercado”.
De fato, esta disputa existe, e não é de hoje. Aliás, ao
longo do século XX, o papel do Estado na economia foi uma variável muito
importante da disputa entre duas vias de desenvolvimento capitalista, a
conservadora (que predominou) e a democrática (que geralmente foi derrotada).
Claro que, tomada “em si”, a defesa de um forte papel do
Estado não implica em ser de esquerda, nem mesmo em ser democrata. Mas, pergunto:
nas condições concretas do período 1980-1989, 1990-2002 e 2003-2014, quais
classes e frações de classe defenderam/defendem que o Estado tenha um papel mais
ativo na economia e quais classes e frações de classe defenderam/defendem que o
Estado tenha um papel menos ativo na economia? E como isto se relaciona com o
conjunto dos interesses de cada classe e fração de classe existente no Brasil?
Se não respondermos a estas questões, apontando qual fração defende
o que neste determinado momento, a conclusão será acaciana e tautológica: enquanto houver capitalismo, o Estado capitalista
cumprirá um papel funcional ao desenvolvimento capitalista.
Ao invés de responder a esta e outras questões concretas,
Mauro opta por algo que me parece uma conclusão “pré-fabricada”, que já estava
pronta antes da análise começar e que independe desta análise, a saber: o “pacto
social e de implementação de um social-liberalismo” estariam impedindo o
“avanço da consciência de classe”.
Para facilitar o debate, admitamos que isto fosse verdade e
respondamos o seguinte: a vitória do PSDB (ou do PSB) nas eleições de 2014 romperá
este “pacto social” e interromperá a “implementação do social-liberalismo”? Em
caso positivo, o que será colocado no lugar?
Se a resposta é que tudo vai continuar como antes, que o
pacto social e o social-liberalismo continuarão, então a “mudança” consistiria “apenas”
na derrota eleitoral do PT. Neste caso, pergunto: é então da derrota do PT que
dependeria o “avanço da consciência de classe”? Se a resposta for sim, então é
correto dizer que a “oposição de esquerda” é “aliada objetiva” da direita?
Vamos supor que a resposta seja outra: que uma vitória do
PSDB (ou do PSB) provocará mudanças mais ou menos importantes.
Neste caso, pergunto: as mudanças vão melhorar ou vão piorar a vida da classe
trabalhadora? Supondo que piorem, então não caberia reavaliar a análise
negativa feita acerca do governo Dilma? Além disto, não caberia explicar como a
piora nas condições de vida da classe trabalhadora contribuiria para o “avanço
da consciência de classe”?
Quem se der ao trabalho de fazer os “exercícios lógicos”
acima deveria concluir o seguinte: quem deseja romper a aliança com o grande
capital, quem deseja implementar um programa mais avançado, quem deseja fazer
avançar a consciência de classe, deve trabalhar pela vitória do PT nas eleições
de 2014. Pois toda alternativa que implique na derrota do PT resultará em piores
condições para a classe trabalhadora e para a esquerda brasileira.
Evidentemente, precisamos de uma vitória do PT em condições
de fazer um segundo mandato superior. Pois segundo a análise que fazemos, esgotaram-se
as condições objetivas que por breve período tornaram possível combinar presidência
petista, aliança com o grande capital e políticas públicas moderadas, com
avanços em termos de soberania, integração, democracia e condições de vida. A
partir de agora, aconteça o que acontecer nas eleições, haverá uma disjuntiva cada
vez mais acentuada. Não espero que o conjunto da oposição de esquerda perceba
isto. Mas é nosso dever convencer alguns de seus integrantes e grandes parcelas
de sua base social.
Excelente!
ResponderExcluirMuito bom mesmo!
ResponderExcluirMais um texto:
ResponderExcluirhttp://www.diarioliberdade.org/brasil/batalha-de-ideias/49358-sobre-a-lenda-de-que-a-classe-dominante-e-o-imperialismo-s%C3%A3o-oposi%C3%A7%C3%A3o-ao-pt.html
Entre o primeiro mandato e o segundo de Lula, se afirmava que o segundo seria o momento da radicalização, que a moderação tinha já cumprido seu papel. De Lula para Dilma, a mesma coisa. E toda a trajetória que vimos foi a oposta. Agora, "esgotaram-se as condições objetivas que por breve período tornaram possível combinar presidência petista, aliança com o grande capital e políticas públicas moderadas, com avanços em termos de soberania, integração, democracia e condições de vida".
ResponderExcluirAcho que cabe perguntar-se quais condições objetivas são essas, se é pra tratar da realidade concreta. Porque ao que parece, em muitos momentos a promessa de um próximo governo mais popular, mais de esquerda, mais próximo dos interesses da classe trabalhadora e menos aliado de setores do capital serve muito mais como justificativa para um apoio incondicional ao governo do que como esperança sincera dos analistas.
Prezado Rodrigo, o segundo mandato de Lula foi --para a classe trabalhadora-- muito melhor do que o primeiro. E o primeiro mandato da Dilma transcorreu num cenário totalmente diferente: da "marolinha" passamos para um "tsunami".
ExcluirValter Pomar: lembre-se que eu, amigo do Laerte Braga de JF, há muito tempo te dizia que o PT é a UDN de macacão. E então? Tá confirmadíssimo!!!
ResponderExcluirPrezado, isto é o que o Brizola dizia. Mas em se tratando de UDN, ninguém disputa o troféu com o PSDB.
ExcluirEntão tá, vai crescer o bolo e depois repartir. Sei... Onde foi que já ouvi essa história antes? Mas não, no 20° mandato petista as coisas vão melhorar... Pra tecnocracia petista!
ResponderExcluirPrezado Daniel, quem anda falando em primeiro crescer para depois repartir é a direita, não o PT. E muito menos eu.
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