Texto escrito em 2001.
O PT
comemora seus 21 anos numa situação semelhante a experimentada pelos comunistas
brasileiros, no início da década de 60: um momento de apogeu e de crise.
O apogeu é evidente: nunca, na história
do Brasil, um partido de esquerda conseguiu tanta representatividade social e
espaço institucional. É como se o PT possuísse, hoje, a força combinada que
trabalhistas e comunistas alcançaram no início dos anos 60.
A crise é menos óbvia. E suas causas e
manifestações são vistas de maneira diferente por cada uma das correntes do
Partido.
Momentos de apogeu e crise podem ser,
também, momentos de declínio. Mas o declínio de um partido com raízes profundas
na sociedade, na política e na história pode durar décadas.
No caso do Partido Comunista, por
exemplo, ocorreram grandes cisões nos anos 60. Mas só nos anos 90, a maioria do
que restou daquele partido optou por transformar-se no atual Partido Popular
Socialista (PPS).
Nenhuma
das dissidências do antigo Partido Comunista conseguiu substituí-lo como
partido hegemônico em nossa esquerda, lugar ocupado pelo Partido dos
Trabalhadores depois de vinte anos de
crise do comunismo brasileiro.
O apogeu e a crise de um Partido podem
constituir a ante-sala, não do declínio, mas sim de uma mudança qualitativa. É
o que pensam aqueles para quem o PT transformou-se primeiro num partido
social-democrata (defensor do Estado de bem-estar social); e, agora, num
partido social-democrata "moderno" (defensor de uma versão
"social" do neoliberalismo).
Embora não compartilhemos desta opinião,
achamos que o PT vive um momento de transformações profundas, que empurra cada
um de seus militantes conscientes a rever suas concepções e seus vínculos com o
próprio Partido.
Ao
fazer esta revisão, muitos militantes comparam o PT de hoje com o de ontem; ou
então com o partido dos seus sonhos. Nós propomos outro caminho: discutir quais
são as tarefas atuais dos socialistas e qual Partido é necessário para
realizá-las. Afinal, um partido é antes de mais nada um instrumento para realizar
determinada política.
Em 1996 nós já dizíamos que os principais problemas do PT, vistos de uma
perspectiva socialista e revolucionária, são os seguintes: a)diminuiu a
influência do socialismo no interior do Partido, crescendo no seu lugar
concepções melhoristas; b)o partido não possui mais uma estratégia de poder,
nem tampouco uma estratégia de governo, mas tão somente uma estratégia de
“poder local”, que na prática nos conduz a sermos um partido de flácida
oposição ao neoliberalismo; c)o partido vem perdendo bases sociais organizadas,
substituídas por bases eleitorais difusas; d)o partido atrai cada vez menos
jovens e renova cada vez menos seus quadros; e)crescem os interesses
fisiológicos, diretamente ligados a possibilidade de construir, através do PT,
uma carreira política tradicional; f)o partido subestima (na prática, ainda que
não no discurso) a importância das lutas sociais e superestima a importância
das eleições e da chamada institucionalidade; g)a democracia interna vive sob a
ameaça dos notáveis e dos interesses menores, sendo cada vez mais distorcida
pelas filiações em massa, devido às prévias para escolher candidatos a
prefeito. Tomados no conjunto, estes problemas podem ser assim resumidos: o PT
está sendo cooptado, está deixando de ser um partido socialista, está se
transformando num partido da ordem. Corre o risco de se converter numa
sub-social-democracia. Enquanto a social-democracia abandonou o socialismo e a
revolução, no curso de um processo de elevação significativa das condições de
vida do conjunto da classe trabalhadora; o PT está sendo cooptado no curso de
um processo de queda do padrão de vida da classe, mas de assunção de vários de
seus líderes à condição de integrantes da elite dirigente do país.
De 1996 até hoje, vários dos
"problemas" citados agravaram-se. Mas o PT segue sendo a alternativa
hegemônica dos que se opõem ao neoliberalismo. Diante disso, o que fazer?
Três desfechos
Na maior parte da história brasileira, as
classes populares ou subordinaram-se aos interesses de um setor da burguesia,
ou não reuniram forças suficientes para consolidar-se como alternativa
independente. Esse padrão começou a mudar nos anos 80, quando se afirma um pólo democrático-popular e socialista,
cuja principal expressão foi --e achamos que ainda é-- o Partido dos
Trabalhadores.
Disposto
a lutar por bandeiras que a burguesia brasileira não foi capaz ou não
necessitou realizar --superação da dependência ao imperialismo, liquidação do
latifúndio, democratização da propriedade (principalmente da terra),
democratização política e outras reformas populares realizadas onde o
capitalismo seguiu uma via distinta da nossa-- aquele pólo explicitava que tais tarefas deveriam ser realizadas sob a direção
dos trabalhadores, contra o capitalismo e na perspectiva da construção do
socialismo.
A conjuntura excepcional do final dos
anos 80 quase materializou, também, uma possibilidade fantástica, que nunca
havia sido posta para a esquerda pré-surgimento do PT: a eleição de um
presidente socialista. Neste caso, o governo das forças democrático-populares e
socialistas viveria uma situação estratégica muito peculiar: exercer o governo
federal sem ter a hegemonia ideológica da sociedade, nem o domínio do Estado.
A
derrota em 1989 abriu um período de contra-ofensiva burguesa, que destruiu
várias das conquistas sociais obtidas pelas classes trabalhadoras, ao mesmo
tempo em que encurralou num beco
eleitoral as organizações populares surgidas nos anos 80.
A
partir de meados dos 90, a contra-ofensiva burguesa perdeu seu fôlego. Perdeu o
charme ideológico, na medida que o neoliberalismo aprofundou os problemas
econômicos, sociais, políticos e militares da maior parte da humanidade.
Quebrou-se a unidade burguesa, na medida em que a concorrência estrangeira, o
processo de monopolização acelerada e a fuga de capitais eliminaram, para
amplos setores da média burguesia, as vantagens relativas da “sociedade total”
com as finanças mundiais.
Isso
abriu um novo período de disputa, que recoloca três alternativas básicas: o
aprofundamento da integração à “nova ordem mundial” –nos termos atuais ou nos
termos defendidos pela centro-esquerda; um ciclo capitalista-nacionalista, que
só vingará se a “ordem mundial” entrar em colapso, “desengatando” a economia
brasileira, mas sem que haja uma alternativa popular suficientemente forte; ou
uma ruptura democrática, popular e socialista.
Qual
destas alternativas prevalecerá? Isso dependerá dos rumos da economia mundial,
da intensidade da disputa interburguesa e do comportamento dos setores populares.
Em qualquer caso, vivemos um momento de “equilíbrio instável”, que não deve
durar muito.
Uma aposta arriscada
Necessitamos de um partido capaz de
enfrentar todos os desafios e de aproveitar todas as potencialidades desta
situação. Um partido capaz de travar o debate programático, dirigir fortes
mobilizações sociais, realizar uma dura oposição aos governos burgueses,
construir um "bloco histórico" de forças políticas e sociais
comprometidas com uma alternativa socialista, democrática e popular. Um partido
capaz de disputar o governo e, no governo, capaz de implementar transformações
estruturais na sociedade brasileira. Um partido capaz de defender os direitos
democráticos, contra os golpes abertos ou velados da classe dominante. Um
partido capaz de seguir atuando, inclusive em cenários completamente distintos
do atual.
É
este o partido que temos, hoje?
Achamos que o PT está muito aquém do que
precisamos para enfrentar o atual período histórico e seus possíveis
desdobramentos. Temos conseguido inegáveis sucessos no terreno eleitoral. Mas
fora deste terreno, temos visto o rebaixamento programático, a adoção de
políticas neoliberais por alguns governos, a recusa do "Fora FHC", as
dificuldades em construir uma imprensa e uma formação política partidárias etc.
Nossos
programas de governo têm se tornado cada vez mais moderados. Temas como a
reversão das privatizações, a estatização do sistema financeiro e a suspensão
do pagamento da dívida externa tornaram-se posições minoritárias no PT. Isso
para não falar da defesa do socialismo --que continua nas resoluções
partidárias, mas que para muitos não passa de uma miragem, já que o que
"interessa mesmo" é propor reformas "sob" o capitalismo.
Onde
governamos, nosso partido tem conseguido muito pouco em termos de mudanças estruturais. Em geral temos conseguido
deslocar mais recursos para as áreas sociais e democratizar minimamente o
funcionamento do governo. Mas não se deve confundir tributação e re-alocação de
recursos, com mudança na ordem social e econômica.
É em
parte por isso, aliás, que tem se demonstrado tão fácil desmontar as
realizações dos governos petistas: elas situam-se basicamente no terreno da
superestrutura política, tendo ganho pouco enraizamento na base social.
Acontece que, apesar disto tudo, o PT é
também a referência e o espaço da maioria dos militantes da CUT, do MST, da
CMP, de grande parte da juventude e de diversos outros movimentos. Além de ser
a referência eleitoral, o PT é o
depositário da lealdade de classe de milhões de trabalhadores. Lealdade que
foi forjada em embates como as greves no final dos anos 70, início dos anos 80;
na recusa em comparecer ao Colégio Eleitoral; nas grandes campanhas eleitorais
etc.
Caso o PT não seja reformável, caso ele
se torne um instrumento da "terceira via", caso ele tenha apenas
"um grande passado pela frente", estaremos diante de uma enorme
tragédia, da frustração de vinte anos de esforços da melhor parte da classe
trabalhadora brasileira.
A esquerda do PT, portanto, está numa
situação muito difícil: precisamos que nosso partido seja muito mais militante
do que eleitoral, muito mais socialista do que social-democrata, muito mais
democrático do que cupulista.
Apesar
de nosso partido ter enormes problemas (e
ainda pode piorar bastante), sabemos também como é difícil para outras
organizações de esquerda concorrer com o PT.
O
PCdoB pratica um oportunismo eleitoral que o leva a participar até mesmo do
governo do PFL no Maranhão. As incursões eleitorais do PSTU têm demonstrado
quanto é forte a lealdade ao PT, mesmo para os que têm a vontade de "votar
no 16, porque o resto é burguês"...
As outras tentativas de aglutinar de
forma para-partidária os militantes dos movimentos sociais têm demonstrado suas
limitações e também mantém uma relação ambígua com o PT.
A
verdade é que, se o PT não for capaz de aproveitar as potencialidades do atual período histórico, nenhum
outro partido o fará --coisa que nem sempre lembram os que pensam ser possível
construir, no curto prazo, a tempo de incidir no atual período, um PT forte
como este, mas sem seus defeitos.
Em 1999, realizou-se o II Congresso do PT. Num documento
preparatório, afirmávamos o seguinte: "a
crise (em todos os seus sentidos, nacional e internacional, estrutural e
conjuntural) está longe de ser debelada. Nesse contexto, a disputa do PT resume
o dilema do período: se prevalecer o PT moderado, poderemos ter um novo pacto
das elites; se prevalecer o PT radical, poderemos ter uma alternativa
democrática, popular e socialista para a crise brasileira.
O papel que o PT jogar
nesta crise definirá sua natureza: ou um partido da ruptura, da contra-ordem,
dos de baixo, ou o partido dos acordos, subalterno, que abandona não apenas o
socialismo e a revolução, mas até mesmo a perspectiva de fazer reformas reais
na sociedade brasileira. Caso prevaleça o segundo caminho, nosso Partido
perderá cada vez seu caráter de classe, num processo que pode durar meses, anos
ou até décadas, mas que terá o mesmo desfecho melancólico dos partidos de esquerda que, na Europa, viraram gestores do grande
capital.
Portanto, nossa opção é por disputar os rumos do PT. E fazemos
esta opção por acharmos que isto é uma maneira de disputar os rumos da luta de
classes.
As organizações que disputam com e contra o PT, fazem o mesmo. Mas
fazem isso a partir de fora, "denunciando" a postura do PT,
"indicando" qual deveria ser a posição "justa" do partido e
cooptando individualmente militantes do PT.
As organizações que disputam com e contra o PT, afirmam que o
Partido já seria uma força integrada ao regime, sendo impossível alterar esta
situação, devido a burocratização interna. Assim, os militantes socialistas e
revolucionários que ainda estão no PT, deveriam sair e ajudar a construir
"o" partido revolucionário.
Segundo esta lógica, os socialistas e
revolucionários que militam no PT estariam atrasando a constituição de um
partido revolucionário no Brasil. Estariam, também, colaborando com uma força
política "integrada ao regime". No limite e noutras palavras,
estariam colaborando com a contra-revolução.
De nossa parte, também acreditamos que a
crise atual pode evoluir num sentido
revolucionário. Achamos que a posição majoritária existente no PT não contribui
neste sentido. Concordamos que, na hipótese de vivermos uma situação
revolucionária no Brasil, grandes segmentos da cúpula do Partido vão –para
utilizar palavras leves—se "comportar mal". Mas daí não concluímos
que os petistas socialistas e revolucionários devam sair do Partido. Afinal, os
que desejam uma situação revolucionária devem ajudar a criá-la a partir da
intervenção na luta de classes real que está em curso.
Evidentemente,
ninguém deve nem precisa pedir licença, seja para lutar, seja para organizar um
partido. Mas as tentativas de construir um "partido revolucionário",
fora e contra o PT, no atual período histórico, devem ser encaradas como o que
são: iniciativas de vanguarda, semelhantes as tentativas de construir uma
alternativa ao Partido Comunista, durante os anos 60.
A
existência de um "partido revolucionário" --ou seja, um partido que
assim se proclama, já que partido revolucionário de fato precisa ter passado pela prova de uma revolução— não é
pré-condição para o surgimento de uma situação revolucionária e, portanto, para
a luta pelo socialismo.
Enquanto
vivermos um período estratégico em que a disputa eleitoral tenha grande
importância; e enquanto o PT for um ponto de referência para a vanguarda da
classe trabalhadora brasileira, as demais organizações e partidos de esquerda
tenderão a gravitar ao redor do PT. Algumas fazendo luta de massa, que no final
colaborarão direta ou indiretamente para o desempenho eleitoral do Partido.
Outras, pressionando o PT para que adote o que consideram a "linha
justa".
E se
isto for verdade, a existência de uma forte esquerda no interior do PT pode ser mais útil para a radicalização
da luta de classes, do que as tentativas de construir um agrupamento
revolucionário "pronto para servir ao país", se e quando o PT
fracassar.
Por
isto defendemos que os petistas socialistas e revolucionários devem fazer aquilo que queremos que o PT todo
faça, especialmente construir, na
luta de classes, o bloco de forças que pode sustentar o projeto
democrático-popular e socialista.
Por
óbvio, isto inclui debater o rumo estratégico-programático e explorar ao máximo
as possibilidades de ação prática comum entre os diversos setores que
reivindicam uma estratégia socialista e revolucionária.
Nesse sentido, nossa maior dificuldade
reside em que o setor social mais numeroso e de maior impacto na vida política
do país –os trabalhadores assalariados urbanos— não ocupa ainda o centro da
luta. Trabalhar para isto talvez seja nossa principal tarefa estratégica.
O debate estratégico
Desde 1995, há uma retomada do debate sobre o capitalismo
contemporâneo, sobre o balanço da luta pelo socialismo no século XX, sobre a
luta pelo socialismo no século XXI e, no caso do Brasil, sobre o programa, a
estratégia e o partido.
Na questão do programa, enfrentamos um adversário de várias faces:
o nacional-desenvolvimentismo, que
influencia tanto a esquerda quanto a direita do Partido, se expressando no
abandono do socialismo como objetivo programático estratégico e se
materializando ora no "programa da revolução democrática", ora na
"inserção soberana na globalização", ora na "construção da
Nação" etc.
Na questão da estratégia, nosso adversário é duplo: por um lado, a aliança estratégica com um setor da
burguesia ("brasileira", "nacional",
"produtiva"); por outro lado, a
noção "processual" de revolução (seja na forma abastardada de
Cristovam Buarque, para quem "revolução" é uma grande política
compensatória; seja na forma sofismática dos que dizem que a revolução consiste
nas pequenas "reformas dando certo"; seja na forma respeitável
e de esquerda, mas que julgamos incorreta, da "reformismo
revolucionário"). É preciso, em especial, aprofundar a crítica ao conceito
de "revolução democrática", que mistura o "melhorismo"
não-revolucionário da social-democracia com o etapismo aliancista tão
tradicional no comunismo brasileiro.
Na questão do Partido, enfrentamos um adversário em dois flancos.
Por um lado, aqueles que operam (ou permitem) a transformação do PT num partido
sub-social-democrata;
por outro lado, aqueles que consideram que o PT é uma experiência esgotada,
irrecuperável ou até mesmo um sustentáculo da ordem burguesa.
Nestas polêmicas, cabe-nos defender o programa socialista,
democrático e popular; a revolução e a exclusão da burguesia de nosso campo de
alianças estratégicas. Não haverá "revolução democrática" sem
revolução socialista; e não haverá revolução socialista vitoriosa, se não
houver um movimento de massas, um partido e uma estratégia orientados pelo
socialismo.
Mas estas definições genéricas são insuficientes: é preciso
qualificar nosso programa, demostrando que para atender as reivindicações populares,
radicalizar a democracia e defender a soberania, é necessário transformar
profundamente a estrutura de propriedade existente no Brasil, num sentido
socialista.
Por óbvio, nossa polêmica ideológica se dirige também aos que
defendem um PT não-socialista. Paradoxalmente, estes setores têm a seu favor a
virtude da clareza. Eles são não-socialistas porque defendem que a propriedade
privada é um componente fundamental da democracia. Portanto, temos com eles uma
forte identidade: localizamos na questão
da propriedade coletiva dos meios de produção um componente fundamental do
socialismo.
Dirige-se, também, aos que acreditam que o papel do PT é
administrar o capitalismo, o que na situação dada implica em oferecer o melhor
cardápio de políticas compensatórias que estiver disponível. Cristovam Buarque
é o porta-voz informal de um amplo setor do PT, fortíssimo entre nossos
executivos, que fogem das polêmicas ditas "ideológicas" e adoram
programas "factíveis".
Dirige-se, ainda, aos que buscam construir uma "terceira
via" entre as posições da maioria partidária e as posições da esquerda
petista, condição intermediária que volta e meia seduz não apenas setores da
intelectualidade socialista, como também importantes setores da esquerda
petista. Esta condição "intermediária", e a busca de construir um
novo centro hegemônico no partido, mas sem romper com o velho, vem se
materializando em posições defendidas por quadros como Tarso Genro, José Dirceu
e segmentos da "esquerda petista".
Análise das posições do PSTU
O PSTU
tem feito seguidas propostas --públicas— a favor da criação de um "partido
revolucionário", que reuniria o próprio PSTU, a esquerda petista e os
militantes sociais que gravitam ao redor do MST. Mas quais seriam o programa, a
estratégia e a concepção de socialismo deste "partido
revolucionário"?
Segundo
o livro Brasil: reforma ou revolução?,
assinado por Eduardo Neto, um dos principais dirigentes do PSTU, "existem
três grandes balizamentos para a formulação de uma estratégia revolucionária no
país: como enfrentar a recolonização imperialista e seu modelo neoliberal?;
como enfrentar o problema dos problemas, o Estado e o regime
democrático-burguês?; que balanço fazemos sobre os acontecimentos no leste
europeu e qual é a nossa concepção de socialismo?".
Não
temos condições, neste pequeno texto, para abordar o conjunto das divergências
que possuímos com as posições do PSTU. Assim, nos limitaremos a três delas: a
visão sobre o socialismo; a questão do programa democrático-popular e da
estratégia; e a questão do partido.
Comecemos
pelo primeiro ponto, objeto do parte 6 do livro, páginas 95 a 111. Segundo
Eduardo Neto, no Leste Europeu havia "Estados dirigidos por uma burocracia
totalitária que defendia seus interesses de casta parasitária, que usurparam a
direção de processos revolucionários vitoriosos. A derrubada destas ditaduras
do Leste em 89-90 foi um processo revolucionário vitorioso, que teve um
profundo significado a nível mundial por derrubar o aparato mundial do
estalinismo, um aliado do imperialismo em todos os processos revolucionários
desde a burocratização do Estado russo. Estes processos revolucionários
vitoriosos não se desenvolveram a ponto de questionar o processo de restauração
capitalista que já estava em curso. Ao contrário, setores das burocracias
dirigentes puderam se relocalizar e avançar para a efetivação da restauração do
capitalismo. Hoje, esse processo está concluído na totalidade destes Estados, o
que significa uma derrota".
Continua
Eduardo Neto: "a restauração do capitalismo nestes países está completada.
Mas está em curso um outro processo, distinto da restauração, que é a
colonização destes países pelo imperialismo, que inclui desde os maiores como a
Rússia e da China, até os menores, com distintos graus".
Sobre
China e Cuba, onde os "processos revolucionários (de 89-90) foram
derrotados, Eduardo Neto diz que "a restauração (do capitalismo) ocorreu
de maneira mais fácil e controlada".
Finalmente,
Eduardo Neto apresenta os "eixos gerais" da concepção de socialismo
defendida pelo PSTU: a rejeição da social-democracia e do estalinismo; a defesa
da expropriação da burguesia e da planificação democrática; o
internacionalismo; a destruição do Estado burguês e a construção da ditadura
revolucionária do proletariado.
Como
o próprio Neto adverte, trata-se de afirmações sintéticas e esquemáticas. Mas
nos permitem, também de maneira sintética e esquemática, apontar pelo menos
três grandes divergências com as posições expressas no livro e presentes no
PSTU: )fazemos outro balanço da luta pelo socialismo no século XX; avaliamos de
outra forma o processo ocorrido em 1989-90; compreendemos de outra maneira o
processo em curso na China e em Cuba.
Para
ficar clara nossa divergência, basta atentar para a seguinte frase de Eduardo
Neto: "o proletariado chinês, ao contrário do russo, fez sua revolução com
uma direção que sempre capitulou a burguesia" (p. 101). É de se perguntar
como uma revolução proletária chega
à vitória, se sua direção sempre
capitulou à burguesia.
Esta
afirmação non-sense decorre de um balanço
histórico organizado a partir do contraponto entre "trotskismo" e
"stalinismo" –sendo este último apresentado como um "aparato
mundial aliado do imperialismo em todos os processos revolucionários desde a
burocratização do Estado russo".
Nós,
embora nunca tenhamos feito um debate conclusivo sobre estas questões,
enxergarmos de maneira mais plural o movimento revolucionário deste século, não
o considerando redutível a contraposição
"estalinismo"/"trotskismo".
Os
partidos comunistas jogaram um papel positivo em diversas revoluções, em
diversos momentos históricos. Da mesma forma, o papel jogado pela União
Soviética e pelas chamadas democracias populares do Leste Europeu não pode, em
absoluto, ser reduzido a condição de "aliado do imperialismo em todos os processos
revolucionários".
Tampouco
achamos que as tentativas de construção do socialismo, inclusive a experiência
soviética, possam ser "encaixadas" na camisa de força do
"totalitarismo burocrático".
Por
isso, aliás, temos uma posição de solidariedade com várias destas experiências
revolucionárias e de respeito a tradição que delas emergiu, a começar por Cuba.
Quanto
ao processo ocorrido em 1989-90, achamos que Neto tenta dar nó em pingo d'água.
Primeiro, fala de "processo revolucionário vitorioso" contra a
"burocracia totalitária" aliada do "imperialismo". Depois,
afirma que este "processo revolucionário" não questionou o processo
de "restauração capitalista que já estava em curso". Finalmente, diz
que a restauração capitalista está concluída naqueles estados, o que significa
uma "derrota".
Adiante, referindo-se a China e Cuba,
onde foi derrotado o "processo revolucionário" contra as
"burocracias totalitárias", Neto diz que naqueles dois países a
restauração capitalista foi mais "fácil e controlada".
Noutras
palavras:
1)uma casta parasitária usurpou a direção de
processos revolucionários vitoriosos (uma dúvida: na China, onde a direção
"sempre capitulou à burguesia", a casta parasitária usurpou a direção
capituladora?);
2)esta
casta começou a restaurar o capitalismo;
3)uma
revolução vitoriosa derrubou esta casta;
4)mas
a revolução "vitoriosa" não chegou ao ponto de questionar a
restauração capitalista;
5)com
isso, setores da casta parasitária puderam se relocalizar e avançar na
restauração do capitalismo;
6)sendo
que onde não houve revolução vitoriosa, a casta parasitária restaurou o
capitalismo de maneira ainda mais fácil e controlada.
O
raciocínio tortuoso é derivado de uma das teses fundamentais do trotskismo, a
da "revolução política". Não há espaço para contestar detalhadamente
esta tese original, mas o fato é que ela não resistiu ao teste dos fatos, ou
seja, não consegue explicar adequadamente o que ocorreu no final dos anos 80.
Ao
contrário do que os trotskistas imaginavam, ao derrubar os Partidos Comunistas,
as "revoluções vitoriosas" derrubaram também as bases da propriedade
pública dos meios de produção. Nisso não vai nenhuma simpatia ou adesão ao tipo
de socialismo que existia na URSS e no Leste Europeu, mas apenas o registro de
um fato. Fato, aliás, que explica a insistência do capitalismo mundial para que
–além das reformas econômicas— China e Cuba acabem com a hegemonia do Partido
Comunista.
Quanto
ao que ocorre na China e em Cuba, nos parece que Neto desconsidera, mais uma
vez, os fatos. Ambos os países mantém enormes contradições com a hegemonia
norte-americana e com o modelo econômico vigente no mundo. Pode-se e deve-se
discutir qual o impacto das reformas capitalistas, mas não consideramos
sustentável a conclusão de que se tratam de neo-colônias ou algo do gênero.
A
segunda diferença entre nós e o PSTU está na questão do governo democrático e
popular e da estratégia. Apesar de incorporarem a questão nacional com ênfase,
apesar de defenderem alianças inclusive com os pequenos empresários urbanos,
apesar de afirmarem que a luta pelo poder não está na ordem do dia, eles ainda
assim atacam duramente a categoria "governo democrático e popular" e
propõem o "governo dos trabalhadores".
Sua
crítica ao governo democrático e popular repousa na crítica histórica do
trotskismo à bandeira da "unidade popular", como se toda unidade
popular incluísse, obrigatoriamente, a burguesia como aliada estratégica.
A
disjuntiva governo dos trabalhadores versus governo democrático e popular
esconde, na verdade, uma divergência sobre a composição social de um possível
governo revolucionário.
Em
nossa opinião, comporiam este governo os trabalhadores assalariados e os
trabalhadores pequenos-proprietários, com a possibilidade de neutralizarmos setores do médio empresariado.
A grande burguesia e a maioria do médio empresariado serão, em nossa opinião,
inimigos de um governo revolucionário.
Estamos
convencidos de que a denominação "democrático-popular" expressa
melhor a composição social deste governo, bem como deixa claro que as tarefas
dele não serão apenas "socialistas" (no sentido clássico, ou seja, as
que dizem respeito à expropriação do capital, implantação da propriedade
coletiva etc.); serão também "democráticas" (no sentido clássico, ou
seja, democrático-burguesas, como a reforma agrária por exemplo).
Por
óbvio, o que vale para um governo revolucionário, é triplamente válido quando
buscamos denominar o conteúdo e as tarefas das administrações que o PT ganhou
nas eleições.
No
terreno da estratégia (ou seja, da luta pelo poder), há também uma diferença
importante entre nós e o PSTU. Neto diz que "na conjuntura atual
evidentemente não temos nenhuma condição de lutar pelo poder". Esta frase,
é claro, só faz sentido num sentido clássico, que compreende a luta pelo poder
como "a luta direta pelo controle do aparelho de Estado". Já na
tradição petista, a luta pelo poder é também o acúmulo de forças, portanto
lutamos pelo poder todo o tempo.
Mas
estamos de acordo que, hoje, não está colocada a luta direta pelo controle do
aparelho de Estado. Noutras palavras: acumulamos forças, na disputa de
governos, mandatos parlamentares, disputa pelo controle dos "organismos
das massas", mobilização social e disputa político ideológica.
Curiosamente,
Neto diz que a "estratégia" do PSTU é "derrubar FHC pela via da
ação das massas e não apostar no calendário eleitoral de 2002". Bom,
derrubar FHC pela via da ação das massas pode significar: a)a inssureição
revolucionária; b) a antecipação das eleições.
Como
a primeira –segundo o próprio Neto—não está colocada na ordem do dia, resta a
segunda. Mas, antecipada a eleição, o que teremos? Uma mudança no calendário
eleitoral...
Noutras
palavras, os companheiros não se apercebem que –nas condições do atual período
histórico— uma estratégia revolucionária tem que integrar a disputa eleitoral,
tanto no processo de acúmulo de forças quanto no processo de disputa direta
pelo controle do aparelho de Estado.
A
terceira diferença, sobre a qual queremos nos deter mais, está na maneira de
encarar o PT. O texto de Neto ora critica a direção da CUT e do PT, ora
critica suas direções majoritárias, mas sempre deixa claro que o PT é
"parte do regime".
Tirando
informações mal postas e raciocínios tortuosos, o centro da diferença está em
como encaramos o ritmo da luta de clases, as possibilidades de construir um
partido revolucionário de massas numa conjuntura como a atual, a existência ou
não --e em que grau-- de descontentamento das bases e das massas frente ao PT,
o grau de integração do PT à ordem etc. Numa palavra, eles maximizam todos os
fenômenos de domesticação do partido. Claro que, como petistas, corremos o
risco oposto, de minimizar.
O
PSTU afirma que a revolução socialista no Brasil necessita de um partido
revolucionário, "como uma das condições indispensáveis para chegar a
vitória". Ocorre que se olharmos todas as revoluções ocorridas no século
XX, tomando como metro o critério dos
companheiros, todas estas revoluções --menos a russa-- foram conduzidas por
partidos "aliados do imperialismo" ou portadores de defeitos
gravíssimos, como o "stalinismo", a "burocratização" etc.
Mutatis
mutandis, os partidos "revolucionários" --sempre segundo o figurino
dos companheiros do PSTU-- não dirigiram nenhuma
revolução, em lugar nenhum do mundo. O que se pode concluir daí é o
seguinte: as classes sociais forjam seus instrumentos com o material que têm a
mão.
O
PSTU diz que "o reformismo da direção do PT é a válvula de segurança que a
burguesia brasileira pode contar em caso de uma crise revolucionária no
país".
Curiosamente,
Trotsky entrou no Partido Bolchevique apenas em 1917. Antes disso, era um duro
crítico da estratégia defendida por Lenin. Por sua vez, o Partido Bolchevique,
entre a revolução de fevereiro e a conferência de abril de 1917, defendeu uma
política de colaboração com o governo provisório. Foi travada uma imensa luta
interna no Partido Operário Social Democrata Russo (bolchevique), que resultou
na aprovação das Teses de Abril, nas quais Lenin defendia a revolução
socialista e a tomada do poder pelos sovietes. E as posições de Lenin só foram
vitoriosas graças ao apoio da militância operária, especialmente os novos
militantes, surgidos da ebulição revolucionária de fevereiro de 1917.
É
evidente que toda analogia é abusiva, mas a lembrança serve para ressaltar o
quanto os critérios dos companheiros são a-históricos, doutrinários. Segundo
estes critérios, até mesmo os bolcheviques seriam "válvula de
segurança". Aliás, a esse respeito sugerimos a leitura do prefácio do
próprio Trotski à A Revolução Russa.
Nas
várias experiências revolucionárias ocorridas no século XX, vários partidos
assumiram a condição de vanguarda.
No
caso russo, o papel desempenhado pelos bolcheviques foi, por suposto,
destacado. Mas, qual partido bolchevique? Em abril de 1917, Lenin aprova as
"teses de abril" contra a posição dos "velhos
bolqueviques". Em outubro de 1917, quem apóia Lenin com maior decisão são
os recém-chegados ao Partido --inclusive os que vieram junto com Trotski.
No
Congresso dos Sovietes e no governo revolucionário que dali nascerá, a maioria
"bolchevique" só é possível porque, na verdade, existe uma coalizão
mais ou menos informal com socialistas revolucionários de esquerda, com
pequenos grupos mencheviques, com os anarquistas, com operários independentes
etc.
O
fato de Lenin --e os bolcheviques-- terem sido o centro político-organizativo,
o pólo que agregou os diversos setores da revolução, não pode nos fazer
esquecer a pluralidade da esquerda revolucionária na Rússia de 1917. E deve nos
levar a enxergar de outra maneira a conveniência e a "necessidade" de
termos "um" partido revolucionário no Brasil.
Nesse
ponto, curiosamente, o PSTU defende a mesma tradição dos partidos comunistas
ditos "estalinistas", segundo a qual só existe um único partido
revolucionário da classe operária.
O
documento supracitado do PSTU pergunta se o PT é "este partido
revolucionário" e, depois, se "o PT é o partido estratégico".
Acontece que as duas perguntas não são equivalentes.
O PT
hoje é um partido social-democrata, no sentido clássico deste termo. Noutras
palavras: tomado de conjunto, o PT não luta por uma revolução socialista;
tampouco visa ajudar na instalação de uma situação revolucionária no país (o
que não impede que setores do partido obrem nesse sentido).
Outra
coisa é saber se ele virá ou não a cumprir um papel revolucionário, na hipótese
de uma revolução no Brasil. Peço socorro, neste instante, ao próprio
companheiro Neto, que fala que na China, a direção "sempre" capitulou à burguesia...
Novamente,
é muito difícil que todo o Partido esteja na mesma trincheira. Mas onde estará
a maioria?
Quanto
a saber se o PT é estratégico ou não, isto implica em responder se é a partir
dele, ou também a partir dele que, num momento de crise
revolucionária, pode vir a se construir uma direção revolucionária.
O
PSTU diz que o PT não é um partido estratégico, porque não se propõe a fazer a
revolução (muito antes pelo contrário), e porque existe em seu interior um
processo irreversível de burocratização, o que torna irreversível o caráter
reformista de todo o partido.
Ambas
as afirmativas contém enorme dose de verdade, mas não contém toda a verdade.
Além disso, como apontamos, trata-se de uma resposta e de uma pergunta
incompatíveis entre si.
O PT
é a expressão político-partidária de um amplo segmento das classes
trabalhadoras brasileiras. A pergunta não é, simplesmente, se o PT é
estratégico ou se o PT é revolucionário. A pergunta é se este segmento que o PT
representa é ou não revolucionário, se pode ou não vir a cumprir um papel
revolucionário. Renunciar à disputa do PT é, de fato, renunciar à disputa deste
setor da classe trabalhadora. Postura, que para ser coerente, deveria levar os
que a defendem a sair da CUT e a não disputar eleições.
O
PSTU reconhece que existe no PT uma esquerda revolucionária, embora "em
processo de adaptacão". Valeria a pena destacar que, mesmo sem ser maioria
no PT, essa esquerda é várias vezes maior que o PSTU. Maior
eleitoralmente (só em São Paulo, nossos candidatos não-eleitos receberam mais
votos que o PSTU em todo o país) e maior em número de militantes (basta dizer
que uma única tendência da esquerda petista tinha mais delegados, no último
Congresso da UNE, que o PSTU).
Quanto
ao processo de burocratização, ele "parece" irreversível, de fato.
Mas perguntamos: no caso de haver uma
crise aguda, no Brasil, no curto prazo, a quem a maior parte das massas
populares se dirigirá? Ao PT ou ao PSTU? E onde a esquerda revolucionária que
está no PT pode ser mais útil? No PT ou no PSTU?
A
dolorosa experiência dos espartaquistas, durante a revolução alemã, revela que
a política proposta pelo PSTU –assim como a política proposta por nós-- contém
riscos. Mas nosso critério fundamental deve ser manter laços com a maioria da
vanguarda da classe trabalhadora. Por isso não nos dispomos a sair do PT.
Os
companheiros consideram que a derrota eleitoral do PSTU nas últimas eleições
não é uma base sólida para supor o isolamento como consequência da ruptura com
o PT. Curiosamente, os companheiros não utilizam o mesmo critério para discutir
a derrota eleitoral da esquerda petista, no estado de São Paulo. De toda forma,
o problema não está no risco do isolamento, mas sim em buscar o isolamento sem
necessidade.
Segmentos
majoritários da classe trabalhadora têm vínculos de lealdade com o PT. E --talvez
os companheiros não compreendam isto-- nós nos sentimos, nós somos parte do PT.
Nós não fizemos entrismo no PT, nós não estamos no PT de passagem. Os
companheiros acham que o processo de "adaptação" do PT já se
concluiu, nós enxergamos de maneira diferente este processo.
O
PSTU considera que sofreu uma derrota eleitoral em 1998, mas obteve uma
"vitória política". Já a esquerda petista em SP teria sofrido uma
derrota eleitoral, além de não ter nenhuma vitória política, "por não ter
tido condições de aparecer com suas próprias posições".
A
esquerda petista foi derrotada nas eleições em São Paulo, porque não elegeu
nenhum dos três deputados federais que possuia e ainda perdeu um dos dois
deputados estaduais. A causa fundamental da derrota foi o divisionismo no
interior da esquerda petista: excesso de candidaturas, que nos levaram em
conjunto a ter mais de 200 mil votos (mais que o PSTU em todo o país) e a não eleger nenhum federal. Creditar
nossa derrota a força ou aos esquemas eleitorais da direita partidária é,
portanto, meia verdade.
Em
segundo lugar, ao contrário do que os companheiros dizem, a esquerda petista é
bastante conhecida, no partido e nos movimentos sociais. Não fosse assim, o
próprio PSTU não nos daria tanta atenção. O fato de não termos "legenda
própria" não significa que não tenhamos aparecido com nossas próprias
posições. Perguntamos aos companheiros: a velha Convergência Socialista não
defendia suas posições quando estava no PT?
Os
companheiros dizem que "com a melhor das intenções, a esquerda petista
segue construindo um partido reformista. Os companheiros não existem como uma
referência pública conhecida, são partes do PT". Tudo absolutamente
correto, exceto por duas coisas: primeiro, a esquerda petista possui sim uma
"referência pública conhecida". Não fosse assim, a mídia e a direita
do partido não falariam volta e meia em nos expulsar do Partido. Segundo, nós
construímos um partido reformista com "a melhor das intenções" de
operar, nele e a partir dele, uma política que nos permita aproveitar ao máximo
a conjuntura que --nós e o PSTU-- achamos que está se abrindo.
Curiosamente,
os companheiros falam tudo isso do PT e da esquerda petista, mas propõem
construir uma "frente única revolucionária", que demoraria talvez
anos para se concretizar. Ou seja: admitem, implicitamente, conviver por anos
com um bando de reformistas, incrustrados num partido adaptado ao regime.
O diagnóstico que vincula os problemas
vividos pelo PT a traição de direções burocratizadas, distantes do povo,
alienadas de seus compromissos com a Nação ou coisa que o valha, gera qual
conclusão? Trocar a direção? Trocar de partido?
Achamos que o problema é de maior
profundidade, dizendo respeito ao comportamento da base social principal do PT,
qual seja, os assalariados (operários ou não). A não ser que acreditemos --como
faziam parte dos que romperam com o Partido Comunista nos anos 60- que os
camponeses serão os principais protagonistas de uma revolução socialista no
Brasil, o principal problema da esquerda brasileira não é o PT estrito senso,
mas sim a classe dos trabalhadores assalariados.
A
pergunta é: como colocar esta classe em movimento? Como fazê-la reassumir o
protagonismo do final dos anos 70 e dos anos 80? É mais fácil fazer isto
atuando no PT ou fora dele?
Ao
dizer tudo isso, não desconhecemos que o PT está vivendo a fase final de um
ciclo, que pode desdobrar-se numa cisão, no definhamento ou na mudança de
qualidade. Mas queremos enfrentar este desafio dentro do PT, até porque estamos
convencidos de que a existência do PT é um fator positivo para a luta
socialista no Brasil.
Até
porque não nos agrada a situação daqueles que, tendo vaticinado o esgotamento
do PT, constróem toda sua política em torno de uma preocupação central: o que o
PT deveria fazer? Já que a pergunta é esta, preferimos respondê-la dentro do
próprio Partido.
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